quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Os Pequenotes

Num desporto em que cada vez mais as pessoas se apaixonam pelos Raúis Meireles do momento, eis que surgem dois pequenotes, desprovidos de velocidade ou força especialmente distinta, mas extraordinários do ponto de vista técnico e, sobretudo, do ponto de vista intelectual, a fazerem as delícias dos verdadeiros amantes da modalidade.

De um deles, disse há pouco mais de um ano que era o meu maior ídolo na actualidade e que seria um prazer poder vê-lo em Portugal, mas que temia que o seu futebol não fosse apreciado e valorizado no contexto nacional e no contexto particular da equipa para onde vinha. A época transacta deu razão às minhas reservas, mas, felizmente, tudo mudou desde Agosto. Do outro, sempre fui fã incondicional e não tinha dúvidas do seu valor. Como em relação ao primeiro, cheguei a temer que a mentalidade retrógrada do país não soubesse retribuir-lhe a qualidade. Felizmente, uma vez mais, encontrou o espaço ideal e a mentalidade ideal na equipa para a qual veio habitar.

Por esta altura, qualquer pessoa sensata saberá já que estas palavras de apreço não poderiam ser dirigidas senão a Pablo Aimar e a Javier Saviola. Os dois argentinos são, a uma distância que não consigo sequer qualificar, de tão vasta, os melhores jogadores deste campeonato. Com eles, o Benfica não é só um candidato ao título normal; é uma equipa mentalmente saudável, imaginativa como muito poucas no mundo. O futebol encarnado tem, colectivamente, uma qualidade considerável e Jesus está, por isso, de parabéns. Mas a principal virtude deste conjunto são estes dois pequenotes. E não estes dois, cada um por si; estes dois, sim, mas quando relacionados um com o outro. O Benfica torna-se especialmente poderoso quando estes dois conseguem combinar entre si, quando se conseguem entender. A relação entre eles é que é formidável. As suas qualidades mais interessantes, por isso, são aquelas que lhes permitem perceber-se um ao outro e não aquelas através das quais conseguem, ocasionalmente, resolver situações individuais.

O principal mérito de Jorge Jesus, de entre os muitos que tem, é ter confiado incondicionalmente o seu Benfica à arte destes dois enormes jogadores. Ao contrário de Paulo Bento, que parece desenhar a sua equipa sempre em função de Liedson, o mérito de Jesus consistiu em perceber em função de quem é que vale a pena desenhar equipas. Se uma equipa de futebol deve ser pensada em função de alguma coisa, deve sê-lo em função do talento. E é de talento que tem de se falar quando se fala nos nomes de Aimar e de Saviola. Estes dois artistas não têm muitos dos atributos que, hoje em dia, muita gente considera essenciais a um jogador de topo. Não são extraordinariamente velozes, não são agressivos, não são capazes de jogar intensamente durante 90 minutos, não são fortes fisicamente, não são altos. No fundo, são dois pequenotes. Acontece que, ao contrário do que muita gente pensa, o futebol é essencialmente para os pequenotes. E Aimar e Saviola encontraram na Luz quem percebesse isso.

