domingo, 30 de dezembro de 2012
Gente Irritante e Coisas Ilógicas
Escrito por Nuno às 00:51:00 24 bolas ao poste
Etiquetas: Arbitragem, Cortesias, João Gonçalves, João Querido Manha, Mau Jornalismo
domingo, 23 de dezembro de 2012
Quiz (2)
1. Qual foi a primeira equipa italiana a marcar presença numa final da Taça dos Campeões Europeus?
2. Nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Portugal fez uma campanha extraordinária, ficando no 4º lugar, atrás de Nigéria, Argentina e Brasil. Quem compunha a equipa técnica que comandava essa selecção?
3. Em toda a História do Barcelona, qual foi o jogador que mais vezes foi expulso?
Escrito por Nuno às 15:49:00 10 bolas ao poste
sábado, 8 de dezembro de 2012
Górgias
Escrito por Nuno às 13:54:00 37 bolas ao poste
Etiquetas: Barcelona, Benfica, Cortesias, Guardiola, Master Kodro, Pedro Henriques, Raciocínios Tácticos, Rodrigo
domingo, 25 de novembro de 2012
O Talento e os Instintos
"(...) as I believe, the most wonderful of all known instinct, that of the hive-bee, can be explained by natural selection having taken advantage of numerous, successive, slight modifications of simpler instincts; natural selection having by slow degrees, more and more perfectly, led the bees to sweep equal spheres at a given distance from each other in a double layer, and to build up and excavate the wax along the planes of intersection. The bees, of course, no more knowing that they swept their spheres at one particular distance from each other, than they know what are the several angles of the hexagonal prisms and of the basal rhombic plates. The motive power of the process of natural selection having been economy of wax; that individual swarm which wasted least honey in the secretion of wax, having succeeded best, and having transmitted by inheritance its newly acquired economical instinct to new swarms, which in their turn will have had the best chance of succeeding in the struggle for existence." (Charles Darwin, On the Origin of Species, ch.VII)
Sendo que, para suportar uma grande quantidade de abelhas durante o inverno, é indispensável uma grande quantidade de mel, e sendo que a segurança de uma colmeia depende de uma grande quantidade de abelhas, fica em posição favorável, na luta pela sobrevivência, a colmeia em que, no processo de construção dos favos que a compõem, se gastar menos mel (a cera da construção resulta da segregação de mel). Diz Darwin, por isso, que é flagrantemente vantajoso que uma abelha, através de uma pequena modificação dos seus instintos, seja levada a construir as células da colmeia o mais próximo possível umas das outras, contribuindo para economizar cera. De um modo, em grande medida, arbitrário, o enxame cujas abelhas precisem, portanto, de segregar menos cera será o mais bem sucedido. Ao fim de algum tempo, será a descendência desse enxame que, por estar assim favorecida, prevalecerá. Assim se foi refinando a espécie, e assim se tornou no que é hoje. Aquilo que a caracteriza, e que temos tendência a chamar "instinto", por não compreendermos de onde vem a sua sofisticação, é afinal tão-somente uma característica que, ao longo da evolução da espécie, foi sendo aprimorada pelas próprias leis da natureza e pela necessidade de sobrevivência a que todas as espécies se vêem sujeitas. Aos poucos, abelhas com "instintos" menos favoráveis foram desaparecendo, sendo por isso natural que as espécies prevalecentes apresentem "instintos" que nos parecem hoje tão aperfeiçoados.
