quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ricardo Carvalho: o Patriotismo e o Respeitinho

Estava à espera de alguém com uma opinião tão lúcida como esta dissesse alguma coisa para falar do assunto, mas pelo vistos estava difícil. Vamos por partes. Há duas razões para toda a histeria em torno do caso, e duas causas para que todos, ou quase todos, apontem agora o dedo ao jogador português: a falta de respeito enquanto membro de uma equipa, e essa coisa esquisita a que chamam patriotismo. Sobre a falta de respeito, falarei no final, até porque é sobre isso que há mais a dizer, e é sobre isso que todas as análises não-hipócritas ao caso devem incidir. Mas, para já, quero falar em patriotismo. Eu percebo por que razão é que um bolo, para saber bem, precisa de levar açúcar. Também percebo que, para cantar, é preciso ter boa voz. O que eu não percebo, e dificilmente virei a perceber, é por que razão é que a qualidade de uma pessoa depende, entre outras coisas, evidentemente, dessa virtude a que chamam patriotismo. Não sou, nem nunca fui, que me lembre, patriota. E acho, como Oscar Wilde achava, que o patriotismo é a virtude dos infames. Por que razão absurda é que uma pessoa tem de nutrir sentimentos pela nação em que, por mera contingência, nasceu? Não percebo, nem nunca percebi, o que é o amor à pátria. Honestamente. Nutro sentimentos por um ou outro sítio onde morei, por uma cidade, vá, pelas pessoas com quem me cruzei, etc. Mas pela pátria? Eu nem sei o que a pátria é! Sei que tem uma bandeira, que tem um "território", que tem oito ou nove séculos de História. Tirando isso, pouco ou nada sei. Ser, por outro lado, uma entidade abstracta, também não ajuda. Como é que se tem amor por coisas abstractas? Até consigo perceber que alguém possa ter amor por um escaravelho, por uma mesa de cabeceira, sei lá. Acho difícil é ter amor pela filosofia de Platão, ou pelo conceito de Infinito. A meu ver, o patriotismo não é senão uma parvoíce religiosa que, como todas as parvoíces religiosas, serve meramente para domesticar os impulsos anti-gregários das pessoas. Como já devem ter percebido, não acho que faça qualquer sentido o argumento de que o que Ricardo Carvalho fez foi errado porque faltou ao respeito à pátria, precisamente porque a pátria não é nada. Como é que se falta ao respeito a uma coisa que não existe? Aliás, ganharia o meu respeito o jogador que, em início de carreira, renunciasse à selecção por achar hipócrita representar algo pelo qual não nutrisse qualquer tipo de sentimentos. Isto tudo para dizer que as pessoas que acham que o Ricardo Carvalho desrespeitou os portugueses porque desrespeitou a selecção se enganam ao achar que há algum tipo de relação entre a selecção e o país. Pois não há. No fundo, isto não passa de um argumento puritano, um argumento que consiste em achar que existe sacralidade no mundo, um argumento de gente católica que, não sabendo muito bem porquê, acha condenável o comportamento do jogador.

Católico é também o "respeitinho" com que dizem que todos se devem comportar. É outra das ideias que nunca me entrou na cabeça, mas admito que faça ligeiramente mais sentido que o argumento do patriotismo. Para muitos, Ricardo Carvalho é um subordinado e, como todo o subordinado, deve respeitar os superiores. Pois é esta relação hierárquica que não faz sentido nenhum, a meu ver. O respeito não é do tipo de sentimentos que se tem sem qualquer espécie de reciprocidade. Não acredito mesmo que haja uma única pessoa que respeite quem não a respeita. Por isso, não é o tipo de coisa que se possa exigir numa relação hierárquica. Numa relação desse tipo, pode exigir-se obediência, nunca respeito. E é isso que está errado nesta história toda. Para mim, não se tratou de um problema de falta de respeito, nem do jogador para com a equipa técnica, nem da equipa técnica para com o jogador. Tratou-se, sim, de um conflito acerca de um ideal de liderança. Ao chegar a Inglaterra, disse Mourinho que os jogadores ingleses, por oposição aos latinos, que precisam de acreditar na competência do líder, são obedientes por natureza e aceitam a liderança com base numa relação hierárquica estipulada a priori. Significa isto que há, pelo menos, dois tipos de liderança bem distintos: uma liderança de tipo militar, com superiores hierárquicos e subordinados de quem se exige obediência absoluta e cumprimento de ordens, e uma liderança menos conservadora, cooperante, assente na ideia de que os liderados têm um papel a desempenhar na liderança. Conta ainda Mourinho que, desde cedo, percebeu que o fosso que se criava entre treinador e jogadores não era benéfico, que ao contrário de Van Gaal, que não se relacionava com os jogadores senão enquanto general das tropas, ele ia na parte de trás do autocarro com os jogadores, confraternizava com eles, partilhava problemas, etc.

É fácil de perceber que estou a distinguir o tipo de liderança de Paulo Bento do de Mourinho, e que considero que Paulo Bento lidera muito mais à Van Gaal. Para Mourinho, nada excede ou está acima do grupo, e nada importa mais que o grupo. Paulo Bento, pelo contrário, lidera pela força, pela exigência incondicional, pela imposição de regras. Mesmo que as regras, como o próprio já o disse, não sejam impostas ditatorialmente, mas confiando e responsabilizando. Garantiu Paulo Bento que não entra nos quartos dos jogadores, para ver se estão deitados às horas certas, que não controla o que comem, etc. Mas isso não faz dele um líder menos autoritário. Não são as regras que dita, mas a posição de superioridade em que se coloca que fazem dele o tipo de líder que é. Quero com isto dizer que o tipo de liderança de Paulo Bento sempre me pareceu deste género: tem pulso forte, exige acima de tudo respeito e profissionalismo, é contra vedetismos, etc. Não que isto seja mau por si, mas há jogadores que têm feitios que não são compatíveis com isto. E, muito sinceramente, acho que este tipo de liderança deixou de ser a mais adequada. O jogador de futebol não é hoje o que era há duas ou três décadas, tem uma exposição mediática, um orgulho e uma vaidade que não tinha antes. E, sobretudo, tem opiniões próprias, está muito mais informado, percebe muito melhor intenções e competências técnicas. Perante este cenário, o único tipo de liderança que, a meu ver, faz sentido, nos dias que correm, é uma liderança que se exerça pela competência. Os jogadores precisam de sentir que aquele que conduz o leme tem competência para o fazer, que não faz as coisas porque lhe apetece, porque tem autoridade para as fazer, porque tem "feelings", mas que dá satisfações, justifica decisões, pede conselhos, que exige dos jogadores que compreendam as suas opções, os seus exercícios, as suas estratégias; os jogadores precisam, actualmente, de um treinador que mantenha com eles uma relação horizontal, que se coloque ao nível deles e assuma que os próprios jogadores, porque são eles que têm de interpretar no campo o que lhes vai ser pedido, podem ter opiniões melhores, podem sentir coisas que o façam mudar de estratégia, etc.

Paulo Bento não é nada disto. Acha, porque era assim que as coisas funcionavam há uns anos, porque foi assim que foi educado enquanto jogador, que um treinador não tem que dar satisfações, que um treinador está numa posição hierárquica superior, que a relação entre jogadores e treinador é uma relação vertical. Creio que esse tipo de liderança pode ter efeitos positivos sobretudo em jogadores humildes, em jogadores a quem lhes interesse ver um líder forte, um líder inabalável, um líder em quem possam sentir fé. Não creio, porém, que tenha o mesmo efeito em jogadores mais inteligentes, em jogadores menos conservadores, em jogadores com opiniões mais bem formadas e personalidades mais fortes, em jogadores que creiam mais na competência do que na fé. Neste tipo de jogadores, mais irreverentes por natureza, não creio que o tipo de liderança que Paulo Bento preconiza funcione bem. Não foi por acaso que se incompatibilizou com quem se incompatibilizou no passado, precisamente os jogadores do Sporting menos capazes de aceitar a sua liderança incondicional: Beto, não por irreverência, mas por ser o capitão e estar acostumado a certas regalias, mas essencialmente Carlos Martins e Vukcevic, jogadores mais irreverentes, com feitios especiais, que precisam de estímulos de outro tipo. Paulo Bento "premiou" frequentemente excelentes exibições de Vukcevic sentando-o no banco no jogo seguinte. Não querendo discutir opções técnicas (e terá sido por uma questão de opção técnica), isso só pode funcionar com alguém que aceita servilmente as ordens de um superior. Com jogadores de personalidades tão vincadas, é natural que não desse bom resultado. E é aqui que é importante chegar: nem sempre a opção técnica deve ser o primeiro critério de um treinador. Quando a opção técnica põe em causa a integridade do grupo e a confiança no líder, então talvez não seja a melhor opção técnica. Nesta situação concreta, Paulo Bento teria de "mostrar" ao jogador que tinha gostado do que ele tinha feito pondo-o a jogar. Compare-se com o exemplo de Benzema, no Real Madrid. Mourinho teve de recorrer ao francês na segunda metade da época passada, por força da lesão de Higuaín. O francês demorou a justificar a aposta, mas acabou por ser importante para a equipa, sobretudo na fase final da temporada. Este ano, voltou a começar bem a época. Mourinho não pode, simplesmente, tirá-lo sem mais nem menos da equipa, apesar de Higuaín, no passado, lhe ter dado garantias de um rendimento superior. Estaria a minar a confiança que o jogador deposita em si, e até a confiança do grupo.

Quando Paulo Bento fala em responsabilidade, esquece-se que a responsabilidade não é unilateral, que têm tantas resposabilidades os jogadores como os treinadores. O seu tipo de liderança é mais autoritário do que imagina precisamente porque "exige" responsabilidade incondicional, ou exige-a a troco de uma alegada "confiança" no atleta. O problema é este, é não perceber que os atletas se estão borrifando para a gratuidade da "confiança". Aquilo por que deveria trocar a responsabilidade deles não era pela liberdade que lhes concede, mas sim pela sua própria responsabilidade. Para exigir que os jogadores lhe devam responsabilidade, precisaria de lhes demonstrar que ele próprio é responsável. E isso faz-se com pequenas coisas, todas elas intimamente relacionadas com competências de treinador: reconhecendo de que modo pode estimular cada atleta, percebendo particularidades de feitios, tratando cada jogador de forma diferente, consoante a sua personalidade, conversando, justificando as suas decisões, pedindo opiniões, dando satisfações, aproximando-se dos jogadores, entrando na sua intimidade, falando acerca dos seus problemas, etc. Com Ricardo Carvalho, por exemplo, talvez tivesse bastado conversar, talvez tivesse bastado informá-lo previamente acerca das intenções da equipa técnica, talvez tivesse bastado explicar-lhe quais as razões técnicas pelas quais se achava melhor jogarem Pepe e Bruno Alves. Negligenciou-se a personalidade individual de um atleta e deu no que deu. E não foi por acaso que aconteceu com Ricardo Carvalho: tratava-se de um jogador inteligentíssimo, com uma personalidade muito forte, e certamente com opiniões muito claras acerca do jogo; tratava-se de um jogador habituadíssimo (cresceu assim) à liderança de Mourinho, que é o completo oposto da de Paulo Bento. Eu não advinharia isto, mas agora que aconteceu, parece-me absolutamente natural que tenha acontecido. Há um conflito evidente de gerações, e um conflito acerca de ideias de liderança. A falta de respeito de que Ricardo Carvalho se disse vítima não foi originada por não ser opção para o Chipre; foi por essa decisão ter sido tomada arbitrariamente, sem que se lhe dessem satisfações, e principalmente por perceber que o treinador acha, por princípio, que os jogadores têm de respeitar as suas decisões e não merecem saber as razões dessas decisões. Mais do que uma questão de falta de respeito (quer do treinador para com o jogador, quer do jogador para com o treinador) creio que este episódio foi resultado de uma incompatibilidade acerca de um ideal de liderança.