O sintoma que mais fielmente denota a saúde desta equipa não é a capacidade de pressionar alto durante 90 minutos, não é a resistência física dos seus jogadores, não é a organização táctica da equipa, não é a quantidade absurda de golos marcados, não é a capacidade de criar jogadas de perigo a toda a hora. Tudo isto são, de facto, indícios positivos. Mas aquilo que melhor espelha o potencial desta equipa não é nenhuma destas coisas. Aquilo que faz pensar que, de facto, o Benfica poderá fazer uma época extraordinária e medir forças com quase todas as equipas do mundo é um pormenor que tem passado despercebido a quase toda a gente. Falo de Aimar e de Saviola, claro. Mas falo deles não por tudo o que é normal dizer deles, mas por outra coisa. Vejam como trocam a bola entre eles descomplexadamente, como jogam para trás quando podiam progredir, como parecem divertir-se ao mesmo tempo que decorre a competição, como se procuram um ao outro em campo, como tabelam com uma destreza inigualável, como confiam um no outro e endossam a bola ao outro mesmo quando este se encontra rodeado de adversários, como jogam à rabia entre adversários, como iludem tudo e todos negligenciando a ideia de progressão e preferindo repetir o passe para trás. Parecem almas gémeas. Entendem-se na perfeição e podem dar-se ao luxo de levar esse entendimento para patamares de complexidade incompreensíveis para a maior parte dos adversários. Ao fazê-lo, tornam-se muito difíceis de parar. Quando se pensa que Aimar vai definir a jogada, com um passe para as costas da defesa, eis que procura Saviola; quando se pensa que este se vai virar para o adversário e forçar a verticalidade, eis que devolve em Aimar; quando se pensa que, agora sim, Aimar vai dar profundidade, eis um passe para o lado para o amigo Javier; quando se pensa que Saviola, após tanta cerimónia, vai finalmente procurar ser objectivo, eis mais um toque curto para o amigo Pablito. E estão nisto o tempo que for preciso. E os adversários à roda, à procura da bola, com a língua de fora e já sem discernimento para perceber que, com tudo isto, se desorganizaram por completo. A consequência deste tipo de futebol é precisamente esta: desorganizar, pela imprevisibilidade, pela estranheza da coisa, toda uma defesa. O futebol curto de Aimar e Saviola, as tabelas e as contra-tabelas, o exagero de passes e devoluções entre eles, tudo isto corresponde ao maior trunfo deste Benfica. Ser capaz de fazer isto é ser capaz de fazer o que há de mais difícil e eficaz em futebol. Há pouquíssimas duplas que o conseguem. Neste momento, só me ocorrem os nomes de Xavi e Iniesta.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Campeonato do Mundo dos Comentários Hilariantes (Grupo B)

Já foi há mais de um ano que o campeonato do mundo dos comentários hilariantes começou. O Grupo A, então em disputa, gerou controvérsia. Agora, entra em acção o Grupo B. São mais 25 comentários fascinantes sobre o mundo da bola, recolhidos do baú de comentários do Entre Dez e expostos agora para apreciação dos nossos caríssimos leitores. Alguns deles reavivam lembranças saudosas e ilustres comentadores que, entretanto, deixaram de dar o seu riquíssimo contributo às nossas caixas de comentários, facto que lamentamos profundamente. A ideia, para quem não se lembra, é votar nos que considerar mais espectaculares. A prova continuará, com mais grupos a disputarem o acesso à grande finalíssima, e os melhores de todos terão depois o devido destaque. Aqui estão, sem mais demoras, os segundos 25 comentários hilariantes a concurso. Toca a votar...

1) Anónimo (29 de Novembro de 2007) (post Sub-Aproveitamento):

"tu percebes de futebol é? quem to disse? tens curriculo para apresentar? é que se n tens es igual aos restantes, podes mandar umas "papaias" para o ar mas é igual aqueles que rejeitas... cumprimentos"

(Nota: Anónimo, anónimo, tu percebes de disparates? Tens currículo para apresentar? É que se não tens és igual aos restantes a dizer disparates, podes mandar umas "papaias", mas dizes disparates tão disparatados como os daqueles que rejeitas...)

2) Bruno Pinto (4 de Dezembro de 2007) (post Falsas aparências... Parte dois):

"Se um gajo não sabe cruzar, não pode ser lateral, se não sabe atirar a bola lá para dentro, não pode ser avançado, se não sabe marcar em cima, não pode ser central. Etc, etc, etc."

3) Pedro (10 de Dezembro de 2007) (post As asneiras de Luís Freitas Lobo):

"Sim caro Nuno o talento nasce com as pessoas....por muito q tu aprendas a cantar se não tiveres voz não chegarás ao nível máximo. Pq o talento é o q define aquilo q separa uns de outros, talento é aquele factor x que não se explica, tem-se ou não se tem. Simplesmente isso. Chama-lhe instinto, inspiração, whatever, talento nasce connosco..."

e (a 11 de Dezembro de 2007)

"Não se trata da inteligência ser inata ou não. Trata-se sim de tu estudares uma vida inteira e não conseguires resolver os mais dificeis problemas matemáticos e outros aos 15 anos resolverem-nos desde os 7."