O principal corolário desta demonstração de que, instintivamente, somos substancialmente iguais uns aos outros e iguais, pelo menos, aos nossos antepassados dos últimos 4000 anos, é o de que, a respeito de actividades mais complexas, é essencialmente aquilo que fazemos em vida e não as características especiais com que nascemos que determinam as distinções particulares entre indivíduos. Evidentemente, há dentro da espécie não só grupos étnicos com algumas características bastante distintivas como também, dentro de cada grupo étnico, indivíduos com características específicas que os distinguem uns dos outros. Igualmente evidente é que tais características permitem a certos grupos étnicos que se distingam em certas actividades, assim como permitem a certos indíviduos distinção noutras. Mas em actividades complexas, em actividades cujo desempenho requer muito mais do que o aperfeiçoamento de certas características biológicas (que são distintas de indivíduo para indivíduo), em actividades em que é o intelecto, e o uso que se faz dele, que determina quais os indivíduos que melhor a desempenham, tais distinções dentro da espécie são absolutamente insignificantes. Em actividades a respeito das quais costumamos falar de talento, ou génio, como sejam, por exemplo, actividades artísticas, filosóficas, ou científicas, o que distingue os melhores dos outros é o percurso de vida com que se definem. Mozart não se distingue de Salieri por ter nascido com um dom maior, por os deuses gostarem mais dele, ou por saber mais de música. Distingue-se porque a vida de Mozart (e tudo o que ela inclui) foi diferente da vida de Salieri. Só isto. De igual modo, o talento de um jogador de futebol é o resultado de quem ele é, de tudo o que aprendeu e apreendeu a respeito de futebol, mas também do conjunto de experiências que, para o mal ou para o bem, o modificaram. O talento de Messi não nasceu com ele; começou, sim, a ser desenvolvido bastante cedo (o que, para um jogador de futebol, costuma ser determinante) e foi sendo trabalhado ao longo da sua vida, muitas vezes inconscientemente, através de resposta a estímulos de ordem futebolística ou não. Os instintos de Messi são, por assim dizer, a face visível desse talento; são as respostas que dá consoante aquilo que foi apreendendo ao longo da vida, dentro e fora do campo. E, embora praticamente instantâneas e embora aparentemente irreflectidas, essas respostas são o culminar de tudo o que viveu, de tudo o que experimentou, dos erros que cometeu, das coisas que descobriu, etc.. O talento não é senão uma construção altamente complexa, e os mais talentosos são não os que gozam de qualquer coisa indefinida com a qual nasceram providencialmente, mas aqueles cujas respostas melhor evidenciam a solidez de tal construção.
Escrito por Nuno às 00:18:00 6 bolas ao poste
Etiquetas: Raciocínios Tácticos
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
sábado, 3 de novembro de 2012
Elasticidade
Escrito por Nuno às 13:20:00 6 bolas ao poste
Etiquetas: Arséne Wenger, Barcelona, Bielsa, Guardiola, Jorge Jesus, Mourinho, Raciocínios Tácticos, Tácticas, Tito Vilanova, Van Gaal
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Kyle Walker e o que Não é um Lateral
Escrito por Nuno às 00:34:00 54 bolas ao poste
Etiquetas: André Villas Boas, Kyle Walker, Lances, Raciocínios Tácticos, Tottenham
terça-feira, 25 de setembro de 2012
A Cabecinha de Mascherano e o Treino de Certas Habilidades
Escrito por Nuno às 12:24:00 36 bolas ao poste
Etiquetas: Barcelona, Lances, Mascherano, Raciocínios Tácticos, Tito Vilanova
domingo, 19 de agosto de 2012
Benzema, os Avançados, e a Ilusão dos Números
Quando Mourinho chegou a Madrid, Gonzalo Higuain foi a sua primeira escolha. O argentino garantia velocidade de execução, profundidade nas costas das defesas adversárias, e bastantes golos. Quando se lesionou, o francês Karim Benzema, até então suplente e pouco utilizado, assumiu a posição. O jejum de golos, e as críticas de que foi alvo, fizeram com que Mourinho fosse ao mercado, em Janeiro, e trouxesse Adebayor. Felizmente para Benzema, Adebayor não pareceu conseguir dar à equipa o que Higuaín dava, e foi então que se começou a perceber que Benzema, mesmo não marcando, permitia coisas ao Real Madrid que o avançado togolês não permitia. Mesmo sem os golos do francês, Mourinho apostou nele e o rendimento colectivo não se ressentiu. Por linhas tortas, percebeu o técnico português a dada altura, por exemplo, que, com Benzema em campo, o rendimento de Ronaldo era muitíssimo superior. Quando Higuaín voltou, esta variável tinha adquirido uma importância de tal modo extrema que o francês, mesmo não marcando tantos golos quantos o argentino, mesmo parecendo passar ao lado do jogo muitas vezes, nunca mais voltou a sentar-se no banco. Benzema, ao contrário de Higuaín, garante movimentos de aproximação, linhas de passe, qualidade técnica em espaços reduzidos. Isto permite ao Real um jogo mais apoiado numa fase adiantada no terreno, uma muito melhor competência entre linhas, e, acima de tudo, a desocupação da profundidade que permite a Ronaldo todas aquelas diagonais da esquerda para o meio. Por força da lesão do seu avançado de eleição, descobriu Mourinho que a sua equipa funcionava melhor com um avançado de características diferentes, um avançado que, acima de tudo, não fosse rigorosamente, no verdadeiro sentido da palavra, e em cada momento do jogo, um avançado.
