domingo, 28 de fevereiro de 2010

A Jogada que define Liedson

Ganhar o ressalto, ganhar outro ressalto, voltar a ganhar um ressalto e ganhar um último ressalto. Depois, fechar os olhos e chutar em frente. Eis, em duas frases, a jogada que melhor define o avançado do Sporting.



Há quem ache que ele é recompensado por aquilo que luta, pela forma felina como se mexe e pela sua frieza a finalizar. A verdade é que nada disso é bem assim. É um avançado que tem muita sorte na forma como as bolas acabam por sobrar para si. Uma quantidade considerável dos golos que marca são obtidos após ressaltos caprichosos, infantilidades dos defesas, sorte, etc. Este lance demonstra na perfeição aquilo que Liedson é. Ganha 4 ressaltos - sim, 4! - na mesma jogada e, aos trambolhões, acaba por ficar em posição de finalizar. Depois, como é hábito, dá-lhe com força conforme ela está, porventura tentando trespassar o guarda-redes. Falhou, como é óbvio, como tantas vezes acontece, embora achem que ele falha pouco.

Liedson é isto. Um avançado que, sem saber como nem porquê, consegue ficar isolado em posição privilegiada para finalizar. Depois, nessa posição, é um avançado displicente. Raramente escolhe um lado com convicção. Por norma, dispara para onde está virado, não procurando desviar do guarda-redes. Isto não é um bom finalizador. É um avançado que tem muita sorte e que fica muitas vezes em posição de facturar. Tantas são as vezes que, mesmo não sendo um bom finalizador, acaba por fazer alguns golos. Os suficientes para continuar a enganar meio mundo.

P.S. Aqueles que vierem defender a extremamente parva teoria de que os ressaltos que ganha são fruto da sua atitude em campo e não apenas da sorte podem ficar desde já avisados que serão tratados como mentecaptos.

P.S. II - Um dos comentadores residentes do desafio tentou defender várias vezes, ao longo do jogo, a tese de que o Porto perdeu porque não teve a mesma agressividade que o Sporting. Há de certeza ursos pardos que têm capacidades intelectuais superiores a esse senhor. Terão, certamente, as suficientes para perceber que a agressividade foi o menor dos problemas do Porto.

P.S. III - Ainda bem que andava tudo maluco com os jogos recentes do Porto e com a qualidade de jogo da equipa apresentada frente ao Braga. É como dissémos atempadamente: a goleada em Braga não espelhou um jogo muito conseguido do Porto, e as lacunas da equipa, de novo com Raúl Meireles em campo, iriam ficar brevemente à vista de todos. Francamente, o resultado em Alvalade não me espanta. O Porto não foi inferior ao que tinha sido frente ao Braga. Foi, como já antes tinha sido, totalmente incapaz de controlar o jogo através da posse e, não conseguindo impor o seu jogo de transições, não teve mais nada. Quão diferente está este Porto daquele que goleou este mesmo Sporting para a Taça de Portugal...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Lições de Mestre (2)

A jornada tinha, por jogo grande, a recepção do Porto ao Braga. Maior parte dos iluminados não conseguiu perceber que o resultado esteve muito longe de expressar uma supremacia do Porto e que o Porto foi, essencialmente, uma equipa eficaz a aproveitar os espaços em transição. À margem disto, voltou a ser um Porto pouco imaginativo, pouco capaz em organização ofensiva, excessivamente vertical, com os dois médios, Rúben Micael e Raúl Meireles muito precipitados, a tornar o jogo sistematicamente numa vertigem de velocidade. Resultou, é certo, mas porque o Braga não esteve bem onde era importante estar contra este Porto. Duvido seriamente, porém, que isto não seja o primeiro capítulo do afundamento deste Porto. Desde que Belluschi saiu da equipa, o Porto voltou a ser uma formação demasiado preocupada com a velocidade e, contra adversários fechados lá atrás, que optem por blocos baixos, voltará a sentir dificuldades.

Não é, contudo, sobre este jogo que pretendo falar. A análise ao mesmo está no nosso artigo desta semana no Academia de Talentos. Pretendo antes recuperar o lance do primeiro golo do Benfica frente à União de Leiria, num jogo disputado há já algumas semanas, mas correspondente a esta jornada. O lance é genial e merece, por isso, a inclusão nesta rubrica. A tabela entre Saviola e Aimar parece simples, mas não é. Quantos jogadores, na mesma situação, fariam o mesmo? Com um simples toque, Saviola e Aimar ultrapassaram 4 defesas e o cruzamento para Cardozo tornou-se possível. É isto que uma simples tabela permite. Nenhum lance individual, nenhum talento requintado, nenhuma invenção sobre-humana seria capaz de tornar uma jogada aparentemente inofensiva num lance iminente de golo. Saviola e Aimar, em pezinhos de lã, com um movimento aparentemente simples, conseguiram-no. Eis o que, no futebol actual, faz dos processos ofensivos algo mais do que a soma da inspiração de cada jogador.



