quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Patetice

O pouco tempo disponível, nos últimos dias, não tem permitido actualizar, com a regularidade desejada, este espaço. Como tal, e correndo o risco de repetir algumas coisas de textos recentes, queria deixar apenas um pequeno vídeo que ilustra algumas das coisas que se andaram a dizer aqui sobre David Luiz. É imperial, segundo alguns, é irrepreensível, segundo outros, é até o melhor central do mundo a sair a jogar, segundo os mais ousados. Os óculos vermelhos ou as emoções míopes levam a opiniões desta espécie e fazem com que se ignorem tendências comportamentais evidentes.

David Luiz esteve ligado, e muito directamente, a todos os golos que o Benfica sofreu até ao momento, em jogos oficiais. Frente ao Marítimo, uma entrada irresponsável dentro da área dá o penalty que Alonso converte; frente ao Poltava, os dois golos ocorrem pelo seu lado, sendo que a sua ausência, no primeiro, e sua movimentação, no segundo, propiciam tal coisa; contra o Setúbal, incorre em excesso de confiança e permite que Hélder Barbosa se antecipe; contra o Leiria, comete um auto-golo num lance controlado, quando não tem ninguém por perto e não necessitava de arriscar um corte difícil. Dito isto, haverá defensores do jogador que dirão que são lances pontuais e que, para azar dele, têm tido as piores consequências que poderiam ter. É uma hipótese. Infelizmente, não é a verdadeira. David Luiz comete bastantes mais erros do que aqueles que provocam dissabores à equipa. Este vídeo é sobre o lance que poderia ter dado a vantagem à União de Leiria e que poderia ter feito com que o resultado final fosse bem diferente.



Quando Pateiro pega na bola, Shaffer está adiantado e é David Luiz quem cobre provisoriamente o lado esquerdo. Pateiro dribla Javi Garcia e, nesse mesmo momento, David Luiz desata a correr desalmadamente para trás. Será que se lembrou que tinha uma coisa importantíssima para dizer a Quim? Será que estava a ter um ataque epiléptico? Será que o neurónio esquerdo informou o direito de que correr estupidamente na direcção contrária à do local da bola provoca extraordinárias sensações de prazer? Todas estas hipóteses são plausíveis e, em abono da verdade, podem servir para desculpar o comportamento esquisito de David Luiz. Aquilo que não pode deixar de se notar é que a reacção do jogador é uma reacção anormal. O normal seria responder precisamente da maneira oposta, havendo para isso até duas possibilidades. Poderia ter atacado o portador da bola, obrigando-o a voltar para trás, a tentar o drible ou a soltar a bola, sabendo de antemão que a única opção de passe era Carlão e o mesmo iria demorar a reocupar uma posição legal, ou poderia simplesmente ter-se mantido naquela zona, fechando o corredor e aguardando que Javi Garcia ocupasse o espaço central de modo a equilibrar a equipa. David Luiz fez o oposto: correu para trás, como que fugindo do portador da bola, e para o meio, abrindo uma avenida para que o atacante leiriense progredisse até ao momento de cruzar. Um lance de clara superioridade numérica da defesa encarnada foi assim transformado na melhor ocasião dos leirienses na segunda parte. A abordagem perfeitamente disparatada de David Luiz ao lance denota uma dificuldade particular do jogador em entender quando é que deve atacar o portador da bola e quando é que deve esquecê-lo. Há ainda a possibilidade da opção de David Luiz ter sido condicionada pela movimentação de Carlão, o que é igualmente grave. Nesse caso, David Luiz estaria naquela zona apenas porque Carlão lá estava e, assim que este se moveu nas suas costas, foi atrás dele, acabando depois por perceber que talvez fizesse falta no meio. Qualquer que tenha sido a razão que fez com que David Luiz tivesse cometido este enorme erro, é certo que errou e que fez precisamente o contrário do que deveria fazer. Embora seja mais comum errar ao contrário, tentando atacar o portador da bola quando deve ficar quietinho, a fonte do erro é a mesma: uma má leitura das necessidades colectivas e da adequação das suas acções ao momento concreto da jogada. Aos seus problemas posicionais, de excesso de confiança, de má decisão com bola e de impetuosidade excessiva, acresce assim um que, de certo modo, se relaciona com todos os outros, a patetice. E, como ficou evidente, essa patetice não é minimamente pontual. Acontece recorrentemente e muitas vezes em prejuízo da equipa. Não querer ver isto, retendo na memória apenas o fulgor com que joga, é um problema de falta de juízo tão grande como a falta de juízo que, jogo após jogo, David Luiz faz questão de demonstrar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Bruno Alves, Chygrynskiy e o que significa sair a jogar

