segunda-feira, 29 de julho de 2013

Xavi e Iniesta: a Incompatibilidade Compatível

Há 5 anos, antes de Guardiola chegar ao comando do Barcelona, jogar com um médio-defensivo e dois médios à frente dele era coisa em que poucos treinadores apostavam. Mesmo de entre os que o faziam, quantos arriscavam em dois jogadores de características ofensivas, dois jogadores criativos no meio-campo? Desde que o Entre Dez existe que essa foi uma das coisas que mais se defendeu aqui, que não só era compatível jogar com dois médios de ataque à frente de um médio-defensivo como era assim e só assim que uma equipa que se pretendesse ofensiva podia ser dominadora a meio-campo. Desde que chegou, Guardiola apostou em Xavi e Iniesta, lado a lado, dois médios de características ofensivas, pequenos, franzinos, sem capacidade de ir ao choque. Sem medo, entregou o meio-campo a quem tinha cabeça, não a quem tinha pernas. Para muitos treinadores, um criativo chega e sobra. Para esses, o meio-campo serve para vedar o caminho ao adversário e pouco mais; serve para fechar espaços, para roubar bolas e, quando dá, para solicitar o médio com melhores pés, que joga preferencialmente perto do avançado, para que ele possa depois fazer a bola chegar aos atacantes. Para Guardiola, o meio-campo é muito mais do que isso. Percebeu que o trabalho defensivo, o trabalho de cobrir espaços, de reagir à perda, é da competência de toda a equipa em conjunto e que, sendo-o, não precisava de jogadores no meio-campo que se distinguissem pela quantidade de desarmes que conseguem. No meio-campo precisava era dos mais inteligentes, daqueles capazes de perceber melhor as necessidades da equipa. É um chavão dizer-se que o meio-campo é o centro nevrálgico do jogo, mas quantos dos que o dizem tiram as consequências que deviam tirar disso? Dizem que é o centro nevrálgico do jogo, mas depois acham que é lugar para pôr aqueles que têm mais pulmão ou mais músculo. Não. No centro nevrálgico do jogo devem jogar os mais inteligentes, os que sabem desenvencilhar-se melhor dos problemas. Eis o que Guardiola pensava de Iniesta:

"Iniesta es un jugador fino, es de los que priorizan más pensar que correr. Su primer control en movimiento es maravilloso. Le da continuidad y velocidad al juego. Interpreta el juego. Seguramente en otros lugares habrá jugadores de este estilo, pero allí no interesan, no los buscan", sostenía Pep Guardiola."

Poderá isto parecer presunção, mas este blogue nasceu porque, antes de Xavi e Iniesta jogarem juntos, já havia quem reclamasse que Xavi e Iniesta tinham de jogar juntos. Tínhamos descoberto, o Gonçalo e eu, que o futebol de cada um era muito mais fácil quando um andava perto do outro. Fosse para não ser forçado a driblar, fosse para não ser forçado a fazer um passe comprido, fosse por que fosse, com alguém que pensava exactamente da mesma maneira ali ao lado, na mesma posição e com as mesmas obrigações, o futebol era muito mais fácil. Qualquer médio ofensivo habilidoso, sobretudo jogando com dois médios nas costas, com liberdade para fazer mais ou menos o que lhe apetecesse, pode resolver um jogo a qualquer altura, seja com um último passe, seja com uma jogada individual, seja com um remate à entrada da área. E qualquer jogador ambiciona jogar como médio-ofensivo precisamente por isso, porque é aquele a quem o treinador, por norma, entrega a batuta da equipa e a maior fatia de liberdade; é aquele que é invejado pelos colegas, aquele que assume maior protagonismo, etc.. O que a dada altura percebemos é que isso é uma imbecilidade. Quantas bolas tem um médio-ofensivo de entregar ao adversário para que seja o protagonista que esperam que seja? Quanto ganha a equipa com um jogador assim e quanto perde? À medida que íamos ganhando consciência táctica, que íamos percebendo a consequência de cada uma das nossas acções, menos contentes estávamos com o papel de protagonista solitário que nos cabia. Sempre que tínhamos a possibilidade de jogar juntos, por outro lado, a tendência era aproximar-nos, pedir a bola um ao outro, dar ao outro uma solução diferente, uma tabela, uma possibilidade de passe curto que deixasse o adversário indeciso, uma troca de posições, etc.. Dois criativos no meio-campo não é só o dobro da criatividade; é também todo um conjunto de novas possibilidades de lances. Foi isso que Guardiola mostrou ao mundo, quando pôs Xavi a jogar ao lado de Iniesta. Mostrou que dois médios criativos são compatíveis e mostrou ainda que, mais do que serem compatíveis, permitem à equipa coisas que, de outra maneira, a equipa nunca conseguiria fazer.

