segunda-feira, 14 de julho de 2014

Mannschaft

O mundial terminou e acabou por consagrar uma das poucas equipas que fez alguma coisa que se parecesse com jogar futebol. Confesso que, sendo a Alemanha, para mim, a favorita à vitória depois da fase de grupos, achava que havia muitas possibilidades de isso não acontecer, dada a importância que os factores externos estavam a ter neste torneio. Ajudou, parece-me, o facto de as meias-finais e a final terem sido jogadas a horas decentes, assim como o facto de o desgaste acumulado se ter começado a notar a partir dos quartos-de-final, como previra. Até aos oitavos de final, o clima prejudicou as equipas jogo a jogo, provocando erros de concentração, desorganização e, em suma, favorecendo as equipas que não fazem da organização táctica e das boas decisões colectivas a sua força. A partir dos quartos de final, porém, o clima afectou as equipas de outro modo: a sua acção deixou de ser no próprio jogo (à excepção do Argentina - Bélgica), mas no desgaste acumulado pelas individualidades. Se, até aos oitavos de final, as equipas que, não obstante serem desorganizadas, tinham individualidades capazes de resolver individualmente tinham sido favorecidas pelo clima, a partir dos quartos de final voltaram a ser as equipas com competências colectivas as principais favoritas. Não admira, por isso, que a única dessas equipas que sobrevivera à primeira fase tivesse acabado por ser a lógica vencedora.

Embora não tivesse previsto que a primeira fase do mundial fosse tão mal jogada, tinha previsto que, a partir dos quartos de final, os jogos fossem fracos. Não foram; foram paupérrimos. O melhor de todos acabou por ser mesmo a final, o que é surpreendente, tendo em conta que as finais não costumam ser muito bem jogadas, por variadas razões. Nos quartos de final, o Argentina - Bélgica foi fraquíssimo, o Alemanha - França foi morno, o Holanda - Costa Rica teve momentos de emoção, mas foi muito mal jogado, de parte a parte, e o Brasil - Colômbia foi um jogo de futebol de rua. No Alemanha - Brasil, houve 20 minutos engraçados, mas a exibição patética dos brasileiros tratou de desnivelar de tal modo o jogo que o espectáculo terminou ali. O Argentina - Holanda foi um dos piores jogos da competição, com duas equipas cheias de argumentos, mas sem capacidades colectivas e com todas as individualidades a acusarem o cansaço prolongado. A final, por seu turno, foi um jogo interessante, com uma equipa a assumir a condução da partida e a outra a tentar jogar no erro da primeira, a fazer lembrar alguns dos melhores embates entre escolas de futebol opostas dos últimos anos. Para muita gente, este foi o melhor mundial a que assistiram. Quem pensa assim, na minha opinião, é mais influenciada pelas emoções que os jogos suscitaram do que pela qualidade dos mesmos. De facto, houve muita incerteza, muitas surpresas, muitas ocasiões junto às balizas e muitos golos. Nada disto implica que tenha havido bom futebol. Na minha opinião, não houve. O mundial foi fraco naquilo que mais importaria que não fosse, nas decisões. Tem de ser esse o critério para se avaliar a qualidade de um jogo, não as emoções, as oportunidades de golo ou a incerteza no marcador. Por norma, houve más decisões, muitos erros individuais e colectivos, muitas equipas desorganizadas. No capítulo das decisões, este mundial representou um retrocesso de mais de 20 anos. Felizmente para a modalidade, ganhou uma das poucas equipas que jogaram modernamente. Não fosse a vitória alemã, e 2013/2014 teria sido a época futebolística mais negra de que me lembro.