Se houve coisa em que o Real Madrid melhorou, nesta segunda época, foi na competência em ataque organizado, no último terço do terreno. Ao contrário do que se passou na primeira época, em que a equipa apenas conseguia romper blocos defensivos densos através de lançamentos para as costas da defesa ou através de desequilíbrios individuais, o Real passou a conseguir fazer a bola entrar entre a linha defensiva e a linha média dos seus adversários, passou a conseguir atrair momentaneamente defesas para perto dos médios, quebrando as linhas defensivas com maior frequência, e passou a conseguir complementar isso com as entradas de terceiros (normalmente os extremos, e principalmente Ronaldo) nas costas das defesas. Tal competência só foi possível porque o avançado da equipa, o jogador responsável por jogar na jurisdição dos defesas centrais, não era um avançado cujas movimentações típicas pediam a profundidade, mas um avançado com características diferentes, capaz de vir dentro, de combinar com maior qualidade com os médios, e com maior apetência para segurar e tabelar do que para aproveitar as costas das defesas. Por ser o avançado que é, Benzema permitiu ao Real, enquanto equipa, que fosse mais competente. Com isso, não se terá notabilizado individualmente, em termos de golos, como naturalmente um avançado como Higuain se notabilizaria. Enquanto equipa, o Real Madrid de Mourinho melhorou, de uma época para a outra, principalmente porque passou a jogar com um avançado que não se comporta como a maioria das pessoas acha que os avançados se devem comportar.
De certo modo, portanto, a ligeira melhoria da equipa deveu-se à utilização de uma estratégia absolutamente idêntica àquela que o Barcelona de Guardiola, de forma provavelmente mais enfática, preconizou no ano anterior, uma estratégia que, para muitos, é o calcanhar de Aquiles dos catalães, e que, para muitos também, incluindo o próprio Mourinho, a fazer fé nas suas palavras, era o grande problema da selecção espanhola neste europeu. É verdade que Benzema é um avançado de raiz. Mas não foram os seus comportamentos de avançado típico que permitiram à equipa tal salto evolutivo; foram antes os mesmos comportamentos que qualquer médio, ou qualquer jogador que não jogue habitualmente como avançado, naturalmente exibe quando posicionado na frente de ataque. Apesar de ser avançado, foi por Benzema ter qualquer coisa de médio (se é possível falar assim) que o Real Madrid se tornou melhor equipa. Mourinho, mesmo que o não saiba, mesmo que o critique por naturalmente lhe lembrar o estilo do rival, deve boa parte do seu sucesso em Espanha a algo que, embora de modo mais radical e mais conscientemente, o Barcelona de Guardiola desde há muito procura idealizar.
