sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Quiz

1. Quem era o jovem treinador do PSV Eindhoven que venceu a Taça dos Campeões Europeus em 1988, batendo na final, no desempate por penaltys, o Benfica?

2. Quem é o jogador do Olivais e Moscavide que, a partir dos 3 minutos e 40 segundos deste filme, passa pela defesa inteira do Leixões como se fosse manteiga?

3. Qual é o aproveitamento percentual (pontos conseguidos/pontos possíveis) das equipas de José Mourinho, tendo em conta as duas épocas no Porto e as três no Chelsea?

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

O fim do estruturalismo

Já aqui foi dito (talvez com pouco ênfase) que a um jogador não se podem imputar responsabilidades colectivas. Há quem não perceba (e quem nunca venha a perceber) o significado desta afirmação, mas pretendo deixar claro, de uma vez por todas, que a um jogador só se podem exigir responsabilidades por aquilo que ele faz individualmente. Nenhum jogador pode, por isso, ser culpado individualmente por a equipa jogar mal ou por a equipa adversária empurrar a sua equipa para a sua zona defensiva. A um jogador exige-se unicamente correcção táctica, técnica e intelectual. Se um jogador cumprir tacticamente, tecnicamente e intelectualmente, e se todos os seus companheiros o fizerem, as responsabilidades de um eventual insucesso só podem ser da equipa enquanto Todo e do treinador, porque não foi capaz de a montar exemplarmente.

Num desporto colectivo, como é o caso do futebol, nenhum elemento do colectivo tem uma missão própria. As missões são todas colectivas. Como tal, aos defesas não se pede que defendam, aos atacantes não se pede que marquem golos, aos médios-defensivos não se pede que recuperem bolas ou que segurem o meio-campo ofensivo do adversário, aos médios-ofensivos não se pede que construam o jogo da sua equipa. Tudo isto são coisas que a equipa deve fazer em conjunto. O avançado deve defender tanto como o defesa, ainda que ao defesa se exija que não falhe nesse capítulo, uma vez que não tem mais ninguém atrás dele para o fazer. O defesa deve marcar golos como o avançado, ainda que, naturalmente, o avançado tenha mais possibilidades para o fazer. Os médios-ofensivos e os avançados devem recuperar bolas como os médios-defensivos, ainda que a estes, pela sua posição em campo, se lhes peça maior aproveitamento. Os defesas e os médios-defensivos devem construir jogo como os médios-ofensivos, embora a estes, pelas suas características, estejam reservadas maiores responsabilidades. As únicas responsabilidades de cada elemento do colectivo são ocupar com exactidão a sua posição em campo (tendo em conta todas as variantes que essa posição assume consoante a posição do adversário e a posição da bola), a correcção técnica na abordagem dos lances e a tomada de decisões. Um jogador só é culpado do mau futebol da sua equipa se estiver mal posicionado tacticamente, se estiver a falhar no capítulo técnico, quer seja a nível da recepção, do passe, do remate, do tempo de salto, ou se tomar opções erradas. Assim sendo, a cada jogador só se pode pedir perfeição táctica, técnica e intelectual, com tudo o que isto acarreta: a um médio-defensivo, por exemplo, só se pode pedir que ocupe o seu espaço à frente dos defesas e nas costas dos médios-defensivos, que forneça os apoios correctos que a sua posição impõe, e que se aprume quer a nível técnico (passe, recepção, etc), quer a nível intelectual (opções). Tudo o resto resulta da perfeita execução disto.

Qualquer desporto colectivo deve ser entendido como um Todo. No xadrez, haverá certamente peças mais importantes que outras, mas cada uma, pelas suas características, contribui para o desempenho do conjunto. Os Peões, por exemplo, são extraordinariamente importantes na manutenção da solidez da estrutura e no fecho de linhas, ainda que sejam facilmente sacrificados. Os Cavalos, pela forma insólita como se movimentam, permitem jogadas que a Rainha, por exemplo, não permite. Todas as peças têm características próprias, mas nenhuma delas funciona sozinha. A Rainha, sozinha, é facilmente neutralizada. Cada peça deve pôr as suas propriedades ao serviço do conjunto. E só assim a máquina pode funcionar. No futebol, haverá certamente jogadores mais aptos que outros para marcar golos, como haverá outros mais aptos a construir jogo que outros, mas não o podem fazer sozinhos. Assim, se por acaso uma equipa passar um jogo inteiro a ser massacrada, a responsabilidade não pode ser necessariamente de um só jogador ou do meio-campo defensivo, uma vez que este, por si só, não pode ser capaz de suster as ofensivas do adversário. É claro que, se este meio-campo defensivo tiver um posicionamento deficiente, se se colar à defesa e abrir espaços entre esta e o meio-campo ofensivo, permite um avanço do adversário. Nesse caso, como é óbvio, tem responsabilidades no acontecido, mas unicamente porque falhou a nível posicional. Se os médios-defensivos cumprirem posicionalmente, a culpa de um constante avanço do adversário só pode ser da equipa enquanto todo, pois não é capaz de pressionar em conjunto.