A vitória alemã representa ainda a vitória de um estilo sobre o estilo contrário. Para muitos, o tiki-taka morreu e as recentes derrotas do Barcelona, bem como a incapacidade do Bayern de Guardiola para vencer o Real Madrid mostraram isso mesmo. Para outros, nos quais me incluo, o tiki-taka não é uma coisa em que só o Barcelona de Guardiola era competente. Pessoalmente, considero que há uma forma melhor de jogar futebol, e essa forma consiste em ter a bola, em preservá-la e em circulá-la com critério, em usá-la passivamente, para descansar e cansar o adversário, mas também em usá-la activamente, para desposicionar os adversários, para conduzir o jogo para onde interessa que seja conduzido, e para manter a própria equipa organizada e preparada para a perda da bola. Esta Alemanha faz isso tudo quase tão bem como o faz a Espanha, e melhor do que qualquer outra selecção alemã do passado. Foi melhorando de ano para ano, com Joachim Löw, nesse capítulo, e apareceu neste mundial a jogar à Guardiola mais do que nunca. Parece-me um exagero pensar que Guardiola foi o cérebro por trás da vitória alemã, mas não é decerto exagerado pensar que foi uma influência decisiva, como aliás já tinha sido uma influência decisiva para os anteriores campeões do mundo. Joachim Löw começou a copiar o modelo espanhol (e o modelo de Guardiola) depois de ter sido eliminado nas meias-finais em 2010. Até aí, jogara quase sempre em 442 clássico. Depois disso, nunca mais o fez. Em 2012, porém, ainda os alemães não eram suficientemente maduros a jogar dessa forma, e a equipa acabou por cair aos pés de uma Itália que fazia esse tipo de jogo simplesmente porque tinha jogadores mais aptos para o fazerem. Aos poucos, no entanto, Joachim Löw convenceu-se de que tinha de ir mais longe para ter sucesso. Ir mais longe implicava imitar tudo, desde o sistema táctico às inovações introduzidas pelo próprio Guardiola. Foi por isso que começou este mundial a jogar no 433 de Guardiola, com Lahm a médio-defensivo, como Guardiola concebera, e com Muller na posição de avançado, como Guardiola concebera. É verdade que não manteve esse ideal até ao fim, mas a sua equipa jogou sempre mais à espanhola do que à alemã, e isso foi decisivo. Löw foi campeão do mundo pelas mesmas razões que Del Bosque o fora há 4 anos, porque foi humilde o suficiente para perceber que Guardiola não é apenas o treinador mais titulado dos últimos anos mas o homem que melhor percebeu o que uma equipa de futebol deve fazer para ter sucesso. Tal como Del Bosque, Löw aproveitou as ideias de Guardiola para melhorar as suas, e isso foi decisivo para esta conquista. A vitória alemã mostra assim várias coisas, mas a mais importante talvez seja a de que é a imitar o estilo de outras equipas, ao contrário do que muitas vezes se pensa, que uma equipa evolui. Imitar os grandes mestres, como em qualquer forma de arte, é a melhor maneira de evoluir.

Melhor Onze:

Guarda-Redes: Neuer
Defesa Direito: Lahm
Defesa Esquerdo: Blind
Defesas Centrais: Thiago Silva e Hummels
Médio Defensivo: Pirlo
Médios Ofensivos: Wijnaldum e Óscar
Extremos: Özil e James Rodriguez
Avançado: Muller

Treinador: Joachim Löw

Suplentes:

Guarda-Redes: Cillessen
Defesa Direito: Zabaleta
Defesa Esquerdo: Verthongen
Defesas Centrais: Varane e Garay
Médio Defensivo: Schweinsteiger
Médios Ofensivos: Kroos e Iniesta
Extremos: Robben e Messi
Avançado: Van Persie

