sábado, 18 de abril de 2015

Notas Soltas sobre a Jornada Europeia

1. A primeira nota é sobre a surpresa do Dragão. O resultado é surpreendente, mesmo para um optimista e mesmo reconhecendo que faltaram ao Bayern vários jogadores importantes. Mais surpreendente será, talvez, a apatia dos alemães, sobretudo na segunda parte, e a incapacidade de condicionar o adversário, como habitualmente, pelo jogo de posse. A maior parte das pessoas teceu rasgados elogios à estratégia de Lopetegui e não se coibiu de traçar um nexo causal entre essa estratégia e o resultado do jogo. Não querendo de modo algum sugerir que a pressão portista não teve alguns efeitos desejados, parece-me um exagero, porém, atribuir a essa estratégia qualquer um dos golos com que o Porto construi a interessante vantagem que leva para a segunda mão. Sim, essa estratégia foi importante na forma como, na segunda parte, o Porto conseguiu evitar que o Bayern fizesse o seu jogo habitual de posse e fosse conseguindo as habituais penetrações frontais, mas não foi responsável por mais nada. Já não é de agora, mas sempre que um jogo corre mal a Guardiola, para a opinião pública, é porque o treinador contrário descobriu a pólvora. Enfim... Sobre o terceiro golo, não sei se é preciso dizer mais do que foi um pontapé para a frente, um erro de Boateng, que não percebeu onde é que a bola ia cair, e uma recepção fenomenal de Jackson. Quanto aos outros, são erros individuais não potenciados pela pressão portista, como se alegou. Pressão não é aquilo que Jackson e Quaresma fizeram nos dois primeiros golos, respectivamente. Aquilo é uma iniciativa individual que, quando muito, serve para atrasar a saída de bola do adversário. Pressão é um comportamento colectivo. Não foi a pressão do Porto que forçou aqueles erros e não foi a estratégia de Lopetegui que deu resultado. Foram erros individuais. E os erros individuais não são da responsabilidade dos treinadores. Não perceber isto é achar que, desde que o Porto consiga repetir a estratégia, tem a eliminatória garantida. Não tem.

2. Ainda sobre um aspecto do que disse acima, há a tendência absurda, hoje em dia, para elogiar treinadores cuja estratégia consiste em estabelecer zonas de pressão e em atacar rapidamente assim que se recupera a bola para aproveitar o espaço nas costas do adversário. O absurdo disto está no facto de não se ser capaz de ver estratégia em mais lado nenhum. Só há stratégia, para esta gente, quando uma equipa abdica propositadamente da bola para poder atacar com mais espaço depois. Não há paciência para estes miseráveis... Para esta gente, se uma equipa assume deliberadamente o jogo, é porque tem melhores jogadores; se não o assume deliberadamente, é porque o treinador é um estratega. E quando a estratégia defensiva, calculista, de esperar pelo erro do adversário, não tem sucesso, é porque os jogadores não a souberam cumprir. Para esta gente, a estratégia de defender atrás, pressionar nas zonas certas e sair rapidamente para o contra-ataque é infalível, desde que os jogadores se comportem como devem. Foi mais ou menos isto que Luís Freitas Lobo foi insinuando no jogo que opôs o PSG ao Barcelona. Se, por acaso, o PSG tivesse feito golo naquele contra-ataque conduzido por Lavezzi que terminou com Cavani a perder espaço e a permitir o corte de Mascherano, o que na altura daria o empate, assistiríamos decerto ao elogio da estratégia de Laurent Blanc. Como não resultou, e como o Barça continuou a mandar no jogo e ainda dilatou a vantagem, o insucesso explica-se ou pela apatia dos jogadores ou por o treinador não ter posto outro tipo de jogadores.