O estruturalismo em futebol tem os dias contados, embora maior parte das pessoas que vêem futebol ainda o verem dessa forma. À excepção de erros individuais a nível técnico, como seja um atraso deficiente para o guarda-redes, que permite ao avançado adversário isolar-se e marcar golo, ou a nível táctico, como por exemplo um lateral que defende demasiado aberto e que permite, por isso, muito espaço entre si e o central, ou a nível intelectual, como seja um médio que recebe uma bola vinda da direita e não descongestiona o jogo para a esquerda, impossibilitando a desenvoltura ofensiva da equipa, todo o insucesso de uma equipa só pode ser explicado em termos colectivos. Se todos os jogadores cumprirem individualmente a sua posição, o fracasso só pode ter explicações colectivas. Muitos dirão: "Se todos cumprirem a sua posição na perfeição, não há como a equipa não ter sucesso." Errado. O sucesso de um conjunto depende, sim, da perfeição de cada um dos elementos desse conjunto, mas também da perfeição do conjunto, enquanto conjunto. Pouco valerá que todos os onze jogadores cumpram o que lhes está destinado se o não fizerem em conjunto. Para muitos, para uma boa posse de bola, bastará que se treine os jogadores, um por um, ensinando-o os a receber e a passar com precisão, ensinando-os a criar linhas de passe, etc. Nada mais falso. A posse de bola é uma tarefa colectiva. Pouco interessa se um jogador consegue criar linhas de passe. Se o fizer, mas ninguém precaver uma linha de passe para esse jogador, assim que receber a bola fica sem opções. A posse de bola deve ser treinada em equipa, sendo que os jogadores devem mecanizar as movimentações de forma a criarem linhas de passe constantes. Uma equipa pode ter excelentes intérpretes a nível técnico e ainda assim ter uma posse de bola deficiente. Porquê? Porque apesar da qualidade individual dos seus jogadores, que recebem, passam e criam linhas de passe como ninguém, não tem mecanismos colectivos rotinados.

Como a posse de bola, muitas outras coisas dependem unicamente do colectivo. Nenhuma equipa defende só com os defesas. Nenhuma ataca só com os atacantes. Nenhum avançado marca golos sozinho (tirando o Maradona). Nenhum jogador desarma outro se o resto da equipa não encurtar espaços e obrigar o portador da bola a encontrar-se com aquele que o desarma. Nenhum jogador recupera bolas sem a movimentação dos companheiros. É claro que há alguns que o fazem mais, por terem talvez mais apetência para isso, mas só o fazem como consequência de um trabalho colectivo. Nenhum organizador de jogo constrói o jogo sozinho: precisa que lhe entreguem a bola em condições, que os avançados se desmarquem, que os colegas criem linhas de passe. Numa equipa que não consegue ir à linha cruzar, o problema será dos extremos? Mas nenhum extremo o fará se a equipa não jogar de forma a possibilitar tal coisa. Se a equipa tem pouco volume de jogo ofensivo, a culpa será dos médios, que não conseguem municiar o ataque? Porquê? Se por acaso os laterais não jogarem interiormente, se os centrais se desfizerem da bola sem nexo para a frente, os médios nem sequer terão bolas com que fazer jogar a equipa. Se a equipa adversária consegue circular a bola em terrenos avançados, o problema é do meio-campo, que não pressiona? Claro que não! Pressionar é um acto colectivo. Pode não haver um único jogador que não corra e não pressione, que a pressão pode ainda assim não ter efeito. Porquê? Porque a pressão tem de ser simultânea. Pouco interessa que o extremo acompanhe o lateral que sobe. Se mais ninguém correr e encurtar espaços, esse trabalho defensivo é totalmente ineficaz.

Para terminar, a melhor equipa não será apenas aquela que tiver os melhores jogadores para cada posição. Será sempre aquela que tiver os melhores jogadores para cada posição e que esteja trabalhada para que cada um destes elementos sirva o colectivo. E o peso do colectivo é tão grande como o peso das individualidades. É por isso que uma equipa com elementos razoáveis, se bem mecanizada a nível colectivo, pode ser tão forte quanto uma equipa com elementos de melhor qualidade. É claro que, a jogadores de grande qualidade, que individualmente são correctos a todos os níveis, é muito mais fácil ensinar a pôr os seus atributos ao serviço do colectivo. E é por causa dessa facilidade que muitos treinadores completamente ineptos ainda vão passando por bons. Concluindo, uma equipa de futebol é uma máquina com inúmeras funções. Ao contrário de uma máquina normal, cada peça não tem uma função independente. Uma equipa de futebol não é um somatório de funções, mas um conjunto. Cada elemento dessa máquina tem todas as funções que o conjunto tem. Ou seja, nenhuma das peças da máquina tem um papel independente: todas representam o mesmo papel, mas em posições diferentes.

sábado, 18 de agosto de 2007

Leitura de férias

O "Entre 10" vai de férias, não querendo contudo fazê-lo sem antes recomendar leituras alternativas. Falo dos artigos de Luis Sobral? Não. Das opiniões de Leonor Pinhão? Também não. Das certezas absolutas de Joaquim Rita? Ainda não. Do que escreve Rui Santos e também do seu cabelo fantástico? Claro que não! Sobre futebol, há muita coisa em Portugal que não vale a pena. Esta página é, porém, uma excepção.

Fica a sugestão.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

2 trincos: o maior erro do futebol moderno

Antes de tudo, queria referir que este texto foi escrito há coisa de um ano, antes portanto de começar a época transacta, e que só não tinha sido ainda aqui escrito por evidentes necessidades de edição. Achando, pois, conveniente altura para o fazer, aqui ficam as ideias (ideias essas que continuo a defender) de há um ano em relação sobretudo à utilização de dois médios-defensivos, bem como em relação à importância vital dos apoios quando a equipa tem a posse de bola...

Queria deixar claro, em primeiro lugar, que o que aqui vou dizer é pensado, sobretudo, para o caso de equipas pretensamente superiores, com ambições, que assumam o jogo. Uma equipa pequena, para quem o empate pode servir, tem o direito de ter uma interpretação diferente do jogo, mas uma equipa que queira vencer todos os desafios não pode deixar de pensar como aqui o exemplificarei.