Para muita gente, uma equipa de futebol é um agregado de operários fabris, cada um com as suas funções específicas. Para esses, se um determinado jogador vai jogar (por exemplo, um médio criativo), é preciso que um jogador de características diferentes jogue a seu lado ou perto dele, para compensar as coisas em que é menos bom. É por isso que quase todos os treinadores sentem a necessidade de utilizar um médio de características defensivas (ou dois) ao lado de um médio mais habilidoso. O que Guardiola mostrou é que o futebol não é nada disso, que não é preciso que as características de um jogador compensem as de outro. É possível construir uma grande equipa sem jogadores altos, sem jogadores musculados, sem jogadores agressivos, etc.. Isto porque, em futebol, tudo isso é secundário. Para muita gente, o trabalho de um treinador consiste essencialmente em montar uma máquina em que cada peça está no sítio certo e desempenha o melhor possível a tarefa que lhe compete. Não acredito em nada disso. Não acredito que o futebol seja um jogo em que a melhor equipa é aquela que tem os onze melhores especialistas em cada uma das onze posições a desempenharem o melhor possível a sua função. E é por não acreditar que o futebol é um jogo desse tipo que não acredito que o trabalho de um treinador seja apenas educar os seus jogadores a comportarem-se o melhor possível de acordo com as funções que desempenharão dentro de campo. O futebol é um jogo de relações, um jogo em que é melhor não a equipa que tiver os onze melhores especialistas a fazerem o melhor que podem, mas um jogo em que é melhor a equipa em que os onze jogadores se compreendem melhor uns aos outros. Para muita gente, a qualidade de uma equipa é a soma da qualidade individual dos onze jogadores que a compõem somada, por sua vez, à capacidade que cada indivíduo tem para cumprir os requisitos colectivos da sua posição. Para mim, a qualidade da equipa mede-se essencialmente pela forma como os onze jogadores se relacionam entre si. É por isso que não acredito na tese da incompatibilidade entre dois jogadores muito parecidos. Para mim, as fragilidades de um jogador devem ser supridas pelo colectivo, não por um jogador com características opostas. Ter dois jogadores parecidos não é um problema, como muita gente pensa; é uma bênção. Dois jogadores parecidos não descompensam uma equipa; equilibram-na. Dois jogadores parecidos não é um excesso ou um luxo; é complementaridade. Vejam como discutem Xavi e Iniesta sobre o assunto, nesta entrevista de 2006:

"X. Justo. Pues ya mete goles y nadie se acuerda de las tonterías que decían: que si el salto cualitativo no lo daba, que si patatín... ¡Listos! Tiempo al tiempo. Eso hay que darle a la gente, tiempo para que madure. Ahora parece que yo estoy acabado; que, si juega él, no puedo jugar yo.
I. Más tonterías. Podemos jugar juntos. No se dónde está escrito que no podemos hacerlo. La putada es que llevaban pidiendo que jugáramos juntos no sé cuánto tiempo y nos ponen en Madrid y perdemos. Dos días antes era la mejor solución. Ni que perdiéramos por jugar nosotros.
X. Es que yo me lo paso muy bien contigo. No somos clónicos, somos complementarios. ¿Sabes cuál es el problema? Que somos de la casa. Si uno de los dos fuese de fuera, no habría debate."

Para Iniesta, não havia razão nenhuma, já em 2006, para que ele e Xavi não jogassem juntos. Xavi, por sua vez, dizia que se sentia bem a jogar com Iniesta. Não compreender isto é não compreender nada de futebol. O que estes dois sentiam, numa altura em que não jogavam juntos, numa altura em que não tinham o estatuto que têm hoje e numa altura em que se dizia que, quando Iniesta começasse a jogar, Xavi deixaria de fazê-lo, era precisamente que o futebol não é tão individual como queriam que acreditassem. Já na altura sentiam que eram melhores jogadores quando jogavam os dois, quando um percebia as necessidades do outro e lhe dava a linha de passe de que precisava, quando o outro percebia que podia ficar com a bola até ao último instante porque sabia que, nessa altura, se precisasse, o outro lá estaria a dar-lhe uma solução de passe alternativa. Com Iniesta ao lado, era como se Xavi jogasse com outro Xavi. E o mesmo ao contrário. É por isso que não é apenas por serem dois criativos e não um, por haver o dobro da criatividade em campo, que acho que uma equipa é melhor com dois criativos em vez de um. É porque, além de a criatividade ser a dobrar, cada um deles é melhor jogador se o outro estiver em campo. Com Iniesta ao lado, Xavi era mais Xavi do que nunca. E Iniesta mais Iniesta do que nunca. É por isso que a qualidade de uma equipa não pode ter apenas a ver com a qualidade de cada um dos jogadores e com a adequação da qualidade de cada um deles à posição que ocupam em campo. Tem também de ter a ver com (eu diria que tem sobretudo a ver com isso) a relação de cada jogador com cada um dos colegas, começando, obviamente, por aqueles que estão mais próximos.

Quando se fala em sintonia entre colegas, fala-se sobretudo em duplas de atacantes ou duplas de centrais e fala-se sobretudo das características complementares que devem ter: um avançado mais fixo e um mais móvel; um defesa mais cerebral e um mais rápido, etc.. Não é disso que falo. A compatibilidade a que me reporto é do foro intelectual e aquilo para o qual estou a tentar chamar a atenção é para jogadores que se compreendem muito bem por pensarem da mesma maneira, que sabem exactamente o que o colega vai fazer porque era aquilo que fariam naquelas circunstâncias, que sabem perfeitamente que, em determinada situação, o colega vai estar a dar o apoio no sítio certo porque, se estivessem na pele dele, perceberiam que o colega iria imaginar que ele ali estivesse. Dir-me-ão que isso só acontecerá em casos extraordinários, que almas gémeas desse tipo só em jogadores que jogam há muitos anos uns com os outros. Também não acredito nisso. Xavi e Iniesta, aliás, não cresceram juntos e não jogaram juntos até coincidirem na equipa principal. Basta que o treinador saiba criar as condições ideais para que isso aconteça, que saiba estimular os jogadores a compreenderem-se, a pensar de forma análoga, a interpretar as necessidades uns dos outros, etc.. Foi o que, de resto, Guardiola fez, ao permitir, sem hesitar, que Iniesta e Xavi jogassem lado a lado. E foi precisamente a dupla Xavi-Iniesta quem primeiro pôs em prática o que Guardiola queria que todos os seus onze jogadores fizessem. Antes de haver verdadeiramente o Barcelona de Guardiola, já havia Xavi e Iniesta a tabelar, a trocar a bola entre si, a dar e a devolver, a oferecerem apoios verticais um ao outro, etc.. No primeiro ano de Guardiola, a equipa catalã ainda não estava totalmente afinada. As únicas almas gémeas que verdadeiramente existiam eram as de Xavi e Iniesta. Foram eles, pela relação que mantiveram um com o outro, quem ensinaram os colegas a jogar. Associou-se a eles depois Messi e, mais tarde, toda a equipa. E assim se cumpriu o sonho de Guardiola.