Há quem ache que, no que diz respeito a processos ofensivos, os treinadores têm responsabilidade essencialmente na transição defesa-ataque e nas primeiras fases de construção. Segundo esta teoria, no último terço do terreno, com o adversário organizado defensivamente, prevalece sobretudo o talento individual, a inspiração, a qualidade de cada jogador da equipa. E, segundo ainda esta teoria, a definição dos processos ofensivos no último terço do terreno não é treinável. Se não bastasse, para contradizer esta teoria, o modelo de Guardiola, eis que dois pequenos argentinos, com um passo de tango, a destroem por completo. Entre vários adversários, Saviola procurou Aimar não porque o seu talento o impeliu nessa direcção, mas porque percebeu que, combinando com o colega, se desembaraçaria muito mais facilmente da situação em que estava. Que isto aconteça mais frequentemente entre estes dois jogadores é explicado pelo facto de ambos terem mais consciência daquilo que isso lhes permite. Mas o movimento é colectivo e pode ser replicado por outros jogadores. Assenta essencialmente na ideia de que, fazendo a bola circular rapidamente entre dois ou três companheiros, o adversário tem menos possibilidades de inviabilizar o lance, e ainda em coisas como movimentos de aproximação, em apoios constantes, em passe e devolução, etc. O que Saviola e Aimar fizeram foi genial e é a prova de que, em organização ofensiva, mesmo com pouco espaço para jogar, o futebol deve ser essencialmente colectivo e que há mais probabilidades de êxito sempre que se procura resolver as coisas colectivamente, isto é, fazendo participar mais do que um elemento da equipa, do que recorrendo às individualidades. O envolvimento colectivo oferece possibilidades ofensivas que a soma das individualidades jamais oferecerá. Esta é a lição de Saviola e Aimar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O que é um Avançado?

O texto que se segue tem por objectivo esclarecer aquilo que é ou deve ser um avançado. Serão postuladas algumas teorias e denunciadas algumas falácias típicas. O texto estará dividido por secções, mas todo ele será atravessado pela tentativa de resposta à pergunta "O que é um avançado?"

Um Avançado Não serve para fazer Golos


A resposta à pergunta pode parecer intuitiva, mas estou certo de que pouca gente saberá, com exactidão, a relevância específica da posição. A teoria mais convencional consiste em afirmar que um avançado é ou deve ser o responsável pela conclusão dos lances de ataque da sua equipa. Essa teoria não só não faz sentido como também põe a nu as fracas competências analíticas de quem quer que a defenda. Segundo esta doutrina, um avançado serve para marcar golos, como se os golos - esse acontecimento tão especial e único - não devessem ser antes um objectivo geral da equipa. Os defensores desta teoria jamais se podem livrar da terrível concepção de que os jogadores de uma equipa têm funções específicas em campo. Ainda assim, há quem queira defender as duas coisas, não percebendo a incoerência do que defendem. Se um avançado serve para fazer golos, então um médio serve para construir jogadas de ataque, um defesa serve para defender e um médio-ala serve para ir à linha cruzar. Isto é rudimentar e está de tal modo ultrapassado que só um amigo de Jaime Pacheco pode defendê-lo e ainda assim achar que está certo. Mesmo assim, há quem ache que os jogadores não devem ter funções, mas que depois ceda à tentação de classificar um avançado pelos golos que marca. Além de incoerente, este é um comportamento estúpido.

Um avançado não só não serve para marcar golos como não pode, de maneira nenhuma, ser avaliado segundo a competência que denota nesse capítulo. Tudo porque as coisas têm de ser contextualizadas. Por exemplo, um avançado pode marcar muitos golos porque simplesmente não se preocupa com mais nada. Isto não faz nem pode fazer dele um jogador extraordinário. Do mesmo modo, um avançado pode fazer poucos golos porque passa maior parte do tempo a procurar servir a sua equipa de outra maneira. O seu registo pouco impressionante não pode, também, servir para caracterizar a sua qualidade geral. Um avançado que não marca golos pode ser o jogador mais influente da sua equipa. Tudo depende do seu desempenho geral e não de dois ou três lances numa partida. Aqueles que não são capazes de perceber isto devem interromper a leitura imediatamente. Certos saberes não podem ser adquiridos por toda a gente.

Saviola: o melhor Avançado da Liga Portuguesa

Falemos agora um pouco mais concretamente. Actualmente, poucos se atreverão, certamente, a dizer que Saviola não é o melhor avançado desta Liga. Falarão até, muito provavelmente, nas coisas certas, nos movimentos sem bola, na capacidade técnica, no improviso, na inteligência, na capacidade para se movimentar entre linhas e para tabelar com os companheiros. Tenho, porém, sérias dúvidas de que existisse tamanho consenso caso Saviola não tivesse marcado já bastantes golos, embora continuasse a ser extraordinário em tudo aquilo que se lhe reconhece. Por aqui, desde muito cedo que afirmámos que o avançado argentino era o melhor da Liga, numa altura em que Cardozo e Falcao se destacavam na liderança dos melhores marcadores e ele tinha ainda, apenas, dois golos obtidos. Não precisámos que Saviola marcasse a quantidade de golos que já marcou para lhe outorgarmos esse estatuto e continuaríamos a defender esta posição mesmo que o argentino continuasse sem marcar golos. Aquilo que Saviola faz em campo é tão extraordinário que, mesmo retirando os golos que tem marcado, não há ninguém ao seu nível. Saviola é avançado e não é pelos golos que marca que é o melhor avançado da Liga. Se, por azar, não tivesse nenhum golo obtido, continuaria a sê-lo.