Um dos grandes pecados – na minha opinião, o maior – do futebol dos dias que correm é a pretensa necessidade de dois trincos, ou médios defensivos. Essa utilização é a principal causa, em primeiro lugar, da pobreza em que o espectáculo se tornou, proporcionando um futebol mais defensivo, o que anula, em parte um possível futebol ofensivo do adversário, mas igualmente elimina a qualidade do seu próprio futebol. Poucos são os treinadores que não utilizam, pelo menos, 2 médios defensivos. É um erro grosseiro e, não raro, sem justificação. Para aqueles que defendem que uma equipa moderna tem de precaver a retaguarda com uma abundância de jogadores de características defensivas, algumas perguntas bastam para que se perceba que essas mesmas pessoas não conseguem avançar uma razão suficientemente aceitável para essa utilização. Em primeiro lugar, porquê dois trincos? Para fechar, o mais possível, os espaços defensivos – dirão alguns. Pois, e por que não 3 centrais? Depois, por que razão dar preferência a 2 trincos e não a 2 médios ofensivos? Será, porventura, mais importante preencher espaços defensivos que espaços ofensivos? Será mais útil ser coeso defensivamente que expressivo ofensivamente? Se sim, porquê? Acaso uma equipa que saiba defender bem, mas que ataque mal, tem argumentos para virar um resultado desfavorável quando bem lhe apetecer? Não será melhor o contrário? Saber atacar bem e não dar muita importância à defesa, uma vez que é mais fácil defender para quem não está rotinado a defender do que atacar a quem não está rotinado a atacar? Ou será melhor, isso sim, um equilíbrio de forças, conseguido por uma estrutura sólida que defende e ataca como um bloco? A estas perguntas, as mesmas pessoas não serão capazes de responder com agudez.

Mas a pergunta mais fácil, e pela qual acho que todos os argumentos desses defensores ruem, é: Para que serve o trinco? Ou melhor, quais as funções de um trinco? Os mais arrojados não hesitarão, certamente, em responder o seguinte: “Recuperar bolas”. Pois, a função do trinco é recuperar, então, bolas. Exacto. E a do médio ofensivo é pôr a equipa a jogar, ainda que os seus 10 companheiros insistam em pontapear a bola sem nexo e nunca na sua direcção? E a do avançado é marcar golos, mesmo que a sua equipa não passe de meio-campo? Francamente, essas pessoas não sabem o que é o futebol. Não se pode reduzir um jogador a uma função específica, ignorando o todo. Um trinco pode ser um bom recuperador de bolas, mas essa não é, de longe, a característica prioritária que deverá possuir. Recuperar bolas, para falar no caso do trinco, é algo que a equipa, enquanto todo, deverá realizar. Não é ao trinco que compete isso. Da mesma forma, não é ao médio de ataque que compete pautar o jogo de ataque da sua equipa. Isso é algo que a equipa toda deve ser capaz de fazer, se bem que ele, pelas suas características, possa ter uma responsabilidade acrescida. Um jogador não pode ter uma função específica tão redutora. A função específica de cada um deve ser aquela que, em primeiro lugar, se relaciona imediatamente com as pretensões da equipa. Se o trinco só serve para recuperar bolas, é uma unidade a menos sempre que se ataca? Muitos dirão que sim. Que estulta percepção do jogo! O trinco é dos elementos mais importantes no processo ofensivo de uma equipa, ainda que tenha, principalmente, um papel passivo no mesmo.

O que importa aqui definir, então, é qual é a missão do trinco. Já ficou explicado que um trinco não é um recuperador de bolas, porque isso é missão do conjunto e não de um só homem. De uma forma mais vasta, a missão do trinco é igual à missão de qualquer um dos outros jogadores: ocupar os espaços que lhe estão destinados, de acordo com a posição em que foi instruído. Isto significa, de uma forma lata, que a preocupação principal de qualquer jogador é apenas a ocupação correcta do respectivo espaço. Embora pareça simples, ocupar espaços é das coisas mais complexas e modificáveis que podem existir num jogo de futebol. Ocupar um espaço não é apenas ocupá-lo: o espaço a ocupar é influenciado pela posição da bola no terreno, pela posição dos companheiros e pela posição dos adversários. E é isto tudo que um jogador tem de ter em conta. Voltemos ao caso concreto do trinco. A sua missão divide-se em sub-missões, dependendo da situação de jogo. Sem bola, com a sua equipa a defender, tem por missão ocupar um espaço à frente da linha de defesa, não para travar as entradas dos médio ofensivos adversários, como se pensa, mas para cortar linhas de passe. É tão-somente isto a sua tarefa defensiva: cortar linhas de passe. O trinco não tem que ir ao choque; não tem que tentar ser ele a roubar a bola ao adversário, deixando desguarnecido o seu lugar; não tem que marcar directamente o adversário que ali lhe aparecer. O papel do trinco é fechar, em cada instante, o maior número de linhas de passe. Daí a importância de um jogador inteligente nesta posição, pois é necessário não apenas disponibilidade física para constantes movimentações como também uma lucidez táctica extraordinária, capaz de interpretar os lances com rapidez e correcção. A nível ofensivo, como disse, o trabalho do trinco não é menos importante, ao contrário também do que se pensa. Numa equipa que jogue em ataque organizado, a posse de bola é absolutamente vital. Assim, ao trinco compete acompanhar a circulação da mesma, fazendo cobertura por trás ao possuidor da bola, facultando uma linha de passe e, ao mesmo tempo, posicionando-se no melhor local para travar um contra-ataque, no caso de a bola ser perdida. O trinco deve, pois, suportar o portador da bola, servindo ao mesmo tempo de primeiro escudo defensivo. Imaginando um meio campo com três ou com quatro unidades, só para falar de médios centro (refiro-me, por isso, a uma táctica como o 4-3-3 ou como o 4-4-2 em losango), o trinco é aquele que deverá ocupar sempre o espaço atrás do portador da bola, quer ele seja o interior direito, o interior esquerdo, ou o médio de ataque, no caso do 4-4-2 em losango. Os outros médios sem bola devem fazer os apoios laterais, criando assim o maior número de linhas de passe disponíveis para quem transporta a bola. No caso do portador da bola ser um ala, isto no 4-3-3, o apoio directo é dado, lateralmente, pelo interior desse lado e, por trás, pelo lateral, ficando o trinco encarregue de um sub-apoio, posicionando-se nas costas do interior que dá o apoio lateral. Portanto, qualquer que seja o portador da bola, o trinco tem que estar em movimento e fornecer opções de passe. Com a bola em seu poder, tem a possibilidade de decidir o destino a dar-lhe, sendo contudo recomendado que a entregue de forma simples, para que outros mais habilitados possam decidir que destino lhe dar.