É por isso que acho que o trabalho de um treinador é muito mais do que desenvolver características individuais e adaptá-las às funções que os jogadores desempenharão em campo. A esmagadora maioria dos treinadores acredita nisso. Para mim, por outro lado, aquilo que verdadeiramente compete a um treinador de futebol é criar onze almas gémeas. É esse o verdadeiro legado de Cruyff, e só assim me parece plausível pensar no jogo de forma colectiva. Ao contrário da maioria dos treinadores (e até da maioria dos treinadores actuais), não eram as características estritamente individuais, mas as características "relacionais", aquelas com as quais alguém se relaciona com o meio envolvente, que mais interessavam a Cruyff. O próprio Guardiola o confessa, nesta conversa com Valdano:

"J.V.:¿Soñabas con ser jugador de Primera División?
P.G.:"Si, por supuesto. De diez niños catalanes, ocho querrán jugar en el Barcelona. Le decia a mi madre: "Si llego al juvenil, ya estaré contento". Pensaba que para jugar al fútbol necesitaba mucho más que: "Pasa bien el balón, juega bien, las pilla todas". El destino y el estilo de un entrenador que le gustaba más el hecho de pasar que el de romper fue lo que me ayudó".
¿Qué hubiera pasado si no hubiera existido ese entrenador?
Lo habría pasado mal. Es de esas cosas en las que he tenido suerte. Jugué desde el primer momento. El primer año, si no juego y estoy mal, igual me voy para casa. Aunque no fue cuestión de supervivencia. Me lo pasaba muy bien siendo jugador infantil del Barcelona."

Quando era jovem, Guardiola achava que precisava de mais do que de passar bem a bola para vingar na modalidade, mas acabou por triunfar única e exclusivamente porque Cruyff era diferente dos outros treinadores. Não tivesse Guardiola sido treinado por alguém assim, dificilmente teria sido o jogador que foi. Poucos há que percebam isto. Para muita gente, quando se tem talento, tem-se talento e ponto final, e quem o tem acaba por triunfar, mais tarde ou mais cedo. Não podia estar mais em desacordo. Para que um jogador triunfe, sobretudo um jogador cujas principais virtudes são as tais características "relacionais", é preciso que o treinador seja especial, que prefira um determinado tipo de atributos e não outros. Ao longo dos anos, muitos dos jogadores que aqui fomos defendendo e que não conseguiram triunfar são jogadores deste tipo, jogadores que, ao contrário de Guardiola, não tiveram a sorte de ser treinados por alguém especial e que, por isso, não atingiram o máximo do seu potencial. Quanto a Xavi e Iniesta, alguém acredita que eles seriam o que são hoje se não fosse Guardiola? Basta ver como se queixavam, em 2006, por todos acharem que não podiam jogar juntos. Toda a gente gaba as habilidades de Iniesta, a capacidade de manter a bola, de rodar sobre si mesmo, a calma com que sai de situações complicadas, etc.. Mas Iniesta é capaz disso tudo porque está inserido num contexto que o favorece, porque sabe que tem sempre alguém muito perto de si e que, por tê-lo, tem também uma solução de recurso a toda a hora, o que lhe permite forçar certos movimentos, arriscar certas iniciativas. Iniesta é o jogador que é porque cresceu no ambiente mais favorável possível; tem aquelas características individuais notáveis, que todos elogiam e que a todos espanta, não porque as tenha e pronto, mas porque tem também certas características "relacionais" e está inserido num modelo que privilegia as últimas.

Ser um jogador de futebol a sério é essencialmente isto: ser extraordinário a relacionar-se com os colegas de equipa. Evidentemente, há jogadores de outro tipo, jogadores cujas habilidades individuais definem o seu talento. A estes é relativamente fácil medir a qualidade; basta contabilizar o sucesso e o insucesso de cada uma das suas acções. Medir o futebol de Xavi ou Iniesta, por exemplo, é muito mais difícil. E é-o porque cada uma das suas acções não se esgota em si mesma. Cada coisa que fazem beneficia o que faz um colega e beneficia o que faz o colectivo. É o talento individual de Xavi que faz com que consiga aquela quantidade absurda de passes por jogo? É Xavi sozinho o responsável por todos aqueles passes de régua e esquadro? É unicamente por ser Xavi o maestro que é que todos reconhecem que é dos pés dele que se inicia boa parte das jogadas do Barcelona? Não. Xavi é o que é porque os colegas fazem com que o seja. Dão-lhe opções constantes de passe, aproximam-se dele para lhe permitir várias decisões, garante-lhe proximidade e segurança para que não tenha de se apressar a tomar uma decisão. Xavi é o que é por força do que o rodeia. E o que o rodeia é um conjunto de jogadores que pensa como ele, que percebe quais possam ser as suas intenções e que fazem tudo para que ele as possa cumprir. Xavi é o que é porque joga com almas gémeas. É o próprio Xavi quem o reconhece, nesta entrevista:

