Para muita gente, o lance capital do jogo de ontem da Luz foi o segundo golo do Benfica, da autoria de Gaitán. Com efeito, o remate é extraordinário, a bola entra na gaveta, e parece ter propiciado maior espectacularidade do que qualquer outro lance do jogo. Não estou de acordo, porém, que esse tenha sido o lance mais interessante da partida. A meu ver, há no primeiro golo um momento francamente superior a esse, um momento que passou praticamente despercebido, o que muito me espanta. O remate de Nolito, de facto, não é tão vistoso como o de Gaitán, mas não é pela finalização do lance que creio que ele mereça verdadeiro destaque. Já o passe de Aimar é das coisas mais sublimes que já se fizeram nos relvados portugueses. Numa altura em que parece que cada vez mais se gosta de arrancadas de pessoas incríveis, de lances individuais extraordinários, de grandes aberturas, de gente que corre feita doida, de malabarismos e excentricidades de putos de rua, as pessoas deviam pôr os olhos neste lance aparentemente trivial. Quando se diz que há poucos que conseguem resolver os jogos sozinhos, esquecem-se de quem consegue fazer coisas destas. Sem exagero algum, aquele passe equivale a uma arrancada em que se tiram quatro ou cinco jogadores da frente e se deixa um colega isolado frente ao guarda-redes. Aquele passe é puro génio. Em tudo, na execução, que é dificílima, mas sobretudo na concepção, transformando um lance totalmente inócuo numa ocasião clara de golo. Não é para todos.
O Benfica não jogou bem e só justificou a vitória após o primeiro golo. Até aí, além de dar muitíssimo espaço e de ter os sectores excessivamente separados, em momento ofensivo, e em momento defensivo, mostrou poucas ideias colectivas. Talvez isso se deva à fase da época em que se encontra, e que por isso seja injusta a acusação. Talvez. Mas pouco importa. O Benfica não fez um bom jogo, mas Aimar apareceu no momento certo. Não é também exagero dizer que resolveu o desafio, e provavelmente a eliminatória. E ninguém parece ter dado por isso. Tal como ninguém parece ter dado por ele na primeira parte, repetindo as alarvidades que António Tadeia ia proferindo no comentário ao jogo, dizendo que estava desinspirado e desaparecido da partida, só porque não o via fazer coisas perto da área adversária. Aimar fez uma boa primeira parte, ao contrário do que essas parvoíces todas fizeram crer, e fez também o que mais ninguém em Portugal tem competência para fazer: resolveu um jogo sem que percebessem que o fez. Sem que nada o fizesse prever, sobretudo porque Nolito fora desarmado e a jogada parecia condenada a voltar ao início, Aimar sacou um coelho da cartola e isolou o espanhol. Com um passe inesperado, com a parte de fora do pé e sem o equilíbrio mais adequado para o fazer, num gesto técnico ao alcance apenas dos predestinados, concebeu a melhor ocasião de golo dos encarnados até à altura. Mas, mais do que essa execução soberba, fenomenal foi a percepção que teve do lance. Nolito iniciou a desmarcação, sim, mas era de todo improvável que se criasse um espaço tão favorável no seio da defesa turca. O problema é que os turcos não esperavam que alguém, na posição em que Aimar estava e virado como estava para a linha lateral, fosse capaz de colocar a bola com tanta facilidade, e de primeira, no coração da área. Relaxaram, imaginando o cenário mais provável de Aimar rodar para trás, reiniciando a construção ofensiva, e não previram a possibilidade oposta, a de que, com um só passe, um jogador transformasse um lance perdido numa ocasião soberana.
Repito, este lance devia ser colocado na mesma prateleira de jogadas individuais em que se tiram quatro ou cinco jogadores da frente. Isto porque, na verdade, Aimar ultrapassou sozinho quatro jogadores, aqueles que ficaram batidos pelo passe maravilhoso do argentino. Para muitos, ser criativo é ter um leque de fintas vasto, ser capaz de se desembaraçar individualmente de vários adversários, fazer macacadas com os pés, etc.. Agora pergunto: há alguma coisa que demonstre melhor o que é verdadeiramente a criatividade do que inventar uma jogada com um só gesto técnico, como foi o caso? Criatividade é isto, é ser capaz de imaginar uma coisa que mais ninguém imaginou. Termino com uma afirmação controversa, sobretudo para os que gostam de músculos e remates de meio-campo: Aimar é o melhor jogador a jogar em Portugal. E não estou certo de me lembrar de outro que, no passado, tenha sido tão bom quanto ele.
