1. No primeiro lance, o pormenor menos importante é o choque com Malouda. A meu ver, não existe penalty, e não é por aí que o comportamento defensivo de Lúcio neste lance pode ser condenável. O problema é tudo o que antecede esse choque. Em primeiro lugar, o desrespeito táctico pela cobertura ao seu lateral, estando extremamente afastado de Maicon; depois, o facto de se encontrar uns bons metros abaixo do resto dos defesas, desrespeitando a linha defensiva do Inter. Maicon sobe para pressionar, num lance que se desenrola do seu lado, e Lúcio, responsável por manter a linha defensiva, naquele momento, unida, afunda-se no campo, separando-se do colega. Lúcio está demasiado baixo e demasiado longe do seu lateral, o que possibilita que haja tanto espaço no meio, espaço esse que Malouda aproveita para explorar, numa penetração interior que só não teve piores consequências porque não calhou.
2. No segundo lance, o espírito abnegado de Lúcio vem ao de cima. Num lance bem longe do seu raio de acção, sente-se na necessidade de ir ser ele a travá-lo. A bola vai para Ballack, que não encontra oposição, e Lúcio, ainda que apenas momentaneamente (ter-se-á arrependido depois), sai da sua posição para ir impedir o remate. O seu movimento faz com que praticamente ultrapasse Walter Samuel e que abra um buraco entre si e Maicon. Esse buraco acaba por não ser aproveitado pelo Chelsea, até porque Drogba acabou por ficar em posição irregular, mas não deixa de demonstrar, com alguma clareza, o tipo de comportamento defensivo aparvalhado de Lúcio.
3. Repare-se agora onde vai Lúcio pressionar no terceiro lance. Num lance de organização defensiva, numa zona extraordinariamente bem povoada, Lúcio não hesita em sair da sua posição para ir pressionar um jogador (Anelka), que até estava pressionado por um atleta do Inter. Resultado? Dois jogadores batidos e o Inter obrigado a reposicionar-se rapidamente sem necessidade. No caso, é Cambiasso quem dobra, e bem, o companheiro. Mas o Inter desposiciona-se sem necessidade nenhuma, o que permite ao Chelsea gozar de espaço suficiente para conseguir fazer a bola entrar em Malouda. Lúcio, uma vez mais, parecia um tontinho.
4. No quarto lance, Lúcio não respeita, uma vez mais, a linha defensiva. Repare-se que, dos quatro elementos, é aquele que parece que está no campo e não sabe bem o que tem de fazer. Hesita em subir, hesita em recuar, fica ali no meio, um pouco aluado. Os perigos deste tipo de comportamento podem não ser fáceis de perceber. Nem ficariam à vista se Drogba não tivesse cruzado para a área. Mas o que resulta daqui é que o posicionamento alto de Lúcio permite que Malouda entre nas suas costas, entre ele e Walter Samuel. O argentino, para evitar que Malouda ficasse em posição privilegiada para receber a bola atrás de Lúcio, tem de acorrer ao espaço deixado vago pelo colega, abrindo necessariamente um buraco entre si e o lateral esquerdo. É aí que Anelka entra e é aí que recebe à bola, à vontade. O comportamento displicente de Lúcio, uma vez mais, é a causa da desorganização defensiva momentânea do Inter e do espaço que os avançados do Chelsea acabam por auferir.
5. Para finalizar, uma má abordagem a um lance. A bola vem na direcção de Drogba, que tem Walter Samuel nas costas, e Lúcio decide interceptar a bola no ar, à frente de Drogba. Nenhum defesa deve tentar uma intercepção, se não tiver a certeza absoluta de que vai consegui-la. Ao falhar, deixou uma vez mais um buraco na sua zona, por onde entrou Lampard. Drogba conseguiu dominar a bola e conseguiu passá-la a Lampard. O médio do Chelsea só não conseguiu finalizar porque Walter Samuel saiu bem da marcação e acorreu prontamente, impedindo o remate. O que fica, porém, na retina, é a forma absolutamente desconcentrada com que Lúcio leu este lance, arriscando uma intercepção difícil que não era, de modo nenhum necessária, estando a equipa bem arrumada defensivamente.
Antes de terminar, gostaria ainda de fazer referência a uma ideia que parece consensual e com a qual não concordo. Lúcio, é verdade, é um central rápido. Mas rapidez, por si só, não é argumento suficiente para justificar que seja um defesa competente a jogar alto. Ao contrário do que é comum afirmar, não creio que Lúcio seja bom para jogar num bloco alto e acredito até que Mourinho percebeu isso mesmo ao fim de algum tempo a treinar com o atleta. Tê-lo-á contratado com a ilusão de que serviria para pôr a equipa a jogar alto, mas terá percebido que isso lhe traria problemas. E os problemas surgiriam essencialmente de dois defeitos nesta ideia. Lúcio é rápido, mas não é ágil; é rápido depois de embalar, mas não o é no arranque. Para jogar alto, mais do que velocidade, é necessário aceleração, capacidade para mudar de direcção e de velocidade rapidamente, capacidade para reagir a mudanças do centro de jogo, jogo de rins, etc.. Lúcio não tem nada disto. É rápido, mas perde muito tempo a virar-se e a equilibrar-se. Neste particular, é muito diferente, por exemplo, de Pepe ou David Luiz. Além deste pormenor, há outro problema que me parece não poder deixar de afectar uma defesa constantemente subida no campo: o posicionamento. Sendo Lúcio tão errático em termos posicionais e tão desconcentrado, jogar tão subido tornaria ainda mais visíveis tais defeitos. Jogando num bloco baixo, qualquer central com problemas de posicionamento fica mais protegido e terá sido isso, eventualmente, que Mourinho percebeu. Discordo, por isso, de que Lúcio permite à equipa em que joga que esta jogue mais alta. Acho, aliás, que ele pode ser especialmente útil em blocos mais baixos, pela imponência física, pela capacidade para disputar lances aéreos e pela capacidade de luta que demonstra, muito mais relevante quando há pouco espaço para jogar.