Muito resumidamente, usar o patriotismo e o respeitinho para argumentar que Ricardo Carvalho se comportou indevidamente é um equívoco. E a mim irrita-me que a opinião pública seja tão favorável, neste caso, mas também na grande maioria destes casos, ao treinador e não ao jogador. Sempre que há episódios de insubordinação, o réu é invariavelmente o jogador. Eu, que nunca fui treinador, mas que tenho uma experiência, enquanto jogador, suficientemente consolidada, fico normalmente do lado dos jogadores, neste tipo de casos. E isso não por me conseguir colocar no papel de uns e não de outros, mas porque percebo a frustração que existe em de ter de reconhecer liderança a alguém só porque sim. De um treinador um jogador inteligente espera competência, ideias, e muita responsabilidade. Se, em vez disso, percebe autoritarismo, caprichos e obsolescência, é natural e absolutamente legítimo que lhe perca o respeito. Este caso explica-se muito mais por estas coisas do que propriamente por um acto irreflectido e por uma atitude injustificável.

P.S. Para a opinião pública que, apressadamente, se colocou do lado de Paulo Bento, tenho uma pergunta que talvez incomode: e se, em vez de Ricardo Carvalho, a coisa tivesse sucedido com Cristiano Ronaldo? Eu sei que a probabilidade de o Ronaldo ir para o banco é menor, mas imaginem a possibilidade. Imagine-se que passava pela cabeça de Paulo Bento deixar Ronaldo no banco porque achava que era melhor opção ele não jogar, e imagine-se que Ronaldo, não gostando da ideia, até porque o treinador não a justificara, decidia abandonar o estágio. Muito sinceramente, gostava de ver se, nessa altura, vinham com patriotismos e respeitinhos. Aliás, actos de insubordinação de Ronaldo foram coisas que não faltaram na era de Queiroz. E não me lembro de alguém se colocar do lado de Queiroz nessa altura.

38 comentários:

Cisto disse...

Concordo quase a 100%, tirando a reflexão acerca da possibilidade de amor a uma entidade abstracta. Na verdade, o próprio conceito de amor é abstracto. comer ou urinar são acções perfeitamente objectivas, comer um escaravelho, urinar na mesa de cabeceira. mas e amar, o que é isso? a conversa tinha pano para mangas e, embora compreenda as razões históricas que a motivem, acho que a comparação entre o amor à pátria e a religião um disparate, só por ambas serem actividades abstractas. Não sabendo nada acerca do Nuno, arriscaria dizer que vive no seu próprio país (e portanto na sua neblina bafienta) e nunca passou largas temporadas fora dele. Se estiver errado, lamento a presunção.

Mas também eu fui jogador e tb eu tive problemas com treinadores não por questões de vedetismo (sou discreto por natureza) mas precisamente ser tradição em Potugal esse tipo de patéticas lideranças à Paulo Bento, que tanto critiquei quando estava no Sporting. Desse ponto de vista, estando a minha opinião mais inclinada a criticar no Carvalho, o teu texto mudou a minha perspectiva.

Dito isto, acho que Carvalho sendo tão inteligente e maduro deveria ter tido a calma de renunciar à Selecção depois do estágio, evitando um circo e ansiedade pessoal desnecessários.

Criticar a conduta dos outros é sempre fácil.

Anónimo da Silva disse...

O texto está muito bom, principalmente na questão da liderança. Tenho alguns conhecimentos dentro dessa área, nomeadamente da Gestão de Recursos Humanos e achei uma reflexão interessantíssima.

A questão do patriotismo sempre me confundiu. Se eu estivesse no topo do mundo do futebol, um Real ou Barça, ou até num Porto ou Benfica como topo a nível nacional, acho que a selecção não me atrairia minimamente.
Ainda este Verão, depois de vencer campeonato, Champions, bola de ouro, bota de ouro da Champions, etc, lá teve o Messi que ir ao País dele, jogar com um bando de jogadores medianos, ser treinado por um idiota qualquer e chegar inclusive a ouvir apupos da bancada. Para quê, pergunto eu? Não seria preferível ir de férias, passar umas semaninhas a trabalhar o bronze?
Já para não falar da questão dos enormes prejuízos que os clubes sofrem. Basta ver que o Porto com o Iturbe perdeu-o toda a pré-epoca e pelos vistos vai perdê-lo mais um mês por causa duma treta qualquer chamada pan-americanos.

Acho sinceramente que já amei a selecção nacional, senti o tal de patriotismo, mas quando chegou Scolari percebi que aquilo não tinha nada a ver com Portugal, não representava de modo nenhum Portugal e que não passa duma montra utilizada por empresários.
Percebi que provavelmente o que eu amava era o futebol de Paulo Sousa, FIgo e João Pinto e que isso pouco tinha a ver com patriotismo.

Mike Portugal disse...

"O respeito não é do tipo de sentimentos que se tem sem qualquer espécie de reciprocidade. Não acredito mesmo que haja uma única pessoa que respeite quem não a respeita. Por isso, não é o tipo de coisa que se possa exigir numa relação hierárquica. Numa relação desse tipo, pode exigir-se obediência, nunca respeito."

Concordo em absoluto com isto. O respeito e a confiança são coisas que se têm que ganhar através das atitudes e não forçar isso às pessoas.

Nem penso que o problema aconteceu por o Paulo Bento achar que não deve satisfações aos jogadores. Acho sinceramente que ele nem se apercebeu que o Ricardo Carvalho poderia ficar "sentido" com a sua não titularidade. Porque para o Paulo Bento, o tipo de jogo que o Chipre nos ía obrigar a jogar, requeria 2 centrais mais fortes no jogo aéreo (para aproveitar os cantos), logo o Ricardo Carvalho seria suplente sempre.

Anónimo disse...

Muito bom Nuno, mas continuo com a minha! É tão "parvo" ter este tipo de liderança como sequer colocar a hipótese de Ricardo Carvalho não jogar para jogar qualquer outro DC Português! E tudo começa aí, na falta de senso táctico de Paulo Bento.

Depois a questão da liderança! Os jogadores percebem o porquê das opções dos treinadores, mas para perceberem terá de existir uma mensagem, a mesma tem como foco a confiança na relação, não esperar que o jogador aceite tudo, só porque tem de ser, ou porque de alguma forma assim foi "instituído"! Agora acusam o rapaz de falta de humildade e não ser patriota? Primeiro, humildade pouco tem a ver com submissão! Um jogador não é um escravo que faz uma "maquina andar", o jogador é parte integrante do "funcionamento da maquina", e se Paulo Bento não perceber isso, não vai perder apenas Ricardo Carvalho. Como jogador de alta competição que foi, deveria perceber que os laços que se criam no balneário, são suficientes para derrubar um treinador. Ainda por cima, os jogadores com mais importância na selecção actual, coabitam durante todo o ano em Madrid...! Pode ser por aqui que PB pode começar a "perder o grupo". Já te tinha falado Nuno, numa certa época, mandaram um treinador que todos adoravamos embora, conclusão, o treinador voltou e a direcção caiu! Não se subestime os laços que um balneário cria.


O patriotismo... Eu sou sincero, sou patriota. Adoro o meu país, mas nada me obriga a "comer tudo o que ele me dá", pois é o que dizes, esse conceito é abstracto! Sendo patriota, também posso ser crítico em relação ao bom/mau funcionamento dos variados requisitos que regulam a nossa sociedade, tal como o fez RC.

Portanto, espero não ouvir todos aqueles que acusam RC de falta de patriotismo, dizer mal de políticos portugueses, de empresas portuguesas,ou de outro qualquer "produto" que tenha por trás de si a nossa bandeira. Mas aposto que o fazem a todo o momento!

PS: Fico à espera do texto que tenho a certeza que vais lançar sobre os "testes físicos que testaram Ronaldo ao limite"! Eu pelo menos consegui rir quando vi a reportagem...se não tavas a planear escrever sobre isso, pensa sobre tal hipótese, na blogosfera és a pessoa que vejo com melhor perfil para "descascar" esse falso-argumento que são esses testes!

Abraço,

Jorge D.

Pedro disse...

Mais um grande texto onde tudo é dito ficando pouco espaço para opinar dado que seria uma mera repetição de argumentos. ☺

Acho que se passou algo mais do que mera opção técnica/táctica. Não me custa acreditar na versão que corre que Carvalho questionou Paulo Bento e este o mandou para aquele sitio dizendo um "quem manda sou eu" que vai de encontro ao que tu descreves como liderança à Paulo Bento. Para mim o grande erro de Caraválho é sair do estágio e não ser claro nas declarações q faz. E após ser apelidado de mercenário voltar a não ser claro nas razões que o levaram a sair. Devia dizer tudo, esclarecer claramente o que se passou. Um jogador com o seu estatuto devia proceder assim.

"O jogador de futebol não é hoje o que era há duas ou três décadas, tem uma exposição mediática, um orgulho e uma vaidade que não tinha antes. E, sobretudo, tem opiniões próprias, está muito mais informado, percebe muito melhor intenções e competências técnicas."

Quem não perceber isto, não percebe nada de gestão de um plantel profissional de futebol nos dias de hoje. Jesus tem uma tirada muito boa qd entrou no SLB. Quando lhe perguntaram se era mais fácil treinar jogadores "normais" ou estrelas como Aimar e/ou Saviola. Jesus respondeu que era muito mais fácil treinar grandes jogadores do que jogadores medianos que se acham bons. É pena Jesus não ter pedalada para o resto no que diz respeito à gestão de um balneário...

Carlos Humberto Almeida disse...

Nuno,

A reflexão parece-me ajustada. Um jogador como o Ricardo Carvalho teve as suas razões para proceder como o fez, porém a acção em si (abandonar o estágio) não foi feliz.

Permite-me que coloque outro argumento na mesa: a selecção (dirigentes, técnicos e jogadores) para se preparar para um qualquer jogo, oficial ou particular, decerto que utilizará uns quantos milhares de Euros para o fazer. Um estágio em Óbidos não é gratuito. A FPF tem as suas receitas, mas o Estado também comparticipa bastante, pois trata-se de uma entidade de utilidade pública. Parte dessa verba é proveniente de contribuintes como eu, tu e todos os outros que aqui escrevem.

Na minha perspectiva, e não obstante as razões que levaram ao acto de Ricardo Carvalho, ao abandonar o estágio daquela forma acaba por desrespeitar todos os contribuintes que trabalham para suportar determinados custos (por vezes, luxos mesmo) da selecção portuguesa de futebol. Isto é faltar ao respeito.

E não importa que sejamos patriotas ou não; pagamos na mesma!