Aquilo de que duvido é que a maioria das pessoas que reconhece valor ao argentino consiga ser isenta ao ponto de defender o mesmo nas circunstâncias em que apresentei, ou seja, no caso de ele não ter qualquer golo marcado. O que estou a dizer é que, consciente ou inconscientemente, maior parte das pessoas faz depender o valor que reconhecem em Saviola não de tudo o resto que falei mas dos golos que marca. Sem os golos, não teriam focado a atenção no argentino e não teriam reparado em tudo o resto e na relevância de tudo o resto. Isto não faz sentido. No fundo, é dizer que Saviola vale por tudo aquilo que foi referido, mas ter usado a bitola dos golos para lhe avaliar a competência. Estou certo que há pouquíssimas pessoas que entendem realmente o que é um avançado. Aquilo que vou fazer de seguida é tentar definir, com o grau de precisão que for possível, aquilo que deve ser um avançado.

Requisitos de um Bom Avançado

A única diferença entre um avançado e um defesa, ou entre um avançado e outro jogador qualquer, é a posição relativa em que joga. Por posição relativa entendo o posicionamento em campo em função dos restantes companheiros. Um avançado é, portanto, por definição, um jogador que joga numa posição mais avançada, em relação aos colegas. Isto em teoria, porque na prática, dependendo das situações do jogo, o seu posicionamento pode oscilar. Muita gente acha que, por ser o jogador que, teoricamente, joga mais avançado, deve ser aquele que deve ter por missão fazer golos, uma vez que está mais perto da baliza do que qualquer outro colega. Isso é, contudo, uma forma simplista de ver o jogo. O futebol é tudo menos um jogo simples e um avançado tem mais para fazer em campo do que ser o elemento mais avançado de uma equipa. O futebol, jogado como um todo, não pode estar refém de jogadores com funções específicas; uma equipa, para fazer golos, não pode estar refém do seu atleta mais adiantado. Tem de ser capaz de tornar complexo o seu jogar a ponto de ser absolutamente indiferente quem faz ou não faz os golos.

Um avançado serve para tudo o que outro jogador qualquer serve. Acontece, porém, que o estar numa determinada posição relativa em campo faz com que participe mais vezes numas situações e menos noutras. Deste modo, um avançado estará muito menos vezes de frente para a baliza adversária do que um defesa, pelo simples facto de que, na maior parte do tempo, o jogo está a ocorrer atrás de si. Assim, jogará muito mais vezes de costas para a baliza adversária e será quase sempre de costas para a baliza que será solicitado. Um avançado que se preze, numa equipa que jogue ao ataque, tem portanto de ser competente na maior parte das vezes em que é solicitado. Se maior parte das vezes em que é solicitado está de costas para a baliza e com adversários à ilharga, tanto mais competente será o avançado quanto melhor for a jogar de costas para a baliza, a servir de apoio vertical, a baixar no terreno para tabelar, sem se virar para o jogo. Ao avançado não se pede que seja capaz de ter uma visão periférica porque na maior parte das vezes deve estar preocupado, isso sim, em movimentos de aproximação, em perceber onde estão os colegas mais próximos e em proteger a bola. Ora bem, um bom avançado não é, portanto, um avançado que faça muitos golos. Quem pensar isto, está equivocado. Um bom avançado é alguém capaz de servir de apoio vertical, capaz de baixar no terreno para tabelar, capaz de proteger a bola, capaz de encontrar com celeridade um companheiro perto de si. Um avançado que recebe a bola de costas para a baliza e que a perde invariavelmente, que se vira mais vezes para o adversário do que procura jogar de frente, que não é capaz de encontrar soluções de passe com rapidez e que não sabe a importância de proteger uma bola, é um mau avançado pelo simples facto de, na maioria das situações, ser incompetente.

Numa equipa que joga ao ataque, as competências mais importantes num avançado são estas. A razão é simples e tem a ver com a quantidade de vezes em que as solicitações exigem essas competências. Naturalmente, um avançado não é só solicitado desta forma. Mas uma vez que esta é a forma geral em que mais vezes é solicitado, é um contrassenso imaginar que um avançado que não seja competente nesse aspecto possa ser um grande avançado. Um avançado que - imaginemos - é incompetente em 80% das situações em que é solicitado não pode nunca, por melhor que seja nos outros 20%, ser um grande avançado. Ainda assim, é talvez importante referir de que outras formas pode um avançado ser solicitado e de que outras formas pode ser competente. Sem bola, pode ser útil na forma como se movimenta de modo a arrastar marcações ou a desviar atenções, a esticar a equipa adversária ou a fazer diagonais para permitir linhas de passe aos colegas. Pode ainda ser solicitado através de cruzamentos e pode ser mais ou menos competente a atacar zonas de finalização. Há, no entanto, uma pequena ressalva a fazer em relação a isto.

O Melhor tipo de Avançado

Muita gente não percebe isto, mas penso que é algo que só a muito custo pode ser negado. Muitos dos avançados que passam maior parte do tempo preocupados em movimentos de aproximação, em servir de apoio vertical, em baixar para tabelar com um colega, não têm depois tempo para acorrerem ao cruzamento que toda a sua participação anterior tornou possível. Muitas vezes, quando um avançado baixa para que a equipa consiga desbloquear uma situação no meio-campo e a jogada prossegue e exige uma finalização, o avançado que antes baixara no terreno e possibilitou todo o desenho subsequente não é capaz de chegar à área em condições de atacar as melhores zonas de finalização. Isto é assim por definição. Como tal, é natural que um jogador que não tenha as preocupações anteriores, que não baixe no terreno e se mantenha bem posicionado e concentrado unicamente no ataque das zonas de finalização, seja capaz de marcar mais golos. O que é importante, porém, perceber, é o que é mais útil para a equipa: contar com um avançado que marque mais golos ou contar com um avançado que participa melhor na manobra ofensiva da equipa. Eu não tenho quaisquer dúvidas. Um avançado que esteja preocupado apenas em marcar golos, por mais competente que seja nesse aspecto, faz com que a equipa esteja permanentemente coxa, a jogar com um elemento que não se dá a mostrar, que não procura ser solicitado senão para finalizar.