3. Foi só isto que se ouviu dizer pelos comentadores de serviço da Sporttv responsáveis pela cobertura da jornada da Liga Europa (Helena Costa e outro pateta). O Wolfsburgo perdeu por 4 a 1 em casa com o Nápoles porque Benitez é um estratega e porque os alemães não apresentaram agressividade, empenho e mobilidade suficiente. Para esta gente, só é possível contrariar aquela super-estratégia de ficar fechadinho atrás da linha da bola sendo mais agressivo, empenhado e mexido. 99% das pessoas que comentam futebol na televisão repetem ladainhas e ideias disseminadas que ou estão erradas ou não são bem aplicadas. Vêem um ou outro jogo e aplicam rótulos que ficam para sempre. Como ouviram dizer que Benitez é assim e como, se calhar, viram um jogo do Sevilha contra um adversário mais forte, decidiram que Unai Emery é como Benitez. E passaram o tempo todo a falar de como os dois são iguais, de como as equipas de ambos jogam defensivamente, esperando o momento certo para atacar, e de como, por essa razão, são mal amados num país em que a maior parte dos treinadores defende uma cultura de posse. Eu até aceito que em Espanha haja mais treinadores a defender uma cultura de posse do que noutros países. Daí a serem todos vai um salto enorme. E incluir Unai Emery entre os treinadores calculistas cujas equipas abdicam da bola é um disparate que não é possível qualificar.

4. Regressando ao jogo de Paris, Luís Freitas Lobo também repetiu alarvidades. As principais tiveram a ver com Matuidi e com Pastore. Para Freitas Lobo, Matuidi é o melhor médio a jogar pela meia esquerda do mundo, signifique isso o que significar. A única coisa que Matuidi fez, no jogo de quarta-feira, foi aparecer no flanco esquerdo, a ir buscar bolas perto da bandeirola de canto. Não fez mais nada senão piques para ir apanhar a bola onde ela dificilmente seria útil. Piques! Um jogador é o melhor do mundo a jogar ali pela meia esquerda porque faz piques! Ao que chegou o comentário futebolístico em Portugal! Só esta opinião seria suficiente para que Freitas Lobo merecesse o internamento, mas é preciso confrontá-la com a opinião sobre Pastore para se perceber exactamente o tipo de coisas de que gosta. Ao contrário do que disse de Matuidi, que elogiou ad nausea, e sempre que mexia uma das pernas, Freitas Lobo passou o jogo a dizer que Pastore gostava de fazer as coisas com classe, que tecnicamente era evoluído, mas que era lento para jogar a este nível. O que fazia falta, a meu ver, era um comentador que, quando Freitas Lobo dissesse estas coisas, lhe perguntasse rapidamente o que achava de Pirlo, de Kroos, de Busquets, de Iniesta, de Thiago Alcântara ou de Fabregas. Gostava de saber, embora já saiba, de que maneira para Freitas Lobo estes jogadores são diferentes de Pastore. A resposta é óbvia, apesar de Freitas Lobo não a saber dar: são jogadores conceituados e, como tal, o que fazem é bem feito. A lentidão é apenas um defeito, para Freitas Lobo e outros atrasados mentais, de jogadores que não sejam conceituados. Nesses, lentidão é contemporização, planeamento, cérebro. Sim, pode-se jogar a este nível sem pressas, senhor Freitas Lobo! E não só se pode como é aconselhável que se faça. Na opinião de Freitas Lobo, o que falta a Pastore é ser Matuidi. Na opinião de quem percebe alguma coisa do jogo, pelo contrário, não falta nada a Pastore e falta tudo a Matuidi.