Saudações!

Blogger disse...

Quanto a frases como esta: "Por que razão absurda é que uma pessoa tem de nutrir sentimentos pela nação" + "Nutro sentimentos por um ou outro sítio onde morei, por uma cidade, vá, pelas pessoas com quem me cruzei, etc."

Se algum dia o Nuno viver fora de Portugal certamente não falará assim de forma tão "arbitrária" do amor que se possa sentir pelo país/nação/pátria

MM disse...

Nuno,
Por mais razão que lhe assistisse, Carvalho, essa (discutivel) razão não se transforma no direito de fazer o que fez. Pode ter-se sentido injustiçado, pode ter-se sentido atingido na sua dignidade (estranho mundo este onde a não-selecção para um 11 de bola é sinónima de "desrespeitaram a minha dignidade"); ainda que tudo isso fosse plano, tal não se deveria traduzir na acção que o jogador teve.

Poderia ter feito mil coisas antes daquela que fez. Deveria o Ricardo Carvalho ser bem punido pelo seu clube, porque quem faz o que fez ali, fá-lo-á em qualquer lugar. Não pode ser, claro.

Gostava que perguntassem ao Ricardo Carvalho se sentiu injustiça pelo Jorge Costa quando o Octávio quis afirmar em 2002/03 a dulpa Carvalho / Andrade. Óbvio que não, porque na altura trouxe-lhe benefício. Jogadores mimados e egoistas; para mais quando se aproximam do fim da carreira e pouco têm a provar a quem quer que seja. É por isso, também, que o futebol é uma coisa muito pobre. Hoje.

Mas Nuno, acho também normal que vejas o problema nessa perspectiva egocêntrica / individual. Faz sentido que assim seja.

Tolan disse...

Concordo quase totalmente, menos no amor a uma entidade abstracta como um país. Eu não sou tecnicamente português e torço por portugal. Para mim é semelhante à emoção que nutro pelo meu clube, um sentimento de pertença. Todo o futebol é abstracto. Que motivação existe para vencer? Vencer porquê? Porque ficamos felizes se a nossa equipa marca um golo? Porque ficamos tristes se somos eliminados? Eu sinto que no caso da selecção o sentimento é de comunhão. O facto de sentir que 10 milhões de pessoas que vejo nas ruas, nos cafés, etc. ficam felizes comigo e partilham algo comigo, faz-me feliz. Tudo isso é irracional, mas um irracional que me parece positivo quando está limitado ao desporto e ao fairplay e não quando aplicado a fanatismos e demagogias na política. É poesia e não apenas racionalismo puro.

De resto,não sou religioso, muito menos católico, e o futebol é um pequeno escape, um prazer. Também vibro com futebol jogado entre equipas que não me dizem nada e em que fico apenas fascinado pela qualidade do futebol e pela emoção de cada um dos lados.

Do ponto de vista dos atletas também acredito que eles se sintam verdadeiramente felizes quando vencem e não apenas porque recheia mais a conta bancária. Têm orgulho em serem adulados e em suscitar alegrias aos seus adeptos.

só isso, mas concordo consigo e desde o início que estive do lado do Ricardo Carvalho, um jogador que sempre respeitei muito (ao contrário do Pepe, que detesto).

C disse...

O Heidegger dizia que nunca tinha visto a humanidade e, mesmo assim, ela não deixava de existir. E, no fundo, é o que acontece quando tu tentas fixar qualquer coisa minimamente geral, porque o geral depende sempre de alguma coisa de natureza qualitativa. Da mesma maneira que a estatística não é suficiente para definir a prestação de um jogo, e da mesma forma que eu não quantifico uma obra de arte, também tenho uma enorme dificuldade em definir as variáveis de uma coisa geral. O que é que eu preciso de ter para ser homem? Na viagem de Gulliver a Liliput, aqueles anões que o prendem são homens? E os gigantes?
Também a pátria, como ente universal que é, claudica na chamada definição analítica, definição por "objectos separados". Nunca te vou conseguir dizer que a pátria é território, mais região, mais história, claro que não vou. Da mesma forma que não consigo dizer que a prestação de um jogador passa pelos passes certos, mais recuperações de bola, mais remates acertados.
A identificação de "o que é a pátria" não pode vir da identificação de atributos, como também a de um futebolista não pode vir, ou como a de um homem não pode vir. Trata-se de uma identificação natural. Não digo que tenhas uma identificação natural de "portugal", com tudo o que isto comporta, mas sim que tens uma identificação natural de sociedade, de relação de dependência entre um outro e ti, que evolui. A identificação de uma pátria não é mais do que um alargar do teu campo de dependência, como se tratássemos de camadas de cebolas. Tens uma primeira camada com as pessoas com quem te relacionas directamente e, progressivamente, o espectro vai alargando. É, portanto, como a família, ou como a Humanidade. Algo que é difícil de definir, mas com os quais tens uma relação (à partida, maior com a família, menor com a humanidade no seu sentido abstracto)e dos quais, quer queiras quer não, tens alguma dependência. Não sobrevives sem o leite ou o pão que o vizinho vende, e é nesta teia de relações que se baseia a ideia abstracta de uma pátria, ou de uma humanidade. E, é nesta ideia de grande relação que está o fundamento do patriotismo. Não é, simplesmente, porque se nasceu cá. É porque, diariamente, a sociedade me dá muito mais do que aquilo que eu lhe dou a ela. É por isto que uma pessoa deve estar agradecida, e é por isso que o patriotismo é uma virtude nobre, e não infame (e adoro o Oscar Wilde!).
Resumindo: é claro que é no outro ponto que está toda a relevância futebolística, e é claro que há uma certa incoerência na atitude de Paulo Bento. Mas é por valorizar esta virtude de gente que acredita em "parvoíces religiosas" que não posso achar certa a atitude de Ricardo Carvalho.
Gosto do Entre Dez!

Nuno disse...

Antes de responder, queria pedir desculpas pela demora nas respostas.

Cisto diz: "Dito isto, acho que Carvalho sendo tão inteligente e maduro deveria ter tido a calma de renunciar à Selecção depois do estágio, evitando um circo e ansiedade pessoal desnecessários."

Não duvido que esta fosse a atitude mais digna. Mas não é de dignidade que se está aqui a falar. Está-se a falar num problema de incompatibilidade que motivou uma reacção imponderada. Os problemas de liderança que apontei ao Paulo Bento não implicam um desconforto dos jogadores; implicam a possibilidade de reacções deste tipo acontecerem. O Ricardo Carvalho é inteligente e tenho a certeza que está arrependido. Se tivesse resistido à reacção, duvido que mais tarde renunciasse. Mas "explodiu" naquela situação, porque a "prepotência" da liderança o conduziu a isso. O problema aqui não é um problema racional, um problema irresolúvel. É, isso sim, emocional.

DC, eu também gostava da selecção do Paulo Sousa, Rui Costa, Figo, João Pinto. E também percebi mais tarde que não era por patriotismo.

Mike Portugal diz: "Nem penso que o problema aconteceu por o Paulo Bento achar que não deve satisfações aos jogadores. Acho sinceramente que ele nem se apercebeu que o Ricardo Carvalho poderia ficar "sentido" com a sua não titularidade."

Mike, é o mesmo. Achar que não deve dar satisfações e não se aperceber que um jogador pode não gostar das suas opções revela uma falta de "tacto" gritante. O problema é que o seu tipo de liderança não contempla o "tacto".

Jorge D. diz: "Muito bom Nuno, mas continuo com a minha! É tão "parvo" ter este tipo de liderança como sequer colocar a hipótese de Ricardo Carvalho não jogar para jogar qualquer outro DC Português!"

Pois, eu concordo contigo. Aliás, se em vez do Ricardo Carvalho tivesse sido o Ronaldo a conversa estava a ser sobre a opção do treinador e não sobre a reacção do jogador. Mas não quis criticar o Paulo Bento tão facilmente. :)

"Já te tinha falado Nuno, numa certa época, mandaram um treinador que todos adoravamos embora, conclusão, o treinador voltou e a direcção caiu! Não se subestime os laços que um balneário cria."

Sei bem o que isso é. E também tive vários casos de treinadores se terem incompatibilizado com jogadores com peso no balneário e terem sido os treinadores a ser afastados.

"Fico à espera do texto que tenho a certeza que vais lançar sobre os "testes físicos que testaram Ronaldo ao limite"! Eu pelo menos consegui rir quando vi a reportagem...se não tavas a planear escrever sobre isso, pensa sobre tal hipótese, na blogosfera és a pessoa que vejo com melhor perfil para "descascar" esse falso-argumento que são esses testes!"

Agradeço a confiança depositada. Mas não tenho andado com atenção a nada. Que testes foram esses?

Nuno disse...

Carlos Almeida diz: "Na minha perspectiva, e não obstante as razões que levaram ao acto de Ricardo Carvalho, ao abandonar o estágio daquela forma acaba por desrespeitar todos os contribuintes que trabalham para suportar determinados custos (por vezes, luxos mesmo) da selecção portuguesa de futebol. Isto é faltar ao respeito."

Pois, eu percebo esse argumento. Mas não concordo com ele. Se um trabalhador da CP, por exemplo, se incompatibiliza após uma discussão com um superior, e se vai embora para casa, afectando de algum modo o serviço de que estava incumbido, um português que não utilize o comboio, que não seja directamente prejudicado por aquela acção, tem o direito de se sentir desrespeitado? Não me parece. O mais certo é ser aberto um processo disciplinar à pessoa e esta ser castigada de acordo com o código de trabalho. Nós, contribuintes, nós que pagamos indirectamente o salário àquela pessoa, temos direito a sentir que a acção dela nos desrespeitou? Não. Confiamos que o castigo a penalize convenientemente, se for caso disso. Tirando as pessoas que utilizam o serviço que eventualmente ficar afectado, e que pagam por esse serviço e pela expectativa de que esse serviço seja bem prestado, mais ninguém tem direito a sentir-se ofendido. Não nos diz respeito, pura e simplesmente. Para que nos sintamos desrespeitados pelo que o Ricardo Carvalho fez, é preciso sentir algo pela selecção que não sentimos pela CP: é a esse erro de graduação que se chama patriotismo.

Blogger diz: "Se algum dia o Nuno viver fora de Portugal certamente não falará assim de forma tão "arbitrária" do amor que se possa sentir pelo país/nação/pátria"

Porquê? O que é que eu adquiro se viver fora de Portugal? Aprendo a apreciar melhor o país? Mas eu não estou a dizer que não gosto do país. Gosto de muitas coisas que o país tem para oferecer, como desgosto de muitas outras. O que estou a dizer é que não percebo o conceito de "patriotismo". O que não percebo é a obrigação moral que as pessoas acham que todos têm de ter para com o país em que nasceram. É contra a obrigação moral de amar o país que estou, não contra o país.

MM diz: "Por mais razão que lhe assistisse, Carvalho, essa (discutivel) razão não se transforma no direito de fazer o que fez."

MM, ninguém falou em razões. Até porque em casos destes é muito fácil, pelo critério das "razões", apontar o dedo ao que aparenta ser o prevaricador. O que eu disse é que compreendo perfeitamente a reacção do Carvalho, e acho que foi motivada por um problema de liderança do Paulo Bento, pelo que há que distribuir responsabilidades.