Treinador: Jorge Luís Pinto

sexta-feira, 4 de julho de 2014

O Mundial dos Detalhes e das Individualidades

Há um tipo de estupidez particular, quando se fala de futebol, que consiste em ignorar que este não é um jogo como a maioria dos outros jogos. Ao passo que é difícil dizer, por exemplo em xadrez, que determinado jogador teve sorte em vencer, no futebol nem sempre quem joga melhor é quem vence. Não há, aliás, outro jogo que se compare ao futebol, nesse aspecto, e essa é também uma das razões pelas quais este é um desporto tão popular. O motivo é mais ou menos claro: ao contrário da grande maioria dos outros jogos, é um jogo cujo resultados não são geralmente volumosos. O golo é algo que acontece poucas vezes e, sendo a diferença de golos que determina quem ganha e quem perde, é natural que haja muitos jogos cujo resultado não espelhe o que as equipas fizeram. Uma vez que as equipas ganham ou perdem por causa de um ou dois lances em cada 90 minutos, é possível afirmar que é o jogo em que os detalhes são mais decisivos. Isso fez com que, ao longo dos anos, muitas pessoas acreditassem que eram melhores equipas aquelas que se especializassem melhor nos detalhes. Não acreditando nisso, é verdade que os detalhes têm um peso importante na definição de um jogo e é muitas vezes por eles que se deve explicá-lo. Pessoalmente, considero que é melhor equipa aquela que trabalhar de maneira a depender menos dos detalhes, mas não posso deixar de reconhecer que são eles, muitas vezes, que distinguem os campeões. Em competições a eliminar, então, o peso dos detalhes é ainda mais significativo. E se, a juntar a isto, a qualidade colectiva das equipas de um torneio, por exemplo um campeonato do mundo, for nivelada por baixo, mais decisivos eles são.

O preâmbulo anterior serve para preparar as duas coisas que quero dizer de seguida. A primeira é que é profundamente estúpido todo o comentador de futebol que, qual Freitas Lobo, chega ao fim de uma partida de futebol e tenta justificar o que nela se passou apenas pela qualidade táctica das equipas. Essas pessoas acham que resultados espelham fielmente exibições, e que se ganha porque se fez necessariamente por isso. São estúpidos porque não percebem que o futebol é um jogo de detalhes e que, muitas vezes, são os detalhes que determinam os vencedores. Arranjam explicações para tudo, riscam da memória tudo o que sabiam, e fazem diagnósticos com base num ou noutro lance em 90 minutos. O melhor exemplo foi o que se passou no texto anterior. Ninguém percebeu nada do que aconteceu à Espanha neste mundial, mas todos acharam que foi eliminada porque já não joga como antes e que o futebol que joga actualmente é inferior ao futebol da Holanda e do Chile. Não percebem que o futebol é um jogo de detalhes e não acreditam, como deve acreditar quem tem ideias, que a Espanha actual, sendo ou não tão forte como foi em 2012, por exemplo, ganharia 9 em 10 jogos que fizessem com qualquer um deles. A segunda coisa que pretendo afirmar vai também contra quase tudo o que tenho ouvido dizer sobre este mundial: para mim, está a ser dos piores mundiais dos últimos anos. E a razão tem precisamente a ver com esta questão dos detalhes. Uma série de factores tem contribuído para que as diferenças entre as boas e as más equipas se tenha esbatido, e os vencedores têm-se distinguido dos vencidos, por norma, apenas através de um detalhe ou outro. A maior parte das pessoas não pensará assim, mas um dos melhores critérios para distinguir um bom jogo (e um bom campeonato) de um mau jogo é ele não ter por factor decisivo um detalhe. Nesse sentido, este mundial estará ao nível do de 2002, por exemplo, e será, a par desse, o pior das últimas duas décadas.

