segunda-feira, 13 de junho de 2011

Certezas (22)

Surgiu ligado ao Porto há dois anos, mas a sua vinda para Portugal acabou por não se confirmar. As semelhanças de estilo com Lucho González eram, na altura, o que mais impressionava. Ao contrário, porém, do argentino que passou pelo Dragão, este jovem tem ainda mais atributos técnicos, e uma capacidade individual extraordinária. Dotado ainda de uma personalidade aparentemente forte, foi com alguma surpresa que não esteve entre os titulares da selecção do seu país, no mundial do ano passado. Felizmente para ele, soube evoluir numa equipa de segundo plano e é agora dos atletas mais cobiçados na Europa. Médio de ataque, com boa chegada à área adversária, mas sobretudo muito evoluído tecnicamente e com criatividade para dar e vender. Trata-se, pois, do médio que tipicamente se aprecia por aqui: um jogador inteligente, com índices técnicos e de criatividade acima da média, que faz do passe e das combinações complexas a sua maior arma, e com muita, muita classe. Nos últimos tempos, foi sendo ligado ao Barcelona com mais insistência, mas duvido que a Catalunha seja o seu destino, sobretudo se se confirmar a transferência de Fabregas, que parece ser a preferência dos blaugrana. Isso não deverá, porém, afectar a evolução deste extraordinário jogador, principalmente se encontrar no seu próximo destino quem lhe permita a liberdade de que o seu futebol parece precisar. Numa altura em que se confunde sistematicamente capacidade no um para um com criatividade, e numa altura em que cada vez mais se perde a cabeça por jogadores que fazem do drible a sua arma prioritária, era bom que se olhasse para este magnifíco jogador e se percebesse que a classe e a imaginação são tudo o que uma grande equipa deveria procurar num jogador. Onde quer que venha a continuar a sua carreira, será, por isso, um prazer - um prazer que pouquíssimos futebolistas me conseguem hoje em dia oferecer - continuar a acompanhar o virtuosismo de Javier Pastore...

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Diferenças Incomensuráveis

Terminada a temporada futebolística com mais um inquestionável triunfo do Barcelona de Guardiola, é tempo de falar de disparates. Propagou-se, ao longo da temporada, com maior frequência no final, a ideia de que o Real Madrid de José Mourinho andou a par dos catalães e que a margem que os distinguiu foi mínima. Sustenta-se esta teoria com o número de pontos que os separaram na Liga, com a soma astronómica de golos de Ronaldo, com os golos marcados pelo Real, com a tensão dos quatros jogos entre as duas equipas, com a vitória na Taça do Rei, e com a polémica inventada por Mourinho para ajudar a criar a dúvida quanta à supremacia do seu adversário. É intenção deste texto defender que as diferenças entre o Barcelona e este Real foram incomensuráveis, que os números não as exprimem convenientemente, e que Barcelona, Guardiola e Messi estão a anos de luz de Real Madrid, Mourinho e Ronaldo.

Diferenças que os Números não Mostram

Comecemos pela asneira da contabilização final dos golos marcados e dos golos sofridos no campeonato, que certos papalvos usaram não só para tentar mostrar que Mourinho trouxe ao Real uma capacidade competitiva semelhante à do Barcelona, como para vender a ideia de que, ao contrário das críticas que se lhe foram fazendo, não é um treinador assim tão defensivo e não mudou de ideias quanto a isso ao longo da sua carreira. Já expus aqui, num texto escrito antes de Mourinho rumar a Madrid, aquilo que penso quanto à sua carreira, e esta época comprovou tudo isso. Muito resumidamente, Mourinho mudou de crenças sensivelmente na passagem da segunda para a terceira época em Londres. A razão para tal, defendi nesse texto, foi a obsessão crescente com a revalidação do título europeu, que lhe fugiu nos primeiros dois anos de Chelsea em eliminatórias com Barcelona e Liverpool. As equipas de Mourinho passaram por isso a ser mais especificamente orientadas para competições a eliminar, mais centradas nos pormenores. E perderam, com isso, capacidades em provas regulares. Isso foi o suficiente para, não perdendo competitividade, não ganhar o título inglês na terceira época. Em Itália, o seu Inter foi o espelho disto, uma equipa muito mais pobre em organização ofensiva que o seu Chelsea e que o seu Porto, mas letal em transição e muito bem organizada atrás. Venceu o campeonato italiano, não sem algumas dificuldades, porque a concorrência interna não era forte. Em Madrid, mais do mesmo, e uma Liga que começou a ficar resolvida muito antes do embate final, na trigésima-segunda jornada, entre os dois rivais. O seu Real, ainda que sem dificuldades em ultrapassar os obstáculos noutras provas, apenas constitui ameaça ao Barcelona na primeira volta do campeonato. E isso diz muito das competências dessa equipa.