"Mas Nuno, acho também normal que vejas o problema nessa perspectiva egocêntrica / individual. Faz sentido que assim seja."

Pois, MM. Eu também percebo, pelos defeitos que me apontas, que aches normal, neste caso, alinhar pela mediocridade da opinião pública.

Tolan diz: "Eu sinto que no caso da selecção o sentimento é de comunhão. O facto de sentir que 10 milhões de pessoas que vejo nas ruas, nos cafés, etc. ficam felizes comigo e partilham algo comigo, faz-me feliz."

Pois, compreendo o desconforto com a minha opinião, mas é esse sentimento de comunhão, idêntico ao sentimento que une pessoas adeptas de um mesmo clube, que nunca entendi. A crítica que faço ao patriotismo é semelhante à que faço ao clubismo. Actualmente, sinto afeição pelo Barcelona. Mas não pelo clube. Sinto afeição pelo futebol do Barcelona. Sou do Barcelona até ao dia em que o futebol deles deixar de me agradar. O resto é abstracto e não sei como é que se pode manter. É por isso que é um sentimento religioso. Sentir-se em comunhão com outros portugueses, ou com outros adeptos do mesmo clube, é o mesmo que sentir-se em comunhão com outros paroquianos que vão à mesma igreja, acreditam nas mesmas coisas, e recebem igualmente a hóstia. Na verdade, partilhar um sentimento pela pátria ou por um clube é uma acção eucarística.

Nuno disse...

Quim diz: "Não digo que tenhas uma identificação natural de "portugal", com tudo o que isto comporta, mas sim que tens uma identificação natural de sociedade, de relação de dependência entre um outro e ti, que evolui. A identificação de uma pátria não é mais do que um alargar do teu campo de dependência, como se tratássemos de camadas de cebolas. Tens uma primeira camada com as pessoas com quem te relacionas directamente e, progressivamente, o espectro vai alargando. É, portanto, como a família, ou como a Humanidade."

Quim, eu até acho que estas duas coisas são incompatíveis. Acho que não se pode ser humanista e patriota ao mesmo tempo, por exemplo. Ser patriota implica, entre outras coisas, defender os interesses de Portugal e não os do Vietnam, por exemplo. E isso implica não ser humanista, por exemplo. O conceito de pátria, usando a tua metáfora das camadas da cebola, implica um sentimento que não se pode alargar para além das fronteiras. Para ser sincero, parece-me que só há duas formas de ser coerente nesta história: ser "individualista", ter sentimentos por um círculo reduzido de pessoas que nos estão próximas, ou ser "humanista", e ter sentimentos tão fortes por desconhecidos como pelas pessoas que nos estão mais próximas. Ou seja, ou se tem uma família com base em sentimentos de afecto directo, ou se tem uma ideia de família com base na ideia de "espécie". Em nenhuma destas hipóteses é possível ser patriota.

"Não sobrevives sem o leite ou o pão que o vizinho vende, e é nesta teia de relações que se baseia a ideia abstracta de uma pátria, ou de uma humanidade. E, é nesta ideia de grande relação que está o fundamento do patriotismo.Não é, simplesmente, porque se nasceu cá. É porque, diariamente, a sociedade me dá muito mais do que aquilo que eu lhe dou a ela. É por isto que uma pessoa deve estar agradecida, e é por isso que o patriotismo é uma virtude nobre, e não infame (e adoro o Oscar Wilde!)."

Pois, o teu argumento é o de que o patriotismo é aquilo que devemos e damos em troca pelas possibilidades que a vida em sociedade nos dá. Concordo que a sociedade nos dá muita coisa, mas não acho que concorde que lhe devamos o que quer que seja. Em primeiro lugar, o que seria então feito do patriotismo de um português que vivesse, por exemplo, nos EUA? A "dívida" social que tem é, quando muito, para com a sociedade americana. Mas, mais importante que isso, é o facto de isto não me parece ser um jogo de dívidas. Se se faz parte de uma sociedade, e fazer parte dela beneficia cada um dos que fazem parte dela, então fazer parte dela é já o pagamento suficiente pelos benefícios que nos traz. Se eu faço parte de uma sociedade e recolho benefícios do conjunto de indíviduos com quem me envolvo, cada um daqueles com quem me envolvo, e que formam em conjunto a sociedade que me beneficia, também beneficiará do conjunto de indivíduos que o envolvem a ele, conjunto esse em que eu me incluo. Isto é recíproco. Eu beneficio de viver em sociedade, é verdade. Mas todos os que formam a sociedade em que vivo beneficiam também por eu fazer parte dela. Nem eu nem ninguém devemos nada à sociedade. Pagamos a nossa dívida ao fazer parte dela. Como é óbvio, dentro dela posso gostar mais de uns indivíduos do que de outros, habitualmente aqueles que acho que me dão mais. A esses pago a dívida com sentimentos de afeição. À sociedade em si pago a dívida fazendo parte dela. Não creio que deva mais do que isto. E não creio, sobretudo, que deva privilégios maiores a uma franja da sociedade que partilhe comigo as fronteiras políticas.

C disse...

Sobre o parágrafo da incompatibilidade: Por jogar no Barcelona não contribuo para o bem do futebol em geral? O problema está no conceito de patriota (criado, em grande parte, pela gente que se considera patriota) caricaturado, que põe a pátria como o fim último da criação. O Salazar dizia uma coisa inteligente que o punha a uma considerável distância de todos os outros fascismos: "o estado não se pode intrometer no campo da família". Ou seja, havia, precisamente, uma consciência de que a pátria não esgota tudo, que a pátria é um meio neste campo de relações. Essas duas hipóteses de que falas, em relação à afinidade directa ou de espécie, não é condizente com a estrutura natural do Homem. Eu não tenho uma relação só com os meus amigos, como não tenho uma relação indiferenciada em relação a todos. Há diferentes graus de relevância na minha vida, são os chamados círculos de Heraclito. E, é nesse campo que entra a pátria: um conjunto de relações que não são as minhas relações directas, mas mais próximo do que todo o resto. Como dizer: eu jogo futebol, eu jogo no Barcelona, eu jogo com o Messi. Faço todos eles, mas numa relação mais ou menos directa.

Quanto à segunda parte, há primeiro uma coisa que é preciso esclarecer. Não se trata de uma dívida social, que essa paga-se com impostos. Os exemplos usados servem só para tornar mais concreta uma coisa difícil de explicar. A dívida social de um emigrante é, de facto, paga ao país que o acolhe. Com o país de origem, no entanto, há uma estrutura muito mais complexa. É, mais uma vez, um alvo difícil de definir, mas há uma identificação de mim com toda a cadeia de relações na qual eu cresci, ou sobre a qual ouvi histórias contadas pelos meus pais (e que, portanto, me influencia)que confere a este aglomerado de fronteiras difíceis de delimitar, ao qual chamo pátria, um lugar nestes tais círculos. Não digo que não se possa alterar o valor que a pátria tem, por isso é que há pessoas que mudam de nacionalidade, mas há sempre um grupo específico que tem uma maior influência do que o todo. O Barcelona e o futebol, por exemplo. Por fim, chegaste exactamente onde eu queria. A sociedade beneficia da minha presença. Mas o que é que quer dizer fazer parte dela? Ou melhor, como é que eu me posso recusar a fazer parte dela? A única forma que me ocorre de o fazer é claudicar naquele que é o meu papel. Se eu não quero fazer parte de uma equipa, não jogo nela. Tudo bem. Agora, se eu quero recolher os benefícios, sem qualquer retorno, já não está tudo bem. Não é bonito exigir o ordenado e recusar-me a jogar. Se eu quero continuar a usufruir destas relações na minha pátria, e podem tratar-se de relações exclusivamente afectivas, também tenho que fazer o que me compete em relação a ela. E é este que me parece ser o erro, mesmo que involuntário, do RIcardo Carvalho.

C disse...

Esqueci-me, continuo a ser o Quim, só mudei o nome

MM disse...

Nuno, e perdoa a falta de acentos,
O enfase que das a mediocre opiniao publica sugere verdade no que disse. Da-te prazer afirma-lo: uma opiniao contraria a da maioria. Va la, mentira? Es sempre tu contra o mundo. Nesse sentido o uso de "individualismo" e "egocentrico". Nao significa que seja sempre mau, e muitas vezes nem e "defeito", como dizes. Caracteristica.

E esta visao ajuda a que te ponhas ao lado do Ricardo Carvalho. Ele podia ter toda a razao do mundo; como podes insinuar que as razoes nao interessam? Claro que interessam, ele nao abandonou o estagio porque lhe apareceu. Houve razoes, motivos. Temos de olhar para eles. Que motivos foram? O ter percebido que ia ficar no banco.

Nao tinha a mulher doente em casa tendo sido proibido de sair do estagio. O filho nao teve nenhuma emergencia ou acidente. Nao estava muito doente e eles queriam obriga-lo a por la ficar. Nao, nada disto aconteceu. Simplesmente percebeu que ia ficar de fora.
Achas que e razao para abandonar o estagio?
Se nao achas, nao podes colocar-te do lado dele. Porque a razao dele foi essa, so essa.

Repara,
Das 2 exemplos no teu texto. Um nao se relaciona directamente com o jogador mas sim, com o seleccionador: Mourinho. E sugeres que com Mourinho aquilo nao aconteceria porque o caso surgiu por defeituosa liderança do Paulo Bento. Nao me custa imaginar que sim. Muito prejuizo deu essa liderança ao Sporting. Prejuizo e beneficio; mas prejuizo tambem.

Achas que o Mourinho aceitaria uma atitude daquelas de um dos seus jogadores? Jamais.

Outro exemplo que faz parte do teu texto, Vukcevic. Alguma vez o Montenegrino esbocou coisa parecida com a que R. Carvalho fez? Nunca. E motivos nao lhe faltaram. Compreendes? Foi isso que disse: a existencia dos motivos (ou razoes) nao se transformam em direito de fazer o que fez.
Ia para o banco, e no fim explicava que por isto e aquilo e acoloutro renunciava a Seleccao. Assim, fazendo o que fez, mostrou não ser especialmente integro. E a profissao dele. Tem obrigacoes. Ninguem lhe fez mal. Nem esta escrito em sitio algum que o Ricardo Carvalho sendo seleccionado tem obrigatoriamente de jogar.

Nao tem desculpa.

MM disse...

So mais uma coisinha pequena, a questao nao tem nada que ver com patriotismo. Tem que ver com profissionalismo, boa conduta. Respeito por si proprio e pela profissao. Nacionalismos nao tem nada que ver com o assunto. Seria igualmente grave ao nivel de clubes.

Anónimo disse...

Nuno, eu só vi a apresentação, no entanto deixo um link que pode mostrar algo:

http://www.rtp.pt/noticias/?t=Cristiano-Ronaldo-testado-ao-limite.rtp&article=476434&visual=16&layout=55&tm=47

Testes físicos individuais, a rematar contra vidros e correr contra não sei o quê. Enfim, publicidade, nada disso interessa para aquilo que é o jogo!

Outra coisa, fora agora do tema do teu texto. O Inter tem este ano um meio campo de luxo, Cambiasso, Sneijder e o novato Ricky Alvarez. Os primeiros conheces desde sempre, mas já viste alguma coisa deste ultimo? Craque que até enjoa! :)

Vamos ver que proveito vão ter, hoje Sneijder jogou mais sobre o lado esquerdo e Ricky no banco.