"Your Barcelona team-mate Dani Alves said that you don't play to the run, you make the run by obliging team-mates to move into certain areas. "Xavi," he said, "plays in the future."
They make it easy. My football is passing but, wow, if I have Dani, Iniesta, Pedro, [David] Villa … there are so many options. Sometimes, I even think to myself: man, so-and-so is going to get annoyed because I've played three passes and haven't given him the ball yet. I'd better give the next one to Dani because he's gone up the wing three times. When Leo [Messi] doesn't get involved, it's like he gets annoyed … and the next pass is for him."

Dizer que Guardiola teve o trabalho facilitado porque tinha os jogadores certos para o modelo que pretendia é um disparate. Foi Guardiola que impôs que os jogadores se relacionassem como se relacionam. É claro que ajuda o facto de a grande maioria ter "estudado" no mesmo sítio, ter tido os mesmos "professores" e ter tido as mesmas referências. Mas nada disso teria sido relevante se não fossem obrigados a fazer certas coisas. Não foram a mentalidade do clube ou a educação semelhante que os jogadores tiveram que construíram o modelo de Guardiola; foi Guardiola que, levando-os a comportar-se de determinada maneira, levando-os a executar um determinado modelo de jogo, "obrigou" a que os jogadores recuperassem a mentalidade do clube que lhes tinha sido incutida e a que relembrassem a educação que tinham tido nesse mesmo clube. Mais do que qualquer outro modelo de jogo, o modelo de Guardiola força a que os jogadores se relacionem constantemente. Como tal, força a que sejam aquilo para o qual foram ensinados a ser, ou seja, jogadores que privilegiam determinadas coisas em detrimento de outras.

Regressando à questão da compatibilidade, posso aceitar que um determinado jogador não seja compatível com outro igual a ele, mas apenas se forem jogadores que se distingam pelos seus atributos individuais. Mas, nesse caso, não acho sequer que um só jogador seja compatível com a equipa. Como entendo o jogo, uma equipa de futebol a sério tem de ter onze jogadores que se caracterizem essencialmente pela capacidade com que se relacionam com os colegas. Se for esse o caso, não me interessa ter um jogador de cada tipo, apto para uma coisa específica, mais indicado para um tipo de função e menos para outros tipos. Interessa-me, isso sim, ter jogadores todos do mesmo tipo, jogadores parecidos entre si, que valorizem as mesmas coisas, que se compreendam com facilidade, que percebam quais as dificuldades de cada colega, consoante as circunstâncias em que se encontrem. Não só acho, portanto, que Xavi e Iniesta são compatíveis, como sempre achei, como acho que Xavi é compatível com dez Iniestas, e vice-versa. Para muita gente, Xavi e Iniesta são compatíveis porque Guardiola mostrou que podiam sê-lo. Não pensavam assim há 5 anos, no entanto. E mesmo aceitando agora que o são, aceitam-no por razões erradas, porque acham que, afinal, até dá para ter dois criativos no meio-campo. Eu acho que são compatíveis, mas não por achar que haja espaço para dois médios criativos numa equipa de futebol; acho que são compatíveis porque o futebol é um jogo de médios criativos. E é por isso, em última análise, que acho não só que são compatíveis entre eles como são compatíveis com mais nove jogadores idênticos. O futebol é um jogo para criativos, e o modelo ideal de um jogo que se caracteriza assim é necessariamente aquele em que a criatividade dos jogadores for melhor potenciada. O papel do treinador ideal, deste ponto de vista, não é propriamente trazer ao de cima o melhor de cada atleta, não é conceber as melhores estratégias possíveis para contrariar os adversários, não é ser capaz de manter motivados os seus jogadores; é fazer com que cada jogador aprenda a relacionar-se com os colegas. Só isso: criar almas gémeas. E, para criá-las, há um atributo indispensável: a criatividade, entendendo-se criatividade como imaginação, ou seja, o atributo intelectual que permite a cada um perceber o tipo de soluções que pode empreender para fazer face ao que o rodeia e, por conseguinte, o que permite a cada um perceber aquilo de que precisa cada um dos seus colegas a cada instante.

domingo, 14 de julho de 2013

Os melhores de 2012/2013

Mais atrasado do que nunca, fica o onze da época, em 433:

Guarda-Redes: Rui Patricio
Defesa Direito: Eric Dier
Defesa Esquerdo: Alex Sandro
Defesas Centrais: Ezequiel Garay e Otamendi
Médio Defensivo: Matic
Médios Ofensivos: Lucho Gonzalez e Josué
Extremos: James Rodriguez e Mossoró
Avançado: Jackson Martinez

Treinador: José Peseiro

Suplentes:

Guarda-Redes: Hélton
Defesa Direito: Maxi Pereira
Defesa Esquerdo: Antunes
Defesas Centrais: Steven Vitória e Paulo Vinicius
Médio Defensivo: Custódio
Médios Ofensivos: João Moutinho e Hugo Viana
Extremos: Nico Gaitán e Licá
Avançado: Éder