Passemos agora aos números. Ao contrário do que alguns idiotas chegaram a escrever, ao ultrapassar a barreira dos cem golos, Mourinho não fez algo que o Barcelona de Guardiola nunca tinha feito. Na primeira época de Guardiola, a sua equipa averbou 105 golos. Em segundo lugar, 102 golos foi exactamente o que Pellegrini obteve o ano passado, com a agravante de que não teve 6 jornadas de descompressão para golear adversários, nem um último jogo com uma equipa despromovida. Aliás, à jornada 32, o ano passado, o Real já tinha 85 golos marcados, mais 12 que este ano, e levava mais 5, na altura, que o Barcelona. Não precisou de andar a golear 6 jornadas seguidas, sem pressão de outros objectivos, para superar a marca dos 100 golos. Por isso também por aqui não é algo de verdadeiramente extraordinário. Aliás, esquece-se esta análise, porventura, que o Real terminou o campeonato a 4 pontos do Barça, quando o ano passado Pellegrini o terminou a 3, e que fez 92 pontos, quando o ano passado o tinha feito 96. Além disso, ficou a 4 porque o Barcelona, virtualmente campeão, desacelerou e perdeu 4 pontos. Ao contrário da época passada, também, em que Pellegrini conseguiu arrastar a decisão do campeonato até à última jornada, o Barcelona este ano sagrou-se campeão ainda com 3 jornadas para disputar. O Real de Mourinho só foi superior ao de Pellegrini em outras competições, em competições a eliminar. No campeonato não o foi. E não se aproximou do Barcelona, como se quer fazer crer. Aliás, muito dessa análise vem dos 5 confrontos ao longo da época entre as 2 equipas, em que se achou que o Real fez tremer mais o Barcelona do que no passado recente. Mas se a indecisão da Champions e a vitória merengue na Taça podem sustentar essa teoria, ao mesmo tempo Pellegrini também não foi esmagado como o Real de Mourinho na primeira volta do campeonato, tendo perdido apenas por 1-0 e 0-2.

Mas analisemos de perto os números do Real. É que não é possível separar o registo final do facto de as últimas 6 jornadas terem sido jogadas sem pressão, com objectivo prioritário de fazer de Ronaldo o melhor marcador da prova. Nessas 6 jornadas, com uma equipa de tracção à frente, o Real marcou 29 golos, sofrendo 10. Ou seja, em 6 jornadas, marcou praticamente um terço dos golos que marcou no campeonato inteiro (no restante campeonato, a média de golos do Real era de 2,28 golos por jogo. Nessas 6 jornadas foi de 4,8 golos por jogo, o que significa que aumentou a sua produção ofensiva em mais de 100%, tendo feito a média geral subir para 2,68 golos por jogo) e sofreu quase um terço dos golos que tinha sofrido no campeonato inteiro. Em 6 jornadas! Ou seja, em 6 jornadas, o Real marcou e sofreu muito mais golos, em média, do que marcara e sofrera até aí. Isso demonstra que essas 6 jornadas não foram encaradas do mesmo modo que as restantes 32. E não o foram pelas 2 razões que apontei acima, por haver uma descompressão natural, devido à impossibilidade de chegar ao título, e por haver o desejo de fazer de Ronaldo o melhor marcador do campeonato. Por isso, devem-se analisar os números tendo isto em atenção. À 32ª jornada, o Real tinha 73 golos marcados, menos 12 que o Real de Pellegrini, o ano passado, à mesma jornada, por exemplo.

O campeonato terminou à jornada 32, com o empate no Bernabéu. Nessa altura, o Barça tinha 86 golos marcados, mais 13 que o Real, que tinha 73. O que aconteceu daí para a frente foi consequência de um final de campeonato em que uns queriam apenas gerir esforços e outros queriam sair de cabeça erguida. O Real, sem nada a perder, sem pressões, fez 29 golos em 6 jogos. O Barcelona não manteve a bitola, concentrado noutras provas e a gerir a confortável vantagem pontual que adquirira, e marcou apenas 9 golos em 6 jogos. Aliás, nessa altura, Messi tinha mais 2 golos do que Ronaldo. As contas finais mostram uma realidade diferente, que ignora esta análise. Nem Ronaldo foi substancialmente mais eficaz que Messi, nem o Real se mostrou uma equipa mais concretizadora que o Barcelona. Simplesmente, o Barcelona tinha um objectivo que estava praticamente alcançado e deixou de se preocupar com objectivos menores, que o Real e Ronaldo perseguiram e que agora os devotos acham que revelam uma aproximação ao adversário. Não revelam nada disso, obviamente.