Abraço,

Jorge D.

Nuno disse...

C diz: "é nesse campo que entra a pátria: um conjunto de relações que não são as minhas relações directas, mas mais próximo do que todo o resto."

Muito bem, percebo-te. Mas deixa-me pôr a seguinte questão. Se a ideia é que a "pátria" é algo mais próximo do que a "humanidade", que "humanidade" é o último círculo, então devo sentir mais afinidade por uma lavadeira de Arraiolos do que por um operário filipino? É que não me sinto mais próximo de um ou de outro, apenas porque a primeira fala a mesma língua que eu, ou mora mais perto, ou está dentro das mesmas fronteiras políticas que eu. Mesmo em termos sociais (isto vem da conversa sobre o que se deve à sociedade) me parece que, hoje em dia, dependo bem mais de um operário filipino do que de uma lavadeira no Alentejo. Depois, sinto uma afinidade incrível por pessoas que já morreram e nunca conheci, ou por pessoas que admiro. Por exemplo, sinto uma afinidade grande com o Fernando Pessoa e sinto que tudo o que ele escreveu era o que eu queria dizer mas nunca tive arte para o dizer. Nunca conheci o Aimar, mas é o jogador com quem mais me identifico, com quem me acho mais parecido. Quando era miúdo, lembro-me de ter chorado a tarde inteira no dia em que o Ayrton Senna morreu. Estas três pessoas não fazem nem fizeram nunca parte das minhas relações sociais, estão afastadas de mim. No entanto, sinto por elas uma afinidade maior do que sinto por 99,9% dos portugueses e até maior do que pela maior parte das pessoas que formam a sociedade em que me insiro. Não consigo ver as coisas apenas sob o critério da proximidade física, ou política, ou social, ou o que quer que seja. É por isso que torço pela selecção espanhola e não pela portuguesa.

"É, mais uma vez, um alvo difícil de definir, mas há uma identificação de mim com toda a cadeia de relações na qual eu cresci, ou sobre a qual ouvi histórias contadas pelos meus pais (e que, portanto, me influencia)que confere a este aglomerado de fronteiras difíceis de delimitar, ao qual chamo pátria, um lugar nestes tais círculos."

Pois, eu não sinto identificação nenhuma. Claro que sou mais parecido com outros portugueses, que cresceram num ambiente socio-cultural parecido com o meu, do que com um afegão. Mas isso são contingências. E é a contingência de ter nascido e crescido português que faz com que se ache que existe um sentimento de união entre os que cresceram de forma parecida. Maior parte das pessoas que se dizem patriotas dirão certamente que se definem por terem nascido e crescido em Portugal, por terem sido educadas de acordo com um determinado conjunto de valores que fazem dos portugueses portugueses. Eu não acho que ter crescido em Portugal me defina minimamente. Sinto-me muito mais parecido com o Aimar do que com qualquer jogador português. Sinto que aprendi mais com Shakespeare do que com quaisquer vizinhos. Sinto muito mais comiseração pelos norte-coreanos do que pelos pedintes com quem me cruzo todos os dias em Lisboa. Para mim, a ideia de pátria é uma ficção. Um americano pode ter sentimentos pela Constituição americana, e por achar que aquele conjunto de coisas representa o ideal do país, ser patriota. Eu admito isto. Mas isto é amor a um ideal concreto, um ideal de liberdade individual. Isto faz sentido. Agora, amar o país de forma abstracta, apenas porque se nasceu e cresceu nos EUA, para mim não faz sentido. E a razão é simples: não há uma coisa chamada EUA que se possa amar incondicionalmente.

Nuno disse...

"E é este que me parece ser o erro, mesmo que involuntário, do RIcardo Carvalho."

Atenção. Não estou a dizer que não existe um erro da parte do Ricardo Carvalho. O que estou a dizer é que a responsabilidade do erro não é só dele, e que, ao contrário do que se possa pensar, é das coisas mais compreensíveis que há. Num clube, isto resolvia-se facilmente: processo disciplinar ao jogador. A resolução era interna. Podia ter consequências diferentes (podia ouvir apenas uma repreensão, como podia ser dispensado), mas ninguém de fora, nem sequer os sócios, metiam o bedelho no assunto. Como se trata da selecção, acha-se que é um problema nacional. E é isso que não compreendo.

Nuno disse...

MM diz: "Ele podia ter toda a razao do mundo; como podes insinuar que as razoes nao interessam? Claro que interessam, ele nao abandonou o estagio porque lhe apareceu. Houve razoes, motivos. Temos de olhar para eles. Que motivos foram? O ter percebido que ia ficar no banco."

Pois, MM. Não percebeste nada do que eu estive a dizer. O problema de achar que as razões interessam é as razões que se escolhem. E tu escolhes achar que a razão é "ter percebido que ia ficar no banco". Todo o meu texto e os meus comentários foram no sentido de afirmar que essa não foi a razão. Aliás, é preciso é perceber qual foi a razão dessa razão. E é isso que tu não fazes. E é por isso que acho que não interessa muito falar em razões, porque os preconceitos acerca do que se passou formaram-se antes de se perceberem as razões. Enfim, para mim o Ricardo Carvalho fez o que fez não por perceber que ia ficar no banco, mas por perceber que ia ficar no banco sem que ninguém lhe tenha justificado a decisão. E, ao contrário de ti, e ao contrário da opinião pública, eu acho que a ênfase deve ser posta não no "perceber que ia ficar no banco", mas no "sem que ninguém lhe tenha justificado a decisão". E sabes por que é que acho que a ênfase deve ser posta aí? Porque é aí que se explica a razão da razão, que é muito melhor do que explicar apenas a razão.

"Nao, nada disto aconteceu. Simplesmente percebeu que ia ficar de fora.
Achas que e razao para abandonar o estagio?"

MM, o Paulo Bento entendeu que o Ricardo Carvalho ficava no banco. O Ricardo Carvalho entendeu que devia abandonar o estágio. Nenhum deles parece ter tido razões fortes para tomar a decisão que tomaram, e nenhum deles achou que devia dar satisfações da sua decisão. Por que é que um foi traído e o outro traiu? Eu respondo. Porque as pessoas acham que o jogador deve respeitar decisões incondicionalmente e o treinador não. Só isto. Enquanto se achar isto, pois bem, é natural que não se perceba o meu ponto de vista. Muito resumidamente, sei que parecerá a muita gente exagero, mas para mim é tão grave abandonar um estágio como achar que não se deve justificar decisões técnicas. Transpõe isto para um exemplo de guerra: o teu general ordena que vás numa missão que te parece suicida, tu até queres ajudar a pátria e até estás disposto a morrer por ela, e até concedes ir numa missão suicida desde que compreendas que ela representa ganhos para o teu lado, mas como, neste caso, não percebes o que há a ganhar em ir naquela missão e como o teu general não te conseguiu justificar a ordem, tu não estás para dar a vida sem saber porquê, só porque um superior to ordena que o faças, e desertas. O que é mais grave: a deserção ou a falta de competência do general? É que, ainda para mais, a primeira é motivada pela segunda.

"Achas que o Mourinho aceitaria uma atitude daquelas de um dos seus jogadores? Jamais."

Não está em causa isto. O que estou a dizer refere-se a antes de ter acontecido, não a depois. E não critiquei o Paulo Bento por não ter aceitado a atitude. Critiquei-o porque a sua liderança conduziu a essa atitude.

"Alguma vez o Montenegrino esbocou coisa parecida com a que R. Carvalho fez? Nunca."

O Vuk recusou-se a entrar num jogo. Foi precisamente por isso que usei o exemplo. Aliás, esqueci-me ainda de outro: Miguel Veloso. E também fez coisas parecidas.

"Ia para o banco, e no fim explicava que por isto e aquilo e acoloutro renunciava a Seleccao. Assim, fazendo o que fez, mostrou não ser especialmente integro."

Não está em causa a dignidade do que fez. Ele reagiu a quente. O que estou a dizer é que ele não poderia ter reagido de outra maneira. Não foi uma decisão racional. É como ires direito a uma mulher que não conheces e começares a apalpá-la. Às tantas, ela chateia-se e toma atitudes irracionais.

Jorge, não conheço o Ricky Alvarez. Agora fiquei curioso. Vou ver isso dos testes. Obrigado.

Cumprimentos

Nuno disse...

Entretanto, já li o artigo, Jorge. Destaco isto:

"Partir paredes de vidro com um remate e competir contra um corredor de elite ou contra ‘snipers’ com raios laser estão entre os testes que foram feitos. De acordo com a empresa que patrocinou esta iniciativa, estes são os exames científicos mais aprofundados que alguma vez foram feitos a um jogador de futebol."

Não vou escrever um texto sobre esta patetice, porque acho que seria perder tempo, mas, e aproveitando um exemplo que o Gonçalo me deu outro dia, achar que estes são os exames mais aprofundados que alguma vez se fizeram a um jogador de futebol é mais ou menos o mesmo que achar que o exame mais aprofundado que se pode fazer a uma peça de Shakespeare consiste em "medir" a qualidade da capa de uma das suas edições. É absolutamente ridículo e apetece perguntar: "Para que precisa um jogador de futebol de partir vidros?" Além de todo o disparate, o próprio critério dos testes revela ainda outro preconceito: o de que é nos factores físicos que estão os segredos dos jogadores de futebol. Vê lá se puseram o Ronaldo a fazer sudokus, ou a desatar um nó górdio!

Anónimo disse...

Boas Nuno,

Pois por isso te disse que me ri ao ver a sua apresentação!

"achar que estes são os exames mais aprofundados que alguma vez se fizeram a um jogador de futebol é mais ou menos o mesmo que achar que o exame mais aprofundado que se pode fazer a uma peça de Shakespeare consiste em "medir" a qualidade da capa de uma das suas edições."

"o de que é nos factores físicos que estão os segredos dos jogadores de futebol. Vê lá se puseram o Ronaldo a fazer sudokus, ou a desatar um nó górdio!"

Muito, mas mesmo muito bom.

É por este tipo de metáforas que gostava de ter ver satirizar este disparate todo.

Escrevi há uns tempos algo sobre isso, tentar pensar no intelecto de CR em vez de se observar só o físico, nele e em qualquer jogador de futebol.

"Ontem, enquanto via o jogo num café, um amigo meu apelidava Cristiano Ronaldo de “Cris Mota”. Elogiou-o pela sua velocidade, pela intensidade que oferecia a cada lance, pela capacidade de sozinho conseguir espaço para rematar. Penso então, que C. Ronaldo será o melhor do mundo, quando este mesmo meu amigo, o apelidar de “Cris Inteligência”.

No fundo isto é uma questão de patrocínio e publicidade, custa-me a crer que alguém pense que aquilo resulta em coisa alguma! Mas.. há gente para tudo!

Sim tens de ver o R. Alvarez, potencial monstro. Aquele meio campo, se quisessem, em losango, só precisava de Cani para vencer de forma fácil o campeonato.

Abraço.

Jorge D.

MM disse...