Ora bem, se em termos defensivos a utilização de dois trincos pode continuar a parecer producente (não o é sobretudo porque a equipa defende mais atrás e porque, permitindo por isso o avanço de maior número de adversários, gera mais possibilidades de sobrarem bolas para a entrada da área, onde pode aparecer um remate) a nível ofensivo parece ficar explicado que é, obviamente, um erro ter dois jogadores a fazerem coberturas a apenas um, isto no caso de três médios centro. Numa equipa que privilegie a posse de bola (e qualquer equipa que assuma o jogo tem, obrigatoriamente, de a privilegiar, sob pena de ser mal sucedida), os apoios são fundamentais. Uma posse de bola bem sucedida só é possível se o portador da bola tiver opções de passe junto de si, constantemente. Logo, se os apoios são tão importantes, 2 trincos inviabilizam uma boa posse de bola, pois não permitem um fornecimento de apoios apurado. Assim, uma equipa que jogue com 2 trincos (tirando a França, porque o Zidane até sozinho poderia jogar) nunca será uma equipa de grande volume de futebol. Terá de optar por um futebol mais rectilíneo, mais directo, apostando na velocidade ou nas capacidades individuais dos seus dianteiros, ou seja, entregando a sua sorte à inspiração de dois ou três jogadores. Em última análise, uma equipa com 2 trincos nunca joga, verdadeiramente, em equipa. Os 2 trincos servem para que os médios de ataque e os avançados tenham mais liberdade, mas não são capazes de ajudá-los, quando necessário. E um treinador que opte por 2 trincos não sabe trabalhar a posse de bola, talvez imaginando que esta se possa reter graças apenas à qualidade da recepção e do passe, que insistentemente deverão treinar. O factor mais importante para a posse de bola não é de ordem técnica (não é a qualidade de passe, a velocidade de execução, etc.) mas sim a existência, regular, de linhas de passe. E essa existência não depende da disponibilidade de um jogador, mas de toda a equipa. Todos têm que estar em sintonia. Daí a posse de bola ter de ser algo a trabalhar em equipa e não individualmente.

Outra coisa que importa salientar é a questão do "pressing". Muitos treinadores que utilizam dois trincos, pedem também aos jogadores que pressionem alto. Ora, nada mais incoerente. A utilização de dois trincos visa, ainda que erradamente, preencher espaços defensivos. Isso faz-se à custa de espaços ofensivos, que passam a estar menos preenchidos. Ora, é completamente contraditório preencher espaços defensivos e pedir que se pressione alto quando os jogadores que deveriam pressionar estão amarrados a posições atrasadas. Ou seja, uma táctica com 2 trincos impossibilita a utilização de pressão à saída da área do adversário, coisa que qualquer equipa de teor ofensivo deveria ser capaz de empreender, pois a sua prioridade deve ser manter a bola, quando a tem, e recuperá-la o mais rápido possível, quando não a tem. Contudo, muitos treinadores pedem as duas coisas às suas equipas: preocupações defensivas e "pressing" alto. A minha teoria é que não sabem por que razão devem fazer nem uma nem outra coisa.

Daqui parto para alguns exemplos práticos, tentado ilustrar este ponto de vista. Há dois anos, Co Adrianse utilizou um sistema que, para muitos, era demasiado louco e estava destinado ao fracasso: um 3-3-4. Eu próprio achei descabido, sobretudo porque a defesa do Porto oferecia pouca confiança. Porém, foi campeão, dominou sempre os jogos e raramente concedeu oportunidades de golo aos adversários, acabando mesmo por se tornar a melhor defesa dos últimos 20 anos, superando mesmo as marcas de Mourinho. E porquê? Simplesmente porque a sua equipa pressionava tão alto e com tantas unidades que recuperavam a bola sempre muito à frente. Contra equipas que se defendem lá atrás, como a grande generalidade das do campeonato português, um sistema como este é, claramente, um dos mais correctos. A fraca qualidade do sector recuado nem sequer foi posta à prova. Escolhi, contudo, este exemplo também por outra razão. Num sistema como este, com apenas três defesas e com quatro avançados, a utilização de dois trincos, no caso, o Raul Meireles e o Paulo Assunção, não é descabida. Aqui, os trincos têm uma missão defensiva acrescida, que é compensar os flancos desguarnecidos. Já a nível ofensivo, devem fazer a cobertura aos três homens que se encontram à sua frente, isto é, aos alas (porque não há laterais para fazer os apoios por trás) e ao médio ofensivo. Daqui vou para outro exemplo em que, excepcionalmente, a utilização de 2 trincos não é contraproducente: um 4-2-3-1. De notar, antes de tudo, que isto nada tem a ver com um 4-5-1 ou com um 4-3-3. E muito menos com o 4-2-3-1 que se vulgarizou desde os tempos de Bobby Robson, com 2 trincos, um médio ofensivo e dois extremos, o que mais não é que um 4-5-1 mascarado. Num 4-2-3-1, os 3 médios que sucedem ao avançado são médios centro e não extremos, fazendo os dois de cada lado, contudo, trabalho exterior. A principal diferença é que, ao não existirem alas, a equipa não tem tanta profundidade, ganhando, por outro lado, criatividade e preenchimento de espaços na zona central. Exemplos da utilização desta táctica, não sendo muito comuns, podem encontrar-se no Portugal de Humberto Coelho, em que Nuno Gomes era o avançado, João Pinto, Figo e Rui Costa os três médios sem posição fixa, e Paulo Bento e Vidigal os trincos que faziam as coberturas destes três médios. Escusado será dizer que a equipa trocava extraordinariamente bem a bola. Outro exemplo foi o Porto de Mourinho, num jogo da Liga dos Campeões contra o Manchester United, em casa, em que Mourinho, sem poder contar com Costinha, fez actuar Maniche ao lado de Pedro Mendes, fazendo estes cobertura a Alenitchev, Deco e Carlos Alberto. Além do fantástico espectáculo que proporcionaram, tiveram um resultado positivo, vencendo por 2-1, o que ajudaria a passar a eliminatória... Nesta táctica, portanto, os médios ofensivos descaídos para as alas não têm a cobertura de um médio interior, como teriam os alas no 4-3-3. Logo, essa cobertura será compensada pela utilização de mais um trinco. Por alto, pode dizer-se que deve haver sempre um médio ofensivo a mais que trincos: se houver 2, haverá 1 trinco, se 3, 2 trincos. Daqui, parto para o 4-4-2 losango, com o qual terminarei. Fernando Santos, a época passada, começou por utilizá-lo, desistindo dele porque os jogadores pareciam não entender o que o técnico pretendia e voltando a ele umas jornadas mais tarde, mantendo-o até final da época. Primeiro, o 4-4-2 losango, pela ocupação complexa dos espaços, é uma táctica que demora muito tempo a interiorizar. Exemplo disso foi o Sporting de Peseiro, que demorou até começar a atinar, mas que depois, por pouco, não limpava tudo. Este sistema, no Benfica, apesar de todas as suas virtudes, pareceu sempre demasiado infecundo. E porquê? Porque os jogadores não jogavam em apoios. E não era algo que não fizessem por não saber, mas porque não o trabalhavam, certamente. Ou seja, o desenho táctico, por si só, não é nada. Apesar de esta táctica ser das mais correctas em termos de apoios, pois permite posicionamentos perfeitos para esse efeito, não funcionará nunca na perfeição se não se cultivar um futebol apoiado, em que os jogadores joguem juntos e criem constantes linhas de passe. Ao contrário do Benfica, que se apresentou sempre muito desunido, o Sporting de Paulo Bento faz isso na perfeição. A equipa é compacta a defender e joga bom futebol porque tem os apoios e as coberturas bastante bem estudadas. Especialmente nesta táctica, os apoios têm de ser bem feitos. Sem eles, uma táctica que privilegia a ocupação de espaços centrais como esta, torna-se pouco útil e só as iniciativas individuais lhe podem valer.