Antes de terminar, queria desviar-me ainda do assunto principal deste texto, e reflectir um pouco sobre números. Como é sabido, acho que as estatísticas, em futebol, não só não valem nada como são, muitas vezes, enganadoras. No final da época passada, tentei argumentar que a semelhança entre os golos marcados por Real Madrid e por Barcelona não implicava competências ofensivas semelhantes, e tentei demonstrar que essa semelhança de golos se deveu a um final de época em que, sem a pressão de títulos que já não se podiam conquistar, havia objectivos individuais a atingir. Do mesmo modo, fui dizendo ao longo desta época que, apesar de ser o Barcelona, pelos pontos que ia perdendo, quem parecia estar menos consistente, era o Real quem, na verdade, tinha mais dificuldades para vencer os seus jogos. Obviamente, mantenho essa teoria. Para muita gente, não só o campeonato como os números apresentados no final da prova são testemunhos inequívocos do meu engano. Foi por isso que comecei este parágrafo por dizer que os números, além de não valerem nada, costumam enganar. Quem olhar para eles em bruto, naturalmente verificará que a equipa comandada por José Mourinho, além de ter tido mais 4 vitórias que o Barcelona, marcou também mais 7 golos (121 contra 114). Para esses, o Real é talvez mais competente, em termos ofensivos, do que o Barcelona. A minha opinião é de que essas pessoas estão enganadas. É que, apesar de ter marcado mais golos, e apesar de ter obtido mais vitórias, o Real Madrid teve mais dificuldades do que o Barcelona em vencer os seus jogos. Como é isto possível? É o que pretendo demonstrar de seguida.
Ora, comecemos pelas vitórias. O Real Madrid somou 32 vitórias, contra 28 do Barcelona. Das 28 vitórias dos catalães, 22 começaram a ser construídas na primeira parte. Ou seja, a vantagem obtida na primeira parte não mais voltou a ser anulada. Significa isto que 79% dos jogos ganhos pela equipa de Guardiola começaram a ser ganhos logo de início. Dos restantes 6 jogos, 2 foram resolvidos antes dos 70 minutos, 3 entre o minuto 70 e o minuto 80, e 1 apenas depois dos 80, mais concretamente o jogo contra o Atlético de Madrid, em que os madrilenos anularam a vantagem dos catalães a meio da segunda parte e obrigaram a um segundo golo aos 81 minutos. Quanto ao Real Madrid, das 32 vitórias, apenas 21 começaram a ser construídas na primeira parte. Significa isto que, ao contrário dos 79% dos catalães, só 66% dos jogos ganhos pela equipa de José Mourinho começaram a ser ganhos logo de início. Dos restantes 11, 6 foram resolvidos antes dos 70 minutos, 3 entre o minuto 70 e o minuto 80, e 2 depois dos 80. Embora não totalmente claros, até porque uma vantagem de 1-0 desde o primeiro minuto não é bem uma vantagem segura, estes dados permitem desde logo perceber uma tendência: a equipa catalã teve menos dificuldades em resolver os seus desafios, e teve por isso menos necessidade de acelerar para marcar mais golos. Mas passemos agora aos períodos de tempo em que os golos foram marcados. A consistência do Barcelona de que falava anteriormente não poderia ficar melhor espelhada do que na consistência com que os marcou em todos os períodos de tempo. Dos 114 golos, marcou 58 (51%) na primeira parte e 56 na segunda. Na segunda parte, marcou 21 entre o minuto 45 e o minuto 70, 19 entre o minuto 70 e o minuto 80, e 16 depois dos 80. Ou seja, o Barcelona não teve períodos mais fortes e períodos mais fracos. Foi uma equipa consistente, com o mesmo grau de eficácia em todos os períodos das partidas, quer os adversários estivessem mais frescos ou mais cansados, quer o cronómetro se aproximasse do fim ou não. Já dos 121 golos do Real Madrid, marcou 51 (42%) na primeira parte e 70 na segunda. Na segunda parte, marcou 37 entre o minuto 45 e o minuto 70, 13 entre o minuto 70 e o minuto 80, e 20 depois dos 80. Ou seja, o Real Madrid foi claramente mais concretizador nas segundas partes dos jogos, tendo especial apetência por marcar ora no reatamento da partida, ora nos últimos 10 minutos. Como comprova a análise destes números, a equipa de José Mourinho foi muito menos consistente do que o Barcelona, e, apesar de mais golos e mais vitórias, teve maiores dificuldades em superar os seus desafios. Podíamos ainda fazer outro tipo de análises. Dos 79 golos que o Barcelona marcou antes dos 70 minutos, só 27% foram marcados entre os 45 minutos e os 70. Já dos 88 do Real, 42% foram marcados nesse período. Dos 35 golos que o Barcelona marcou depois dos 70, 46% foram marcados depois dos 80. Já dos 33 do Real, 61% foram marcados nesse período.