É este, muitas vezes, o problema da análise estatística: acha-se que analisar é olhar para números e tirar conclusões, mas não é. Para analisar, é preciso perceber o porquê das coisas. Sempre! E uma análise correcta destes números mostra aquilo que acabei de mostrar, que o Real só conseguiu a produção ofensiva e só conseguiu mais golos marcados que o Barcelona por o campeonato ter ficado resolvido tão cedo. Isto é absolutamente inequívoco e qualquer pessoa inteligente e honesta o percebe. Mas quando o argumentei, em discussão com pessoas que defendiam as teses acima criticadas, a resposta que me deram foi que faço inversões de raciocínio e que não percebo nada de números, o que é - diga-se - uma boa resposta, para quem não percebe nada de argumentos. Enfim, os devotos das calculadoras, assim como os tolos, acham que estes números revelam que o Real de Mourinho se aproximou do Barcelona de Guardiola, na esperança de que o monstro blaugrana caia num futuro próximo. Aquilo que os move, no fundo, é a uma determinada fé, uma qualquer irracionalidade que acreditam expressar-se em certos milagres como este, que depressa se percebe que não é milagre nenhum. De resto, acabam por valorizar o sucesso do Barcelona mais pelo medo, pelo mesmo medo do incompreensível que é aquilo que melhor caracteriza os que não percebem a profunda diferença que esta equipa representa. E, como têm medo de um monstro que não compreendem, acham sempre que aquele que está mais perto de vencê-lo é o maior dos heróis humanos, ou seja, o mais competente entre aqueles a quem conseguem perceber as competências. O problema é que, apesar de Mourinho ser o mais competente treinador de futebol do mundo, e o Real a mais competente equipa do mundo, e Ronaldo o melhor jogador do mundo, isso não chega. É que Guardiola, o Barcelona e Messi não são deste mundo. E aquilo que fazem nem sequer é jogar futebol; é outro desporto. A diferença entre eles não é de grau, mas de espécie.

As diferenças entre estas duas equipas não são expressas pela diferença final de 4 pontos; nem sequer pela diferença de 8 pontos após o clássico; nem pela diferença, favorável ao Barcelona, de 5 golos na diferença entre golos marcados e golos sofridos; nem pela indecisão quanto a quem seguia em frente na Liga dos Campeões. Isso são contingências das regras do jogo. Uma vitória, seja categórica ou não, conta apenas 3 pontos; uma eliminatória, sendo disputada até ao fim ou não, vale sempre pela vitória. Nada disso demonstra a real diferença entre estas duas equipas, que é incomensurável. A única coisa numérica que reflecte, ainda que de um modo pouco evidente, a diferença entre as duas equipas, é a média de posse de bola. A teoria convencional sobre a posse de bola diz que ter mais bola não significa ter o domínio de jogo. Concordo inteiramente com isso. O problema é que essa teoria é correcta para casos de posse de bola até aos 60%, que é o que uma equipa que domina um jogo normalmente consegue. 60% de posse de bola não é suficiente para que possa fazer a mínima diferença. Mas uma equipa que consegue ter, em média, uma posse de bola acima dos 70% não pode estar ao abrigo do mesmo tipo de teoria. O tipo de competências tem de ser necessariamente distinto e, para estes, realmente, a quantidade de posse de bola representa o domínio do jogo. Nenhuma outra equipa, na História do Futebol, conseguiu números de posse de bola sequer semelhantes a estes. E é por isso que nenhuma equipa na História foi tão claramente superior aos adversários como este Barcelona. Estes números incríveis, incomensuravelmente diferentes de quaisquer outros números até hoje vistos, são a causa principal da grande diferença que separa esta equipa de qualquer outra. Dizê-lo não é, como pode parecer, sustentar que a única causa desta supremacia é o que o Barcelona faz com a bola. Pelo contrário, é dizer que o que fazem com a bola está intimamente ligada a tudo o resto. Se o pressing não fosse extraordinário, se o colectivo não estivesse bem mecanizado e os jogadores não pensassem da mesma maneira, se a preservação da posse de bola não fosse o principal critério, deste a pequena área defensiva até à área adversária, se não houvesse competências técnicas e intelectuais extraordinárias em cada um destes jogadores, se a capacidade de decisão não fosse alta, esta quantidade de posse de bola não seria possível. A posse de bola é o retrato fisionómico deste Barcelona, e são os números avassaladores dessa posse de bola que mais e melhor definem o fosso que separa esta equipa das restantes equipas que praticam esta modalidade, a mesma apenas por força das circunstâncias.