Resumindo, a utilização de um só trinco e o jogar apoiado estão intimamente ligados, essencialmente porque um jogo de apoios perfeito exige a utilização de apenas um homem a efectuar os apoios por trás. A utilização de mais do que um médio defensivo implica um fornecimento de apoios deficiente e dificulta a posse de bola, a opção por um futebol curto e as transições mais lentas (absolutamente necessárias numa equipa que queira comandar os ritmos de jogo, como qualquer equipa de topo). Em 90 minutos de futebol directo, com transições rápidas, como em Inglaterra, por exemplo, esta necessidade não será prioridade. Mas é-me totalmente inconcebível que uma equipa ambiciosa, que queira ganhar sempre, seja ingénua ao ponto de praticar um futebol directo durante 90 minutos, permitindo espaços desnecessários, não retendo a posse de bola em alturas cruciais do jogo, não gerindo esforços ou ritmos, e funcionando sempre com linhas rígidas, incapazes de se estenderem ou encolherem consoante as necessidades do jogo. Quero com isto dizer que, tirando o Chelsea de Mourinho e o Arsenal de Wenger, todas as outras equipas inglesas são tacticamente ingénuas, e que essa ingenuidade pode, muitas vezes, ser observável pela utilização de mais do que um trinco.

sábado, 11 de agosto de 2007

O ano de Moutinho

Há 2 anos, ainda Ricardo Quaresma andava a ser ostracizado por Co Adrianse, sugeri que aquele era o ano de Quaresma. Parecia-me evidente, na altura, que o extremo portista iria explodir, mesmo não estando a ser utilizado, no início da época. A minha previsão acabou por se confirmar e Quaresma explodiu mesmo, embora continue injustamente amarrado ao futebol português.

O ano passado, por esta mesma altura, pensei que seria o ano de Carlos Martins. Debeladas as lesões que o tinham apoquentado durante toda a época anterior, parecia-me legítimo acreditar que um jogador que, sempre que entrava, vindo de lesões, revolucionava o futebol leonino, partia para a nova época com condições para encantar. A princípio, o destino deu-me razão. Carlos Martins estava numa forma impressionante, tendo-se estreado com a camisola da selecção. No Sporting, o campeonato começou bem e Carlos Martins também. Porém, o destino trocou-lhe as voltas. As coisas começaram a correr mal ao Sporting e, entre outros, Carlos Martins foi uma das vítimas. Talvez por nunca se ter conformado com as acusações que lhe fizeram, deixou de exibir a confiança anterior e a vontade férrea de vencer que lhe eram conhecidas. Não creio que tenha desaprendido, mas penso que deixou de acreditar que pudesse explodir. Talvez ainda vá a tempo de se tornar no jogador que imaginei, mas o seu futuro não é, para já, auspicioso.

Tendo acertado uma e falhado outra, independentemente das circunstâncias, quero dar um terceiro palpite para desempatar. Sugiro que este vá ser o ano de Moutinho. O jogador do Sporting está cada vez mais maduro, não parou ainda de evoluir, parece mais liberto de responsabilidades, embora a braçadeira de capitão, e mais dado a pormenores individuais que podem marcar a diferença. Tem marcado mais golos, aposta mais no remate de meia distância e acredita mais em si enquanto elemento decisivo. Até aqui, a mentalidade de Moutinho pareceu-me sempre reservada. A sua abnegação e o respeito pelos desígnios da equipa impediram-no sempre de se envaidecer individualmente. E é isso que lhe falta para ser o grande jogador que me parece que vai ser. Essa vaidade, porém, começa a vir ao de cima aos poucos e um bom campeonato do Sporting pode libertá-lo decisivamente. A ver vamos...