Treinador: Paulo Fonseca

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Curtas da Época

Nos últimos dois anos, o blogue deixou de ser actualizado com a regularidade de antes, e muitas foram as efemérides cujo debate se dispensou. Ao contrário de outros sítios, que preservaram a sua natureza noticiosa, deixou talvez de ser lugar de reunião para se discutir os mais comezinhos assuntos e passou a ser lugar de discussões pontuais, mais sobre assuntos de carácter geral do que sobre particularidades desportivas do momento. Gostaria, evidentemente, de manter os dois tipos de discussão, mas, à falta de melhor, optei por discorrer sistematicamente sobre os temas que mais me interessam. Ora, embora muito tenha acontecido esta época, pouco foi sendo discutido aqui. Numa tentativa (que não o é mais do que isso) de sumariar algumas das mais importantes incidências da temporada que agora acabou, aqui fica um conjunto de breves observações a esse respeito.

1 - O Sporting cumpriu, talvez, a pior época de sempre. Muito se tem dito sobre a queda competitiva do clube nos últimos anos, quando comparado com os rivais, mas pouca coisa acertada se tem ouvido. Há que assumir, de uma vez por todas, que a maneira de reerguer o Sporting passa essencialmente por não copiar os exemplos do Benfica e do Porto, não só porque não há dinheiro para investir como também porque o Sporting é um clube diferente, com virtudes e defeitos diferentes.

2 - Por falar em Sporting, Liedson regressou ao campeonato português, mas para reforçar o ataque portista. O homem que simboliza, a meu ver, as causas dos principais problemas desportivos do Sporting na última década foi uma ameaça constante para as defesas adversárias. Como sempre, de resto.

3 - Vítor Pereira sagrou-se bicampeão nacional. Reconheço que a forma como a equipa pressiona é notável, mas a equipa azul e branca só foi realmente um colectivo quando os jogadores decidiram que deveria sê-lo. Sempre que o Porto não teve James (e não o teve durante muito tempo, se contarmos o tempo que demorou a adquirir a melhor forma) a entrar entre linhas, aproximando-se de Lucho, e sempre que Izmailov não pode dar o contributo à equipa, o Porto foi ofensivamente uma nulidade. Vivia das acelerações dos extremos, do suor dos médios e da qualidade individual de um ou outro jogador.

4 - O jogo do título foi no Dragão. O Porto acabou por ser um justo vencedor porque, apesar de não ter jogado bem, foi a única equipa que quis os três pontos. Mas a forma como venceu o jogo e, por conseguinte, o campeonato, não podia ter sido mais irónica. O Porto não estava a jogar bem, não estava a ser capaz de penetrar no bloco encarnado e não estava a conseguir ser ameaçador, sequer. Em vez de reagir a esta evidência como um treinador, ou seja, racionalmente, Vítor Pereira recorreu à superstição. De uma assentada, pôs dois amuletos da sorte em campo, Liedson e Kelvin. Do outro lado, Jesus tinha feito a melhor acção do dia, pois tinha acabado de fazer entrar Aimar. Mas foi a superstição que venceu. Acontece, de vez em quando. Liedson e Kelvin nunca serão jogadores de futebol, Vítor Pereira não sabe explicar o que aconteceu, mas o Porto ganhou e foi campeão. É assim a vida.

5 - Jorge Jesus é, possivelmente, um dos treinadores mais interessantes, do ponto de vista ofensivo, no campeonato português. Mas, como o escrevi no texto anterior, nas últimas temporadas foi progressivamente abdicando de ser quem é e, neste momento, é só mais um como tantos outros. Na minha opinião, esta época perdeu muito mais do que os três troféus que esteve perto de ganhar.

6 - Agora é de vez. Aquele que foi, muito provavelmente, o melhor de sempre a jogar em Portugal vai deixar o futebol português. Os verdadeiros amantes de futebol estão bem conscientes do que acabam de perder.

7 - O Braga de Peseiro foi, em alguns momentos da época, a equipa que melhor futebol praticou em Portugal. Como é evidente, Peseiro tem inúmeros defeitos, principalmente a nível defensivo, e a sua equipa acabou por pecar por isso. Não obstante, fez um trabalho bastante bom.

8 - De Paulo Fonseca é preciso ver mais do que uma época de trabalho em que teve as condições certas para triunfar. O Paços jogou bom futebol, em alguns momentos, mas não é certo que muito disso não se tenha devido à extraordinária reunião de alguns jogadores bem acima da média, André Leão, Vítor e Josué, para falar apenas dos três que me parecem mais evidentes. Devo lembrar, aliás, que Josué só se tornou titular indiscutível a meio da temporada, e que, portanto, é pouco claro que as ideias de Paulo Fonseca sejam exactamente aquelas que esses três, quando jogaram juntos, conseguiram pôr em prática.

9 - Em Inglaterra, o Arsenal voltou a ficar à frente do Tottenham. Como o referira a meio da época, contra a opinião de alguns papalvos, a equipa de Villas-Boas não é melhor que a de Redknapp, e o trabalho do português em Londres foi uma decepção. A equipa é mais inglesa do que nunca e sem Gareth Bale, então, nem nos lugares europeus teriam ficado.