(Nota: Achou o comentário confuso?? Faça uma pausa às 15 horas desde as 7.)

4) Anónimo (10 de Dezembro de 2007) (post As asneiras de Luís Freitas Lobo):

"a homossexualidade é, obviamente, genética. Ninguém é gay/lésbico por opção (ao contrário do que alguns tontos homossexuais parecem acreditar, provavelmente por receio que lhes chamem doentes hereditários...)."

5) Bruno Pinto (10 de Dezembro de 2007) (post As asneiras de Luís Freitas Lobo):

"O Maradona foi o que foi porquê? Primeiro, porque Deus deu-lhe um talento absolutamente incrível para jogar futebol. Segundo, porque treinou e aprendeu a usar esse talento no futebol de alta competição."

(Nota: O Deus é um maluco, a distribuir presentes assim pela malta.)

6) pedro silva (11 de Janeiro de 2008) (post O Boavista de Pacheco):

[falando de Mateus, Fary e Zé Kalanga]
"os 3 abundam em talento...mas é preciso um treinador!"

e

"O diakite é um jogador fundamental no boavista. ele não está lá pra jogar à bola... está lá pra não deixar jogar e aí está o teu erro de interpretação."

e

"O futebol defensivo é o mais ganhador de sempre na história do futebol. "

e (a 12 de Janeiro de 2008)

"Mourinho é claramente um defensor do estilo de jogo defensivo. Qualquer um sabe disso."

(Nota: Diz Mourinho, sobre a sua filosofia de jogo, em contraste com a de Bobby Robson, no livro de Luís Lourenço, Liderança: as lições de Mourinho, o seguinte: "(...) mantendo a primazia por um futebol de ataque, procurei no fundo, organizá-lo melhor e essa organização parte, muito justamente, da defesa." Afinal parece que não é assim tão defensivo.)

7) pedro silva (11 de Janeiro de 2008) (post Tragédia Grega... e não só):

[sobre Katsouranis]
"Sei que muita gente gosta dele mas eu, reconhecendo-lhe as qualidades que tem, acho que tem defeitos a mais para jogar no benfica."

8) Bruno Pinto (13 de Janeiro de 2008) (post Tragédia Grega... e não só):

"Bem, eu começo a pensar que o Nuno e o Gonçalo são o mesmo cromo, de tão parecidas que são as estupideses que dizem e a forma como não percebem o que se diz. Vontade de rir... Ainda não percederam (percebeu?) patavina do que eu disse do Veloso e do Moutinho. Não percebem... O Veloso e o Moutinho são os dois inteligentes. E não percebem porque eu prefiro um ao outro. É que não percebem. E depois ainda acham que percebem de futebol... Epá..."

(Nota: Não percebi como é que se não se percebe que um gajo não perceba que usou quase uma centena de vezes o verbo "perceber" numa frase, sem perceber que a estava usar de forma a tentar perceber algo que não tem capacidade para perceber.)

e

"Eu não acho que chamar burro é insultar (...) Um burro é um gajo sem inteligência. Não é insulto."

(Nota: Eu não acho que chamar prostituta à mãe deste artista seja insultar. Prostituta é uma gaja que usa o corpo para trabalhar. Não é insulto.)

9) Bruno Pinto (16 de Janeiro de 2008) (post 22 curtinhas):

"Nuno, escreve-se 'covarde'. Muda lá isso que não estou habituado a erros ortográficos neste blog."

(Nota: O ensino do português, a norte do Tejo, parece-me pouco competente. Assim como o ensino da bazófia.)