Dividi a segunda parte em três períodos de tempo desiguais propositadamente, porque tinha a impressão de que era nos últimos vinte minutos que o Real Madrid mais marcava. De facto, assim não é, e a equipa marcou tanto como no resto da segunda parte. Apesar disso, marca muito mais nos últimos dez minutos do que nos penúltimos, e isso deve ser levado em conta. No fim-de-semana em que recomeça a Liga Espanhola, é bom que se tenha consciência destas diferenças. O título da época passada, muito mais do que da qualidade apresentada, dependeu essencialmente do sacrifício e da força de vontade. Naqueles jogos em que a qualidade não chegou, foram esses os factores desequilibradores. Foi isso que fez a diferença, e foi por isso que o Real marcou mais e resolveu mais jogos na segunda metade das partidas do que o Barcelona. Ao contrário dos catalães, cuja qualidade ímpar lhes permitiu serem consistentes ao longo da época, o Real de Mourinho teve, muitas vezes, de fazer das tripas coração para vencer os seus desafios. Para compensar a menor qualidade, teve de sustentar as suas vitórias no desgaste dos adversários, na força de vontade da própria equipa, e em índices de concentração muito difíceis de manter sem motivações extraordinárias. De certo modo, a equipa excedeu-se nas segundas partes dos jogos porque a motivação de vencer um campeonato a este Barcelona era altíssima. Foi esse o factor decisivo. Para isso contribuiu também o facto de Mourinho raramente ter rodado a equipa, de ter apresentado quase sempre o seu melhor onze, e de ter contado com pouco mais do que 15 ou 16 jogadores. Numa época com mais lesões, tal seria impossível de realizar. Na época que agora começa, nem a motivação deverá ser a mesma, nem a improbabilidade de realizar uma época com tão poucas lesões se deve repetir. Embora o Real Madrid tenha melhorado, da primeira para a segunda época, no aspecto particular a que me referi acima, a qualidade geral do seu jogo continua a léguas da qualidade geral do jogo catalão. Uma série de factores, alguns deles difíceis de controlar, contribuíram para que pudesse sagrar-se campeão. Veremos de que modo se regenera agora.
Escrito por Nuno às 13:29:00 90 bolas ao poste
Etiquetas: Barcelona, Benzema, Futebol Espanhol, Mourinho, Raciocínios Tácticos, Real Madrid
segunda-feira, 6 de agosto de 2012
Um Problema de Sol
Enfim, não quero perder muito tempo a discutir o raciocínio de Diamantino Miranda, pois não me parece fácil tentar perceber lógica onde ela não existe. Mas a ideia de que o clima influencia as características de um atleta merece algum debate, e sobre isso gostaria de dizer algumas coisas. Há coisa de dois anos, lançou o Filipe no Jogo Directo uma discussão parecida, defendendo que "há indícios claros de que a temperatura mexe, e bem, com o calor do jogo". Tive a oportunidade de comentar esse texto, e de participar na discussão. Ainda hoje penso do mesmo modo, e o comentário de Diamantino Miranda veio apenas tornar presente algo que me faz de facto bastante confusão. Como é que alguém pode sequer conceber que o clima tem influência directa no tipo de futebol que se pratica em determinado sítio? Na verdade, talvez sem se aperceber, o Filipe defendia duas coisas diferentes: primeiro, que uma equipa não se consegue comportar como se comporta habitualmente, se a temperatura for consideravelmente mais alta; em segundo, que os brasileiros jogam de modo mais "acalorado" porque o clima assim o propicia. O primeiro caso não se insere sequer no mesmo tipo de discussão: qualquer equipa europeia que vá jogar a 2000 metros de altitude, com baixas concentrações de oxigénio, tem desempenhos inferiores, e não consegue manter o ritmo habitual. Não é propriamente a temperatura, mas sim qualquer condicionante externa que modifica o comportamento habitual dos jogadores, que estão preparados para responder em determinadas condições e têm dificuldades imediatas em adaptar-se a condições novas. O "calor" do jogo, nesse primeiro caso, é determinado pela habituação, ou falta dela, e não porque a temperatura desempenhe um papel providencial. Mas é o segundo caso que mais interessa, pois é sobre ele que as pessoas mais opiniões engraçadas têm.