10 - Para o ano que vem, a Liga Inglesa será uma prova totalmente diferente. Por um lado, o Manchester United, com a saída de Ferguson, será com certeza menos hegemónico. Por outro, os novos treinadores de Chelsea e City quererão decerto desafiar essa hegemonia. Por fim, o Arsenal prepara-se finalmente, ao fim de alguns anos, para conseguir manter os seus principais jogadores. Com os reforços certos, e com a manutenção das ideias, Wenger pode finalmente voltar a sonhar com uma equipa candidata ao título.

11 - Em Espanha, aconteceu o que previa há mais de um ano: o Real Madrid de Mourinho, ao contrário do que se dizia na altura, não era uma equipa regular. O futebol dos merengues não teve nunca qualidade para se impor numa competição de regularidade e os 15 pontos de diferença para o Barcelona expressam isso mesmo. Foi a época transacta, não esta, que foi anormal. Mourinho trabalhou sempre para bater os catalães, e a equipa foi-se transcendendo até conseguir esse objectivo. Depois disso, o balão esvaziou-se, a irregularidade exibicional veio ao de cima e os níveis motivacionais baixaram drasticamente. Sim, é verdade que continuou a ter uma equipa competitiva, que foi sempre às meias-finais da Champions, que manteve o seu Real sempre num patamar relativamente elevado, mas a passagem de Mourinho por Espanha foi um tremendo fracasso. E foi-o sobretudo porque o Real Madrid tinha a obrigação de ser uma equipa diferente.

12 - Diego Simeone é um treinador banalíssimo. Soube convencer um excelente conjunto de jogadores de que podiam fazer mais do que lutar pelos lugares europeus, soube transformar o Atlético de Madrid numa equipa fortíssima, em termos mentais, capaz de encarar todos os jogos como uma final, e isso valeu-lhe um excelente campeonato e mais um troféu. Mas o futebol da equipa, também neste caso, depende excessivamente da motivação individual e colectiva. Como noutros casos, a pedra de toque de que me sirvo para avaliar o desempenho de um treinador é a qualidade do futebol apresentado, e essa nunca foi extraordinária.

13 - Em Itália, o campeonato voltou a ser um passeio para a Juventus. Há uns anos, achei que o futebol italiano se preparava para renascer, mas os sucessivos escândalos desportivos, as dificuldades financeiras de muitas equipas e o desinteresse dos investidores estrangeiros encarregaram-se de manter as equipas italianas num patamar inferior às espanholas e às inglesas. Tacticamente, é a par da Liga Espanhola o campeonato mais interessante. Mas perdeu muita qualidade individual, nos últimos anos, e tanto o futebol francês como o alemão parecem ter agora melhores argumentos para discutir o estatuto de terceira potência europeia.

14 - Quando se soube que Guardiola ia para o Bayern, Mourinho disse que nunca treinaria na Alemanha. No fim da época, mostrou-se que as duas equipas mais fortes da Europa jogavam na Alemanha, e que, se calhar, o campeonato alemão anda demasiado subestimado.

15 - Por falar em Guardiola, soube-se há pouco tempo que o treinador catalão quis levar Pirlo, ainda este jogava no AC Milan, para o meio-campo do Barça. A intenção, segundo contou o próprio jogador, seria ir rodando com Busquets, Xavi e Iniesta. Numa altura em que Césc Fabregas ainda não chegara a Camp Nou, já Guardiola pensava num meio-campo só de artistas. Se dúvidas houvessem, Guardiola não pensa como os outros. Para o meio-campo, pensa-se sempre num equilíbrio entre artistas e trabalhadores. No meio-campo de Guardiola só há espaço para artistas. Teria sido a cereja no topo do bolo, um meio-campo de anões, alguns dos quais parecem jogar de bengala. O futebol não tem nada a ver com capacidades físicas, e é por perceber isso como nenhum outro alguma vez o percebeu que Guardiola é diferente de toda a gente.

16 - O novo desafio germânico de Guardiola é, aliás, um dos principais aperitivos da época que aí vem. Para muitos, Guardiola terá muitas dificuldades em fazer melhor do que Jupp Heynckes, pelo simples facto de o Bayern ter vencido tudo esta temporada. Para mim, há muita coisa a melhorar. Ganhar tudo numa época é óptimo, mas não é o que define uma grande equipa. Ter a capacidade para ganhar tudo, época após época, isso sim, é uma equipa. Heynckes ganhou tudo esta temporada porque os jogadores se superaram. Tenho enormíssimas dúvidas de que, com Heynckes, o Bayern ganhasse alguma coisa na época que vem. A motivação da equipa atingiu o seu máximo, e a tendência natural seria relaxar. Com Guardiola, porém, tudo será diferente: os jogadores estarão motivados nem que seja para aprenderem a jogar de uma maneira que não sabem. O que há a melhorar? A qualidade do futebol da equipa. Em termos de qualidade colectiva, o Bayern não foi excepcional, e é aí que Guardiola deverá manobrar. Se, no final, ganha alguma coisa ou não, é pouco relevante.

17 - Miguel Rosa voltou a fazer uma época deslumbrante, desta vez no Benfica B. Como é que não se lhe dá uma hipótese na equipa principal?

18 - O Europeu de sub-21 terminou, e mais uma vez a diferença da selecção espanhola para as outras foi abismal. Como é que é possível não perceber que, mais do que os elogios, é preciso imitar o trabalho que se faz no país vizinho?