Isto não é apenas uma questão de preferência. Não é só o facto de preferir um tipo de avançado em detrimento de outro. Trata-se de perceber que um tipo é melhor que o outro porque permite mais coisas à equipa do que o outro. Um avançado não serve para marcar golos e um avançado que só seja competente a marcar golos é um mau avançado. Ponto final. Pode ser melhor que um avançado que também só seja competente a marcar golos, embora não tão competente, mas é sempre inferior a um avançado que seja competente no resto, ainda que não seja tão competente a marcar golos ou, simplesmente, que a sua competência de goleador seja afectada pelo facto de estar mais interessado em outras competências.

Ibrahimovic e a Ausência de relação causal entre Eficácia Colectiva e Avançados Goleadores

Não há, talvez, melhor exemplo para demonstrar a razão do que digo que o do melhor avançado do mundo. Na melhor equipa do mundo, o melhor avançado do mundo, Zlatan Ibrahimovic, não marcava há 2 meses e meio. Voltou a marcar esta semana. Repito: não marcava há 2 meses e meio! E é o melhor do mundo. E joga na melhor equipa do mundo. E o que é extraordinário é que o jejum de golos do sueco coincidiu com o melhor período do Barcelona esta época. Neste período, o Barcelona ganhou praticamente todos os jogos, goleou mais vezes do que o tinha feito até aqui e jogou muito bem. Mais extraordinário ainda é que Ibrahimovic foi quase sempre dos melhores em campo. Esteve excelente na forma como contribuiu para o jogo de posse da equipa e foi, sem dúvidas, dos principais responsáveis pelo esmagador caudal ofensivo apresentado. O Barcelona não precisou que Ibrahimovic fizesse golos para vencer e para jogar bem; precisou, isso sim, que Ibrahimovic contribuísse para a competência ofensiva da equipa, para que a equipa, enquanto equipa, fosse capaz de atacar bem e de criar situações de golo. Durante este período, Ibrahimovic não marcou golos, mas o futebol do Barça melhorou. Para quem esteve atento, as razões são simples. Ibrahimovic esteve excelente nos movimentos de aproximação, no abaixamento no terreno para funcionar como apoio vertical, nas tabelas. Com isto, o futebol atacante do Barcelona fluiu exemplarmente e a equipa conseguiu ser mais acutilante. Em termos individuais, este tipo de coisas talvez tenham prejudicado o pecúlio do sueco, pois acabou por sair das zonas de finalização mais vezes, mas a equipa agradeceu. Um grande avançado, como o é Zlatan Ibrahimovic, é por isso muito mais alguém que propicia tais coisas à equipa do que alguém que faz muitos golos. O Barcelona - repito - esteve imparável, e Ibrahimovic, o único avançado da equipa, não marcou golos. É até irónico que, precisamente no dia em que voltou a marcar golos, o Barça tenha sido finalmente parado no campeonato. Nada poderia ser mais conclusivo: não existe qualquer relação causal entre um avançado que marca muitos golos e uma equipa eficaz. Uma boa equipa, que pratique um bom futebol, não necessita de ninguém em específico que marque muitos golos. Pensar o contrário trata-se de uma falácia absurda que os tempos modernos e o advento de modelos de jogo sofisticados como o de Guardiola ou - por que não dizê-lo? - o de Mourinho, nos seus primeiros anos, já deveriam ter erradicado.