Há um ano, antecipei que a qualidade deste mundial estava em risco precisamente pelas condições climatéricas. Achava, porém, que a prova decresceria de qualidade apenas a partir da fase a eliminar, e achava que as condições climatéricas seriam decisivas apenas no desgaste acumulado nos jogadores. Estava redondamente enganado. As condições climatéricas foram decisivas desde o primeiro jogo. A selecção que mais pagou por elas foi a Itália, uma das que melhor futebol apresentou na primeira fase e que, não obstante, foi eliminada. O primeiro jogo mostrou uma Itália competentíssima, mas incapaz de aguentar mais do que 60 minutos, em termos físicos. A última meia-hora do jogo contra a Inglaterra foi sofrível, quer para um, quer para outro conjunto, e no jogo com a Costa Rica a Itália foi incapaz de ter ideias precisamente pelo desgaste dessa primeira partida. Mesmo não voltando a jogar como na primeira partida, a Itália voltou a ser bem superior ao seu adversário no último jogo, sendo eliminada, lá está, por um detalhe. O detalhe do clima, o detalhe do árbitro e o detalhe das bolas paradas atiraram uma das melhores equipas em prova para fora da mesma logo na fase de grupos. Para muitos, a Itália foi-se embora porque não foi tão forte como as equipas que passaram. Para mim, essas pessoas não sabem o que é futebol. Em termos estritamente futebolísticos, a Itália foi a equipa mais forte do grupo. Acontece que, em futebol, às vezes isso não é suficiente. E neste campeonato do mundo jogar bom futebol tem sido das coisas menos importantes para se atingir o sucesso.

Posso juntar ao exemplo da Itália e da Espanha muitos outros. 1) A Alemanha a fraquejar diante do Gana. Um jogo que estava completamente controlado, com a Alemanha a ganhar por 1-0 e com várias oportunidades para dilatar o marcador, transformou-se em poucos minutos numa coisa completamente diferente, com dois golos de seguida dos ganeses, e só não terminou com goleada para os africanos porque não aproveitaram 3 ou 4 lances de forma inexplicável. 2) O apuramento do Uruguai, sem nada fazerem por isso. Depois de uma exibição paupérrima contra a Costa Rica, os pupilos de Tabarez não foram superiores aos ingleses, mas aproveitaram a falha de Gerrard. Também não foram superiores aos italianos, mas beneficiaram da expulsão de Marchisio e do facto de Suarez não ter sido expulso, como beneficiaram de mais um golo decisivo, na sequência de uma bola parada, de Godín. 3) O apuramento da Grécia. Depois de uma copiosa derrota frente à Colômbia, os gregos mantiveram-se à tona da água por empatarem contra o Japão num jogo em que podiam ter perdido por vários golos. Depois, frente à Costa do Marfim, um golo de penalty no último minuto dos descontos (aliás, como o golo que marcaram à Costa Rica e que lhes permitiu adiar a decisão dos oitavos de final para o prolongamento)  ditou a passagem de uma equipa que, futebolisticamente, não é nada. 4) O Irão a bater o pé à Argentina e Messi a resolver. Os argentinos queixaram-se precisamente das condições climatéricas, e o que se viu foi uma equipa cansada, sem capacidade colectiva e individual para penetrar na defesa iraniana. Os iranianos acabaram por ter as melhores oportunidades da segunda parte, mas foi um momento de inspiração individual de Messi que ditou a vitória argentina. 5) A surpresa da Costa Rica. Não querendo tirar mérito a uma equipa que tem mostrado algumas qualidades, os costa-riquenhos só estão onde estão pelos detalhes. Os uruguaios subestimaram-nos, a Itália não se conseguiu mexer, a Inglaterra já estava eliminada, e a lotaria dos penalties contra os gregos puseram-nos nos quartos de final. É evidente que têm três ou quatro bons jogadores, e uma equipa solidária, mas não foi por questões futebolísticas que chegaram até aqui. 6) O apuramento da Suíça. A Suíça apurou-se à frente do Equador porque no jogo inaugural, precisamente contra os sul-americanos, venceu a partida no período de descontos, num lance que começa com uma perdida dos equatorianos na área suíça, que lhes podia ter dado a vitória, e que termina com um contra-ataque suíço que é transformado em golo (e em fora-de-jogo, salvo erro). 7) A bola à barra de Pinilla. No último minuto dos descontos, o Chile podia ter eliminado a equipa anfitriã. Assim, foram para penalties e a sorte sorriu aos brasileiros. 8) A eliminação do México. A Holanda não fez um grande jogo, mas pressionou os mexicanos na última parte do desafio, conseguiu empatar e chegou à vantagem num lance de penalty nos últimos minutos. 9) A eliminação da Nigéria. Os franceses não foram superiores aos nigerianos na maior parte do tempo, e podiam ter sofrido um golo em várias ocasiões. A partir de um lance em que Matuidi devia ter sido expulso e a Nigéria teve de alterar o seu meio-campo, os franceses cresceram, acabando por chegar ao golo, uma vez mais, num lance de bola parada. 10) A eliminação da Argélia. Embora a Alemanha tenha sido muito superior, os argelinos foram corajosos e souberam pôr a nu as debilidades sobretudo do sector defensivo germânico. É verdade que passou a melhor equipa, mas a Argélia, se tivesse tido outra sorte, tinha mandado a Alemanha para casa. É minha convicção de que tal cenário só foi possível porque as equipas mais fortes, nestas condições, ficam mais expostas e vulneráveis aos detalhes, como seja o da vontade com que os argelinos jogaram. 11) A eliminação dos Estados Unidos. A Bélgica foi superior durante 105 minutos. Nesse período, podia ter marcado mais de uma dezena de golos. Mas os Estados Unidos podiam ter vencido o jogo no último minuto do tempo regulamentar e, depois de estarem a perder por 2-0, construíram ocasiões de golo suficientes, em apenas 15 minutos, para virar o resultado. 12) O desfecho dos oitavos de final. Dos oito jogos dos oitavos de final, 5 foram a prolongamento (2 dos quais foram a penalties) e outro ficou resolvido nos últimos minutos. Tal equilíbrio não é acidental. A Argélia, a Suíça e os Estados Unidos, principalmente, só arrastaram o jogo para o prolongamento porque houve condições externas a equilibrar as contendas. Em condições normais, estes jogos seriam decididos nos 90 minutos. 13) A derrocada das equipas europeias. É verdade que, em quantidade, passaram aos oitavos de final tantas equipas europeias como em 2010, mas ficarem pelo caminho as duas equipas que ainda há dois anos se sagraram campeã e vice-campeã da Europa parece-me substancialmente diferente de ficarem pelo caminho a Itália e a França de 2010. Ao mesmo tempo, não é normal que, das 10 equipas do continente americano em prova,  8 tenham passado aos oitavos de final, sendo que também o Equador esteve muito próximo de o conseguir. O mundial, nas condições em que tem sido jogado, é benéfico para as típicas equipas sul-americanas, que se caracterizam por serem aguerridas e muito disponíveis em termos físicos, e ainda por terem várias individualidades com qualidades técnicas que podem decidir individualmente os jogos.