10) Pedro (18 de Fevereiro de 2008) (post Curtas mesmo mesmo curtas):

"Sinto da tua parte uma embirração com o Binya...e algo me diz q em breve vais ter q te retractar..."

e (a 19 de Fevereiro de 2008)

"Por acaso acho um pouco estranho q tu, logo tu, tenhas uma opnião assim tão fechada de Binya mas não vou aprofundar muito a questão. Acho q se nota q há ali muito potencial mas adiante...agora não reconhecer q com ele em campo o Benfica ganha agilidade e dinâmica na pressão defensiva é puxado."

11) Anónimo (6 de Abril de 2008) (post Breves da Semana):

"E se alguem desencantar um extremo que marque golos de cabeça com a facilidade do Ronaldo, digam, está bem?
Ao artolas que comentou anteriormente - já não tens paciência para o CR7? Olha, ainda vais ter que o aturar por muito tempo... e no Europeu, quando precisares dele para ganhar jogos, como é?"

(Nota: O que vale é que tínhamos o Ronaldo no Europeu, se não teríamos ficado aí pelos quartos-de-final.)

12) Messi (23 de Abril de 2008) (post O que é um passe?):

[sobre Pelé]
"Ainda bem que há gente como vocês para ensinar um jogador que joga no campeão Italiano o que é um passe.

Serviço público no seu melhor."

(Nota: Um jogador que "jogava" no campeonato italiano. Assim é que está certo. Um jogador que passou a primeira metade da época passada a brilhar na Liga Intercalar e que depois foi brilhar para um colosso inglês. E que agora brilha em Espanha. Fica a correcção. E o serviço público.)

13) Trigo (30 de Abril de 2008) (post Compreender Futebol, em vez de o jogar...):

"Só se diz merda neste blog? Execução vs interpretação... Conversa estúpida!! Só cromos nesta rua."

14) Julio Cruz (11 de Maio de 2008) (post Clássicos: Taça dos Campeões Europeus 86/87 - FC Porto vs Bayern de Munique):

"Não concordo, aquela equipa do Artur Jorge era brilhante tacticamente, não me venham dizer o contrário."

15) ChuckE (12 de Maio de 2008) (post Clássicos: Taça dos Campeões Europeus 86/87 - FC Porto vs Bayern de Munique):

"Que biltre horrivel que és... podes admitir que não gostavas do estilo do porto daquela altura, e naquela final em especial, de "combate". Mas daí a chamar-lhe mau jogo..."

e

"Eu já vi a repetição do jogo na rtp memória, também. Apreciei bastante o jogo do Porto, num estilo de jogo semelhante ao praticado pelo Porto do Carlos Alberto, muito combativo, sólido a defender, sempre na recuperação de bolas, futebol apoiado, meio campo de pitbulls baixotes, como foi o estilo do Porto durante anos. "

(Nota: O raciocínio que importa reter é: todo aquele que não gosta de "pitbulls baixotes" é um "biltre horrível".)

16) Pedrovsky (25 de Maio de 2008) (post Os melhores):

"OFF-TOPIC: viste o (outro) grande golo do Pelé na final da taça de Itália? Leste o que é que os jornais italianos, gazzeta e corriere dello sport disseram dele? Qual é mesmo o teu problema com ele? Palpita-me que este será um sapo grande que vais ter de engolir mais cedo ou mais tarde, ai vais vais..."

(Nota: A mim palpita-me é que não fui eu quem engoliu sapos...)

e (a 26 de Maio de 2008):

"Nuno, eu sempre achei o Pelé um possível grande jogador de FUTURO. O grande golo que ele marcou (mais um)é mais uma prova e não apenas um motivo para dizer que ele é bom.
Qto às possibilidades com Mourinho, lembro-te apenas que o Bosingwa com Mourinho quase nunca jogou e hoje é o lateral mais caro do mundo, enquanto o dani alves não sai do sevilha. Por isso, o tempo está a favor do Pelé, mesmo que ele fique mais tempo no banco."

(Nota: Exacto, o tempo continua a favor do Pelé.)

17) slb4ever (26 de Maio de 2008) (post Os melhores):

[sobre Pelé]
"se com Mourinho não explodir, o problema é do Zé..."