19 - A equipa ideal do euro sub-21, em 433, apesar de os extremos não serem extremos (Isco) ou de serem inferiores aos dois melhores extremos do torneio (Munian e Sarabia), os quais foram pouco utilizados, todavia: GK: David De Gea; DR: Ricardo van Rhijn; DE: Daley Blind; DC: Marc Bartra e Stefan de Vrij; MD: Kevin Strootman; MC: Marco Verratti e Thiago Alcântara; E: Isco e Wijnaldum; AC: Álvaro Morata.

20 - No mundial de sub-20, é a euforia do costume com uma selecção nacional banal. Num grupo paupérrimo (a selecção cubana nem para as distritais tem qualidade), Portugal até parece uma super-potência. Mas o futebol português volta a pecar por uma falta de imaginação gritante, por um conjunto de jogadores cujas principais virtudes são as aptidões atléticas, e por uma falta de competência, a nível de equipa técnica, que já não se usa. Edgar Borges é do século passado, e é por isso que Ricardo Esgaio, que poderia jogar quer a lateral, quer a médio-direito, não joga para jogar João Cancelo e Ricardo. Tiago Silva é, também, o melhor médio ofensivo desta geração, mas parece ser a última das opções de Edgar Borges. É verdade que esta selecção não é tão fraca como aquela que, há dois anos, chegou à final do mundial. Não tem, pelo menos na onze inicial, picaretas como Mário Rui, Danilo Pereira ou Saná. Mas o onze que tem sido escolhido não é muito melhor. Aproveitam-se talvez o guarda-redes José Sá, o central Tiago Ilori, e o médio João Mário, sobretudo se perceber que não é médio de ataque. Mika não é nada, Tiago Ferreira é tudo o que um central não devia ser e João Cancelo, se tivesse neurónios, até podia vingar. Ricardo Alves não sabe o que é ser médio defensivo, Ricardo tem tanta imaginação como uma couve de bruxelas e Tozé tem vontade e pouco mais.

21 - Bruma é a grande estrela da companhia, quer para portugueses, quer para estrangeiros. Reconheço que é forte no um para um e que está moralizado, mas continuo a achar que a euforia em torno dele é excessiva. Quando chegarem os jogos a sério é que será possível perceber o quanto pode dar. Bruma tem algumas dificuldades a pensar em espaços curtos, e só quando tiver pouco espaço e pouco tempo é que se poderá perceber se as suas qualidades são mesmo qualidades, ou se são fogo-fátuo.

22 - Quanto a Aladje, a ideia que fica é que já tem idade para ter filhos a jogar no mesmo torneio. Continuo sem perceber a insistência em formar equipas jovens com atletas com idades propositadamente falsificadas. O que é que se ganha com isto?

23 - Uma vez que faltam neste mundial algumas das habituais potências mundiais em escalões jovens (Brasil, Argentina, Alemanha, Holanda, etc.), reúnem-se as condições para que Portugal chegue longe. Um jogo com a Espanha é o que todos pedem, e seria, sem dúvida alguma, o adversário mais indicado para testar a real competência deste conjunto de jogadores.

24 - A selecção espanhola é, uma vez mais, o alvo a abater. Embora seja impressionante como o consegue ser, em quase todos os escalões, considero esta selecção, em termos de colectivo, bem inferior a outras. Não obstante a qualidade individual, que me parece muito semelhante à de outros escalões, vê-se pouca paciência a circular a bola, pouca capacidade para criar apoios próximos, demasiadas variações de flanco, de iniciativas individuais (sobretudo dos homens da frente e de alguns laterais), e uma verticalidade que não condiz com aquilo a que o futebol espanhol nos habituou. Não gostei particularmente do trabalho de Lopetegui nos sub-21, apesar da vitória claríssima, e ainda estou a gostar menos deste. É uma pena que, embora os espanhóis consigam formar fornadas de jogadores todos os anos, não sejam capazes de manter a bitola a nível de treinadores.

25 - Ainda sobre esta selecção espanhola, continua a falar-se demasiado em Delofeu e Jesé Rodriguez. São, claramente, os jogadores mais maduros desta selecção, e os mais reputados, mas estão longe de ser os melhores. É notável, no entanto, que se junte agora a estes o jogador do Liverpool, Suso. Há dois anos, ninguém falava em Suso. Agora, como já fez alguns jogos na Premier League, já tem reputação suficiente para merecer umas palavras. Os comentadores desportivos não vêem os jogos que estão a comentar; têm uma ficha à frente com os apontamentos que tiraram, repetem meia-dúzia de ladainhas, e acabam invariavelmente a gabar o que toda a gente gaba.

26 - Parece-me que Gerard Delofeu melhorou significativamente, nos últimos anos. De resto, estando no Barcelona, seria natural que isso acontecesse. Agora já não aproveita cada bola que ganha para experimentar ultrapassar o seu opositor directo. Já tem na cabeça mais do que as suas competências individuais e já procura vir para o meio, à procura de apoios frontais. Está, por isso, no bom caminho, e reconheço-lhe finalmente algumas competências para que possa vir a ser um jogador de topo. Quanto a Jesé Rodriguez, nem pensar. Mantém as mesmas características de há 2 anos, e não espero grandes coisas dele.