Ronaldo e Messi

Ronaldo é o melhor jogador do mundo, mas Messi não é deste planeta, e esse vai ser sempre um problema para Ronaldo. O madeirense é uma máquina perfeita e a sua determinação qualquer coisa sem paralelo na História do Futebol. Mas não tem um talento extraordinário, como aqueles que figuram no Olimpo dessa História, e isso é talvez o mais importante. Surpreendeu-me sempre a sua evolução e reconheço que não esperava que vingasse com tanta facilidade em Espanha. Acontece que nunca parou de evoluir e que melhorou muito os seus pontos fracos, como a capacidade de decisão. É hoje um jogador praticamente completo, faltando-lhe apenas aquilo que o poderia fazer melhor que Messi, a genialidade. É um jogador que corresponde bem a tudo o que se espera dele, mas não tem génio. O seu futebol assenta na perfeição humana, não nas qualidades divinas, como o argentino. Compará-los, por isso, é absurdo, sim, mas não por a comparação ser inútil; não se podem comparar porque são de espécies diferentes. Se a qualidade de um jogador se medisse pela soma das coisas que consegue fazer, Ronaldo seria incomparável. Mas a qualidade de um jogador mede-se pelo talento, pelo génio, pela classe, pela capacidade para fazer coisas que ninguém espera. Messi é muito mais imprevisível e resolve problemas muito mais difíceis. Ronaldo supera a força com a força, a altura com a altura, a velocidade com velocidade. Messi supera esses obstáculos com o seu talento. A essas coisas responde com virtuosismo. É pela natureza das dificuldades que um determinado desafio impõe a quem o enfrenta que se descobre quais os melhores entre os que o enfrentam. É assim em qualquer arte. Se Ronaldo fosse pintor, pintaria muito, responderia a todas as encomendas que lhe fizessem, pintaria mais rápido que qualquer outro pintor, pintaria de forma mais perfeita aquilo que lhe encomendavam, e seria venerado pela sua competência. Mas Messi pintaria com mais virtuosismo, pintaria de um modo inesperado, vencendo todos os desafios técnicos não com competência mas com génio. Ronaldo é o protótipo do artífice; Messi o do artista genial. Aliás, nem Maradona, nem Zidane, porventura os mais geniais de todos os futebolistas da História, podem já ser comparados ao pequeno craque argentino. As coisas que faz em campo e a regularidade com que as faz são inequívocas. É verdade que ainda lhe falta atingir o sucesso ao nível de selecções que os outros atingiram, mas isso é apenas um pormenor. A genialidade de Messi já há muito ultrapassou a dos mais geniais de sempre. E quem quer que veja agora um jogo de Messi, deve vê-lo com a consciência de que, no futuro, é sobre ele que falarão os livros.

A Melhor Estratégia para Derrotar o Barcelona

Uma das coisas que tem sido mais debatida sobre este Barcelona tem a ver com a forma mais eficaz para contrariar o seu futebol. Aliás, a simples discussão acerca deste ponto demonstra o quão diferente é esta equipa. Nunca uma equipa fora alvo de um debate tão amplo acerca das possibilidades estratégicas para a derrotar. Ora, uns defendem que, não podendo contrariar o seu futebol na sua essência, que consistiria em retirar-lhe a bola, a melhor estratégia é, entregando-lhe a iniciativa, defender, mais alto ou mais baixo, provocar o erro, e jogar insistentemente em transição, no máximo com três toques. Foi isto que o Real Madrid fez, como já várias outras equipas o tinham feito, com mais ou menos sucesso. Onde me parece que o Real Madrid foi mais exigente foi precisamente no modo como nunca quis a bola, quando a recuperava. Sempre que, ao terceiro toque, a bola ainda não tinha passado o meio-campo, gerava-se imediatamente entre os jogadores um certo tipo de pânico característico de quem está preocupado com o que fazer. Dentro deste tipo de estratégia, é também possível discutir se é mais eficaz pressionar alto ou pressionar baixo, condicionar a saída de bola por um dos centrais ou pelo outro, ect.. Mas, na generalidade, o tipo de estratégia é idêntica: contrariar o futebol do Barcelona opondo-lhe um futebol antagónico, contrariar uma equipa que ataca muito bem defendendo ainda melhor. Há outra solução, até agora raramente tentada, que passa pela estratégia oposta, ou seja, contrariando uma equipa que ataca muito bem não a deixando ter o instrumento que faz dela uma equipa atacante, ou seja, a bola. Não deixar a outra equipa ter a bola só é possível de uma maneira, tendo a bola. Pressionar muito alto, ser muito agressivo, não permitir a circulação de bola do adversário, são tudo formas de defender sem bola. Mas, se se for competente a preservar a bola, defende-se de uma equipa que é forte quando tem a bola não lhe permitindo tê-la.