Nuno,
O teu texto afirma a legitimidade da acção do Ricardo Carvalho. Aqui: "Se, em vez disso, percebe autoritarismo, caprichos e obsolescência, é natural e absolutamente legítimo que lhe perca o respeito".

Não, não é legítimo. Não tem justificação a acção do jogador: abandonar o estágio da selecção por perceber que não iria ser utilizado. Ou, como dizes, por sentir-se credor de uma explicação por parte do seleccionador. Estas razões não justificam o abandono do estágio. Isto é fácil de entender. O teu texto sugere a afirma o contrário, apontando para a legitimidade do abandono.

Qualquer pessoa que não seja uma criança percebe-o.

Ainda que possas compreender ou explicar a atitude do jogador. Os pedófilos - muitos deles - foram abusados em crianças, e a explicação para que o sejam passa por aí. Os assassinos em série ou abusadores frequentemente são filhos de lares desfeitos, e explicação para as suas "mentes" desviantes passa por aí. Isto é a compreensão parcial do fenómeno.

Longe de legitimá-los. Compreendes?
Mais: o Ricardo Carvalho é hoje um individuo muito abastado porque a profissão que exerce remenerou-o como poucas (profissões) o fazem. E se todas as profissões exigem que os profissionais que as exercem se comportem de forma profissional, aquelas mais notórias ou visíveis devem merecer ainda mais cuidado por parte dos seus actores. Trata-se de dar e receber, haver uma noção minima de lugar. Tu confundes os lugares: os desrespeitos não são semelhantes. A falta de explicação do Paulo Bento caso seja desrespeituosa, não o é na mesma medida quando comparada ao abandono de um estágio por parte de um jogador. É difícil entender? Não acho.

Seja lá qual for o prisma, a atitude é injustificada e deixou a nu um indivíduo - ao contrário do que afirmas - muito básico, mimado e com falta de senso das "coisas".

"Mas é compreensível", pois claro que é. Tudo é compreensível. Tudo tem um motivo, e uma explicação, ou uma razão. Não é preciso nenhum génio para perceber a deste caso: percebeu que ia ficar de fora. Entendia, como dizes, merecer uma explicação. Está bem, e depois? Para afirmá-lo não é necessário um texto sobre o patriotismo. O teu texto pretende - e fá-lo - legitimá-la. Estás porém equivocado, óbvio.

ilha_man disse...

Caro Nuno,

"Com Ricardo Carvalho, por exemplo, talvez tivesse bastado conversar, talvez tivesse bastado informá-lo previamente acerca das intenções da equipa técnica, talvez tivesse bastado explicar-lhe quais as razões técnicas pelas quais se achava melhor jogarem Pepe e Bruno Alves. Negligenciou-se a personalidade individual de um atleta e deu no que deu. E não foi por acaso que aconteceu com Ricardo Carvalho: tratava-se de um jogador inteligentíssimo, com uma personalidade muito forte, e certamente com opiniões muito claras acerca do jogo; tratava-se de um jogador habituadíssimo (cresceu assim) à liderança de Mourinho, que é o completo oposto da de Paulo Bento.Eu não advinharia isto, mas agora que aconteceu, parece-me absolutamente natural que tenha acontecido. Há um conflito evidente de gerações, e um conflito acerca de ideias de liderança. A falta de respeito de que Ricardo Carvalho se disse vítima não foi originada por não ser opção para o Chipre; foi por essa decisão ter sido tomada arbitrariamente, sem que se lhe dessem satisfações, e principalmente por perceber que o treinador acha, por princípio, que os jogadores têm de respeitar as suas decisões e não merecem saber as razões dessas decisões. Mais do que uma questão de falta de respeito (quer do treinador para com o jogador, quer do jogador para com o treinador) creio que este episódio foi resultado de uma incompatibilidade acerca de um ideal de liderança."

Um pouco de conhecimento tinha-o poupado a escrver tanta asneira. Não é a primeira vez que Ricardo Carvalho faz esta choradeira. Já em 2005 fez a mesma cena quando Mourinho o deixou no banco para dar lugar a Gallas.
Aqui fica o link para lhe refrescar a memória: http://www.dailymail.co.uk/sport/football/article-359740/Carvalho-needs-IQ-test-hits-Mourinho.html

Melhores Cumprimentos

Nuno disse...

Pois, Jorge, às vezes apetece-me escrever textos mais descontraídos, em que não defendo nenhum argumento, e que tento ser mais irónico. Podia fazer isso com estes testes, mas, como tu dizes, aquilo parece mais patrocínio e publicidade.

A ver se vejo o Ricky Alvarez, então.

MM diz: "O teu texto afirma a legitimidade da acção do Ricardo Carvalho. Aqui: "Se, em vez disso, percebe autoritarismo, caprichos e obsolescência, é natural e absolutamente legítimo que lhe perca o respeito"

MM, desculpa a sinceridade, mas tenho algumas dificuldades em te fazer chegar aquilo que quero dizer. É legítimo que perca o respeito e é natural que, por causo de ter perdido o respeito, tenha atitudes desrespeitosas. Não se têm atitudes destas só porque sim; isto é motivado por uma perda de respeito que se foi certamente acentuando. E isso é legítimo porque o Paulo Bento também não o respeitou. A atitude, por si, é condenável. Mas é o resultado natural da perda de respeito. E essa é legítima.

"Os pedófilos - muitos deles - foram abusados em crianças, e a explicação para que o sejam passa por aí."

Os pedófilos não vão exercer a pedofilia em quem a exerceu neles. Não é uma relação entre 2 pessoas que está em causa. É um mau exemplo, portanto.

"o Ricardo Carvalho é hoje um individuo muito abastado porque a profissão que exerce remenerou-o como poucas (profissões) o fazem. E se todas as profissões exigem que os profissionais que as exercem se comportem de forma profissional, aquelas mais notórias ou visíveis devem merecer ainda mais cuidado por parte dos seus actores."

Primeiro, não gosto muito da ideia burguesa de que o Ricardo Carvalho tem o privilégio de exercer uma profissão que o remunera bem. Se o Ricardo Carvalho é bem remunerado, é porque faz o que pouca gente consegue fazer. E além disso tem uma exposição pública grande, é facilmente alvo de críticas, etc. É uma parvoíce achar que, só porque ganha bem, tem mais deveres que os outros. Ele já paga a dívida pelo dinheiro que recebe: oferece um espectáculo que poucos conseguiriam oferecer. Ele ganha o que merece, como aliás qualquer jogador de futebol. E não concordo que alguém com mais exposição deva ter mais cuidado do que outros.

"Tu confundes os lugares: os desrespeitos não são semelhantes. A falta de explicação do Paulo Bento caso seja desrespeituosa, não o é na mesma medida quando comparada ao abandono de um estágio por parte de um jogador. É difícil entender? Não acho."

Onde é que está aqui o argumento, MM? É só menos desrespeitosa porque queres, ou tens alguma razão que o justifique? Dei-te o exemplo militar análogo. Diz-me por que é que achas que uma coisa é mais grave que a outra. Se naoi quiseres dizer, digo eu, repetindo o que disse acima: achas que a do Ricardo Carvalho é mais grave porque achas que um jogador deve respeito incondicional e o treinador não. E estás errado, claro.

"Entendia, como dizes, merecer uma explicação. Está bem, e depois? Para afirmá-lo não é necessário um texto sobre o patriotismo. O teu texto pretende - e fá-lo - legitimá-la. Estás porém equivocado, óbvio."

MM, não percebeste, definitivamente, o que eu estive a dizer este tempo todo. Eu não pretendo legitimar a atitude. Pretende legitimar a falta de respeito. Essa é legítima. Ele perdeu o respeito pelo seu superior e teve razões válidas para isso. Poderia ter tido uma atitude mais simpática e mais honrosa, mas não teve. Teve uma atitude imponderada. Mas a falta de respeito que motivou essa atitude foi mais do que legítima.

Nuno disse...

De resto, é difícil estar a convencer alguém que, obviamente, acredita na militarização das relações pessoais de que um superior não tem o privilégio de faltar ao respeito aos seus subordinados. Eu tenho dificuldades com relações hierárquicas desse tipo e confesso que acho legítimo sempre que um subordinado perde o respeito por um superior desse tipo. Se não consegues ver que a origem do problema esteve na natureza da relação entre o Paulo Bento e o Ricardo Carvalho, então não posso fazer muito por ti.

ilha_man diz: "Um pouco de conhecimento tinha-o poupado a escrver tanta asneira. Não é a primeira vez que Ricardo Carvalho faz esta choradeira. Já em 2005 fez a mesma cena quando Mourinho o deixou no banco para dar lugar a Gallas."

Ilha_man, o Ricardo Carvalho, nesse caso, não abandonou um estágio, não se recusou sequer a jogar. Simplesmente veio a público mostrar o seu descontentamento. Não me parece que sejam sequer casos parecidos. E mesmo nesse caso aquilo de que o Ricardo Carvalho se queixa é de não ter compreendido Mourinho. Parece-me que isso devia ser uma pista para se perceber a mente do Ricardo Carvalho, e não uma arma de arremesso para dizer que é um hábito dele. Mas isso sou eu, que consigo perceber coisas.

MM disse...

Nuno,
Estás mais uma vez enganado. Felizmente, é muito fácil perceber-te. Falas claro, é um mérito teu. Até a extensão do quanto te enrolas, mesmo essa é fácil de perceber, porque é isso que fazes, enrolar chegando um termo mais para a direita ou mais para a esquerda, trocando uma palavra aqui e outra ali, de modo a que o problema X pareça do modo que queres.

Não parece, no entanto. Porque a tua narrativa não substitui a realidade.

Tenta simplificar, embora no teu caso seja difícil porque como te disse estás motivado pelo desejo de destoar. E esse é até um desejo legítimo, na medida em que diz somente respeito a ti. O do Carvalho já não é, como exemplo, porque vai para além de si próprio, do seu egoismo, e até da relação com o seleccionador.

Simplifica:
Dizes que não pretendes legitimá-la, mas é isso que fazes. Caso contrário, não escreverias o texto. Queres agora separar os motivos da acção final. Não podes. Isso é enrolar.
Mas mesmo sobre os motivos, só: tenta compreender que o Paulo Bento não faltou ao respeito do Ricardo Carvalho. A missão do Paulo Bento é mesmo aquela, seleccionar, escolher.

A vítima do Ricardo Carvalho não foi o Paulo Bento. Foi o próprio, foi a profissão, e foi a selecção, ou grupo onde estava inserido. Daí o desajuste entre as motivações pessoais - compreensão que qualquer um alcança, já que não é difícil perceber que abandonou o estágio por se ter sentido atingido pela não utilização e explicação - e a acção que resultou delas. Certo? Ele, Carvalho, não puniu quem achou que lhe faltou ao respeito. Puniu-se a si mesmo, e à selecçaõ. Tal como o Mourinho disse, é um indivíduo possivelmente estúpido. Desajustado.

Queres um exemplo, dou-te um:

Teria sido falta de respeito se o Paulo Banto tivesse como hábito justificar aos jogadores - a todo e a qualquer um - as não-utilizaçãos e, não o tivesse feito com Carvalho. Tal, sim, seria desrespeituoso. Por exemplo. Fácil de perceber.

