Não é importante, mas gosto especialmente de pessoas que tentam passar uma imagem de seriedade e idoneidade que, na verdade, não possuem. É sobre essas pessoas, e sobre a mesquinhez dos seus comportamentos, que este texto essencialmente versa, pessoas que, em vez de sustentarem as suas teorias com argumentos, procuram imbecilizar ideias bem argumentadas, pessoas que terminam conversas quando lhes dá jeito, pessoas que lembram apenas a metade das razões que lhes interessa, pessoas que vêem coisas que não existem, construindo-lhes a existência, pessoas que denunciam comportamentos moralmente condenáveis quando, moralmente também, a sua conduta é francamente duvidosa.
1. Veja-se o que diz Miguel Lourenço Pereira, xenófobo radical, acerca das acusações de racismo que chocaram o futebol francês. Em larga medida, Miguel Lourenço Pereira representa a grande maioria dos tipos de pessoas que referi acima, e tudo à volta de um só umbigo, o que é extraordinário. Não só é hipócrita por atacar um tipo de comportamento que em tantas outras ocasiões o fascina, como constrói um texto em que omite informações (omite, por exemplo, as explicações de Laurent Blanc, o que tornaria muito mais compreensível a posição do técnico francês) para favorecer a sua intenção denunciadora. Por outras palavras, inventa a notícia. E depois disto ainda passa o texto todo a falar de moralidade. Haja lata! Bom, em primeiro lugar, como este espaço gosta de ensinar as pessoas, se Miguel Lourenço Pereira queria denunciar a falta de moral dos franceses, deveria ter usado o substantivo "imoralidade" e não "amoralidade", que significa outra coisa. Um bom dicionário talvez seja a prenda de Natal indicada a oferecer a esta pessoa. Embora o português não seja o forte deste sujeito, não é o pior dos seus males. Muito sucintamente, condena Miguel Lourenço Pereira aquilo que acha ser uma medida racista, que visa quantificar o acesso de miúdos não-nativos a escolas de formação em França, ignorando a explicação alternativa; condena, por definição, o modelo teórico do sistema de quotas, ignorando talvez o quão intimamente democrático esse tipo de sistema pode ser; e condena, por fim, uma sociedade francesa que, embora não me pareça que conheça, apelida de racista. Tenho a vantagem, em relação a Miguel Lourenço Pereira, de não ser hipócrita. Isso faz com que seja capaz de perceber melhor a lógica do assunto. O problema não era de natureza rácica, como podia parecer, mas futebolística. O que estava em jogo não era a diversidade étnica nos escalões de formação, mas a ausência específica de jogadores que se possam distinguir pela técnica e pela capacidade de drible. O problema, nomeadamente em relação aos miúdos de ascendência africana, é que atingem uma maturação física precoce, quando comparados com outros miúdos, o que os deixa em vantagem num processo de selecção não regularizado. A introdução de quotas visaria assim suportar essa "injustiça" e assegurar que o potencial é o principal critério a privilegiar. Pode-se discutir, evidentemente, a aplicação prática de um sistema deste género, pelo tipo de injustiças e discriminação que pode possibilitar, mas a ideia, em termos teóricos, além de profundamente democrática, é futebolísticamente sensata. A formação, em futebol, deve ter em conta uma única coisa: o talento. E a selecção do talento, por não ser um atributo tão visível quanto isso, deve ser impermeável às restantes características dos atletas, características que muitas vezes, em determinadas idades, os favorecem "injustamente". Não conhecendo a fundo a realidade francesa, arriscaria ainda assim a dizer que, num país com tanta diversidade social e cultural, a não-introdução de um sistema de quotas é que é uma injustiça. Havendo tanta diversidade, são os pequenos, os menos dotados atleticamente, mas talvez os que escondem melhores talentos, quem certamente saem mais prejudicados. E isso é, diria eu, bem mais discriminatório do que o contrário.