Poucas equipas, até agora, o tentaram, por duas razões diferentes: a primeira, por medo de que, ao tentar ter a bola, se cometam erros de que depois os catalães se aproveitem. Sobre isto, tenho várias coisas a dizer. Há maneiras e maneiras de ter a bola. Se, de facto, para ter a bola a equipa se desorganiza, mais vale não tê-la, porque o Barça irá aproveitar necessariamente essa desorganização. Mas há maneiras de ter a bola sem provocar desorganização própria. As melhores equipas do mundo a trocar a bola não ficam expostas quando a perdem porque a própria posse e circulação de bola correctas implica uma precaução com o momento da perda. O Barcelona, por exemplo, apesar de envolver sempre muita gente no processo ofensivo, tem sempre uma estrutura de apoios e coberturas que faz com que o momento da perda de bola não seja necessariamente danoso. Por isso, para uma equipa que sabe trocar a bola, que o faz bem, ter medo de perdê-la não deveria ser uma razão para abdicar dessa estratégia. Aliás, o Barcelona não é sequer uma equipa especialmente forte em transição. A segunda razão tem a ver com a competência para o fazer. É que não basta vontade. Não defendo que o Real Madrid deveria ter tido outra postura naqueles quatro jogos, pois passou a época inteira a trabalhar de uma maneira que os impedia de jogar de outro modo. A minha crítica a Mourinho não é pela opção estratégica desse jogo, mas pela forma como planeou a temporada, como pretendeu que o seu Real Madrid jogasse. E isso foi, desde o início, muito claro. O Real foi uma equipa de explosão, partida em duas metades, com quatro jogadores na frente com muita liberdade, muito habilidosos, e e uma estrutura defensiva sempre com seis jogadores atrás da linha da bola. Nunca se pretendeu impor pela posse e circulação da bola, e teve sempre muitas dificuldades em encontrar espaços nas defesas contrárias quando tinha de recorrer a um jogo mais rendilhado. Não fazia, por isso, sentido, que encarasse os duelos com o Barcelona procurando ter a bola, pois não se tinha preparado, ao longo da época, para o fazer.

Do meu ponto de vista, a equipa que mais problemas causou ao Barcelona esta época foi o Arsenal. Foi a única equipa que conseguiu, em alguma altura, manter incerto o destino de uma eliminatória. O Real condicionou o ataque catalão, sim, mas nunca, por um momento, esteve mais próximo de seguir em frente do que o Barcelona. O Arsenal, no jogo de Londres, fez exactamente o que se deve fazer contra este Barcelona: roubou-lhe a bola. É verdade que houve algum demérito dos catalães, nesse jogo, que descontraíram após o golo, mas também é verdade que tiveram sempre dificuldades em impor-se como se costumam impor. E isso porque o Arsenal geriu a posse de bola, retirando-a sistematicamente de zonas de pressão com qualidade e não caindo no erro de querer atacar rapidamente, com poucos toques, arriscando perder a bola para um adversário que vive da sua posse. O segredo para ganhar a este Barcelona reside num modo de jogar parecido com o que o Arsenal apresentou em Londres e o desfecho da eliminatória poderia ter sido muito diferente se, em Camp Nou, Wenger tivesse mantido o modelo da primeira mão. Como não o fez, como caiu no erro de tentar defender a vantagem, ainda que de um modo estranho, cedeu os 90 minutos ao Barcelona e acabou derrotado. O ponto do argumento é simples: o melhor método para vencer o Barcelona passa por trabalhar a longo prazo para adquirir uma competência parecida com a dos catalães com bola. Só através dessa competência é possível depois sujeitar os pupilos de Guardiola a um jogo com menos bola do que aquele a que estão habituados. E aí sim, modificando-lhes o habitat, pode um adversário do Barcelona reduzir-lhe as possibilidades de êxito. Não é certo que vença, mas é seguro que torna estranho o jogo ao adversário.