quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Para Guardiola ver

Francamente, nunca percebi toda a histeria em torno do croata Mandzukic. Sempre me pareceu um avançado pouco evoluído tecnicamente e pouco capaz de perceber o jogo como realmente se exige a um avançado. Como facilmente se percebe, portanto, não pude deixar de ser surpreendido com o que aconteceu na época transacta a Mario Gomez, um internacional alemão, titular indiscutível nos últimos anos no clube e titular indiscutível da selecção, que perdeu o lugar para um jogador bem inferior, em todos os aspectos do jogo. Com a chegada de Guardiola, imaginei que Mandzukic perdesse o espaço que alcançara a época passada, mas aquele que seria o legítimo dono do lugar foi de imediato transferido, não se sabe se por opção sua, se por vontade de Guardiola. O técnico catalão, de resto, parece continuar a confiar a titularidade a Mandzukic, apesar de o croata ser incapaz de tomar uma decisão correcta ou de, simplesmente, segurar uma bola e entregar de frente. Pizarro já não é novo, e não pode dar o que Mandzukic dá, em termos defensivos. Mas, convenhamos, pulmão e agressividade nunca foram as características de que Guardiola mais gostou num avançado. Se nos extremos a capacidade de pressão sempre foi algo que Guardiola cultivou (e Mandzukic até já actuou, esta época, como extremo), o avançado de Guardiola tem de saber, acima de tudo, fornecer o apoio vertical certo, no momento exacto, e tem de saber segurar de costas, entregar de frente, servir de referência para tabela, tem de fazer mais movimentos de aproximação do que de profundidade, etc.. Mandzukic não sabe nada disto e jamais seria capaz de fazer o que Pizarro fez neste lance, esta terça-feira, frente ao Friburgo:


O lance ocorre sensivelmente a meio da segunda parte do jogo (no video, só dá para ver o lance todo na repetição, que começa aos 2m32s), numa altura em que o Bayern vencia por 1-0 (o resultado final foi de 1-1), e originou uma dupla oportunidade perdida pelos bávaros, primeiro por Kroos e depois por Müller. O lance é relativamente simples de descrever (veja-se também o lance do ângulo da câmara de jogo, alguns segundos antes) e começa nos pés do brasileiro Dante. Nesse momento, todos os jogadores (os do Bayern e os do Friburgo) estão num espaço de menos de 30 metros, e só é possível que a bola vá de um central a um avançado, pelo chão, por um conjunto de factores. Em primeiro lugar, porque os médios do Bayern, em posse, abrem para arrastar marcações, para que haja espaço para a penetração ser feita pelo centro; em segundo lugar, porque há alguma desconcentração da equipa que defende ou simplesmente uma má ocupação dos espaços centrais, fruto de uma estratégia defensiva ineficiente; e em terceiro porque o avançado bávaro, Pizarro, identifica correctamente o momento do jogo e percebe que, naquelas circunstâncias, deveria suscitar o passe ao seu central, fornecendo-lhe um apoio nesse sentido. É notável, ainda, que no momento em que Dante se prepara para fazer o passe, Toni Kroos, que parecia alheado da jogada, rapidamente percebe que deve aproximar-se do local para onde a bola vai ser endereçada, para que nesse momento (um momento que ainda não aconteceu) o colega que receber a bola possa ter uma solução de passe óbvia e imediata. Com tudo isto em movimento, Pizarro acaba por dar apenas um toque para o lado, permitindo a Kroos, que se aproximara dele por entre o central e o lateral, que se isolasse. Com apenas dois toques, o Bayern consegue passar de um momento de início de organização (a bola estava no central) para um momento de finalização, e tudo isto pelo centro do terreno e pelo chão. Tal só é possível porque, acima de tudo, os jogadores decidiram bem (Dante fez o que nem sempre faz, ou seja, jogar vertical pelo chão; Pizarro deu o apoio no espaço deixado livre pelos movimentos horizontais dos médios e libertou de primeira no companheiro que passava; e Kroos leu a jogada antes de ela acontecer). É por coisas destas, no fundo, que o Bayern de Guardiola é já bem melhor do que alguma vez foi o de Jupp Heynckes. E é também por coisas destas que Guardiola devia perceber que Pizarro, não tendo a juventude de Mandzukic, e mesmo não parecendo ter muita paciência para aprender o que Guardiola tem para lhe ensinar, é bem mais útil do que o croata.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Passar nas costas