(Nota: Se com Mourinho não explodir, o problema é do Zé; se com o Jesualdo não explodir, o problema é do Jesualdo; se com o Tony Adams não explodir, o problema é do Tony; basicamente, o problema é de todos menos dele...)

18) Anónimo (28 de Maio de 2008) (post Os melhores):

"És o maior tono do caralho!!"

(Nota: O que é um "tono"?)

19) Pedrovsky (29 de Maio de 2008) (post Pelé: um estudo):

"tens problemas com o M. da Costa? Já alguma vez viste um central com a habilidade dele na frente?"

20) Pedro Silva (29 de Maio de 2008) (post Pelé: um estudo):

"Nuno, exageras e ainda vais passar mal com o pelé."

21) Anónimo (5 de Junho de 2008) (post Sondagem (6)):

[sobre uma votação para eleger a equipa com melhores condições para vencer o Euro 2008]
"Votos na Espanha: nuno, gonçalo, o cão do nuno e o gato do gonçalo."

(Nota: os patetas do costume, uma vez mais com opções de voto que não lembram nem ao Diabo.)

22) Anónimo (14 de Junho de 2008) (post Incidências da Primeira Ronda do Euro 2008):

"Este blog é de escachar o coco a rir."

(Nota: Nunca percebi por que é que partir um côco é motivo de riso. Já "escachá-lo" é-o, seguramente.)

23) José Henriques (18 de Junho de 2008) (post Segunda Ronda):

"Mister fred (k de mister nao deve ter nada), já devo ver fut há mt mais tmp k tu!! por isso não me substimes...e n des exemplos parvos...o diakité e o binya são 2 pretos xulos.o petit é 1 gajo ja com visao d jogo e um remate mt forte..e a grécia eu nao digo k seja espectacular! mas k é boa tacticamente é! e vai xamar nabo à tua avó torta, k eu ja vejo futebol a 20 anos! este blog é so energumenos e gente sem humildade. isto é uma vergonha. a juntar a censura. parece q k voltamos ao estado novo."

(Nota: O nível dos insultos é brilhante, o português usado melhor ainda. Melhor, só mesmo a justificação para a falta de qualidade de Diakité e Bynia seguida da indignição por um comportamento, supostamente, em conformidade com a censura do Estado Novo. O que vale é que há coerência!)

24) Zé das Hóstias (20 de Junho de 2008) (post Ronda Final):

[sobre a França no Euro 2008]
"ESTE GAJO NAO SABE O Q DIZ!!!! A FRANÇA JOGOU MT BEM SÓ TEVE AZAR!!!"

25) Costa (decora o nome, cromo) (30 de Junho de 2008) (post Final e mais coisinhas):

"Ó palhaço, quem disse que o Pelé é dispensável? Se o fosse, o Quaresma há muito que já tinha ido para o Inter, não achas? Além disso, o que se fala é de um empréstimo, não de uma cedência definitiva."

(Nota: Professor Karamba e as suas adivinhações prodigiosas.)

E é isto: humor de qualidade, poderes de adivinhação prodigiosos e análise futebolística extremamente requintada. Falar de futebol a rir - eis o lema deste espaço e de todos os seus intervenientes.

domingo, 18 de outubro de 2009

Simplesmente... Viana.

Um dos melhores jogadores portugueses da sua geração (e só não o considero o jogador mais importante do campeonato porque na Luz moram dois argentinos que são para lá de extraordinários). Ignorado pelo clube que o lançou para a alta roda do futebol, Hugo Viana foi parar a Braga. Na altura, as alarvidades que se disseram sobre o assunto multiplicaram-se: fosse porque era lento, ao contrário do velocíssimo Zizou, ou porque não se encaixava bem no modelo do Sporting, nem em qualquer um dos grandes, etc., a estupidez dos argumentos só encontrava par no talento que Viana teimava em espalhar pelos relvados, semana após semana.