Postiga, Liedson e a Irrelevância de um Avançado que faça golos

O que aconselho, por isso, às pessoas que continuam a achar que um avançado serve para fazer golos é que parem de dizer asneiras. Um avançado é muito mais do que alguém que faz golos e mesmo um avançado que não marque um único golo, numa prova inteira, pode ser um avançado muito importante na manobra da equipa. Para quem não consegue ver mais do que golos, para os cegos que seguem cegamente o fenónemo futebolístico, Hélder Postiga, que não marca há não sei quanto tempo, é um mau avançado. Além de isto ser francamente estúpido, porque ignora que, noutras alturas, Postiga já fez bastantes golos, é uma forma simples de avaliar um atleta. Não conseguem perceber o quanto o futebol do Sporting ganha com um avançado que faz o tipo de coisas que Postiga faz e, como não marca golos, apressam-se a injuriá-lo. A mais mordaz das respostas a este tipo de palermice está bem à vista de todos. Apesar de haver ainda quem o queira ignorar, é um facto indesmentível que o futebol do Sporting, desde que Postiga foi afastado, perdeu muita qualidade. Em Janeiro, quando, por sorte, Liedson esteve parado, o Sporting apresentou invariavelmente Postiga e Saleiro na frente de ataque. O que a equipa ganha com este tipo de jogadores foi aqui, atempadamente, anunciado: melhor circulação de bola, apoios verticais constantes, capacidade para segurar e entregar de frente, aproveitamento do espaço entre linhas. No último terço do terreno, o Sporting tinha jogadores que eram capazes de dar continuidade à troca de bola da equipa, jogadores capazes de propiciar mais soluções de passe e capazes de tabelar com os colegas. É inegável, para quem viu o Sporting jogar nessa altura, que a equipa tenha melhorado significativamente de qualidade. Na altura, referimos a presença destes dois avançados como a principal das causas para a melhoria que se registou. Além de a qualidade ter melhorado em relação ao passado e de a equipa ter apresentado um futebol como já não apresentava há já cerca de dois anos, o Sporting venceu também todos os jogos, entre eles um desafio frente ao Braga. Desde que Liedson regressou, o Sporting soma 1 empate e 5 derrotas, entre elas duas humilhantes goleadas ante os rivais. Nada poderia ser mais conclusivo, de novo. Junte-se a isto o regresso à ausência de ideias, a esterilidade dos processos ofensivos e a má qualidade, em termos gerais, do futebol praticado. O que mudou foi que o Sporting deixou de ter na frente, entre os defesas, um jogador capaz de dar continuidade ao processo ofensivo e passou a ter um jogador que raramente consegue dar continuidade ao que quer que seja e que só é útil no último toque. Com isto, o Sporting passou a jogar pior. Passou a não conseguir entrar no último terço do terreno com a bola controlada, como o fazia com Postiga; passou a perder mais bolas quando tinha de a trocar em espaços mais reduzidos; passou a viver mais do acaso e do improviso. Sugeriu-se, na altura, que a melhoria do mês de Janeiro tinha a ver com os adversários que o Sporting tinha encontrado, com a chegada de João Pereira e até com a mecanização das ideias de Carvalhal. Nada disto é verdade. O Sporting voltou a perder com o Braga e já encontrou adversários acessíveis aos quais não conseguiu ganhar, João Pereira manteve-se na equipa e as ideias de Carvalhal não deixaram de estar mecanizadas de um momento para o outro. O que mudou foi que o avançado que agora joga é completamente diferente do anterior e é alguém que não permite o mesmo tipo de coisas que o anterior. Sem Postiga, o Sporting é menos competente ofensivamente, joga pior, tem menos capacidade para ter a bola e torna-se uma equipa mais frágil. Não há como não reconhecer isto. Pode ganhar um avançado que faz alguns golos, mas perde capacidade de construir jogadas para golo. Pouco interessa que Liedson faça muitos golos se, com ele, a equipa é mais fraca. Postiga poderia nunca mais marcar golos na vida. Desde que continuasse a ter a influência que tem na manobra ofensiva da equipa, o Sporting seria sempre melhor com ele do que com Liedson.

A Mentalidade

Há quem ache ainda que, sobretudo num avançado, não fazer golos implica uma perda de confiança que afecta o seu desempenho geral. Isto não é verdade, como o comprova o exemplo de Ibrahimovic. Sobre a importância da mentalidade num jogador de futebol falarei brevemente. Para já, queria concentrar-me nesta ideia, que não faz sentido nenhum. Um avançado que valha pelos golos pode, de facto, sentir-se afectado se fica muito tempo sem marcar golos. Com o tempo, a ansiedade de voltar a marcar pode ser um factor emocional negativo, na hora de atirar à baliza. Mas achar que a ansiedade de não marcar golos implica um desempenho geral negativo é ridícula. O jogador pode sentir ansiedade quando confrontado com uma situação de finalização, mas dificilmente isso prejudicará o resto do seu jogo se tiver consciência de que, no resto, as coisas lhe têm saído bem. Basta olhar para os casos de Postiga e de Ibrahimovic. Talvez tenham denotado alguma ansiedade na hora de finalizar - sobretudo Postiga - mas continuaram excelentes em tudo o resto. A razão é simples. Ambos percebem a importância do resto das suas acções e não misturam as coisas. Aliás, estou plenamente convencido de que a reacção de Postiga ao facto de não marcar golos há tanto tempo passa por uma tentativa de se concentrar ainda mais naquilo em que é mesmo bom e que pode controlar, a sua inteligência, a sua capacidade para tabelar, para encontrar rapidamente soluções de passe, para jogar de costas para a baliza. Um jogador como Postiga, que sabe que é bom em determinadas acções e que não tem tido a felicidade de marcar, reage tentando estar mais concentrado naquilo em que se sente mais confortável. Talvez também por isso, por estar tão concentrado e preocupado com outras coisas, esteja tantas vezes longe das zonas de finalização. Postiga, ao contrário do que se pensa, não é mentalmente fraco. Se o fosse, todo o seu jogo se teria ressentido. Isso não aconteceu. Postiga tem reagido mentalmente bem, tal como Ibrahimovic o fez durante este período.

Uma coisa que demonstra que esta teoria não está certa é o facto de Postiga praticamente não usufruir de oportunidades de golo. É verdade que, as que teve, não conseguiu aproveitar. Mas não é um avançado que usufrua de muitas. Significa isto que Postiga não se mexe bem dentro da área? Não. Mexe-se bem. O problema é que não está tantas vezes em posição de atacar convenientemente as zonas de finalização porque passa mais tempo preocupado com outras coisas. A ausência de golos não provoca um abaixamento da confiança do jogador, como se pensa. Provoca, isso sim, que o jogador procure melhorar naquilo em que sabe que é bom, de modo a compensar a ausência de golos. Ao fazê-lo, acaba por, consequentemente, ter ainda menos oportunidades para marcar golos. Isto funciona sempre assim, em grandes avançados, em avançados com uma personalidade forte como Postiga. Funcionou assim com Ibrahimovic, também. Esta questão da mentalidade, portanto, é mais uma falácia que não tem qualquer fundamento.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Os erros de Clichy