Muitos se têm espantado ainda com as várias exibições espectaculares dos guarda-redes. Na minha opinião, é mais uma evidência de que o mundial não tem sido muito bem jogado. Quando os avançados e os guarda-redes são os principais destaques das equipas, é sinal de que o futebol apresentado, em termos gerais, não tem sido grande coisa. Desde o mundial de 86 no México que as principais estrelas de cada selecção não tinham tanto protagonismo e não eram tão decisivas. Isso deve-se ao facto de, tacticamente, o futebol ter evoluído bastante. Nos últimos trinta anos, assistiu-se a uma evolução táctica que, de algum modo, fez com que os principais jogadores não fossem capazes de brilhar individualmente como até então. Evidentemente, houve quem o conseguisse. Mas neste mundial têm brilhado individualmente quase todos aqueles que se esperava que brilhassem, excepção feita, talvez, a Ronaldo. Tacticamente, o mundial tem sido muito fraco, e isso faz com que os jogadores com mais facilidade para se desenvencilharem sozinhos sobressaiam. Faz também com que os jogos sejam mais emotivos, uma vez que os adeptos de futebol tendem a emocionar-se mais com lances individuais espectaculares (dribles, iniciativas individuais estonteantes, remates de longe, jogadas junto às áreas, contra-ataques, etc..) do que com jogadas bem pensadas. Daí que haja quem considere que este mundial esteja a ser bom. Como tal, faz também com que equipas que estão a dominar uma partida possam, em poucos minutos, ser encostadas à sua área, como aconteceu com a Nigéria frente à França, com o México frente à Holanda, com a Costa Rica frente à Grécia, ou com a Bélgica frente aos Estados Unidos. Quando, tacticamente, as equipas não demonstram grande coisa, sobressaem as individualidades e sobressai a crença dos jogadores, o que torna tudo muito mais imprevisível, volátil e, para quem acha que bom futebol é futebol junto às áreas, emotivo. Que tantas individualidades estejam a deslumbrar individualmente e que se esteja a registar tanta imprevisibilidade denota justamente o decréscimo de qualidade do futebol que tem sido jogado; denota que os detalhes estão a ter mais importância do que deviam. Os guarda-redes têm brilhado porque, precisamente, não se tem jogado bem. Luís Freitas Lobo disse outro dia que nunca tinha visto ninguém defender tanto como Tim Howard frente à Bélgica. Realmente, defendeu muito, se estivermos a pensar em quantidade. Mas não o vi fazer nenhuma defesa extraordinária. Fez quase duas dezenas de defesas, e nenhuma delas foi uma defesa impossível. O que Freitas Lobo não percebeu foi que Tim Howard não fez mais do que qualquer guarda-redes faria. Defendeu o que tinha de defender. Do facto de que os guarda-redes estejam a ser chamados mais vezes a intervir do que é costume não se segue que estejam a fazer grandes exibições. À excepção de um ou outro caso, é absurdo ficarmos espantados, por exemplo, com o guarda-redes da Argélia ou com o guarda-redes da Nigéria. São guarda-redes banalíssimos que estiveram mais em jogo porque as defesas têm defendido mal e porque os ataques não têm encontrado as condições de finalização ideais.