Desde, pelo menos, o início do defeso que se falou, com insistência de pregador, que Bruno Alves interessava ao Barcelona. Confesso que esse interesse me pareceu, desde logo, estranho. Não que não fosse possível Bruno Alves sair para um grande clube europeu. A sua reputação, ainda que ache que esteja sobrevalorizada, faz com que os melhores clubes europeus possam olhar para ele como um possível reforço. O problema não estava em Bruno Alves, mas no Barcelona. Isto porque o Barcelona de Guardiola privilegia centrais que pouco ou nada têm a ver com Bruno Alves. É fulcral, nos centrais de Guardiola, uma capacidade para sair a jogar bem acima da média. Os centrais do Barcelona, por aquilo que Guardiola pretende, têm de ter, por principais características, uma capacidade técnica, um poder de decisão e uma segurança no passe notáveis. Isto porque interessa à equipa, numa primeira fase de construção, preservar a posse de bola e progredir no terreno de forma apoiada. Por exemplo, enquanto teve Rafa Marquez e Piqué, Guardiola não utilizou Puyol a central, deixando-o no banco ou fazendo-o alinhar a defesa esquerdo. Puyol é um excelente central, um líder em campo, o melhor representante da alma culé na formação do Barcelona, o mais experiente dos centrais, mas mesmo assim não é das primeiras opções para Guardiola. A razão está no facto de Puyol não ter certas características tão apuradas quanto as suas características defensivas. Piqué e Marquez são menos agressivos, menos rápidos sobre a bola, menos impetuosos, mas possuem atributos técnicos e, sobretudo, intelectuais que lhes permitem, com bola, oferecer algo à equipa quando em construção. A capacidade de passe à distância dos dois é notável, mas não é o único factor a ter em conta. Ambos sobem notavelmente bem com a bola e ambos conseguem encontrar com facilidade um companheiro a quem entregar a bola. Isto é importantíssimo na manobra ofensiva do Barcelona. Ora, em que medida é que Bruno Alves se encaixava nisto? Não se encaixava, de modo nenhum. Bruno Alves não é um defesa que saiba subir com a bola, que encontre soluções de passe com relativa facilidade ou que seja tecnicamente desenvolto. Melhorou substancialmente, ao longo dos últimos anos, a sua capacidade de colocar a bola à distância, mas isso é muito pouco para aquilo que é exigido a um central inserido num modelo de jogo como o do Barcelona. Quando se falava, por isso, do interesse do Barcelona em Bruno Alves, só poderia estar a especular-se. Ora, a especulação advém de certos factos que, por inferência, levam a certas ideias. Beguiristain ter-se-á encontrado com os representantes do jogador e do Porto e isso terá levado a crer a muita gente que o Barcelona estaria interessado em Bruno Alves. De facto, é possível que o Barcelona, na pessoa de Beguiristain, tenha manifestado vontade de contratar o português. O problema aqui é, porém, a pessoa Guardiola. Duvido seriamente que algum dia Guardiola tenha dado o aval para a contratação de Bruno Alves. Aliás, compreende-se facilmente a indefinição nas negociações pela discordância entre Beguiristain e Guardiola. O treinador catalão terá sempre preferido o ucraniano Chygrynskiy e recusado sempre Bruno Alves por via dessa preferência. A dada altura, disse-se que o principal entrave no negócio entre Porto e Barcelona eram os 25 milhões pretendidos pelos dragões, quantia demasiado alta para aquilo que o Barcelona estaria disposto a desembolsar por um central. A verdade, contudo, é que o Barcelona acabou por pagar exactamente isso pelo ucraniano, refutando portanto essa hipótese. Se Bruno Alves não foi para Barcelona, foi porque não interessou a Guardiola.

