Não há equipa, actualmente, que promova discussões teóricas tão interessantes como o Barcelona. Toda a revolução conceptual que a equipa de Guardiola encetou, sobre a qual parece agora haver consenso, embora há três anos, quando o sugerimos aqui, ninguém acreditasse nisso, deu ocasião a várias ideias acerca das suas virtudes. Uma delas, muito comum, tem a ver com a ideia de carrossel. Para muita gente, onde este Barcelona se distingue é na dinâmica circular que os seus jogadores apresentam, no exercício de um carrossel, ao estilo do futsal, que faz com que os jogadores não tenham posições fixas no terreno, baralhando as marcações. Escusado será dizer que discordo disto, como aliás o título do texto o sugere. Na minha opinião, não existe qualquer carrossel. E, apesar de concordar que a dinâmica da equipa é fortíssima, faz-me sempre confusão que se defenda a dinâmica como uma virtude porque me parece sempre que as pessoas que falam de dinâmica usam a palavra para designar qualquer coisa que não percebem bem. Aqueles que dizem que a dinâmica deste Barcelona é fantástica parecem-me sempre, por isso, pessoas que são capazes de reconhecer que a equipa é extraordinária, mas que, por não perceberem ao pormenor o que a torna extraordinária, usam uma palavra de um modo vago para explicarem a elas próprias o desconforto que sentem. A teoria do carrossel vem na sequência disto.
Não sou especialista em futsal, nem percebo o suficiente do jogo para ter opiniões interessantes acerca dele, pelo que me absterei de falar dele em pormenor. No entanto, não posso deixar de referir que o futsal, nem que seja pelas dimensões do campo e pelo número de jogadores em cada equipa (o que faz com que a interacção entre jogadores e entre equipas seja diferente de um jogo em que o número de jogadores é diferente), é um jogo muito diferente do futebol. Como se joga com os pés e como muitas das regras são semelhantes às do futebol, as pessoas têm a tendência a achar que são jogos parecidos. Eu acho que as parecenças são superficiais, e que, no que há de essencial, o futebol é tão distinto do futsal como do basquetebol. É também por isso que a ideia de que este Barcelona tenta emular o carrossel que tipicamente as equipas de futsal utilizam me parece francamente absurda. No futsal, a ideia de cobertura (ofensiva ou defensiva) muito provavelmente não faz sentido (ou tem um sentido muito diferente); no futebol é fundamental. Para ser justo, as pessoas não acham que o Barcelona utilize um carrossel em que todos os seus jogadores intervêm. Mas muitas acham que, pelo menos do meio-campo para a frente, é assim que a equipa joga, sendo por isso que causa tantos problemas aos adversários. Se o Barça utilizasse um carrossel, pelo menos do meio-campo para a frente qualquer jogador poderia passar por qualquer posição. E isso não é verdade. Ninguém vê o médio defensivo à frente dos médios ofensivos. Ninguém vê o extremo a fazer cobertura ao médio defensivo. Saber aproveitar os espaços interiores é muito mais importante do que fazer a equipa circular como um carrossel.
Falar em carrossel para definir o futebol do Barcelona ou é falso ou profundamente vago. E por isso absurdo. Resulta essencialmente de as pessoas perceberem que a equipa de Guardiola se movimenta de forma esquisita, para aquilo que é normal, e de darem demasiada importância a isso. Outro dia, quando via o clássico contra o Real Madrid, disse-me uma das pessoas com quem via o jogo que parecia que o passe nunca era feito para o jogador que se desmarcava. Não vale a pena falar do privilégio que é ver futebol com quem consegue fazer observações deste tipo. Mas é muito mais relevante, e sobretudo muito mais concreto, falar disto do que falar de carrosséis imaginários. Esta, sim, é uma observação sobre a qual vale a pena reflectir, e que pode explicar muito melhor o que é esta equipa. Durante décadas, aceitou-se quase religiosamente a ideia de que o portador da bola devia respeitar a desmarcação do colega, endossando-lha. O Barcelona de Guardiola também veio quebrar com esse preconceito, e usa a desmarcação como ilusão, para sugerir uma hipótese de passe que depois não utiliza. O trabalho sem bola, seja para a receber, seja para atrair atenções, é fundamental nesta equipa. E esse trabalho sem bola é muito mais complexo do que um mero carrossel em que os jogadores se movimentam em círculo, complementando-se uns aos outros. Não é raro que um avançado baixe para que dois médios entrem nas costas; não é raro que um extremo faça uma diagonal para o lateral receber na profundidade; não é raro que um jogador se movimente horizontalmente entre linhas para que um médio, vindo de trás e com um movimento vertical, receba a bola no exacto local de onde o colega partiu.
Quando se fala em sistemas tácticos sem avançados, dá-me, por isso, vontade de rir. Do facto de o Barcelona entrar em campo sem jogadores com características de avançados não se segue que não jogue com avançados. O que define um avançado é a posição relativa aos colegas em que joga, não as suas características. Quando se diz que a revolução operada por Guardiola consistiu principalmente na utilização de um modelo de jogo sem avançado, ou num modelo de jogo sem avançados, erra-se grosseiramente. Guardiola jogou sempre com avançados, ainda que avançados com movimentações e características diferentes das que habitualmente os avançados têm. Aquilo que me parece, de facto, revolucionário na dinâmica desta equipa não tem, portanto, a ver com um sistema táctico sem avançados, nem com um modelo de jogo semelhante a um carrossel, mas sim com uma certa arte de atacar. Tal como me parece que a equipa usa a bola como um engodo, para puxar os adversários para onde deseja e para arranjar os espaços que pretende, parece-me que usa igualmente a desmarcação como engodo, para sugerir linhas de passe que não utiliza e para levar adversários a tentar antecipações que não ocorrerão. Ao fazê-lo, causa necessariamente a ilusão de que os seus jogadores se movimentam sem lei, como se não tivessem posições, e de que a dinâmica da equipa assenta nessa desordem. Ora, a desordem é apenas aparente, e serve para levar as defesas adversárias a desorganizarem-se. O Barcelona é organizadíssimo. E é por sê-lo que aproveitam de forma tão sistemática a desorganização que os movimentos sem bola dos seus jogadores causam nas defesas contrárias. Se jogassem em carrossel, como muitos acham, o Barcelona seria uma equipa muitíssimo mais previsível, mais fácil de parar, e muito mais permeável em termos defensivos.