5. Sobre o duelo madrileno, tenho pouco a dizer. Foi mal jogado, de parte a parte, e só os adeptos de outros desportos e os amantes do futebol inglês é que podem gostar de um jogo cujo único motivo de interesse é a disputa da bola. Sim, foi um jogo intenso, muito disputado, com os jogadores muito empenhados. Dito isto, foi um jogo paupérrimo. Quando as equipas se preocupam em demasia em disputar cada bola como se fosse a última, transferem a concentração para essa necessidade e o futebol perde qualidade. Aproveitando a dicotomia proposta por Freitas Lobo, foi um jogo de Matuidis quando podia ter sido um jogo de Pastores. Há, no entanto, um lance que merece o meu reparo. Passou-se na área do Atlético de Madrid, com Benzema a receber uma bola com algum espaço. Ao invés de se tentar virar para a baliza, enquadrando-se com ela, o francês tentou uma habilidade de calcanhar, deixando a bola, contra todas as previsões, à entrada da área, para Ronaldo finalizar. Como Ronaldo estava apertado, o remate acabou por ser obstruído, e a jogada não teve efeito. Para Pedro Martins, que comentava o jogo, o avançado do Real tomou uma má decisão, pois estava em boa posição quando recebeu a bola e devia ter tomado a decisão mais simples de tentar finalizar ele. Não só não é certo, contudo, que Benzema ficasse com espaço para finalizar depois de rodopiar sobre si próprio, como não me parece que ser o mais simples possível seja sempre o melhor que há a fazer. Por vezes, complicar é a melhor decisão. E o que é espantoso, a meu ver, é que se diga que esta foi uma má decisão quando, semanas antes, em Camp Nou, numa jogada muito parecida, o toque de calcanhar do francês permitiu a Ronaldo fazer o golo com que, na altura, o Real empatava. Mais uma vez, é o desfecho da jogada, não a decisão do jogador, que conta para esta gente. Benzema lembrou-se de fazer uma coisa que poucos estavam à espera e fê-la bem. Como é normal, ele não pode prever o comportamento de todos os adversários, assim como não pode prever o comportamento do colega a quem vai entregar a bola. Tem que confiar que as coisas vão correr bem. Em Camp Nou, bastava que alguém do Barcelona tivesse antecipado aquilo para que a jogada não tivesse efeito. Neste caso, como no outro, só posso gabar a iniciativa de Benzema. Arriscou fazer uma coisa diferente que, tendo a desvantagem de ser mais difícil de pôr em prática, acarretava a vantagem de ser menos previsível para os adversários. Não foi bem sucedido, mas tomou uma boa decisão. Não perceber isto é também não perceber bem a diferença entre quem é simples e quem sabe simplificar.

6. A última nota é sobre a melhor liga do mundo. Há anos a fio que se diz que a Liga Inglesa é o melhor campeonato do mundo, o mais competitivo, aquele em que se joga melhor, etc.. Parece-me mais ou menos incontestável que é aquele que movimenta mais dinheiro e aquele que maior capacidade tem para atrair os melhores jogadores. Não se segue daqui que seja o melhor. Para dizer a verdade, é até discutível que esteja entre os cinco melhores campeonatos da Europa. O futebol em terras de Sua Majestade continua a ser primitivo e nem a chegada de treinadores continentais, contra os quais se levantam já algumas vozes, argumentando que estão a descaracterizar o futebol inglês, tem sido suficiente para que esse futebol se consiga manter ao nível dos melhores da Europa. Nos quartos de final da Liga dos Campeões, há três equipas espanholas, duas francesas, uma italiana, uma alemã e uma portuguesa. Nos quartos de final da Liga Europa, há duas equipas italianas, duas ucranianas, uma russa, uma espanhola, uma alemã e uma belga. Nos quartos de final das duas provas europeias, não resta uma única equipa inglesa. Não explicando tudo, explica alguma coisa. As melhores equipas inglesas estão num nível inferior às melhores equipas do resto da Europa, e as restantes equipas com aspirações europeias estão num nível inferior às restantes equipas do resto da Europa. Como é que a alegada melhor liga do mundo é incapaz de pôr um único clube entre os dezasseis que ainda se encontram em prova? Enquanto se continuar a achar que jogar futebol é correr muito, lutar muito e transpirar muito, nada mudará. Os treinadores continentais podem ser capazes de introduzir novas ideias, mas precisarão de décadas para mudar mentalidades. E é essencialemente a mentalidade que distingue o futebol inglês que faz com que seja bem inferior ao futebol que se pratica noutros sítios.