Por que preferia Guardiola Chygrynskiy a Bruno Alves? É possível que haja quem diga que eles são parecidos e que a idade do ucraniano acabou por ser o factor decisivo. Obviamente, Chygrynskiy tem nos seus 22 anos uma vantagem em relação ao portista, mas discordo totalmente da ideia de que sejam parecidos. A opção de Guardiola não teve a ver com factores extrínsecos como a idade e a margem de evolução, mas sim com características do próprio jogador. Embora tenham alturas parecidas, creio que Bruno Alves faz desse factor uma arma maior que o ucraniano. O problema é que a capacidade aérea dos seus defesas não é uma das coisas mais importantes para Guardiola. Chygrynskiy, apesar de grande, não foi contratado pela sua estatura. A obsessão de Guardiola por ele tem a ver com a sua capacidade técnica, com o facto de ser exímio no passe longo e com a facilidade que tem em sair a jogar, tudo características adequadas ao perfil dos defesas centrais pretendidos pelo treinador catalão. Chygrynskiy é muito mais "macio" que Bruno Alves, não é impetuoso, não é ríspido. No entanto, é muito seguro defensivamente, muito calmo a jogar, posicionando-se normalmente bem e contribuindo com bastante classe na construção ofensiva. Antes da Supertaça Europeia, Guardiola falou da sua obsessão por Chygrynskiy e disse que, além de um defesa central muito bom, como havia muitos, era um central com as características certas para o Barcelona, sendo raro encontrar defesas tão bons com essas características. Parece óbvio, portanto, que a obsessão de Guardiola se explica pelo facto de considerar que não havia grandes alternativas a Chygrynskiy, que os defesas de classe mundial que possuíam as características por ele pretendidas não eram assim tantos. Ou seja, para Guardiola, sempre terá sido Chygrynskiy ou ninguém. Não faria sentido, até, contratar um central se o mesmo não viesse trazer algo de diferente. O Barcelona tinha até, antes da contratação do ucraniano, um excesso de centrais: Marquez, Piqué, Puyol, Henrique e o jovem Muniesa, se não contarmos com Gabriel Milito para já. O problema é que, destes, só Piqué tem qualidade suficiente e é, ao mesmo tempo, o tipo de central que Guardiola prefere, tendo em conta que Marquez iniciaria a época lesionado. Contratar Bruno Alves seria apetrechar-se com algo que já existe, quer em Puyol, quer em Milito, quer até em Cáceres, que mais tarde viria a ser emprestado. Viria trazer apenas quantidade e não diversidade.