Mais Luis Sobral

Eu não queria. Juro! Mas há coisas que não dá para ignorar. Diz Sobral, neste artigo, sobre o hipotético risco que Simão corre ao ingressar num clube que, à partida, não tem as aspirações internas do Benfica:

"No fundo, Simão não encontrará em Madrid uma situação muito diferente da que descobriu na Luz quando chegou, depois de dois anos em Barcelona. Agora no auge da carreira, o Atlético precisará do bom jogo do internacional português, claro, mas também da capacidade de liderar pelo exemplo que Simão impôs na Luz."

No Benfica, Simão encontrou uma equipa que luta sempre pelo campeonato. No Atlético, Simão encontra uma equipa que luta sempre pelo campeonato... em sonhos. De facto, a situação de Simão no Atlético é completamente igual à que encontrou no Benfica.

Noutro artigo, diz Sobral:

"...a equipa demonstrou uma produção atacante débil e o meio-campo com Petit, Manuel Fernandes e Katsouranis tem músculo que se farta, mas pouco andamento e escassa imaginação."

Hmmm... Fiquei intrigado com isto. Até porque, há dias, Sobral defendia precisamente o contrário. Neste artigo, dizia:

"Por esta altura, admite-se que Fernando Santos coloque Manuel Fernandes sobre o lado esquerdo do losango, com Katsouranis à direita, Petit nas costas e Simão à frente, antes dos dois avançados."

Na altura, ao comentar a patetice de se admitir um meio-campo assim (o que levantou alguma polémica), eu escrevi isto, entre outras coisas:

"O meio-campo do Benfica como o senhor Sobral o quer, será um meio-campo musculado, provavelmente bom a nível táctico, quer defensiva, quer ofensivamente, mas muito pouco imaginativo."

Não sei se é de mim, mas parecem-me suspeitas três coisas. 1) Sobral diz agora que "o meio-campo com Petit, Manuel Fernandes e Katsouranis tem músculo que se farta". Eu disse que esse meio-campo seria "musculado" 2) Sobral diz agora que o mesmo meio-campo tem "escassa imaginação". Eu disse que esse meio-campo seria "pouco imaginativo". 3) Mudar de opinião de um dia para o outro parece-me sempre suspeito.

Gosto muito de pessoas que chegam a conclusões depois do resto do mundo. É fácil descobrir a agulha se o palheiro estiver vazio. Além disso, o uso concreto de duas palavras leva-me a pensar que, tal como Eça de Queirós terá tido em mente Rodolphe Boulanger quando escreveu o Primo Basílio, também o senhor Sobral parece ter sido influenciado por uma qualquer luz divina. Agradecia, contudo, que, não sendo essa a sua opinião inicial, a retratação do senhor Sobral viesse acrescida de uma nota de rodapé na qual se referisse a fonte que o esclarecera. Talvez esteja a ser muito exigente, mas já vi malta a ser acusada de plágio por menos. Tudo bem, é preciso alguma desvergonha para se escrever um texto com ideias completamente contrárias a outras ideias de outro texto, sem se desculpar pelo erro inicial. Mas roubar é feio. Então, quando se tratam de ideias com as quais não se concordam, chega a ser deprimente...

Resumindo, nunca pensei que este blogue pudesse ter o condão de iluminar alguém, mas talvez esteja enganado. Para finalizar, tenho alguns desejos a pedir ao senhor Sobral. Em primeiro lugar, não vá de férias, pois dar-me-ia jeito escrever ainda uns quantos textos no blogue este Verão. Em segundo, não pense em reformar-se tão cedo, que eu gostaria de continuar com isto por mais uns tempos. Pode ser? Por fim, se realizar os meus primeiros dois desejos e cumprir com a sua parte, prometo continuar a esclarecer os seus pontos de vista, o que, pelos vistos, é o suficiente para que continue a exercer a sua profissão, o que para mim também não é mau, uma vez que, dessa forma, continuarei a ter matéria para ir dando uns bombons aos leitores deste blogue.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Pressão...Cómica...

Quando vejo a comunicação social se insurgir impiedosamente contra a qualidade do nosso futebol não deixo de esboçar um sorriso. Não acho que este desporto esteja muito bem representado, nada disso. Sinto, e continuo a defender que é possível que o nosso futebol dê um salto qualitativo. A diferença é que não acredito que o caminho passe por uma redução/aumento de clubes, ou reestruturação da sociedade futebolística. Passa sim, por uma mudança de mentalidade e de perspectiva sobre o Futebol, mas isto são contas de outro rosário. Acho, porém, que não deixa de ser irónico observar quem não consegue articular duas ideias e cumprir com o minímo de competência a sua profissão, censurar a qualidade do futebol cá do burgo, sem se apresentar argumentos de forma lógica e ordenada.

Nos últimos tempos o jornal " Record" fornece diariamente uma boa dose de humor. Não, não me refiro à "Pancada Central".
Rui Santos. E também não é uma alusão à foto "catita". Todos os dias através do espaço " Pressão Alta" observa-se verdadeiras pérolas...
Vou falar de uma dessas "maravilhas jornalísticas", com o título Losangolândia.
Maravilha.

Neste texto o excelentíssimo Sr. Rui Santos relata uma pergunta que paira há muito sobre o futebol de alvalade. Referia-se à dúbia utilidade de Carlos Freitas à SAD leonina...
Primeiro: descobrimo a verdadeira causa da constante remoção do relavado de Alvalade: É essa maldita pergunta que impede a fotossíntese do relvado de Alvalade.
Segundo: eu acho que o Rui Santos tem um fraquinho pelo Sr. Freitas.