2. Aimar desmentiu as alegadas agressões de que teria sido vítima, por parte de um adepto encarnado, e explicou que a desavença teve origem na acusação de que ele só passaria a bola a Saviola. Mais do que insólito, o caso demonstra a inequívoca estupidez do adepto comum, que é hipócrita por definição. É que este adepto, caso os resultados tivessem sido diferentes, estaria agora a beijar os pés de Aimar, mesmo que tivesse passado o campeonato inteiro a passar a bola a Saviola. Mais do que a hipocrisia, porém, interessa-me falar daquilo que há de estúpido na situação. Aimar afirmou que disse a tal adepto que não percebia nada de futebol. E disse bem. Aliás, devo confessar, é a melhor resposta possível que um jogador pode dar a uma crítica deste género. Os adeptos são, na sua essência, gente estúpida e alertá-los para isso parece-me mais honesto do que tentar explicar-lhes o que evidentemente não podem perceber. Ao contrário , no entanto, do que seria talvez de esperar, o argumento com que quero sustentar esta posição não é o mais consensual. Esta pessoa não percebe nada de futebol, mas não por as bases da acusação serem falsas, não por se ter equivocado quanto à questão de Aimar passar muitas vezes a bola a Saviola, mas por achar que isso é censurável. Aliás, a verdadeira crítica a fazer seria acusá-lo de não passar a bola vezes suficientes ao colega argentino. É que, se ao longo destas duas épocas, o futebol do Benfica conseguiu alguma vez ser imprevisível e diversificado, isso deveu-se ao entendimento entre Aimar e Saviola. O futebol do Benfica peca é por não promover mais situações em que possam jogar entre os dois, é por não promover a tabela curta a que os dois dão expressão, é por não promover o entendimento e o pensamento gémeo que os dois tão bem revelam. Aimar e Saviola foram os únicos que contrariaram a febre da velocidade a que o modelo de Jesus prestou vassalagem, foram os únicos a oferecer alternativas a uma ideia de jogo geral, perante a qual o comum atleta não é capaz de adicionar nada de original. Aimar e Saviola não se limitaram à ideia geral: procuraram sempre, entre os dois, fazer algo de diferente, modificar as coordenadas do jogo. Nestes dois anos, nenhuma sociedade entre jogadores foi tão determinante dentro do plantel benfiquista como esta. Acusá-los do que quer que seja é não entender nada do que se passou dentro de campo.
3. Por fim, a questão mais badalada. No final dos quatro desafios que puseram frente a frente Barcelona e Real Madrid, Guardiola levou evidente vantagem. Noutras alturas, só num manicómio é que o mérito dos catalães poderia ser discutível. Como se trata de uma questão cara aos portugueses, como interessa aos pobres de espírito derrubar o monstro que é o Barcelona, como Mourinho montou o circo que montou, parece aceitável que se discuta o que quer que seja em relação ao conjunto dos quatro jogos. Todas as acusações de roubo, todas as denúncias de anti-jogo, todas as desculpas de mau perdedor são, como disse Xavi, patéticas. Sou talvez capaz de entender as acusações que foram feitas há dois anos, em relação ao jogo de Stamford Bridge, porque houve de facto três lances mal assinalados, um dos quais a prejudicar o Barcelona (embora se esqueçam convenientemente da primeira mão, em que o escândalo foi tão ou mais grave que o desse jogo), mas não entendo o que se passou agora. Alertei, após os primeiros dois jogos, para a insustentabilidade do modelo apresentado por Mourinho. Dependia de muita coisa, nomeadamente da desinspiração catalã e da leviandade dos árbitros. Assim que um árbitro teve coragem de proteger quem se preocupa apenas em jogar futebol, o Real ficou reduzido a dez. Mourinho queixou-se da arbitragem, mas a responsabilidade do sucedido foi sua. Pepe é bem expulso, ainda que, não sei bem com que audácia, se diga que não tocou no adversário, mas só o risco em que o Real estava a jogar há quase trezentos minutos anunciava a probabilidade de tal desfecho. Pepe foi expulso nessa altura, sim, mas Xabi Alonso, Khedira, Arbeloa, Marcelo, e o próprio Pepe mereciam ter sido expulsos bem antes, noutros jogos, até. Queixar-se o Real do que quer que seja, quando em quatro jogos conseguiu apenas uma boa primeira parte, no jogo da Taça, ficando sucessivamente à mercê do futebol do Barcelona no tempo restante, é má-fé. O Real perdeu bem, mereceu perder e a única injustiça foi não ter sofrido perdas mais categóricas. Aliás, após os quatro jogos, Mourinho deveria dar graças pela conquista de um troféu, pois só com muito boa vontade alguém com juízo pode aceitar que tenha feito o suficiente sequer para merecê-lo.