A discussão em torno das valências de Bruno Alves e Chygrynskiy pode ser transportada para o futebol português e é possível tentar comparar jogadores segundo as suas capacidades para sair a jogar. Antes, porém, é preciso definir com exactidão o que significa sair a jogar. Sair a jogar tem pouco a ver com correr com bola, com tentar driblar adversários ou com ser capaz de colocar a bola à distância com facilidade. Sair a jogar tem a ver com classe, com elegância, com certeza no passe, com inteligência. Um central bom a sair a jogar raramente tem de tirar adversários do caminho recorrendo ao drible. Faz-me por isso alguma confusão que se afirme que David Luiz é bom a sair a jogar porque de vez em quando galga trinta metros com a bola numa corrida desenfreada e enfrenta os adversários utilizando o seu drible. Um central que drible é um central pouco precavido. Sempre. Sair a jogar não tem a ver com isto. Tem a ver com o privilegiar um desarme em vez de um corte, de modo a que a equipa possa automaticamente reiniciar o ataque; tem a ver com o jogar de cabeça levantada, procurando o melhor colega a quem dar a bola; tem a ver com o perceber quando há espaço para progredir individualmente com a bola e quando não há; tem a ver com o saber pesar as vantagens e as desvantagens de uma subida no terreno; tem a ver com o entender qual a melhor solução para a equipa em cada momento. Quem é, segundo estes parâmetros, melhor a sair a jogar? David Luiz ou Sidnei? Pepe ou Zé Castro? John Terry ou Ricardo Carvalho? Miguel Vítor ou Daniel Carriço? As minhas escolhas ficam invariavelmente pelas segundas opções.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A Falta de Escola de Liedson

O lance em questão corresponde à única jogada de perigo criada pela selecção nacional no jogo de ontem frente à Hungria, um lance em que Ronaldo recebe um passe longo após uma recuperação de bola e conduz a bola, com um adversário pela frente, ao longo de quase todo o meio-campo húngaro. Do lado direito, creio ser Deco quem acompanha a jogada, também ele vigiado por outro adversário. Fica a faltar Liedson, que no momento da recuperação, para variar, não estava no sítio certo, estando bastante recuado. Ainda assim, inicia rapidamente a corrida para acompanhar o ataque e para criar superioridade numérica. O que não explicaram a Liedson, porém, foi que para criar superioridade numérica não basta ter mais homens na jogada; é preciso que a movimentação desses homens seja a mais adequada. Logo após a conclusão do lance, os comentadores de serviço gabaram o pique de Liedson, a disponibilidade do luso-brasileiro para chegar à frente com tanta rapidez. Confesso que este tipo de elogios gratuitos à estupidez me provoca uma certa indignação. Liedson corre, é verdade, mas corre a direito. Para quê? Não sei bem. Nem ele o sabe, certamente. Correr a direito, naquela situação, entrando numa zona entre os dois defesas húngaros, foi a pior opção que poderia ter tomado. A opção correcta, essa, era outra. E era fácil de ter sido tomada, tivesse Liedson aquilo a que vulgarmente se chama "escola".



Ronaldo não foi imediatamente no drible, esperou por reforços. Isso daria tempo a Liedson para passar nas suas costas. Esse simples movimento, não obrigando Ronaldo a dar-lhe a bola, deixaria o defesa húngaro à ilharga de Cristiano sem saber o que fazer e o português com mais opções do que a iniciativa individual. A partir do momento em que Liedson passasse nas costas de Ronaldo, o jogador português que conduzia a bola passava a ter duas opções: soltar para Liedson ou tentar ele a finalização. Isto faria com que a oposição do defesa húngaro fosse menos sólida e a finalização tivesse mais possibilidades de êxito, caso essa fosse a opção de Ronaldo. Liedson deveria ter feito uma diagonal para passar por trás de Ronaldo e não ter corrido em frente feito doido. É esta a diferença entre um jogador de futebol e um tipo que aprendeu a jogar à bola enquanto trabalhava num supermercado; é a diferença entre um jogador de futebol e um rapaz com boa vontade que de vez em quando até está no sítio certo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Os erros de David Luiz