Realmente, tenho de concordar que um jogador como Hugo Viana não faz o menor sentido num modelo como o Sporting: uma equipa que despreza a bola, que apela única e exclusivamente ao espírito de sacrifício dos seus jogadores, enfim, um modelo que ao invés de elevar os seus jogadores apenas os rebaixa não é, com toda certeza, o mais indicado para um jogador com o potencial de Hugo Viana, pois quanto maior é o potencial de um jogador sob o jugo daquela igreja maior é a atrocidade cometida contra o futebol. Se não, vejamos os casos de Pereirinha, Romagnoli, Farnerud, etc. Portanto, não será de todo disparatado dizer que a miopia que o "empurrou" para Braga foi a grande responsável pelo excelente campeonato que o Braga está a realizar. É verdade que a equipa minhota "parece" trabalhar sob a luz certa: tem um treinador que apela, de forma positiva, ao orgulho dos seus jogadores, dá importância à posse de bola, para além de conceder a liberdade necessária aos seus jogadores. No entanto, não é uma equipa muito organizada, e nem sempre se consegue apresentar com os sectores unidos, quer a atacar, quer a defender. Domingos parece um treinador com grande potencial, (tal como parecia Bento, há três anos) mas ainda é cedo para perceber se os motivos para jogar como pretende são os mais correctos. Falta perceber se os erros que comete não passam disso mesmo, ou se são sinais inequívocos de uma fraqueza que o tempo não tardará a pôr a descoberto, essa vertigem pela fé no resultado, sem se interessar, ou perceber, como o alcança. Por agora, com a liberdade concedida a Hugo Viana, Domingos não tem de se preocupar ora com a qualidade de jogo da equipa, ora com a menor valia (individual) dos argumentos da equipa arsenalista.

Hugo Viana é um caso raro de evolução. Poderia ser a esta altura mais bem-sucedido, isto se não se tivesse transformado naquilo que é hoje: um jogador muito inteligente que conhece todos os "cantos" do jogo, que percebe as necessidades da equipa, que mede cada acção que toma com uma gravidade que não se esgota na execução do passe ou do drible. E como seria fácil, para um jogador como Hugo Viana, focar-se apenas e só nas suas qualidades individuais. Bastava "apregoar" a toda a hora a facilidade com que a qualidade do seu passe longo se manifesta, forçando com isso um maior número de passes de risco e conseguindo um maior número de assistências, ainda que isso, muito provavelmente, se viesse a revelar contraproducente para a equipa. Poderia também, como muitos dos ídolos (com pés de barro) cá do burgo, procurar incessantemente, e a qualquer custo, obter o golo através de acções individuais. Decerto que a esta hora a sua conta pessoal seria bem mais atractiva; talvez até pudesse ser titular na selecção de todos vós. Mas de certeza que o Braga não seguiria invicto, com um registo impressionante, como líder do campeonato. Por isto tudo, não me parece exagerado dizer que, a par de Aimar e Saviola, Hugo Viana é, sem qualquer ponta de dúvida, a figura maior deste campeonato.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Os energúmenos

Há pouca coisa em mim - confesso - que me cause mais repulsa que a estupidez do ser humano. Tolero, com facilidade, coisas que maior parte das outras pessoas não tolera, mas sou incapaz de conviver ou de aceitar sequer gente estúpida. Quando essa estupidez, então, me afecta directamente, quer pondo em causa aquilo que sei, quer arrogando-se de franca sabedoria, germinam em mim incontroláveis vontades de desdenhar. O escrúpulo é a ferramenta que usamos para aceitar a opinião alheia, mesmo quando ela não nos satisfaz. Contra estúpidos, porém, é frequente que perca a capacidade de manter os escrúpulos. É a esses doutores que este texto se dirige, na forma de uma lista de propriedades das suas doutas competências intelectuais. São, por isso, verdadeiros energúmenos:

1. Os que acham que a agressividade é uma coisa meramente mental e que para se tornar agressivo basta haver força de vontade.

2. Os que acham que o espírito de sacrifício é a maior virtude de um jogador.

3. Os que acham que o respeito se ganha exigindo-o arbitrariamente e não por demonstração de competência.

4. Os que querem bolas na linha só porque ouviram dizer que se deve jogar pelos flancos.

5. Os que protegem a humildade em vez do talento e os que dispensam os mais talentosos jogadores apenas porque não souberam lidar com o seu feitio.