1. Veja-se o que diz Miguel Lourenço Pereira, xenófobo radical, acerca das acusações de racismo que chocaram o futebol francês. Em larga medida, Miguel Lourenço Pereira representa a grande maioria dos tipos de pessoas que referi acima, e tudo à volta de um só umbigo, o que é extraordinário. Não só é hipócrita por atacar um tipo de comportamento que em tantas outras ocasiões o fascina, como constrói um texto em que omite informações (omite, por exemplo, as explicações de Laurent Blanc, o que tornaria muito mais compreensível a posição do técnico francês) para favorecer a sua intenção denunciadora. Por outras palavras, inventa a notícia. E depois disto ainda passa o texto todo a falar de moralidade. Haja lata! Bom, em primeiro lugar, como este espaço gosta de ensinar as pessoas, se Miguel Lourenço Pereira queria denunciar a falta de moral dos franceses, deveria ter usado o substantivo "imoralidade" e não "amoralidade", que significa outra coisa. Um bom dicionário talvez seja a prenda de Natal indicada a oferecer a esta pessoa. Embora o português não seja o forte deste sujeito, não é o pior dos seus males. Muito sucintamente, condena Miguel Lourenço Pereira aquilo que acha ser uma medida racista, que visa quantificar o acesso de miúdos não-nativos a escolas de formação em França, ignorando a explicação alternativa; condena, por definição, o modelo teórico do sistema de quotas, ignorando talvez o quão intimamente democrático esse tipo de sistema pode ser; e condena, por fim, uma sociedade francesa que, embora não me pareça que conheça, apelida de racista. Tenho a vantagem, em relação a Miguel Lourenço Pereira, de não ser hipócrita. Isso faz com que seja capaz de perceber melhor a lógica do assunto. O problema não era de natureza rácica, como podia parecer, mas futebolística. O que estava em jogo não era a diversidade étnica nos escalões de formação, mas a ausência específica de jogadores que se possam distinguir pela técnica e pela capacidade de drible. O problema, nomeadamente em relação aos miúdos de ascendência africana, é que atingem uma maturação física precoce, quando comparados com outros miúdos, o que os deixa em vantagem num processo de selecção não regularizado. A introdução de quotas visaria assim suportar essa "injustiça" e assegurar que o potencial é o principal critério a privilegiar. Pode-se discutir, evidentemente, a aplicação prática de um sistema deste género, pelo tipo de injustiças e discriminação que pode possibilitar, mas a ideia, em termos teóricos, além de profundamente democrática, é futebolísticamente sensata. A formação, em futebol, deve ter em conta uma única coisa: o talento. E a selecção do talento, por não ser um atributo tão visível quanto isso, deve ser impermeável às restantes características dos atletas, características que muitas vezes, em determinadas idades, os favorecem "injustamente". Não conhecendo a fundo a realidade francesa, arriscaria ainda assim a dizer que, num país com tanta diversidade social e cultural, a não-introdução de um sistema de quotas é que é uma injustiça. Havendo tanta diversidade, são os pequenos, os menos dotados atleticamente, mas talvez os que escondem melhores talentos, quem certamente saem mais prejudicados. E isso é, diria eu, bem mais discriminatório do que o contrário.