Existe, aliás, a tendência para achar que não é só o futebol, mas todo o tecido social, que é reflectido pelo clima de um país. Acho tal conclusão, como deverão calcular, um profundo disparate. Para muita gente, os países mediterrânicos são menos produtivos, em geral, porque são países com climas temperados, e é o clima que se regista nesses países que faz com que as pessoas sejam mais preguiçosas, mais irresponsáveis, mais inconstantes, e mais emocionais. O raciocínio de quem pensa assim é mais ou menos o seguinte: as pessoas vivem debaixo de temperaturas altas toda a vida, e isso frita-lhes as ideias. Enfim, achar que a temperatura é responsável pela definição do carácter de um povo é tão ridículo que chega a ser difícil falar sobre isso. As características gerais de um povo - se é possível, de facto, traçá-las - são definidas ao longo de séculos de História, e influirá mais no tipo de pessoas que os portugueses são, para usar o exemplo de Portugal, o facto de termos uma tradição católica profundamente enraízada, ou o facto de termos sofrido certos acidentes históricos, do que o facto de vivermos à beira-mar, com um clima ameno. O ser humano é uma criatura de hábitos, e as pessoas comportam-se como vêem os outros comportar-se. Se o clima em Portugal mudasse subitamente, e passássemos a ter um clima nórdico, a geração seguinte seria exactamente igual à geração seguinte que viria, caso isso não acontecesse. Quem fala em portugueses, fala noutros povos quaisquer. Se a temperatura, ou a latitude, fossem determinantes, ingleses e irlandeses seriam praticamente iguais.
A ter alguma influência no carácter de um povo, o clima tem uma influência reduzidíssima. Se assim é, menor será ainda essa influência em qualquer manifestação cultural desse povo. O futebol, enquanto manifestação cultural, não foge à regra. O futebol praticado numa determinada região do globo difere do futebol praticado noutra região por várias razões. Primeiro, porque são manifestações culturais de povos diferentes, com culturas diferentes, com preocupações diferentes, com legados históricos diferentes, com estruturas morais diferentes. Depois, e sobretudo por isso, porque o próprio futebol cria uma determinada tradição. Por que é que os italianos são mais defensivos? Porque, enquanto povo, são mais conservadores, mais reservados, mais precavidos? Obviamente que não. Porque, a dada altura, os modelos defensivos italianos começaram a ter sucesso, e criaram escola. A tradição futebolística de um país é talvez o factor mais relevante na definição do tipo de futebol que se pratica num país. Que causa está por trás do futebol de toque da Espanha, nos últimos anos? Um trabalho de fundo que modificou radicalmente a identidade do futebol espanhol, o privilégio pela inteligência e pelo talento. E no Brasil, por que é que no Brasil o jogo é tão "acalorado", há tanta irresponsabilidade táctica, e há tanto jogador talentoso? Não é por causa do calor, que faz com que os jogadores tenham as emoções à flor da pele, assim como é o calor que leva os miúdos para a praia e para as ruas, onde aprendem a jogar? Claro que não. São as condições sociais, a cultura do país, o fundo católico, etc.. Será a irresponsabilidade táctica característica do futebol brasileiro assim tão diferente da irresponsabilidade táctica de outros países sul-americanos? Não é. E o que dizer da irresponsabilidade táctica dos britânicos? É uma irresponsabilidade diferente da dos brasileiros, mas ainda assim é irresponsabilidade. Como explicá-la, se o clima não é "acalorado"? Essencialmente, porque a tradição futebolística na Grã-Bretanha não conheceu praticamente evoluções, nos últimos 50 anos, e porque no futebol (e no desporto, em geral) britânico se tendem a privilegiar atributos atléticos.