Quando o futebol é colectivamente mal jogado, sobressaem os apontamentos individuais, aumenta quantidade de lances junto às áreas e, por conseguinte, dispara o protagonismo dos guarda-redes. Quando assim é, tudo fica mais dependente dos detalhes, e é quem for mais eficaz nos detalhes ou quem tiver mais sorte neles, não quem for melhor em termos gerais, que terá sucesso. O futebol deste campeonato do mundo, até porque está a ser disputado onde está, não é muito diferente do futebol que se vê semanalmente em qualquer campeonato sul-americano. As melhores equipas, porque as condições assim o proporcionaram, não são as melhores equipas em condições normais, não são as equipas organizadas e com uma ideia de jogo colectiva, mas aquelas que conseguem aliar a solidariedade e o sacríficio defensivo à inspiração de dois ou três atacantes individualmente muito competentes. Sobram apenas 2 equipas cuja competência táctica merece louvor, a Alemanha e a Bélgica, e mesmo essas têm sobrevivido mais à custa da competência das individualidades do que da competência colectiva. Este mundial representa uma regressão, em termos tácticos, sem precedentes, e é de facto a melhor forma de culminar um ano profundamente negro na História do Jogo. Confesso que não esperava que fosse possível uma equipa voltar a ser campeã do mundo sem que fosse, em termos colectivos, minimamente competente, mas este mundial prepara-se para me mostrar que estava enganado. Estava enganado, porém, sem o estar. É que, no meu raciocínio, não equacionei a preponderância decisiva dos factores externos. E foram os factores externos, sobretudo as condições climatéricas anormais para a prática do futebol, que propiciaram este cenário. Nos últimos anos, o futebol evoluiu de modo a que os detalhes e as individualidades não fossem suficientes para sagrar campeões. Infelizmente para quem gosta de futebol, este mundial voltou a tornar o futebol um jogo só de detalhes e individualidades. Por absurdo que pareça, em 2014 pode voltar a haver um campeão do mundo que não sabe jogar futebol.