Isto é,
Achas que é falta de respeito não ter explicado ao R. Carvalho o porquê da não utilização. Mas, falta de respeito poderia ser, eventualmente, explicar a 1 e não explicar aos outros. Essa falta de respeito teria como alvo, então, os outros 10 não utilizados. E nesse caso seriam 10 a abandonar o estágio e tu virias aqui dizer: fizeram bem, porque não está certo explicar a 1 e não explicar a todos. Entendes este exemplo?
Mas não digo que o fosse, repara. Ele poderia ter explicado ao Carvalho e só ao Carvalho. Não significaria falta de respeito aos outros, nem justificaria que 10 atletas abandonassem o estágio.

É simples de perceber, e daí ser descabido falar-se sequer em faltas de respeito.
Não existiu.
Nem a acção é legítima.
As duas coisas Nuno.

Nuno disse...

"Mas mesmo sobre os motivos, só: tenta compreender que o Paulo Bento não faltou ao respeito do Ricardo Carvalho. A missão do Paulo Bento é mesmo aquela, seleccionar, escolher."

Ah, pronto. Estamos conversados. É por isto que não nos entendemos. Tu achas que a missão do Paulo Betno é seleccionar e escolher, como a missão do general é dar ordens. Eu não concordo. E acho que acabou a conversa, pois estamos em desacordo no que é mais básico para nos entendermos.

"Achas que é falta de respeito não ter explicado ao R. Carvalho o porquê da não utilização. Mas, falta de respeito poderia ser, eventualmente, explicar a 1 e não explicar aos outros. Essa falta de respeito teria como alvo, então, os outros 10 não utilizados. E nesse caso seriam 10 a abandonar o estágio e tu virias aqui dizer: fizeram bem, porque não está certo explicar a 1 e não explicar a todos. Entendes este exemplo?"

Deixa-me fazer-te uma pergunta: já alguma vez jogaste futebol? Não digo com amigos; digo federado, se fizeste parte de alguma equipa, na qual pretendias jogar. É que isso pode explicar muita coisa. E, depois, há um equívoco grande no teu raciocínio. O treinador tem é de tratar todos os jogadores de forma diferente, consoante o feitio de cada um, não tratá-los de forma igual. Enquanto não perceberes isto, é evidente que não percebas o meu ponto de vista.

MM disse...

O tratamento individual que falas e que resulta de uma sensibilidade necessária para o trato de indivíduos, singularmente e no contexto que os reune, na interacção entre si, ambas, contempla muita coisa. Pode até contemplar a justificação para uma não-utilização. Depende, dos casos.

Exemplo:
Um jogador à procura de afirmar-se. Convém ter-se a sensibilidade necessária para explicar uma não-utilização caso o jogador se apresente bem, ou caso venha de bons jogos. Convém, para não se correr o risco de "perder" o jogador.

Não é o caso do Carvalho. Por isso te disse no 1º comentário, jogador com uma carreira notória, sem nada a provar, e que portanto tem de ter a noção do seu lugar. O seu lugar não é o de fazer birra, amuar e ir para casa porque não vai ser utilizado. A sua birra resultou de egoismo. Compreendes? E por isso importa sempre olhar as motivações das acções. Não resultou de confusão emocional onde ficaria perdido em pensamentos negativos de "porque é que não me utiliza?", "o que é que fiz de mal", semeando-lhe dúvidas na cabecinha.

A própria acção revela isso. A frieza de simplesmente abandonar o estágio, tratando a chamada, o grupo e o contexto como uma coisa menor. Por isso te disse, o alvo não foi o Paulo Bento.

"Ja alguma vez jogaste futebol federado?", até porque os requisitos para jogar-se futebol federado são complicadissimos de satisfazer. No Estádio Universitário ou em torneios federados, jogados em muito pavilhão ou ringue adaptado por essa Lisboa - ou outras - fora, o que mais se vê são jogadores de futebol. Tantos, de indiscutível qualidade. Praticantes valiosos. E são todos federados ... argumento maravilhoso esse, um que realmente explica muita coisa Nuno. Ou então continuas a enrolar.

Vou perguntar ao Paulo Bento se é federado, ou ao Domingos, ao Paulo Sousa, ao Guardiola, ao Mourinho, ou a 99% dos treinadores que não explicam individualmente os porquês das não-utilizações aos seus jogadores. Esses de certeza não são nem nunca foram federados; tivessem sido, e perceberiam ...

Nuno disse...

"Um jogador à procura de afirmar-se. Convém ter-se a sensibilidade necessária para explicar uma não-utilização caso o jogador se apresente bem, ou caso venha de bons jogos. Convém, para não se correr o risco de "perder" o jogador."

MM, por alguma razão te perguntei se tinhas jogado como federado. Não era argumento nenhum. Era para saber se tinhas experiência de balneário, se conhecias a realidade de uma equipa em competição, se tinhas crescido emocionalmente enquanto jogador, etc. E já percebi que não. Se o tivesses, não dirias este disparate. Os jogadores novos são sempre os que se aguentam mais à "bomboca". Um treinador que pretende "agarrar" um balneário tem de começar por agarrar os mais velhos, tem de "fazer alianças" com os que têm mais peso no balneário. Qualquer pessoa que tenha jogado o tempo suficiente te dirá isso. Ao contrário do que pensas, o normal é um treinador dar muito mais satisfações a um jogador mais velho do que a um mais novo. Eu nem sequer estou a dizer que concordo com isto, pois não acho que isto deva ser uma questão de idades, mas sim de feitio. Mas é assim que normalmente funciona. E referi isso porque estavas a sugerir que o treinador devia ter um tratamente indiferenciado do balneário. Não tem. Nunca tem. Não pode sequer tê-lo.

"Não é o caso do Carvalho. Por isso te disse no 1º comentário, jogador com uma carreira notória, sem nada a provar, e que portanto tem de ter a noção do seu lugar. O seu lugar não é o de fazer birra, amuar e ir para casa porque não vai ser utilizado. A sua birra resultou de egoismo. Compreendes?"

MM, não percebo este tique prepotente de me perguntares constantemente se "compreendo". Para compreender, precisas de argumentar. Não chega dizeres que a sua birra resultou de egoísmo e perguntares se compreendo. Não é porque tu queres que ela resultou disso. Enfim, como não tens experiência de balneário, nem jogaste anos a fio, não percebes o que é um ego de um jogador de futebol. Quando um jogador de 33 ou 34 anos, que toda a vida foi titular, começa a sentir que o treinador o quer encostar, fica sempre (repito, sempre!) insatisfeito. Seja ele o jogador mais responsável que conheças. Sempre. Tem a ver com ego, com o facto de se sentir menosprezado depois de tanto tempo como titular. É muito, mas muito mais difícil de suportar a decisão de ser encostado depois de tantos anos a jogar do que ser jovem e sentir que se pode começar a ser utilizado. Muito mais. Não tem comparação. O ego ferido é muito maior. É por isso também que é preciso um cuidado especial com jogadores mais velhos. Simplesmente porque esses têm "moral" para discutir decisões do treinador.

Por fim, MM, já percebi que tu és pelo "respeitinho". Como deves ter percebido (ou não, não sei), este texto era especialmente contra pessoas que gostam da pátria e pessoas que gostam do "respeitinho". Portanto, também era contra ti. Uma das particularidades das pessoas que gostam do "respeitinho", é não gostarem de argumentos. O "respeitinho" assenta precisamente na ideia de que há relações de subordinação sustentadas pela estipulação de um respeito incondicional ao superior, ou seja, sustentadas pela ideia de que o subordinada não tem direito à argumentação. Como tu és pelo "respeitinho", como tu achas que o treinador está lá para "seleccionar e escolher" e que os jogadores estão lá para acatar ordens, é natural que também não gostes que pessoas que acham o contrário argumentem contra isso. É natural, por seres pelo "respeitinho", que não aceites argumentos contra o "respeitinho". E é natural, por isso, que nunca nos venhamos a entender a esse respeito. Eu sou contra o "respeitinho", porque é prepotente e sou contra a prepotência. Tu és favor. Pronto, somos diferentes. Só isso.

MM disse...

Nuno,
Este teu ultimo comentario fez-me rir. Sobre as tres coisas: a experiencia de balneario que nao tenho e o que nao cresci emocionalmente enquanto jogador; o continuares a nao compreender que a accao do Ricardo Carvalho tem de ser vista a luz das motivacoes do proprio e nao da accao do seleccionador; e por fim, uma a que nem dei importancia nenhuma de tao ridicula que e: misturar isto com "patria".
Somos bastante diferentes, sim.
Sobre tal nao poderia estar mais de acordo.

MM disse...

E deixa ja agora dizer-te, para terminar, continuas a nao compreender o que e / foi dito: um treinador deve ter especial sensibilidade para tratar / explicar / cuidar opcoes que podem originar a percepcao - num jogador que procure afirmacao - uma situacao de injustica. Nao sei onde e que leste "jogadores novos". Em lado nenhum. Os processos de afirmacao ocorrem em qualquer individuo: relacionam-se com os proprios, e contextos. O Rubio e um jovem jogador, mas nao e um jogador que precise de "mimo". Porque? Porque o seu processo de afirmacao nao e posto em perigo pela nao-utilizacao. Podia ser, mas no caso dele nao e. Nao tem que ver com o ser jovem ou nao. Tem que ver com "expectativa". As pessoais, e as do contexto (gentes em volta, por norma, publico e entidade patronal, clube).

Aquilo que falas, "agarrar o balneario", e outra coisa completamente diferente. E nao tem que ver com este tema do Ricardo Carvalho.

Mais, Nuno, sem que precise de recorrer a experiencia de balneario ou maturidade emocional que notoriamente evidencias: a tarefa de "cuidar" quem precisa de ser "cuidado", pertence ao treinador, aos dirigentes, aos colegas, a todos. Deve fazer parte da cultura de clube, ou grupo, e e algo que acontece naturalmente em contextos dotados de gentes com sensibilidade para aquilo que fazem. Em Portugal tens um exemplo muito bom disto, ao nivel de clubes grandes, que nao em Lisboa.

A tua (propositada) confusao e pintar um quadro onde partes de 2 ou 3 premissas manipuladas. E fazes isso constantemente.
Fazes, nesta discussao e nesta mensagem, isto:

- Deixar o Carvalho no banco sem que lhe fosse explicada a opcao = Falta de respeito, ou "respeitinho", como dizes. E depois desenrolas uma serie de consideracoes sobre o "respeitinho" que sao completamente desajustadas ao assunto concreto que tratas, porque a colagem primeira que fizeste foi logo falsa.

- Percepcionas a accao do Carvalho como resultado de algo que o Paulo Bento nao fez, ignorando que 99% dos treinadores nao o fazem. Ou ignorando que 100 outros jogadores mais categorizados e de nivel superior ao Carvalho sao todos os dias confrontados com situacoes identicas e nao fazem aquilo que o Carvalho fez.

- Porque ignoras e manipulas o elemento mais notorio desta historia toda: o Carvalho abandonou o estagio porque amuou e nao quis saber. Fez a mala e voltou para Madrid, onde se sente confortavel. Porque nao precisa da seleccao. "Mas porque e que nao precisa da seleccao, e so porque sim, porque o dizes, ou vais argumentar?". Nuno, e mesmo por isso: porque sim. Porque e assim nos dias de hoje. A seleccao, para estes milionarios jogadores, nao e algo realmente muito importante.
Acredita se quiseres. Ou nao acredites, faz como entenderes.