Mais à frente fala do nível das contratações do Sporting ( especificamente). Muito boa ideia. Ainda nao começou o campeonato e já estamos a condenar Izmailov, Vukcevic e companhia... Não fosse Rui Santos jornalista e diria que está a ser preconceituoso.
Continua, falando das contratações falhadas da turma leonina. Pegando nas mesmas para justificar a sua desconfiança em relação ao trabalho do "gestor de activos" de Alvalade mas não sem antes descobrir a pólvora : " Contratar muito não significa contratar bem". O homem é um sábio. Que genialidade.
Giro que ele fale do que correu mal, mas não do que correu bem. Valha-nos a sua total imparcialidade. O Mourinho não ganhou o campenato inglês, e perdeu a Supertaça Inglesa. Este é outro senhor que não verá o sol tão cedo.

Passa também por Nani. Observa que este tem se integrado bem no "United". E é a esta altura que eu me convenço que estou perante um ser divino. Como é que ele consegue ver estas coisas? Qual é o segredo? Será a brilhantina? Tenho de descobrir...
Explica a urgência de melhorar os processo de treino em Portugal. Ok. Porquê? Eu concordo com isto, mas não sei se ele sabe a verdadeira essência deste aforismo. E será o "United" o exemplo a seguir?
Depois faz uma pausa e, finalmente!, faz uma crítica idiossincrática. O Paredes e Farnerud, são pesos mortos. Pareço eu a fazer o Euromilhões. Paredes boa, Farnerud não concordo. Mas aqui admito que eu também sou dos poucos que consegue se aperceber das qualidades do sueco. E depois de ele dizer mal do Paredes... Não sei se não o passarei a ver com outros olhos... Ao Paredes claro.
O Adrien pode fazer os dois lugares como ele diz, mas, pelo menos por enquanto, só é melhor que o Paredes.
Por fim, e para terminar em beleza exprime a necessidade de se rodear Paulo Bento com um clima de exigência. Sim, porque uma das características que sobressaem neste técnico, é a sua displicência. Fala ainda da urgência que o futebol do Sporting tem em ganhar flexibilidade táctica, porque senão o Bento poderá estagnar. Descobre que não basta tirar um jogador e colocar outro no mesmo lugar, e que para além disto, jogar em losango não chega. Isto, ou seja, a "estagnação", chega depois de ele pressupor o futebol do Ferguson como algo evoluído. Ok. Mas então deixa o treinador leonino assim? Não lhe explica o que é que ele está fazer de errado? É a mesma coisa que ir ao médico e ele apenas nos fazer o diagnóstico. Precisamos que tu nos ilumines ò grande Rui... Por favor... Ilumina-nos...

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

O admirável mundo novo de Quique Flores

Quique Flores, o treinador do Valência, talvez ainda dorido pelo falhanço da contratação de Lucho Gonzalez ao Porto, decidiu ignorar as virtudes do argentino, preferindo elogiar aquele que acabou por ser o seu substituto, isto é, a segunda opção. A sério, não percebo certas coisas. O que é que custa admitir que queria um jogador, mas que isso não foi possível? Por que é que tem que tentar rebaixá-lo?

Segundo Quique Flores, Lucho Gonzalez não era o jogador com o perfil certo para o Valência. Aqui há várias coisas que se podem dizer. 1) Não estou a ver muitos médios-centro da categoria do argentino do Porto que sejam tão completos e conciliem tão bem o desempenho ofensivo com o defensivo, coisa essencial no 442 clássico de Quique. 2) Se Lucho não tem o perfil certo, é Kallstrom que o tem? Em que medida? É isso que ficamos a saber quando Quique diz que pretendia um jogador com personalidade e que fizesse a equipa jogar. Ora, Lucho é dos jogadores com personalidade mais forte que conheço. Além disso, é extraordinariamente abnegado e põe os interesses da equipa sempre à frente dos seus.

Continuo sem entender onde quer chegar Quique Flores com as suas explicações esfarrapadas. Segundo Quique, Lucho era um jogador que não tinha bem posição, que era um pouco de tudo, e que perderia tempo a adaptá-lo. Adaptá-lo? A quê? Guarda-redes? Lucho é um pouco de tudo? Como assim? É polivalente? Não. É um médio-centro extraordinariamente completo. Quando Quique diz que Lucho é um pouco de tudo, só pode querer dizer que Lucho é um médio que ataca bem e defende bem, que é o jogador que, numas jogadas, faz o último passe e que, noutras, é o jogador que se desmarca para receber o último passe. Isso é mau? Em que sentido? E no 442 clássico, em que se querem dois médios de consistência defensiva, não é óptimo arranjar um que além disso consegue oferecer boas garantias a atacar? E o que significa afirmar que Lucho não tem bem posição? Será que Quique não consegue enxergar que há três tipos essenciais de médios-centro, uns mais vocacionados para médios defensivos, outros para médios ofensivos, e outros para uma posição intermédia, que acarreta responsabilidades defensivas e ofensivas? Será que não percebe que Lucho não é nem médio defensivo nem médio ofensivo, mas sim um misto dos dois? E será que não sabe que, para o seu sistema, os melhores médios são os deste terceiro tipo?

Basicamente, Quique queria Lucho, mas achava que Lucho não era bem Lucho. Então, preferiu Kallstrom, alegando que Kallstrom é mais Lucho que Lucho. Aprecio bastante o sueco e não está em causa a qualidade da contratação. O que está em causa é que Quique pretendia um jogador com as características de Lucho, mas preferiu contratar Kallstrom, que não é bem o mesmo. Kallstrom não tem as capacidades defensivas de Lucho, a disciplina táctica, o rigor, a frieza. É um jogador muito dotado tecnicamente, extraordinário no passe longo e desenrascado no um par um. Mas no futebol do Valência encaixaria sempre melhor alguém capaz de conciliar estas capacidades com o rigor táctico e com a abnegação do argentino. Não tenho quaisquer dúvidas: Lucho era muito mais o jogador que interessava à filosofia de Quique Flores.