Deixei de acreditar inteiramente, nos dias que correm, em treino específico, sobretudo no que diz respeito aos processos ofensivos. Acho que o momento de organização ofensiva é demasiado circunstancial para que se possa treinar seja o que for por repetição. Isto não implica que não se possa treinar esse momento; implica que não se podem treinar situações específicas. Para dar um exemplo, não acredito que treinar situações de finalização, sejam elas quais forem, sejam muito ou pouco complexas, envolvam muitos ou poucos jogadores, possa melhorar minimamente a capacidade de finalização da equipa ou dos avançados a quem é proposto esse treino. Vem isto a propósito da ideia, afinal ainda muito em moda, de que as equipas devem fazer determinadas coisas com bola para conseguirem depois fazer outras. É muito comum, por exemplo, treinar situações de cruzamento simples em que a bola é posta no extremo, em que o extremo, depois de recebê-la, encara o adversário e solta na linha, onde aparecerá o lateral, que passava naquele momento nas costas, a fim de cruzar para a área.

Para que fique claro, acho um exercício destes um perfeito disparate, por várias razões. A razão principal, aquela de que quero falar, tem a ver com o movimento de passar nas costas do portador da bola. É comum ouvirmos dizer, e é comum que os treinadores o peçam aos jogadores, que um colega sem bola, estando perto do portador da mesma, deve movimentar-se por trás do colega. Mas porquê? A grande maioria dos treinadores (e dos comentadores) achará sem dúvida que passar nas costas serve para dar uma linha de passe e que, por conseguinte, é dever de quem tem a bola respeitar esse movimento e pôr lá a bola. Como se está mesmo a ver, não acho que esta gente esteja certa. Passar nas costas não serve para dar linhas de passe ao portador da bola; serve para criar a dúvida no adversário que tenta travar a progressão de quem tem a bola. Passar nas costas do portador da bola, sobretudo se feito de forma rápida, cria no defesa a indefinição quanto ao seguimento da jogada. A indefinição, evidentemente, é momentânea, e estabelece-se no exacto momento em que o jogador sem bola passa pelo que a tem. Nesse momento, o defesa não pode prever se o atacante vai fazer o passe, se vai driblar, se vai rematar. É esse também, de resto, o momento ideal para que quem tem a bola tome a iniciativa.

É por achar que passar nas costas serve apenas para diminuir as probabilidades de êxito de quem defende e não para possibilitar que a jogada se desenrole por onde é sugerido que acho que este tipo de coisas não pode ser objecto de especialização através do treino. Se o que interessa é criar a dúvida no defesa e não exigir ao portador da bola que respeite a desmarcação, de que adianta treinar isto centenas de vezes? No jogo, será sempre o portador da bola, de acordo com as restantes circunstâncias da jogada (quantidade de coberturas que o defesa tem, reacção do defesa ao movimento do colega que passa nas costas, outras desmarcações de colegas, proximidade da baliza, etc.) a tomar a decisão que achar mais adequada. Isto pode ser objecto de treino, é verdade, mas nunca para forçar rotinas ou comportamentos-padrão nos jogadores. É por isso também que a crença de que certas equipas mecanizam um certo tipo de acções para levar o adversário a comportar-se de certa maneira e para que, depois, possam pôr em prática uma certa jogada, é um absurdo. Em futebol, planos com princípio, meio e fim, planos de ataques muito bem desenhadinhos, são um absurdo e terminam necessariamente em insucesso. Tirando em bolas paradas, as grandes equipas não têm planos nem jogadas estudadas. O jogo é demasiado complexo e imprevisível para que jogadas estudadas possam ter algum sucesso.