Há imagens que valem por mil palavras. A Liga Inglesa é, pelo investimento que hoje envolve, a liga com mais potencial no mundo. Não obstante, o futebol praticado continua a ser, em larga medida, deplorável. A minha teoria - há muito que a defendo - é a de que a mentalidade desportiva não tem permitido que o jogo evolua. Apesar de a quantidade de grandes jogadores continuar a aumentar, apesar do investimento estrangeiro ser cada vez mais comum, e apesar de, finalmente, começarem a ser contratados treinadores estrangeiros não apenas para as principais equipas, o futebol inglês continua amarrado a um conceito de desporto que, no limite, é contraproducente. A predilecção pela velocidade ou pelo músculo em detrimento do cérebro, pelas qualidades atléticas dos jogadores e não pelas suas qualidades intelectuais, a insistência absurda em defender que o futebol é um jogo de contacto, cuja principal consequência é um modelo de arbitragem que, grosso modo, beneficia os toscos e prejudica os artistas, e, sobretudo, a cegueira a que a generalidade dos intervenientes são conduzidos pela emoção desmesurada com que o jogo é encarado continua a dificultar a evolução do futebol britânico.
É possível apresentar um bom retrato do que acabo de dizer. Num dos últimos lances do encontro que opôs o Liverpool de Klopp ao sensacional líder do campeonato, o Leicester City de Ranieri, a equipa visitante procura chegar ao empate, e Kasper Schmeichel sobe para a grande área. A bola acaba por ser sacudida pela defensiva do Liverpool e sobra para Kanté, penúltimo defensor do Leicester, que se prepara para a reenviar para a área. Tudo o que acontece de seguida é o espelho de um campeonato da idade da pedra. Embora absurdo, não me interessa muito nem a falta claríssima sobre o jogador do Leicester (um dos muitíssimos contactos faltosos que, ao longo do jogo, não foram punidos pelo árbitro da partida e que, ajudando a criar a ilusão de que o jogo foi muito disputado e intensíssimo de parte a parte, retiraram a meu ver todo o interesse à partida, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista táctico), nem o falhanço clamoroso de Benteke, que não soube aproveitar uma situação de clara vantagem numérica. Interessa-me, sim, o que acontece entre esses dois momentos. Refiro-me ao passe que faz a bola entrar em Benteke.
Que nenhum elemento, das três equipas que se encontravam em campo, tenha percebido a irregularidade do lance, nem no momento em que ele decorria, nem depois de ele ter terminado, diz tudo do futebol que se pratica em Inglaterra. Nem o árbitro, nem o fiscal de linha, nem o jogador do Liverpool que faz o passe, nem o jogador do Liverpool que o solicita, nem nenhum outro jogador do Liverpool, nem o defesa do Leicester que ficara para trás com a subida do guarda-redes, nem o guarda-redes que vem a correr desalmadamente, nem qualquer outro jogador do Leicester (ninguém protesta!), percebeu que um passe para um jogador que, estando à frente da linha de meio-campo, tem à sua frente apenas um defensor, é um passe irregular. Consigo admitir que um árbitro interprete mal um lance, sobretudo se esse lance não for muito vulgar (a invulgaridade, aqui, era o último defensor não ser o guarda-redes). Um fiscal de linha, contudo, já não deveria falhar, nesse tipo de coisas, pois tem menos tarefas nas quais se deve concentrar. De qualquer modo, não é do erro da equipa de arbitragem que é importante falar. Que ninguém dentro das quatro linhas (e aposto que nas bancadas também não houve muita gente a aperceber-se da irregularidade do lance) tenha percebido a posição de fora-de-jogo da qual Benteke tira proveito é, a meu ver, o melhor retrato possível do que vai mal no futebol inglês. Nos estádios ingleses, a inteligência fica nos balneários. Enquanto isso não mudar, dificilmente o futebol inglês atingirá o patamar qualitativo a que o potencial económico o promete alçar.
Que nenhum elemento, das três equipas que se encontravam em campo, tenha percebido a irregularidade do lance, nem no momento em que ele decorria, nem depois de ele ter terminado, diz tudo do futebol que se pratica em Inglaterra. Nem o árbitro, nem o fiscal de linha, nem o jogador do Liverpool que faz o passe, nem o jogador do Liverpool que o solicita, nem nenhum outro jogador do Liverpool, nem o defesa do Leicester que ficara para trás com a subida do guarda-redes, nem o guarda-redes que vem a correr desalmadamente, nem qualquer outro jogador do Leicester (ninguém protesta!), percebeu que um passe para um jogador que, estando à frente da linha de meio-campo, tem à sua frente apenas um defensor, é um passe irregular. Consigo admitir que um árbitro interprete mal um lance, sobretudo se esse lance não for muito vulgar (a invulgaridade, aqui, era o último defensor não ser o guarda-redes). Um fiscal de linha, contudo, já não deveria falhar, nesse tipo de coisas, pois tem menos tarefas nas quais se deve concentrar. De qualquer modo, não é do erro da equipa de arbitragem que é importante falar. Que ninguém dentro das quatro linhas (e aposto que nas bancadas também não houve muita gente a aperceber-se da irregularidade do lance) tenha percebido a posição de fora-de-jogo da qual Benteke tira proveito é, a meu ver, o melhor retrato possível do que vai mal no futebol inglês. Nos estádios ingleses, a inteligência fica nos balneários. Enquanto isso não mudar, dificilmente o futebol inglês atingirá o patamar qualitativo a que o potencial económico o promete alçar.