Anda para aí muito boa gente deslumbrada com os desempenhos de David Luiz, como se se tratasse do novo Beckenbauer. David Luiz tem qualidades, mas continua a ter defeitos que teima em não corrigir. Mais estranho do que o entusiasmo dos adeptos, é a insistência de Jorge Jesus no jogador, quando Sidnei lhe é francamente superior. Sidnei não comete erros posicionais, não é impetuoso em excesso e não inventa, sendo muito mais seguro a sair a jogar. Aliás, este é outro dos erros em que se insiste. Considera-se que David Luiz é forte a sair a jogar, mas a única coisa em que ele é forte é em fazer disparates. Sair a jogar não significa ser melhor tecnicamente, não significa ser capaz de conduzir a bola para o ataque; significa saber escolher o colega certo a quem endossar a bola, significa desarmar no sentido de ficar com a posse de bola e não de a cortar para fora, significa tomar boas decisões e não somente ter a capacidade de colocar a bola à distância. Nisto tudo Sidnei é bem superior a David Luiz. Ainda assim, o principal problema de David Luiz é em termos defensivos, na quantidade de erros que continua a cometer. E há quem se atreva a comparar-lhe os erros aos de Daniel Carriço, provavelmente o melhor central a actuar em Portugal.

Este texto tem, por isso, a pretensão de revelar alguns dos erros recentes do brasileiro, erros graves que não têm a ver, como muitos julgam, com o facto de jogar a lateral e não a central. Os seus erros têm a ver com índices de concentração, com sentido posicional, com capacidade para se manter emocionalmente estável, com precipitações, com excesso de confiança, etc. E têm acontecido ora quando joga a lateral, ora quando joga a central. Recupero, então, as últimas duas partidas do Benfica (em Poltava e na Luz contra o Setúbal), por ter estado ligado aos três golos sofridos pelos encarnados nesses desafios. Houve ainda outro lance no jogo frente ao Vitória que não deu em golo por mero acaso e no qual David Luiz, após um passe de Di Maria - creio -, passe bastante arriscado, é certo, abordou o lance de forma excessivamente passiva, deixando a bola passar-lhe por trás e sendo captada pelo avançado setubalense que, depois, driblou o central encarnado, acabando, no entanto, por chutar por cima. De qualquer modo, não consegui arranjar imagens do lance, pelo que não falarei mais dele.

Vamos então aos lances:



1. O lance corresponde ao primeiro golo do Vorskla. Em jogada de contra-ataque do Vorskla Poltava, conduzido pela direita, David Luiz, a actuar a lateral-esquerdo nesse jogo, está estranhamente do lado direito do ataque. O que estava lá a fazer não sei. Sei que não estava onde devia e o Poltava ataca por onde ele deveria estar, obrigando toda a equipa do Benfica a um reajustamento que permite que o lance na área seja disputado apenas pelo avançado ucraniano que faz o golo e por Luís Filipe. É certo que Moreira não fica bem na fotografia, mas David Luiz é o primeiro a comprometer. Além disto, a forma como não acompanha a jogada, sendo que lhe era possível ter chegado à area, ainda que pelo lado direito, denota a pouca preocupação com o papel defensivo que deveria estar a desempenhar. Para acabar em beleza, alguém lhe chama a atenção e é possível vê-lo, no final da jogada, no canto superior esquerdo, protestando com esse alguém.

2. No segundo golo, o mau posicionamento de David Luiz é ainda mais gritante. Inicia a jogada estranhamente metido para dentro e bem à frente da linha de defesa. Depois, reage a um passe na zona central, abrindo ainda mais o buraco que criara do seu lado. Como é óbvio, a bola entra na direita, onde não está ninguém, obrigando Sidnei a corrigir essa lacuna e ficando a defesa desprotegida. O cruzamento acaba por encontrar um avançado ucraniano, que se antecipa a Luis Filipe e faz golo. Javi Garcia ainda tenta ocupar um lugar central, mas David Luiz nem se preocupa em ocupar, pelo menos, a posição de Javi Garcia, que lhe fora fazer a dobra. O lance denota, uma vez mais, displicência, falta de concentração e uma péssima tomada de decisão.