2. Aimar desmentiu as alegadas agressões de que teria sido vítima, por parte de um adepto encarnado, e explicou que a desavença teve origem na acusação de que ele só passaria a bola a Saviola. Mais do que insólito, o caso demonstra a inequívoca estupidez do adepto comum, que é hipócrita por definição. É que este adepto, caso os resultados tivessem sido diferentes, estaria agora a beijar os pés de Aimar, mesmo que tivesse passado o campeonato inteiro a passar a bola a Saviola. Mais do que a hipocrisia, porém, interessa-me falar daquilo que há de estúpido na situação. Aimar afirmou que disse a tal adepto que não percebia nada de futebol. E disse bem. Aliás, devo confessar, é a melhor resposta possível que um jogador pode dar a uma crítica deste género. Os adeptos são, na sua essência, gente estúpida e alertá-los para isso parece-me mais honesto do que tentar explicar-lhes o que evidentemente não podem perceber. Ao contrário , no entanto, do que seria talvez de esperar, o argumento com que quero sustentar esta posição não é o mais consensual. Esta pessoa não percebe nada de futebol, mas não por as bases da acusação serem falsas, não por se ter equivocado quanto à questão de Aimar passar muitas vezes a bola a Saviola, mas por achar que isso é censurável. Aliás, a verdadeira crítica a fazer seria acusá-lo de não passar a bola vezes suficientes ao colega argentino. É que, se ao longo destas duas épocas, o futebol do Benfica conseguiu alguma vez ser imprevisível e diversificado, isso deveu-se ao entendimento entre Aimar e Saviola. O futebol do Benfica peca é por não promover mais situações em que possam jogar entre os dois, é por não promover a tabela curta a que os dois dão expressão, é por não promover o entendimento e o pensamento gémeo que os dois tão bem revelam. Aimar e Saviola foram os únicos que contrariaram a febre da velocidade a que o modelo de Jesus prestou vassalagem, foram os únicos a oferecer alternativas a uma ideia de jogo geral, perante a qual o comum atleta não é capaz de adicionar nada de original. Aimar e Saviola não se limitaram à ideia geral: procuraram sempre, entre os dois, fazer algo de diferente, modificar as coordenadas do jogo. Nestes dois anos, nenhuma sociedade entre jogadores foi tão determinante dentro do plantel benfiquista como esta. Acusá-los do que quer que seja é não entender nada do que se passou dentro de campo.
3. Por fim, a questão mais badalada. No final dos quatro desafios que puseram frente a frente Barcelona e Real Madrid, Guardiola levou evidente vantagem. Noutras alturas, só num manicómio é que o mérito dos catalães poderia ser discutível. Como se trata de uma questão cara aos portugueses, como interessa aos pobres de espírito derrubar o monstro que é o Barcelona, como Mourinho montou o circo que montou, parece aceitável que se discuta o que quer que seja em relação ao conjunto dos quatro jogos. Todas as acusações de roubo, todas as denúncias de anti-jogo, todas as desculpas de mau perdedor são, como disse Xavi, patéticas. Sou talvez capaz de entender as acusações que foram feitas há dois anos, em relação ao jogo de Stamford Bridge, porque houve de facto três lances mal assinalados, um dos quais a prejudicar o Barcelona (embora se esqueçam convenientemente da primeira mão, em que o escândalo foi tão ou mais grave que o desse jogo), mas não entendo o que se passou agora. Alertei, após os primeiros dois jogos, para a insustentabilidade do modelo apresentado por Mourinho. Dependia de muita coisa, nomeadamente da desinspiração catalã e da leviandade dos árbitros. Assim que um árbitro teve coragem de proteger quem se preocupa apenas em jogar futebol, o Real ficou reduzido a dez. Mourinho queixou-se da arbitragem, mas a responsabilidade do sucedido foi sua. Pepe é bem expulso, ainda que, não sei bem com que audácia, se diga que não tocou no adversário, mas só o risco em que o Real estava a jogar há quase trezentos minutos anunciava a probabilidade de tal desfecho. Pepe foi expulso nessa altura, sim, mas Xabi Alonso, Khedira, Arbeloa, Marcelo, e o próprio Pepe mereciam ter sido expulsos bem antes, noutros jogos, até. Queixar-se o Real do que quer que seja, quando em quatro jogos conseguiu apenas uma boa primeira parte, no jogo da Taça, ficando sucessivamente à mercê do futebol do Barcelona no tempo restante, é má-fé. O Real perdeu bem, mereceu perder e a única injustiça foi não ter sofrido perdas mais categóricas. Aliás, após os quatro jogos, Mourinho deveria dar graças pela conquista de um troféu, pois só com muito boa vontade alguém com juízo pode aceitar que tenha feito o suficiente sequer para merecê-lo.