P.S.: No final da partida, Jorge Jesus justificou a timidez em apostar em Nolito, neste início de temporada, dizendo que o espanhol opta excessivamente pelos lances individuais, e que precisa de perceber melhor o jogar da equipa. Francamente, não me parece que Jesus esteja a avaliar bem as competências de Nolito. Sim, tem facilidade de drible e até procura bastante o um para um. Mas não o faz mais do que Gaitán, por exemplo, e sobretudo não o faz em ocasiões em que não deve necessariamente fazê-lo, como o argentino. Mas nem é por aí. Ninguém, à excepção de Aimar e Saviola, que são de outra galáxia, a esse respeito, é tão forte sem bola, em momento ofensivo, como Nolito. A forma como percebe o momento certo em que deve procurar a desmarcação e a forma como tem a preocupação constante de fornecer uma linha de passe ao portador da bola, coisas que certamente o modelo catalão em que jogava potenciou, dão-lhe competências colectivas que poucos jogadores no plantel possuem. Ao dizer o que disse, Jesus parece estar unicamente preocupado com acções com bola. Se é verdade que, nas suas acções com bola, Nolito pode ainda melhorar as suas competências colectivas, embora não me pareça que, para já, elas sejam excessivamente erráticas, aquilo que faz sem bola justifica amplamente a sua titularidade. O que me leva para outra questão, com que termino: por que ordem de ideias é que se começa a gerar o consenso de que Alex Witsel será titular desta equipa? Acredito que venha a ser muito útil, sim, mas titular? No lugar de quem? Aimar? Gaitán? Nolito? Isto sem contar com Carlos Martins, Bruno César e Enzo Pérez. A época é longa e o belga terá certamente muitos minutos de utilização, mas não me parece, pelo menos para já, apesar de lhe reconhecer qualidades, que seja imprescindível no Benfica mais forte.
Repito, este lance devia ser colocado na mesma prateleira de jogadas individuais em que se tiram quatro ou cinco jogadores da frente. Isto porque, na verdade, Aimar ultrapassou sozinho quatro jogadores, aqueles que ficaram batidos pelo passe maravilhoso do argentino. Para muitos, ser criativo é ter um leque de fintas vasto, ser capaz de se desembaraçar individualmente de vários adversários, fazer macacadas com os pés, etc.. Agora pergunto: há alguma coisa que demonstre melhor o que é verdadeiramente a criatividade do que inventar uma jogada com um só gesto técnico, como foi o caso? Criatividade é isto, é ser capaz de imaginar uma coisa que mais ninguém imaginou. Termino com uma afirmação controversa, sobretudo para os que gostam de músculos e remates de meio-campo: Aimar é o melhor jogador a jogar em Portugal. E não estou certo de me lembrar de outro que, no passado, tenha sido tão bom quanto ele.
P.S.: No final da partida, Jorge Jesus justificou a timidez em apostar em Nolito, neste início de temporada, dizendo que o espanhol opta excessivamente pelos lances individuais, e que precisa de perceber melhor o jogar da equipa. Francamente, não me parece que Jesus esteja a avaliar bem as competências de Nolito. Sim, tem facilidade de drible e até procura bastante o um para um. Mas não o faz mais do que Gaitán, por exemplo, e sobretudo não o faz em ocasiões em que não deve necessariamente fazê-lo, como o argentino. Mas nem é por aí. Ninguém, à excepção de Aimar e Saviola, que são de outra galáxia, a esse respeito, é tão forte sem bola, em momento ofensivo, como Nolito. A forma como percebe o momento certo em que deve procurar a desmarcação e a forma como tem a preocupação constante de fornecer uma linha de passe ao portador da bola, coisas que certamente o modelo catalão em que jogava potenciou, dão-lhe competências colectivas que poucos jogadores no plantel possuem. Ao dizer o que disse, Jesus parece estar unicamente preocupado com acções com bola. Se é verdade que, nas suas acções com bola, Nolito pode ainda melhorar as suas competências colectivas, embora não me pareça que, para já, elas sejam excessivamente erráticas, aquilo que faz sem bola justifica amplamente a sua titularidade. O que me leva para outra questão, com que termino: por que ordem de ideias é que se começa a gerar o consenso de que Alex Witsel será titular desta equipa? Acredito que venha a ser muito útil, sim, mas titular? No lugar de quem? Aimar? Gaitán? Nolito? Isto sem contar com Carlos Martins, Bruno César e Enzo Pérez. A época é longa e o belga terá certamente muitos minutos de utilização, mas não me parece, pelo menos para já, apesar de lhe reconhecer qualidades, que seja imprescindível no Benfica mais forte.