3. A culpa do golo do Vitória de Setúbal pode bem ser atribuída a Quim, que sai dos postes quando não o deveria ter feito. Mas David Luiz é o primeiro responsável, pois tem o lance controlado, mas, por excesso de confiança, demora a atacar a bola e, quando o faz, já Hélder Barbosa lá chegara. Poderia ter resolvido facilmente o lance quer passando de cabeça para César Peixoto, quer aliviando mais prontamente a bola. Mas não o fez. Confiou demasiado na sua capacidade de reacção e acabou por facilitar.

4. O quarto lance nada tem a ver com David Luiz. Penso que os três anteriores chegam e sobram para que se reflicta um pouco sobre a sua pretensa qualidade. É o lance do quinto golo do Benfica ante o Vitória de Setúbal e é para mim uma ilustração perfeita daquilo que foi o jogo da Luz. Tinha dito que Saviola foi a chave do desafio e que, pela sua movimentação, desconcertou toda a defesa sadina. Nesta jogada, é evidente o porquê dessa minha afirmação. O lance começa com um passe de Luisão para Di Maria, que cruza para Cardozo ajeitar para Ramires. Repare-se, em primeiro lugar, no espaço que há entre os defesas sadinos e o meio-campo, permitindo a entrada de Ramires. Repare-se igualmente no espaço que há entre cada um dos defesas sadinos. Isto só é possível porque Carlos Azenha veio à Luz defender primitivamente homem a homem. Mas repare-se agora onde está Saviola. Atrás de Di Maria. E perto dele - incrível! - o seu marcador directo. O mais caricato do lance é ver Di Maria pronto a cruzar, com um defesa perto dele, enquanto o marcador directo de Saviola, em vez de estar a olhar para o lance e perceber como se deveria posicionar em função do mesmo, anda à procura de Saviola, virando várias vezes a cabeça para ver se o pequeno argentino não lhe escapava. Nos dias que correm, este comportamento defensivo é ridículo. Este lance demonstra inequivocamente que as razões pelas quais o Vitória foi humilhado na Luz não tiveram nada a ver com a inexperiência dos jogadores nem com qualquer aspecto emocional relacionado com o desenrolar do desafio. Teve a ver, exclusivamente, com a abordagem táctica ao jogo por parte do seu treinador. Se os jogadores estão preocupados com homens em vez de estarem organizados, o único responsável é o treinador. Carlos Azenha não o quis admitir. Falou em desorientação dos jogadores após o terceiro golo. Qual desorientação? Os jogadores já entraram em campo desorientados. E entraram desorientados porque tinham de andar a perseguir individualidades. A movimentação de Saviola, fugindo das zonas de finalização e com isso arrastando os defesas que deveriam ocupar esses espaços, foi por isso a chave da partida.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Coisas por dizer

O período de férias impediu que pudesse falar de certas coisas, bem como concluir certas discussões. Ficaram pendentes, entre outras, discussões sobre aquilo que significa um central ser bom a sair a jogar (que não tem nada a ver com o ter boa qualidade de passe ou ser capaz de transportar e progredir com a bola), assunto que retomarei noutro texto, e discussões sobre a legitimidade da opinião, sendo que, para muitos, é consequência de qualquer regime democrático o poder dizer-se disparates. A cada um destes assuntos dedicarei, brevemente, um texto, mas para já importa falar do que se passou esta semana, pois há muito a dizer.

1. Começando pelo que se passou em Portugal ou com os clubes portugueses, uma palavra para a eliminação do Sporting ante uma Fiorentina a jogar muito mal e outra para o Nacional, que conseguiu eliminar o Zenit da Liga Europa. O Sporting confirmou o terrível início de época e, ironicamente, foi mesmo um dos jogadores a quem menos se podem apontar defeitos quem acabou por estar ligado ao golo de Jovetic. Do Nacional, não vi nada, mas este Zenit, sem as principais figuras e sem o treinador Dirk Advocaat, é certamente uma equipa bem diferente e muito menos forte do que o era há um ano.