Acreditar que a temperatura (e o sol, em particular) determina o tipo de futebol que se pratica num certo país é não perceber nada de futebol, e é não perceber nada de seres humanos. O futebol, como todas as expressões de um povo, reflectem em parte o tecido histórico, cultural, religioso, e social desse povo. Mas, em si, é uma prática isolada, que pode, a qualquer altura, seguir um trajecto completamente distinto, sem qualquer relação directa com esse tecido. Estes dois tipos de factores são aqueles que, a meu ver, melhor explicam as distinções entre os vários tipos de futebol que se praticam pelo mundo. O clima, ou qualquer factor ambiental, não entra em nenhum deles. Não é sequer um factor secundário; não influi sequer na personalidade dos indivíduos que compõem esse povo, quanto mais nas suas práticas. Pode, quando muito, num passado muito remoto, ter ajudado a que determinados povos se dedicassem mais a umas actividades do que a outras, optassem por um determinado estilo de vida e não por outro, e que a personalidade desse povo - que foi sendo criada paulatinamente, ao longo dos tempos - tenha então sofrido inflexões decisivas em determinado período da sua formação por força do clima em que se vivia. Mas isso nem uma influência indirecta é. Se, a partir de agora, começasse a nevar durante todo o ano na península ibérica, e fizesse sol na Islândia, seriam preciso inúmeras gerações, e vários séculos para que os islandeses passassem a ter tradição futebolística, e os portugueses e os espanhóis perdessem a deles. A influência dos factores ambientais é, na melhor das hipóteses, uma influência remota, e só com muita boa vontade é que se consegue aceitar que Diamantino Miranda e outros que, como ele, acreditam em tais disparates, não estejam ainda hospitalizados.
Escrito por Nuno às 11:16:00 27 bolas ao poste
Etiquetas: Cortesias, Diamantino Miranda, Filipe Vieira de Sá, História do Futebol, Raciocínios Tácticos
terça-feira, 17 de julho de 2012
Hegemonia e Geração Espontânea
Escrito por Nuno às 11:50:00 42 bolas ao poste
Etiquetas: Agostinho Cá, Betinho, Bruma, Denis Suárez, Futebol Espanhol, Gerard Delofeu, Grimaldo, João Mário, Oliver Torres, Raciocínios Tácticos, Selecções Jovens, Tiago Ilori
terça-feira, 10 de julho de 2012
Egoísmo e estética na evolução do jogo.
Na verdade, a essência deste texto louva o estilo. Frivolidade, que para alguns se desmascara no seu significado; porém, não aqui, não no que se procura defender neste texto. Ignoremos o fenómeno Guardiola; tiranizados que estamos sob o jugo desse alto olhar sobre o jogo, não se apresentará fácil o exercício, mas só assim poderemos compreender a extensão do que nestas linhas é proposto. O mais curioso é que, até ao advento “Guardiola”, nenhum dos bastiões deste jogar, que tamanha admiração nos inspira, se podia comparar a qualquer um dos anteriores estetas que, em si mesmos, de forma marginal, inscreviam os valores que agora ressoam na elegância do jogo catalão. Xavi, Busquets e Iniesta, jogadores que encerram em si uma qualidade excepcional, não encontrariam o reconhecimento que os consagra agora, não lhes fosse oferecida a oportunidade de fazerem parte de um ideal que, sendo também o deles, não encontrava neles a sua maior expressão. E é na plasticidade da palavra “expressão” que sustento esta ideia; existe um certo “altruísmo” a que o seu jogo se entrega, empalidecendo-os. A minha atenção vira-se, como facilmente se deduz, para aqueles que, demasiados centrados sobre si, procuram em cada momento não o que é melhor para a equipa, não tomar a mais oportunista das decisões, mas antes ataviar-se de um brilho e romance que, aos seus próprios olhos, os distingam dos demais. Encontrei esta ideia pouco depois de ler um texto do Jorge D., no Centro de Jogo, sobre um jogador que também eu admirei, e admiro, tendo também feito questão de escrever, há uns anos, um texto sobre ele neste blogue: Pedro Barbosa. Na altura, senti que não se explicava todo o seu encanto apenas com