6. Os que acham que podem justificar as suas ideias dizendo que aquilo que defendem está escrito em "livros" e que, como tal, não pode ser questionado, quando facilmente são desarmados se pensarmos que o livro mais influente na cultura ocidental se baseia na existência de uma entidade que, obviamente, não existe.

7. Os que não percebem que os jogadores mais competentes e através dos quais melhores resultados se podem extrair não são aqueles que dão tudo de si em termos físicos, mas sim aqueles que dão tudo de si em termos intelectuais, procurando perceber e melhorar as suas competências, não se limitando apenas a esticar ao máximo as suas competências actuais.

8. Aqueles que criticam um jogador por inventar e que aplaudem outro quando este faz algo simples, mas previsível.

9. Os que, com uma equipa cujas maiores virtudes são as competências técnicas e intelectuais, acham que os ingredientes necessários para vencer um adversário cujas principais características são a agressividade e a força são precisamente a agressividade e a força.

10. Os que não percebem que a impetuosidade não se contraria com impetuosidade, mas com inteligência, calma e qualidade de passe.

11. Os que não percebem que os melhores jogadores são os que tentam fazer as coisas mais difíceis e que, no meio de cinco adversários, dominar no peito, proteger a bola, metê-la no chão e dar num companheiro de modo a que a equipa possa começar a construir é muito mais difícil do que ir às alturas ganhar uma bola de cabeça cujo destino passa a ser absolutamente imprevisível.

12. Os que preferem jogadores que não compliquem àqueles que, sabendo das dificuldades, procuram ainda assim fazer coisas difíceis por perceberem que o êxito nas mesmas implica ganhos relevantes para a equipa.

13. Os que preferem jogadores velozes mas ineptos a jogadores lentos mas talentosos.

14. Os que têm Diogo Rosado e Fábio Paim no plantel e não os aproveitam, deixando-os no banco e utilizando outros como Wilson Eduardo.

15. Os que pensam que a qualidade de um avançado se determina pela quantidade de golos que marca e depois não têm capacidade para explicar por que é que o melhor avançado da Liga tem um quarto dos golos do melhor marcador da Liga.

16. Os que acham que o momento de atirar à baliza é mais importante que qualquer outro momento de jogo, usando o extraordinário argumento de que, no futebol, a conclusão é mais importante que a introdução e que o desenvolvimento apenas porque sim.

17. Aqueles que pensam que é possível criar jogadas de finalização de forma constante utilizando, em todo o processo ofensivo, apenas três ou quatro toques.

18. Os que ainda não perceberam por que razão é que o Braga, não sendo uma equipa especialmente bem organizada, nem especialmente agressiva, nem especialmente bem preparada fisicamente, está em primeiro no campeonato.

19. Os que acham que pedir atitude aos jogadores é uma fórmula mágica para os motivar e ignoram que a motivação só pode ser fruto do reconhecimento de competência.

20. Todos aqueles que, enfim, não privilegiam as características certas, aqueles que não percebem que tipo de carácter os seus jogadores devem possuir, aqueles que valorizam excessivamente as trivialidades, aqueles que acham que uma equipa deve ser composta por onze monges franciscanos, aqueles que acham que a simplicidade per si é louvável e que o futebol é um jogo simples, aqueles que não conhecem o episódio bíblico de David e Golias e acham que, para se vencerem Golias, se deve ser parecido com Golias, aqueles que não percebem que o próprio conceito de jogo implica que haja formas mais eficazes do que outras de se vencer e que, de maneira nenhuma, todas as estratégias são aceitáveis, etc...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Estilo de jogo

Muito se discute sobre a eficácia do estilo de jogo que priviligie a posse de bola. Talvez porque se confunda muitas vezes equipas com estilo de jogos semelhantes, mas que estão subjacentes a ideias e interpretações do jogo bastante diferentes. Vemos, por exemplo, conjuntos que gostam de ter bola para poderem retirar o máximo proveito dos malabaristas que proliferam no seio da equipa, outras porque a sua carga "histórica" a isso os obriga, e outros, como o caso do Barcelona, que o fazem não por causa dos jogadores que possuem, mas porque a posse de bola, e aquele estilo de jogo apoiado, de toque curto e seguro, são a "trave-mestra" de todo o seu futebol. Independentemente dos jogadores.