Tenta compreender isto: o Carvalho nao se sentiu injusticado. O Carvalho sentiu-se infantilmente, forma idiota, e estupida, ameacado. Olha, lembras quando a Cinha Jardim abandonou a quinta das vacas antes da votacao, quando estava nomeada? Pronto, o fenomeno e exactamente o mesmo. Foi isso que passou pela mente do Carvalho.

Nao tem que ver com injustica. Nem com a patria. Tem que ver com a existencia de individuos estupidos que agem de modo estranho.

Olha e ja agora sobre a patria: "este texto era contra as pessoas que nao gostam da patria". Disseste tu no comentario. Pronto, fugiu-te a boca para a verdade: nao era sobre o Ricardo Carvalho.
E ja agora sobre a manipulacao de elementos, e para que quem te le nao seja induzido em erro:

- Uma seleccao ou escolha nao e debitar ordens. E uma funcao. O Paulo Bento ou o Andre Joao escolhem 11, e os 22 ou 23 que estao na sua frente nao o entendem como "ordens". Se o entendem como "ordens" serao, possivelmente, individuos tapadinhos ...

Nuno disse...

MM diz: "Nao sei onde e que leste "jogadores novos". Em lado nenhum. Os processos de afirmacao ocorrem em qualquer individuo: relacionam-se com os proprios, e contextos."

MM, não conheço nenhum internacional que aos 30 anos se esteja a afirmar. Nenhum.

"Aquilo que falas, "agarrar o balneario", e outra coisa completamente diferente. E nao tem que ver com este tema do Ricardo Carvalho."

Claro que tem. E, repito, é precisamente por não perceberes a questão "balneário" que não consegues perceber o lado do Ricardo Carvalho e manténs a tacanhez da opinião.

"Deixar o Carvalho no banco sem que lhe fosse explicada a opcao = Falta de respeito, ou "respeitinho", como dizes."

Este é um bom exemplo de como não percebes o que escrevo. Para justificar a falta de respeito do Paulo Bento, tive de escrever 2 ou 3 parágrafos, mas tu achas que eu parto da premissa de que ele lhe faltou ao respeito por tê-lo deixado no banco. Estás enganado. Não parto. Depois, acho que ainda não percebeste que estou a distinguir "respeito" de "respeitinho". "Respeito" é uma coisa que se conquista, que só pode existir em reciprocidade, quando as 2 pessoas se respeitam mutuamente. "Respeitinho" é o que tu achas que é o "respeito", e é o que eu acho que é "obediência"; é um dever gratuito de algo a alguém que nos é superior hierarquicamente.

"- Porque ignoras e manipulas o elemento mais notorio desta historia toda: o Carvalho abandonou o estagio porque amuou e nao quis saber. Fez a mala e voltou para Madrid, onde se sente confortavel. Porque nao precisa da seleccao. "Mas porque e que nao precisa da seleccao, e so porque sim, porque o dizes, ou vais argumentar?". Nuno, e mesmo por isso: porque sim."

MM, isto diz quase tudo sobre ti. Para que é que vens aqui discutir opiniões e rebater argumentos, se para ti as coisas são como são porque sim? Não percebo. Sinceramente, não percebo. E, digo-te, muito sinceramente, para mim, pessoas que acham que as coisas são como são são as pessoas mais estúpidas que conheço.

"O Carvalho sentiu-se infantilmente, forma idiota, e estupida, ameacado. Olha, lembras quando a Cinha Jardim abandonou a quinta das vacas antes da votacao, quando estava nomeada? Pronto, o fenomeno e exactamente o mesmo. Foi isso que passou pela mente do Carvalho."

É que nem consigo exprimir o que sinto em relação a esta comparação. É quase tão má quanto o mau gosto do segundo exemplo. Impressionante!

"Nao tem que ver com injustica. Nem com a patria. Tem que ver com a existencia de individuos estupidos que agem de modo estranho."

Francamente, chamar repetidamente estúpido a um dos jogadores mais inteligentes e com uma personalidade mais forte, dos que vi jogar, é das coisas mais absurdas de que me lembro. Olha, só me consigo lembrar do caso em que um adepto do Benfica quis agredir o Aimar. A agressão, por si só, seja a que jogador for, é absurda. Mas quando o alvo é o jogador mais inteligente do plantel, o mais talentoso, aquele com uma personalidade mais vincada, só dá vontade de perguntar como é que é possível ser-se tão estúpido. A tua reacção contra o Ricardo Carvalho faz-me lembrar a reacção deste adepto contra o Aimar. Eu sei bem que é que é o estúpido nesta história toda.

Nuno disse...

"Olha e ja agora sobre a patria: "este texto era contra as pessoas que nao gostam da patria". Disseste tu no comentario. Pronto, fugiu-te a boca para a verdade: nao era sobre o Ricardo Carvalho."

MM, não sei o que dizer sobre isto. Vou tentar explicar. Isto era um texto contra a opinião pública que "atacou" o Ricardo Carvalho. Esta opinião pública fundamentou o ataque com 2 argumentos: o patriotismo e o respeitinho. Este era um texto contra a ideia de patriotismo e a ideia de respeitinho, partindo do caso concreto do Ricardo Carvalho. Ou seja, partindo de um caso em que o vício destes "valores" tinha provocado uma reacção condenável em alguém tão íntegro, quis demonstrar como estes "valores" maus valores e, por conseguinte, como o Ricardo Carvalho não é tão culpado como essa opinião pública quis pintar.

"Uma seleccao ou escolha nao e debitar ordens. E uma funcao. O Paulo Bento ou o Andre Joao escolhem 11, e os 22 ou 23 que estao na sua frente nao o entendem como "ordens". Se o entendem como "ordens" serao, possivelmente, individuos tapadinhos ..."

Já disseste coisas bem inacreditáveis, mas esta supera-as, acho eu. Uma selecção não justificada é uma ordem. É essa a definição de "ordem". Se não justificam nada a 11 jogadores, eles só podem entender a selecção como ordens. Isso é claro. Dei-te o exemplo militar e não o comentaste. Acho que é um bom exemplo e até gostava de ouvir a tua opinião sobre ele, apesar de tudo.

De resto, MM, eu já percebi que a principal razão para não nos entendermos é termos valores diferentes. Eu valorizo a liberdade, acima de tudo. Valorizo a inteligência, a competência, o respeito que se adquire, o orgulho, o direito à indignação. Tu valorizas aquilo a que eu chamei "respeitinho", ou seja o "respeito" que se impõe, valorizas a humildade. Não é de agora. Já no passado te melindraste bastante por eu "atacar" ideias de outros bloggers. É exactamente o mesmo tipo de melindre com o que o Ricardo de Carvalho fez. Somos muito diferentes, por isso, desde logo nos princípios que temos. Se fores uma pessoa com consciência política (não sei se o és, nem tenho nada contra, se for esse o caso), até sei de que lado da assembleia se sentam os deputados em quem costumas votar. E como acho que, apesar de se poder ter uma conversa inteligente com pessoas com princípios, acho difícil conversar com pessoas com certos princípios, sobretudo quando esses princípios são autênticos fundamentalismos religiosos, acho difícil falar contigo. Como te disse acima, as pessoas que valorizam o "respeitinho", se forem coerentes (e tu parece-me que és), não podem valorizar a liberdade, sobretudo a liberdade de opinião, que é a mais importante das liberdades. E, por isso mesmo, acho complicado conversar com essas pessoas, como acho complicado falar sobre o conflito em Israel com anti-semitas ou anti-islâmicos.

Miguel Nunes disse...

Hoje aconteceu-me um episódio engraçado, q mt distante da dimensão de uma selecção nacional, e da alta competição, não deixa de ter piada e servir até como uma pequena amostra do que poderá ser a mente dum atleta.

O meu miúdo tem jeitinho para a bola, e foi por isso, convocado para jogar não na equipa do seu escalão, onde costuma ser o "maior", mas para jogar no escalão acima (com miudos mais velhos 1 e 2 anos).

Ficou o jogo todo no banco, entrou a 1 min do fim. Pouco tocou na bola.

Quando veio ter comigo, diz-me com uma azia descomunal "Epa, para jogar só um minuto, nem valia a pena entrar"

Isto vem de uma criança... Imagina um profissional com muitos anos da coisa. Uiii

Nuno disse...

Pois, o que eu acho é que, por tradição, os treinadores preparam-se muito especificamente em termos tácticos e afins, recebem instrução acerca do jogo, do corpo humano, das regras de arbitragem, etc., mas a formação enquanto condutor de seres humanos é geralmente negligenciada.

O Jorge Jesus é vulgarmente tido como um brutamontes, arrogante, que puxa os méritos todos para si, que dá ordens e ralha com os jogadores, mas eu não sei se, nesse aspecto, ele será assim tão fraco. Um excelente exemplo de como ele tem em atenção algumas coisas que muita gente negligencia foi o que disse acerca da utilização do Rúben Amorim frente ao Manchester. É verdade que a principal razão foi técnica, mas disse o Jesus que o Rúben Amorim vinha sendo pouco utilizado e, tendo ele precisado de um jogador das suas características, deu-lhe a oportunidade num jogo tão importante. Ao fazê-lo, não lhe deu apenas uma "prendinha"; mostrou-lhe que confiava nele num jogo de importância elevada, mostrou-lhe que, apesar de não andar a jogar tanto quanto certamente desejaria, era importante para o treinador. A meu ver, pô-lo neste jogo vale mais do que confortá-lo, do que lhe dar palmadinhas nas costas. É uma demonstração de confiança. O ano passado o Mourinho passou o ano inteiro a dizer como o Granero era esforçado e como lhe custava não o utilizar mais. O Granero, mesmo não gostando de não jogar, de certeza que gostou de ver que o seu treinador se preocupava com ele a ponto de vir a público elogiá-lo.

Este tipo de "mimos" fazem parte das competências de um treinador, embora sejam geralmente negligenciadas. Pôr um miúdo a jogar um minuto, ainda por cima nessas idades, sobretudo quando ele viria com grandes expectativas, é não saber lidar com pessoas. É verdade que é já um prémio grande poder ser convocado para um escalão acima, mas frustrar assim as expectativas de um miúdo pode ser mau. Lembro-me de ser miúdo, de ter ido a um torneio numa equipa em que era o mais novo, alguns dos meus colegas tendo mais 2 e 3 anos que eu, um torneio contra equipas com rapazes mais velhos, e de ter sido o único a não ser substituído. A sensação de orgulho foi tanta que acho que foi um dos momentos-chave no meu crescimento como jogador. Os miúdos, às vezes, precisam destes estímulos, precisam de se sentir incentivados. E raramente são as palavras que os incentivam. São gestos. O teu miúdo de certeza que terá outras oportunidades como essa, mas compreendo-lhe perfeitamente a frustração. É visivelmente ambicioso, e quer é mostrar que é tão bom ou melhor que os mais velhos. Isso sempre foi um dos meus maiores estímulos.

GBC disse...

“Tento falar com eles e todas as decisões que tomo têm uma razão e explicação. Tento ser o mais coerente possível, mesmo que essas decisões sejam difíceis de tomar”

AVB