27 - Já há dois anos Suso me pareceu um jogador muito interessante. Tendo sido aposta em Liverpool, aparece moralizado neste torneio, e tem assumido algum protagonismo. Embora lhe reconheça talento, continuo a achar que os dois melhores jogadores desta geração são Denis Suárez e Oliver Torres. E destes, talvez por serem pouco exuberantes, ou talvez por não terem a reputação dos outros três, poucos falam. São os jogadores mais inteligentes, e aqueles que, por isso mesmo, melhor preparados me parecem estar para enfrentar as exigências do futebol sénior.

28 -Na final da taça das Confederações, vitória justa do Brasil. Foi a equipa mais compenetrada e, não obstante um futebol excessivamente musculado e aos trambolhões, com muitos problemas quer ao nível da decisão com bola, quer a nível posicional, foi a melhor equipa em campo. Os brasileiros acabaram por ter sorte por marcarem nos momentos em que marcaram, e da forma como o fizeram, mas a verdade é que o mau jogo espanhol não justificava um resultado positivo. É verdade, também, por outro lado, que as condições climatéricas favorecem quem está habituado a elas, e que o desgaste a que a Espanha foi sujeita na meia-final terá certamente condicionado a equipa na final. A Del Bosque pede-se que tire desta competição as devidas conclusões: se quer ser campeão do mundo no ano que vem, em condições climatéricas como estas, vai ter de rodar muito os seus jogadores, sobretudo os cinco mais adiantados, e desde o primeiro dia.

29 - Várias conclusões poderiam ser tiradas do que aconteceu nesta competição: que o Brasil é o principal candidato ao título mundial do ano que vem, que o reinado da Espanha chegou finalmente ao fim, que Scolari é um óptimo treinador. Há que perceber, no entanto, várias coisas. Para os espanhóis, como de resto para os italianos, esta competição não tinha a mesma importância que para os brasileiros. Basta ver como, numa meia-final, depois de 120 minutos desgastantes, quando a capacidade de concentração dos atletas não podia ser mais baixa, só à sexta grande penalidade é que alguém falhou. Espanhóis e italianos abordaram as grandes penalidades com que se poderiam apurar para uma final sem qualquer pressão porque, precisamente, a Taça das Confederações era só uma prova de fim de época. Acresce a isto que os espanhóis já ganharam tudo e têm pouco a provar. A única conclusão a tirar, do que aconteceu neste torneio, é que o mundial do Brasil do ano que vem vai ser tão mau ou pior do que o de 2002, no Japão e na Coreia. O futebol não é, definitivamente, um jogo de climas tropicais, e a qualidade de jogo será muitíssimo afectada pelas temperaturas e pela humidade a que se jogar daqui a um ano. Em condições destas, as competências intelectuais dos jogadores e as competências tácticas das equipas têm menos peso, enquanto os detalhes terão certamente maior importância. Não me surpreenderá, por isso, se algumas equipas europeias ficarem pelo caminho logo na primeira fase, como não me surpreenderá que as equipas sul-americanas (e talvez uma ou outra africana) façam uma boa prova. Será, creio, um mundial de fraca qualidade, em que os mais fracos verão as discrepâncias para os mais fortes serem drasticamente reduzidas. Mais do que um mundial de futebol, será um mundial dos que têm muita força de vontade.

30 - Como se deve ter percebido, não gostei minimamente do futebol do Brasil. Além de haver jogadores incrivelmente sobrevalorizados (como David Luiz, Hulk e Paulinho), o colectivo é banalíssimo. Defensivamente, desposicionam-se com facilidade, ocupam mal os espaços e reagem erradamente ao que quer que o jogo lhes peça. Ofensivamente, dependem excessivamente da inspiração individual. Há, no entanto, uma boa notícia: Neymar. O jovem craque mostrou finalmente mais do que dribles estonteantes, capacidade para irritar defesas e números de circo. Mostrou que pode jogar ao mais alto nível, que percebe a utilidade de procurar apoios curtos, de tabelar, etc.. Há dois anos, quando foi copiosamente derrotado pelo Barcelona, foi humilde em reconhecer a supremacia catalã. Na altura, tal atitude podia querer dizer várias coisas. Hoje percebe-se que era mesmo "humildade", que Neymar estava mesmo convencido de que o adversário lhe tinha ensinado alguma coisa. Não estava apenas resignado; tinha aprendido uma lição. Nos últimos dois anos, aplicou essa lição ao craque que era e tornou-se finalmente jogador de futebol. Há dois anos, procurava insistentemente Paulo Henrique Ganso. Fazia-o, parece-me, por diversão e por respeito, porque Ganso era dos mais habilidosos e lhe dava gozo fazê-lo. Hoje procura quem quer que lhe ofereça um apoio, e isso é o suficiente para que vingue no clube em que oferecer apoios ao portador da bola é o principal requisito de qualquer jogador. Dou a mão à palmatória: nunca fui demasiado hostil a Neymar, mas também nunca me encantou por aí além. Hoje, no entanto, ainda que por razões certamente diferentes daquelas pelas quais é aplaudido, acho que Neymar me provou que devia ter sido mais paciente a formar a minha opinião. Não alinho pela teoria de António Tadeia, de que Neymar é super-inteligente a jogar futebol, mas reconheço que perdeu alguns vícios e que pode melhorar bastante a esse nível no futuro. E isso costuma ser decisivo.

31 - Xavi a olhar para o chão, com a mão sobre a testa, no momento da grande penalidade que Sergio Ramos haveria de falhar, na final da competição - eis o momento mais interessante do torneio. Aliás, Sergio Ramos tem tanto a ver com esta selecção como um cristão tem a ver com a teoria do Big Bang.