aquele estilo blasé com que desfilava no campo, ou com a inteligência com que abordava as situações com que o lado caótico do jogo o brindava. Barbosa era mais como Zidane ou Pirlo. Não reconheço que estes jogadores se tenham destacado “apenas” pelas características acima enumeradas, apesar destas serem inequívocas; acredito, porém, que outra afinidade os transcendia: a necessidade a que se atavam de, independentemente do que o jogo lhes oferecia, se projectarem num patamar superior. Aqui descobrem-se, por certo, algumas resistências: encontramos um rebanho de jogadores que, acima do que podem oferecer à equipa, pensam no que podem oferecer a eles próprios perante o jogo, tão obcecados que estão em alcançar o reconhecimento dos demais. Vou dar um exemplo, que me é tão querido, de imediato saltando à vista: Liedson. Mais do que aquilo que podia oferecer à equipa, este jogador procurava a mais pequena ocasião para se emancipar. Aqui retorno, todavia, às qualidades indissociáveis dos três primeiros (Barbosa, Zidane e Pirlo ) para concluir que os valores sobre os quais se dobra a necessidade de privilegiar a equipa resultam de diferenças abismais - para com jogadores como Liedson, por exemplo - nas suas preocupações durante o jogo. Ao brasileiro pouco lhe diziam os meios com que alcançava a notoriedade no jogo; conquanto no final de contas ele fosse o jogador que mais golos fizesse ou mais quilómetros arasse, pouco lhe importava o carácter das soluções encontradas; não encontrávamos nos outros três a mesma disposição, a mesma ligeireza nos seus processos. A atracção recaía sobretudo na elegância das soluções, cunhando-as de uma graça circunscrita ao seu próprio cânone, imunes a perversões de circunstância ou ambiente. Assisti a todos os jogos da Itália neste europeu, e, mais do que observar em Pirlo a necessidade de ajudar a equipa, encontrei nele o imperativo de jogar bonito, embora não aquele bonito envolto em acrobacias de circo, espalhafatoso no seu grito por atenção; a elegância do seu jogo, fatalidade de um vício do belo, manifestava-se na tranquilidade com que desenhava cada lance; e, no entanto, a grande maioria das suas soluções não se esgotavam no sentido estético do seu jogar, catapultando a Itália para uma qualidade de jogo nunca vista. E aqui, por fim, chega o essencial do meu argumento: não se escondam jogadores como Pirlo em sociedades tacanhas, ainda que democráticas, todos participando com a sua visão na regulação das suas leis e costumes; atribuam-lhe, sim, o título de déspota, e o brilho do seu jogo, libertando-os das suas próprias limitações, a um nível apenas ficcionado os sublimará. Em jogadores como Pirlo, cuja principal preocupação é fornecer elegância ao jogo, a única maneira de o fazer é numa abordagem superior ao mesmo, desprezando os pergaminhos da equipa onde se inserem. Concedam-lhe as rédeas da equipa e talvez encontremos naquele conjunto um vislumbre do que o conjunto blaugrana nos ofereceu constantemente. Acredito que este Europeu a Pirlo deve muito do seu encanto, e talvez este encanto torne merecedor um agradecimento a Prandelli; contudo, é na incapacidade de Pirlo de se furtar aos sacrifícios do Belo que se funda todo o futebol da Itália, e o seu reconhecimento pelo seleccionador italiano no Europeu de 2012. Na final, não escondi a minha predilecção pela Itália. Minto. Não pela Itália, mas por Pirlo, desejoso que o ego de um só jogador se superiorizasse a toda uma ideia de jogo que, afinal de contas, também era a dele, apenas mais simples e humilde. Venceu um conjunto de jogadores, habituados que estavam partilhar entre si um ideal que os elevava, perante um homem só, cujo sentido estético o entrelaça nas raízes de tão avançado conceito.
Escrito por Gonçalo às 18:43:00 1 bolas ao poste
Etiquetas: Pirlo, Raciocínios Tácticos
terça-feira, 3 de julho de 2012
Euro 2012 - A Sobrevivência do Mais Forte
Escrito por Nuno às 02:18:00 30 bolas ao poste
Etiquetas: Eleições, Euro 2012, Pirlo, Raciocínios Tácticos