O Arsenal perdeu este fim-de-semana em casa com o Manchester United e terá dado um passo atrás na luta pelo título inglês. Reiterando uma vez mais o que dissemos em relação a outros deslizes nesta época, o Arsenal não foi de maneira nenhuma inferior ao seu adversário e as causas da derrota são muito mais individuais do que propriamente colectivas. Vou ser sincero. Se estivesse na pele de Wenger, tenho impressão que entrava em campo após o terceiro golo, pegava no Clichy por uma orelha e conduzia-o ao balneário. Depois, na segunda-feira, arranjava maneira de lhe pagar a indemnização devida e dispensava-o. Era capaz também de lhe dizer que era demasiado burro para jogar futebol. Clichy já fora o principal responsável pela derrota frente ao Manchester City, na primeira volta, mas desta vez superou todas as expectativas. Ter responsabilidades directas nos três golos do Manchester United é obra. Vamos aos lances.



No primeiro golo, destaque mais que evidente para o trabalho notável de Nani e para a parvoíce de Almunia, outro que não tem qualidade suficiente para um clube com as ambições do Arsenal. Há, no entanto, no início do lance, um posicionamento defeituoso que permite a Nani aquela brincadeira. Clichy, tendo ajuda de um colega, preocupa-se mais em evitar que Nani chegue à linha do que em fechar o meio. O resultado é o mais óbvio, quando do outro lado está alguém com a habilidade do português. O que Clichy deveria ter feito era dar um passo atrás, assegurando que o espaço entre si e o colega era impenetrável. Com isso, obrigaria Nani a ir para a linha e, nessa altura, poderia fechar e tentar evitar o cruzamento. Ao ignorar isto, posiciona-se mal e permite que Nani faça o que fez. Sem querer tirar mérito a Nani, a jogada acontece apenas porque Clichy não tem neurónios. Esta foi, no entanto, a jogada em que o erro foi menos grave. Fica a faltar o mais interessante.

O segundo golo do Manchester começa num canto a favor do Arsenal. Park consegue colocar a bola em Rooney, que era o jogador mais avançado do Manchester United, e Clichy, que só tinha atrás de si um colega e está a ver todo o lance de frente, encosta-se em Rooney. Quando o avançado inglês recebe e protege a bola, colocando-a junto à relva e começando a ter companheiros em quem soltar de frente, Clichy só tem uma coisa a fazer: falta. A partir do momento em que Rooney consegue dominar a bola, o contra-ataque torna-se uma possibilidade. Clichy, estando encostado a Rooney, só tem que parar a jogada em falta. Não há nada que saber. Uma vez mais, a irresponsabilidade do francês faz com que o Manchester consiga fazer o contra-ataque e o segundo golo torna-se assim possível. O melhor está, no entanto, guardado para o fim.

O terceiro golo, então, é algo que, por mais que se veja e reveja, não faz sentido e algo que faz pensar na possibilidade de o cérebro de Clichy ter ficado esquecido no balneário. Um alívio da defesa do Manchester que nem por isso foi bem feito origina, após uma má recepção de Denilson, um contra-ataque conduzido por Park. Clichy, que ficara para trás, é o último homem. Em vez de tentar travar o coreano, encurtando-lhe o espaço e obrigando-o a tomar uma decisão o quanto antes, Clichy recua estupidamente em direcção à sua baliza, talvez com medo de um eventual passe. Park não se fez rogado e foi por ali fora, finalizando à vontade. O engraçado da situação é que o Manchester, ao passar o meio-campo, não ficou com uma situação de um para um, mas com uma situação de um para zero, porque Clichy simplesmente se esqueceu que existia e que estava a jogar futebol. Um golo ridículo e uma derrota ridícula, causada por um jogador ridículo. Mais uma vez, o Arsenal acaba por perder um jogo por erros individuais de alguns dos seus atletas. Clichy já fora responsável na derrota com o Manchester City; Sagna foi-o contra o Chelsea; Traore foi-o no empate com o Everton. Com tantos erros individuais e com tantos jogadores sem categoria na retaguarda, o Arsenal está condenado a não conseguir os seus objectivos. O extraordinário futebol ofensivo que a equipa pratica, e que, mais uma vez, pôs em água a defesa do adversário, de nada serve quando se cometem tantos disparates. O Arsenal fica assim mais longe do título e, muito honestamente, apesar de admirar o futebol que pratica, só posso reconhecer que, dada a presença de certos jogadores na equipa, tem o que merece.

P.S. Outra coisa que fica evidente é que, ao contrário do que se pensa, um lateral é tão importante como outro jogador qualquer. Quando o mesmo é muito mau, toda a equipa se ressente. Tal como acontece com qualquer outro jogador. Aquela ideia de que se podem adaptar laterais a torto e a direito porque é uma posição de menor responsabilidade ou que joga a lateral aquele que não tem lugar noutra posição, pelas mesmas razões, não faz sentido. A responsabilidade é igual para todos, seja a posição qual for. Não deixa também de ser engraçado que um texto a deitar abaixo um lateral venha a lume no mesmo dia em que outro lateral, de seu nome Grimi, fez uma exibição absolutamente pavorosa. Só não foi pior que Liedson.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Lições de Mestre (1)

Eis que nasce uma nova rubrica neste espaço, dedicada a jogadas geniais. Tínhamos pensado nesta ideia há já algum e tínhamos já algumas jogadas na gaveta de modo a servir-lhe os propósitos. No entanto, visto que este fim-de-semana a jogada genial do segundo golo do Real Madrid não passou despercebida e visto que se tem comentado mais essa jogada num texto dedicado ao Porto do que propriamente os problemas que o texto em causa levanta, decidi antecipar a estreia e aqui vai o lance.