Não sou especialista em futsal, nem percebo o suficiente do jogo para ter opiniões interessantes acerca dele, pelo que me absterei de falar dele em pormenor. No entanto, não posso deixar de referir que o futsal, nem que seja pelas dimensões do campo e pelo número de jogadores em cada equipa (o que faz com que a interacção entre jogadores e entre equipas seja diferente de um jogo em que o número de jogadores é diferente), é um jogo muito diferente do futebol. Como se joga com os pés e como muitas das regras são semelhantes às do futebol, as pessoas têm a tendência a achar que são jogos parecidos. Eu acho que as parecenças são superficiais, e que, no que há de essencial, o futebol é tão distinto do futsal como do basquetebol. É também por isso que a ideia de que este Barcelona tenta emular o carrossel que tipicamente as equipas de futsal utilizam me parece francamente absurda. No futsal, a ideia de cobertura (ofensiva ou defensiva) muito provavelmente não faz sentido (ou tem um sentido muito diferente); no futebol é fundamental. Para ser justo, as pessoas não acham que o Barcelona utilize um carrossel em que todos os seus jogadores intervêm. Mas muitas acham que, pelo menos do meio-campo para a frente, é assim que a equipa joga, sendo por isso que causa tantos problemas aos adversários. Se o Barça utilizasse um carrossel, pelo menos do meio-campo para a frente qualquer jogador poderia passar por qualquer posição. E isso não é verdade. Ninguém vê o médio defensivo à frente dos médios ofensivos. Ninguém vê o extremo a fazer cobertura ao médio defensivo. Saber aproveitar os espaços interiores é muito mais importante do que fazer a equipa circular como um carrossel.
Falar em carrossel para definir o futebol do Barcelona ou é falso ou profundamente vago. E por isso absurdo. Resulta essencialmente de as pessoas perceberem que a equipa de Guardiola se movimenta de forma esquisita, para aquilo que é normal, e de darem demasiada importância a isso. Outro dia, quando via o clássico contra o Real Madrid, disse-me uma das pessoas com quem via o jogo que parecia que o passe nunca era feito para o jogador que se desmarcava. Não vale a pena falar do privilégio que é ver futebol com quem consegue fazer observações deste tipo. Mas é muito mais relevante, e sobretudo muito mais concreto, falar disto do que falar de carrosséis imaginários. Esta, sim, é uma observação sobre a qual vale a pena reflectir, e que pode explicar muito melhor o que é esta equipa. Durante décadas, aceitou-se quase religiosamente a ideia de que o portador da bola devia respeitar a desmarcação do colega, endossando-lha. O Barcelona de Guardiola também veio quebrar com esse preconceito, e usa a desmarcação como ilusão, para sugerir uma hipótese de passe que depois não utiliza. O trabalho sem bola, seja para a receber, seja para atrair atenções, é fundamental nesta equipa. E esse trabalho sem bola é muito mais complexo do que um mero carrossel em que os jogadores se movimentam em círculo, complementando-se uns aos outros. Não é raro que um avançado baixe para que dois médios entrem nas costas; não é raro que um extremo faça uma diagonal para o lateral receber na profundidade; não é raro que um jogador se movimente horizontalmente entre linhas para que um médio, vindo de trás e com um movimento vertical, receba a bola no exacto local de onde o colega partiu.
Quando se fala em sistemas tácticos sem avançados, dá-me, por isso, vontade de rir. Do facto de o Barcelona entrar em campo sem jogadores com características de avançados não se segue que não jogue com avançados. O que define um avançado é a posição relativa aos colegas em que joga, não as suas características. Quando se diz que a revolução operada por Guardiola consistiu principalmente na utilização de um modelo de jogo sem avançado, ou num modelo de jogo sem avançados, erra-se grosseiramente. Guardiola jogou sempre com avançados, ainda que avançados com movimentações e características diferentes das que habitualmente os avançados têm. Aquilo que me parece, de facto, revolucionário na dinâmica desta equipa não tem, portanto, a ver com um sistema táctico sem avançados, nem com um modelo de jogo semelhante a um carrossel, mas sim com uma certa arte de atacar. Tal como me parece que a equipa usa a bola como um engodo, para puxar os adversários para onde deseja e para arranjar os espaços que pretende, parece-me que usa igualmente a desmarcação como engodo, para sugerir linhas de passe que não utiliza e para levar adversários a tentar antecipações que não ocorrerão. Ao fazê-lo, causa necessariamente a ilusão de que os seus jogadores se movimentam sem lei, como se não tivessem posições, e de que a dinâmica da equipa assenta nessa desordem. Ora, a desordem é apenas aparente, e serve para levar as defesas adversárias a desorganizarem-se. O Barcelona é organizadíssimo. E é por sê-lo que aproveitam de forma tão sistemática a desorganização que os movimentos sem bola dos seus jogadores causam nas defesas contrárias. Se jogassem em carrossel, como muitos acham, o Barcelona seria uma equipa muitíssimo mais previsível, mais fácil de parar, e muito mais permeável em termos defensivos.