Se isto não é argumento suficiente, gostaria ainda de lembrar que Kallstrom, em termos de características, é em tudo idêntico a Hugo Viana. E em categoria também não anda longe. E todos sabemos a utilidade que o português teve na época passada. Se Lucho ia para Valência para, provavelmente, ser titular, Kallstrom irá, certamente, para fazer as vezes de Hugo Viana. Quique Flores, frustrado por não ter conseguido Lucho Gonzalez, preferiu ser orgulhoso e não revelar a dor de cotovelo que sentiu. Preferiu manter a dignidade, mas, acrescento eu, perder nobreza.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Uma questão de conhecimento...

"Presidente do Bétis desconhece Paredes" , in A Bola.
É a única maneira de o negócio se poder concretizar... Bem haja a ignorância...

Uma Campanha Alegre

Nos últimos dias, tem vindo ao de cima certa indignação sobre o que é escrito aqui. Vozes em coro gritam: "Por que é que dizes coisas tão arrojadas? Contra quem vociferas? Que ganhas em humilhar os outros?" Encontrei uma resposta idónea para esta indignação guardada nos arquivos longínquos da minha memória...

No final do século XIX, um jovem coimbrão e um povoense agitaram o país com uma escrita mordaz, com a qual pretendiam a pedagogia geral de um povo e o ataque severo às mentalidades da época. As Farpas de Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, reunidas vinte anos depois, voltariam a ser publicadas. Às que tinham sido escritas por si deu-lhes Eça de Queirós o nome de Uma Campanha Alegre.

Podemos ler, na Advertência à primeira edição, de 1890, o seguinte:

"As páginas deste livro são aquelas com que outrora concorri para as Farpas, quando Ramalho Ortigão e eu, convencidos, como o Poeta, que a "tolice tem cabeça de touro", decidimos farpear até à morte a alimária pesada e temerosa."

Este espaço, não querendo farpear da mesma forma geral, reconhece contudo a existência de uma "alimária pesada e temerosa" que fala sobre futebol e que, unicamente neste âmbito, necessita de uma ou outra farpada.

Continua Eça de Queirós:

"Quem era eu, que força ou razão superior recebera dos deuses, para assim me estabelecer na minha terra em justiceiro destruidor de monstros?... A mocidade tem destas esplêndidas confianças; só por amar a Verdade imagina que a possui; e, magnificamente certa da sua infalibilidade, anseia por investir contra tudo o que diverge do seu ideal, e que ela portanto considera Erro, irremissível Erro, fadado à exterminação. Assim foi que, chegando da Universidade com o meu Proudhon mal lido debaixo do braço, me apressei a gritar na cidade em que entrava - «Morte à Tolice!»

"Morte à Tolice!" É precisamente este o desígnio último deste espaço.

Diz ainda o escritor:

"E desde então, à ilharga de Ramalho Ortigão, não cessei durante dois anos de arremessar farpas, uma após a outra, para todos os lados onde supunha entrever o escuro cachaço taurino. Não me recordo se acertava; sem dúvida muitos ferros se embotaram nas lajes; mas cada arremesso era governado por um impulso puro da inteligência ou do coração. E assim desses tempos ardentes me ficara a ideia de uma campanha muito alegre, muito elevada, em que a ironia se punha radiantemente ao serviço da justiça, cada rijo golpe fazia brotar uma soberba verdade, da demolição de tudo ressaltava uma educação para todos, e o tumulto do ataque aparentemente desordenado era, como o dos Gregos combatendo em Plateia, dirigido por Minerva armada - quero dizer, pela Razão."

E é "dirigido pela Razão", "governado por um impulso puro da inteligência ou do coração", que cada simpática farpa deste espaço é arremessada.

Encontra mais adiante o seguinte:

"Todo este livro é um riso que peleja. Que peleja por aquilo que eu supunha a Razão. Que peleja contra aquilo que eu supunha a Tolice."

Substituindo "livro" por "blogue" e os tempos verbais que estão no pretérito imperfeito pelo presente, faço minhas (nossas) as palavras do grande Eça.

Datada de Junho de 1871, a primeira das farpas diz assim:

"Leitor de bom-senso, que abres curiosamente a primeira página deste livrinho, sabe, leitor celibatário ou casado, proprietário ou produtor, conservador ou revolucionário, velho patuleia ou legitimista hostil, que foi para ti que ele foi escrito - se tens bom-senso! E a ideia de te dar assim todos os meses, enquanto quiseres, cem páginas irónicas, alegres e justas, nasceu no dia em que pudemos descobrir, através da ilusão das aparências, algumas realidades do nosso tempo."

Não sei se o Eça sublinhou com devido ênfase que o destinatário destas farpas é o leitor de bom-senso. Se não o fez, faço-o eu. E é para este, e não para outro tipo de leitor, que o que é escrito aqui se dirige esperançosamente em busca de compreensão. Não esperamos, de outra espécie de leitor, que nos compreenda a demanda. Desses, esperamos aquilo que tem acontecido: insultos, má-disposição, tentativas de gracejos, promessas de represálias, etc. E aqueles que, com coices e bruscas patadas, tentam ridicularizar estas ideias, não só não compreendem o que é dito como, exactamente por isso, são o próprio "cachaço taurino" a quem as farpas deste espaço se dirigem. Só de uma pequena porção de quem nos lê, e sem qualquer tipo de ilusão quanto a isso, esperamos agradável aceitação. E esses nos bastam, conquanto nem um fossem. Porquê? Porque nos é incomparavelmente menos importante a aceitação do público que a atestação dos "Erros" gerais que grassam entre ele. E, porque nos é mais importante cunhar a estupidez geral e proclamar a "Verdade", estes textos têm o fim em si mesmos e não visam instruir ninguém, modificar mentalidades, ou instituir ingenuamente uma nova maneira de pensar. O futebol deveria estar agradecido por isto, mas é-nos completamente indiferente se o está ou virá a estar verdadeiramente.

Respeitando a devida comparação e as figuras incomparáveis de Ramalho e Eça, este espaço é portanto uma espécie de Farpas segundo as quais se pretende, acima de tudo, denunciar a "tolice" vigente e apresentar ideias tão inovadoras quanto o raciocínio lógico e a inteligência possam permitir...