Depois de lançado por Kaká, num lance de contra-ataque em que a defesa do Deportivo da Corunha abre um buraco imenso - onde andas, Zé Castro? - Guti fica isolado perante o guarda-redes adversário. É então que o inesperado acontece, com o jogador do Real a lembrar-se de tocar a bola de calcanhar em vez de tentar a finalização. Atrás dele vinha Benzema, que ficou assim com a baliza escancarada, perante um central e um guarda-redes adversário completamente apanhados de surpresa. O toque de Guti não tem nada de irresponsável. Como é óbvio, Guti sabia que tinha um colega atrás de si. Poderia não saber quem era nem saber exactamente onde estava quando tentou o passe, mas sabia que tinha alguém atrás de si. Nunca, como chegou a ser sugerido, Guti tentaria aquilo se não soubesse tal coisa. No momento anterior a receber a bola, Guti ter-se-á certamente apercebido da posição dos colegas e só terá perdido o contacto com eles a partir do momento em que concentrou o olhar na bola para a receber. Daí que o toque de calcanhar não seja uma tentativa louca de fazer algo extravagante. Foi, isso sim, uma ideia genial baseada numa percepção correcta da posição e da movimentação lógica dos colegas. Se Guti tivesse deixado de ver Benzema a partir do momento em que passou por ele no meio-campo, jamais se lembraria de fazer o que fez.

A jogada é genial e, ao mesmo tempo, uma boa opção. Pode alegar-se que, numa situação de finalização clara, com apenas o guarda-redes pela frente, o avançado deve sempre tentar o golo. Discordo disto. Em todo o instante, a melhor opção é aquela que aumenta as probabilidades de êxito de uma jogada. Quando se está num dois para um com um guarda-redes, é sempre aconselhável transformar essa situação num um para zero, com o avançado a ficar com a baliza escancarada para finalizar. Do mesmo modo, se for possível, numa situação de um para um com o guarda-redes, transformar essa situação numa situação de um para zero, com um colega a ficar com a baliza aberta para finalizar, essa é sempre a melhor opção. Foi o que Guti fez. É verdade que poderia ter corrido mal, mas não é menos verdade que, ao correr bem, aumentou extraordinariamente as probabilidades de êxito. Ter pela frente apenas o guarda-redes é uma jogada de golo óbvia, mas mais óbvio ainda é não ter ninguém pela frente. O génio de Guti transformou uma jogada com algumas probabilidades de sucesso numa jogada de sucesso evidente. Com o seu gesto, não só o fez como deixou imediatamente batidos o guarda-redes e o defesa que o perseguia. A jogada é, portanto, brilhante, porque revela a inteligência e a capacidade de Guti para fazer do óbvio algo verdadeiramente inesperado. Isto não tem nada de irresponsável ou de mal jogado; é fantasia, imaginação, capacidade de improviso. Os grandes jogadores são aqueles que o conseguem fazer e aqueles que, ao fazê-lo, não estão apenas a tentar fazer algo ao acaso, algo de diferente apenas por capricho; fazem-no porque conseguem perceber as verdadeiras consequências do que estão a fazer. Isto não é apenas um número de circo; é um gesto que vale pela intenção. E a intenção é genial.

Rúben Micael, Belluschi, as Necessidades do Porto e um Eventual 442 Losango

Rúben Micael é tido, nos dias que correm, como um extraordinário médio-ofensivo. Cobiçado por equipas estrangeiras e por alguns dos grandes portugueses, e anunciada a sua chegada à selecção, o seu futuro parece prometedor. Não querendo esperar mais, o Porto abriu os cordões à bolsa e contratou o madeirense. Ao contrário da maioria da opinião pública, tenho algumas reservas quanto a Rúben Micael. Que é bom jogador, está fora de questão. Que é aquilo que todos dizem que ele é, já tenho mais dúvidas. Do que tenho a certeza é que Rúben Micael não tinha lugar nem no Sporting nem no Benfica e que não vem trazer ao Porto aquilo de que mais necessita a equipa de Jesualdo Ferreira.