No entanto, apesar da importância dos motivos que sustentam um estilo de jogo, até a filosofia de jogo mais evoluída precisa de uma estrutura que lhe permita de forma inequívoca demonstrar toda a sua magnitude e superioridade perante as outras interpretações do jogo. Daí a importância do sistema táctico: não é indiferente, como muito boa gente apregoa. As dinâmicas realmente importam, mas a dinâmica está intimamente relacionada com a estrutura da equipa. O sistema táctico deverá permitir que as dinâmicas necessárias à concretização do nosso modelo de jogo sejam alcançadas compreendendo todos os momentos do jogo de forma una, contínua e equilibrada. Procura-se desta forma minimizar a nossa exposição a desequilíbrios (ofensivos e defensivos, em qualquer uma das fases de transição) inerentes única e exclusivamente ao nosso modelo de jogo.

Não possuo dados que me possam garantir quais as directrizes que sustentam o modelo de jogo do Arsenal, isto é, se a qualidade da posse de bola é o sintoma da "doença" certa, mas podemos constatar, nos jogos que temos observado neste início de temporada, uma consistência e equilíbrio inéditos que estão intimamente ligados ao sistema táctico adoptado por Wenger nestes jogos: o 4x3x3.

A valência desta filosofia vai muito para lá dos factores estéticos. O toque curto requer que a equipa jogue coesa, com os seus sectores juntos. Os próprios jogadores beneficiam de uma "rede" de apoios próximos que assim lhe oferecem mais opções, dificultando a acção defensiva do seu adversário. A esta imprevisibilidade contrapõe-se muitas vezes o risco que corremos de, com tantos passes, perdermos a bola em zonas proibidas. A verdade é que este argumento não só é falacioso como também ignora outra característica das equipas cujo modelo, desde que bem orientadas, assenta nesta filosofia: a capacidade de reagir de forma rápida e intensa aos momentos de transição, não só defesa/ataque, mas essencialmente ataque/defesa. O elevado número de jogadores na zona onde eventualmente a equipa perda a posse da bola, fruto do estilo de jogo baseado em apoios próximos, permite uma resposta mais rápida e eficaz sobre o adversário que havia recuperado o esférico. Mais, o facto de os sectores terem de jogar juntos retira espaço entre linhas para a equipa adversária se movimentar.

Posto isto, facilmente percebemos a importância de uma equipa como o Arsenal optar por jogar num sistema que lhe permite apresentar uma melhor ocupação dos espaços, benificiando de um maior número de linhas, não premitindo desta maneira tanto espaço e liberdade aos seus adversários, principalmente na transição ataque/defesa.

Beneficia o Arsenal com esta alteração, assim como os jovens que militam no clube londrino. Ramsey, Song, Vela, etc., vão poder exponenciar, ainda mais, todas as características, moldadas em função do estilo de jogo que "sustenta" o conjunto de Wenger. O treinador francês promove o desenvolvimento das tomadas de decisão nos seus jogadores, fruto da filosofia que implantou nos gunners. A constante criação de várias soluções em cada jogada obriga os seus jogadores a analisar um grande conjunto de variáveis. Desta forma, a regular necessidade de decidir entre as várias opções que lhe são "sugeridas" serve como um estímulo indispensável para a evolução intelectual dos seus jogadores. Agora, porém, com uma sistema mais equilibrado e racional, estes jogadores já não ficam obrigados a utilizar a sua mais valia para colmatar as lacunas do sistema táctico, encontrando ao invés um aliado não só na sua evolução como jogadores, mas também no seu caminho rumo ao sucesso.