Aviso: este texto é só para gente honesta! Os desonestos podem guardar as discordâncias para si, pois elas serão fruto não do que aqui vai escrito, mas da desonestidade que possuem.
A história do jogo divide-se em 2 partes, antes e depois do minuto 57. Depois do minuto 57, a eliminatória estava resolvida, e não me parece justo explicar resultados quando a desconcentração de uns e a falta de pressão a que outros passam a estar sujeitos é evidente. Para gente honesta, explicar o jogo é explicar os primeiros 57 minutos. Nesses 57 minutos, quem foi superior? Para os desonestos, mas também para os que acham que explicar o jogo é reparar nos lances dos golos, o Real foi superior, porque marcou 2 golos. Eu discordo, primeiro porque sou honesto, e segundo porque tenho argumentos para provar quer a minha honestidade, quer a minha razão. Em que é que o Real foi superior? Defendeu razoavelmente bem, sim. E mais? Mais nada. Rigorosamente mais nada. Em 57 minutos, o Real teve um único lance de perigo, o do segundo golo. O primeiro golo nem sequer se pode dizer que seja um lance de golo e só um erro infantil de Piqué o permitiu; resulta de um pontapé ao longo da linha, com o Ronaldo a receber, completamente desapoiado, de costas para a baliza, e que era fácil de defender, caso Piqué assim o tivesse desejado. Bastava ter dado a linha a Ronaldo desde início, e de não ter provocado o um para um. Quanto ao Barcelona, pelo contrário, teve 4 ou 5 ocasiões muito boas para marcar, e não o conseguiu fazer. Se o tivesse feito, em qualquer um desses lances, alguém acha que o jogo tinha sido o mesmo? O lance que definiu o jogo foi, pois, o lance do segundo golo. Definiu-o e é a melhor ilustração possível do que foi a partida. Analisemo-lo.
FC Barcelona - Real Madrid 57' Gol Cristiano... por realmadridplay
4 são os momentos do lance: um toque de calcanhar de Xabi Alonso, ao calhas, que faz a bola seguir para Khedira; um alívio sem nexo de Khedira que põe a bola na frente de Di Maria; um drible desajeitado e lento de Di Maria na sequência do qual se isola, porque Puyol escorrega; defesa de Pinto precisamente na direcção de Ronaldo, que não teve dificuldades para finalizar. A jogada define-se em 4 momentos, e em nenhum deles se pode dizer que os jogadores do Real tiveram qualquer espécie de mérito. Alguém acha que qualquer um destes 4 momentos se treina? Que qualquer uma destas coisas resultam de aprendizagem? Pedro Henriques falou da qualidade do passe de Khedira. Qualidade? Passe? Haja paciência! O alemão nem faz um passe, nem olha para onde vai pôr a bola. Miguel Prates, por sua vez, gabou a "decisão genial" de Di Maria. Decisão? Genial? Podia alguém ser mais imbecil? A jogada acabou com a eliminatória, pois o Barcelona passava a precisar de marcar 3 golos, mas, mais do que isso, ilustrou o que foi a partida: uma equipa a jogar futebol (menos bem, é certo, do que nos habituou), a criar oportunidades de golo (lance de Pedro e Messi a abrir; Fabregas falha o remate já dentro da área, sem oposição, em zona frontal, depois de um cruzamento da direita; livre directo de Messi a centímetros do poste; remate de Busquets à entrada da área para defesa de Diego Lopez e recarga de Fabregas evitada in extremis por Varane, e isto depois de dois remates dentro da área, de Xavi e de Iniesta, que batem em Sergio Ramos; remate de Iniesta, após pontapé de canto, na zona de penalty que bate em Sergio Ramos) e outra sem conseguir incomodar significativamente o adversário, que resolve a eliminatória após um erro de um defesa que raramente erra e após um lance absolutamente fortuito. Pelo que foram estes 57 minutos, há alguém honesto que consiga dizer honestamente que o Real Madrid fez por merecer esta vitória?
P.S.: Nem tudo é mau para o Real Madrid. Varane é um defesa extraordinário. Não, certamente, por aquilo que as pessoas gostam nele: a velocidade, o jogo aéreo, a virilidade, etc.. É extraordinário porque, apesar de não ser excepcional com bola, consegue aliar índices de concentração altíssimos e uma maturidade acima da média, para a sua idade, a uma inteligência notável na forma como interpreta os lances defensivos. Há um lance, hoje, que o define, e que devia servir de lição a Piqué. É no início da segunda parte. Messi recupera uma bola, vira-se e fica apenas com Varane e Sergio Ramos pela frente. Vendo que a ajuda vem a caminho (vêm 3 jogadores do Real atrás de Messi), Varane oferece literalmente a sua direita, onde faltava Arbeloa, obrigando Messi a seguir para lá. A partir daí o lance está ganho. Messi só tem aquela solução e a Varane basta acompanhar, à devida distância, o argentino, sabendo ainda que tem a cobertura do outro central à sua esquerda, caso Messi ainda passasse por ele. Muito provavelmente, se em vez de Varane fosse Pepe ou Sergio Ramos, a opção teria sido forçar o um para um, ou, quando muito, esperar pela decisão de Messi. E teriam assim aumentado as hipóteses de Messi ser bem sucedido. Varane antecipou a decisão do argentino e deu-lhe o lado antes de ele poder fazer alguma coisa. É assim que se defende um lance de uma para um, quer se tenha apoio, quer não. Se Piqué o tivesse feito, no lance do penalty, se tivesse tomado a decisão antes de Ronaldo o enfrentar, dificilmente o lance terminaria como terminou. Como no lance de Messi, Ronaldo não tinha apoio, e só poderia fazer estragos se desequilibrasse no um para um. A Piqué bastava não provocar o um para um, oferecer o seu lado esquerdo ao português, conduzindo-o para a linha de fundo, que a jogada, provavelmente, terminaria sem perigo.
P.S.2.: Há quem veja em dois maus resultados seguidos sinais inequívocos de que a forma de jogar do Barça mudou. Esquecem-se é de que, ainda há 2 semanas, no Barnabéu, só não ganhou um jogo em que cilindrou o Real porque falhou uma quantidade absurda de golos; esquecem-se é de que estão a fazer um campeonato melhor, em termos de pontos e em termos de produção ofensiva, do que em qualquer ano de Guardiola. O problema destas pessoas é interpretarem a qualidade geral da equipa, que não é muito diferente do que era, de acordo com um ou outro jogo ou até, o que é mais grave, de acordo apenas com um ou outro pormenor de um ou outro jogo.