Vamos por partes. Rúben Micael tem as características ideais para o modelo de Jesualdo. É um jogador que pensa e executa rápido e que, sem bola, é fortíssimo a procurar os espaços entre os defesas. Os seus movimentos verticais, a aparecer em zonas de finalização, fazem dele um médio-ofensivo bastante concretizador. Ao mesmo tempo, a bola nos seus pés não queima e o madeirense consegue encontrar com facilidade o seu próximo destino. Em termos de execução, é também suficientemente criterioso. Além disso, percebe com facilidade qual a melhor solução de passe. Depois de tantos elogios, parece quase absurdo voltar à ideia inicial de que Rúben Micael não vem trazer ao Porto aquilo de que a equipa mais precisa. Mas é exactamente isso que pretendo fazer. Apesar de todas as valências, Rúben Micael não é um jogador criativo, não tem imaginação assaz relevante e, constrangido, isto é, quando tem poucas soluções de passe, raramente descobre ou inventa algo de diferente. Não é, também, tecnicamente extraordinário, pelo que é pouco capaz de se desembaraçar sozinho em situações complicadas. O seu futebol é simples, geométrico, veloz. É uma mais-valia em transição, porque há espaço e várias soluções de passe, mas não é um jogador capaz de conferir ao Porto aquilo de que mais necessita o seu sistema, ou seja, de imaginação, criatividade, invenção. É um jogador inteligente, é certo, correcto e criterioso no passe, mas pouco espontâneo, pouco capaz de executar com perfeição em espaços curtos. É um jogador que precisa de espaço e, sobretudo, que precisa que haja espaço para onde endereçar a bola. No Nacional, que actuava preferencialmente em transição, tinha o seu habitat predilecto. O Porto de Jesualdo também potencia as situações de transição e Rúben Micael pode ser influente nesse tipo de jogo. Mas aquilo de que a equipa de Jesualdo Ferreira mais necessita é de jogadores capazes de pensar de maneira diferente, irreverentes em termos de raciocínio, jogadores que fabriquem espaços e não apenas os que sabem aproveitá-los. Rúben Micael é dos médios-ofensivos portugueses que melhor aproveita os espaços existentes, mas não os fabrica. Em espaços curtos, não é um jogador para inventar soluções de passe, para imaginar coisas extravagantes. Contra equipas que optem por baixar o bloco, Rúben Micael não é especialmente útil. Contra essas equipas, seria bem mais interessante um jogador que, além de tecnicamente mais evoluído, soubesse explorar melhor as tabelas e que soubesse interpretar melhor os poucos espaços que há.

Há um jogador no actual plantel do Porto que o sabe: Belluschi. O argentino é o único jogador verdadeiramente criativo ao dispor de Jesualdo e não goza de muito apreço. Aliás, com Rúben Micael, desconfio que o argentino passará bastante mais tempo no banco. Isto apesar de ser francamente superior ao jogador madeirense. O problema é que Belluschi é essencialmente forte em espaços curtos e o que tem de melhor para oferecer à equipa é precisamente aquilo que esta, assente num modelo específico, mais negligencia. O Porto de Jesualdo sente-se melhor em transição ou em ataques rápidos e raramente procura circular a bola de forma lateralizada. O excesso de verticalidade do próprio modelo faz com que a equipa passe menos tempo com a posse de bola contra um adversário arrumado defensivamente. Como tal, jogadores que se podem distinguir precisamente quando os espaços são mais curtos e quando é necessário ser mais veloz a pensar e ser capaz de imaginar coisas diferentes têm menos preponderância. O modelo de Jesualdo privilegia o músculo, a velocidade de execução e a verticalidade. Belluschi, nessas condições, é um jogador banal. Se o Porto fosse uma equipa mais competente com bola, uma equipa em que fosse requerida maior elaboração ofensiva, Belluschi não teria rival à sua altura.

As necessidades do Porto, ao contrário do que se pensará, são necessidades inerentes ao modelo. O que está mal não são os intérpretes do modelo, mas o próprio modelo; as carências da equipa são colectivas e não individuais. Rúben Micael, por isso, não vem trazer nada de novo. É só mais um intérprete, capaz de corresponder às necessidades que o modelo de Jesualdo exige, mas incapaz de corresponder às verdadeiras necessidades da equipa. O que Lucho e Lisandro davam ao modelo de Jesualdo não era uma melhor interpretação; a sua contribuição ia para lá do modelo. A presença dos argentinos mascarava, isso sim, as carências do modelo. Com Lucho e Lisandro, o Porto não era apenas uma equipa rectilínea, capaz de responder a cada momento do jogo de uma forma mecânica. Com eles, o Porto possuía alguma criatividade, alguma invenção, alguma diferença. Belluschi é o único que pode contribuir com esse tipo de coisas. Penso, portanto, que a aquisição de Rúben Micael não vem trazer nada de novo e que a monotonia do futebol dos campeões nacionais tem tendência a perpetuar-se até final da temporada.

Há, para além disto, apenas uma outra coisa importante a reter: a possibilidade do 442 losango. Jesualdo experimentou essa hipótese nos minutos finais do desafio frente ao Nacional, com Mariano e Belluschi a posicionarem-se como médios interiores e Rúben Micael como médio-ofensivo. É uma hipótese interessante e a única, em meu entender, que poderá facilitar a coabitação de Belluschi e Rúben Micael. Com Raúl Meireles de regresso ao meio-campo, só neste sistema acredito que Jesualdo possa usar estes dois jogadores em simultâneo. Será, talvez, uma boa solução para o seu Porto, mantendo a criatividade de Belluschi e os movimentos verticais e a simplicidade de Rúben Micael. Mas não creio que Jesualdo recorra a este esquema senão de modo esporádico. Primeiro, porque não corresponde àquilo que idealiza; depois porque isso implicaria que os extremos ao dispor de Jesualdo teriam um papel pouco significativo neste desenho. Com a eventual chegada de Kléber, o 442 losango poderá até servir para fazer coabitar no ataque o brasileiro e Falcao. Mas Hulk, Varela e Rodriguez teriam certamente menos destaque. E não me parece, tendo em conta aquilo que, para Jesualdo, significam este tipo de jogadores, que isso venha a acontecer. O teste do 442 losango não terá passado, por isso mesmo, de um teste. E a hipótese de Belluschi e Rúben Micael jogarem juntos será, certamente, apenas uma hipótese remota.