2. Continuando no Sporting, Liedson voltou aos golos antes da estreia pela selecção nacional. Agora já ninguém se lembra que não marcava desde Maio e já é novamente o maior avançado de todos os tempos. Mesmo que tenha falhado golos escandalosos, lances esses que, se fossem protagonizados por Nuno Gomes, mereceriam ingente reprovação.

3. O Porto também venceu e há quem diga que Varela já começa a mostrar credenciais. Não sei se é pelo facto de ter participado no primeiro golo, no qual cruza sem olhar, ou se é por ter marcado o segundo, num lance em que o defesa esquerdo da Naval ficou a dormir. Neste tipo de jogos, contra adversários incompetentes a defender como o caso da Naval, jogadores explosivos como Varela têm facilidade em encontrar os espaços para poderem executar. O problema será quando estes espaços não existirem. Aí, Varela será só mais um.

4. O Benfica goleou o Setúbal. Desde cedo, antes mesmo do segundo golo, que me pareceu que o desfecho final seria algo parecido com o que aconteceu. As razões eram óbvias. Jesus não iria pedir nunca para os seus pupilos abrandarem e os erros de organização da equipa sadina eram gritantes. Há quem diga que as bolas paradas definiram o jogo. Discordo inteiramente disso. Antes dos lances que deram os golos, já o Benfica demonstrara conseguir penetrar com facilidade na defesa sadina, abrindo espaços graças à falta de educação táctica do conjunto liderado por Carlos Azenha. É verdade que o factor emocional terá ajudado ao desnivelamento do resultado, mas não foi a principal causa. O principal problema setubalense teve a ver com a forma como abordou o jogo. Interessado em marcações individuais, abdicou da organização própria. Sem talento, sem capacidade para sair das zonas de pressão e sem competência para fechar os espaços, a equipa sadina andou de um lado para o outro atrás dos jogadores do Benfica. É natural que uma equipa dinâmica, com jogadores que, sem bola, procuram os espaços livres, consiga arrastar um adversário que se preocupa com os adversários directos. Desconfio até que esta será a primeira de várias goleadas ao longo da época. Naval, Académica, Belenenses e Leixões, sobretudo pelo modo como jogam, são as equipas na calha para o que se segue.

5. Uma das coisas que Carlos Azenha disse quando chegou a Setúbal foi que ia defender à Sacchi. Marcações individuais é o antónimo disso. Mais um que pensa que ler é saber o significado das palavras que vêm escritas nos livros...

6. Se, como treinador, a sua competência não poderia ter ficado mais abalada, como líder poderia ter-se salvado. Optou por não o fazer. Em vez de defender os jogadores, em vez de poupá-los o mais possível à humilhação de modo a recuperá-los e a transmitir-lhes confiança, Carlos Azenha optou por sacudir a água do capote e colocou as culpas num plantel inexperiente, em jogadores de escalões secundários e na incapacidade dos mesmos para aguentar a pressão. Chamou-lhes , no fundo, incompetentes, mentalmente fracos e imaturos. Boa!

7. O melhor em campo, apesar dos três golos de Cardozo e das três assistências e um golo de Aimar, foi Javier Saviola. As movimentações sem bola do pequeno argentino foram perfeitas. Às vezes, parecia que arrastava meia-equipa sadina, abrindo espaços para os colegas, e ainda ficava sozinho. Foi muito por causa da sua movimentação que o Setúbal, apostando em marcações individuais, se desorganizou defensivamente. Sem Saviola, a história teria certamente sido outra.

8. O Braga continua líder e parece jogar cada vez melhor. Domingos, enquanto treinador, sempre me pareceu pouco coerente. As suas equipas tanto tinham coisas fantásticas como denotavam erros de principiante. O seu trabalho na Académica e no Leiria não foi perfeito, embora também não tenha sido fraco. Para já, o seu Braga está a jogar bem. Vamos ver no que dá. As minhas desconfianças começam, contudo, no facto de a aposta em Rodrigo Possebon não ser clara.

9. Hugo Viana está de volta. A pergunta que fica é: se o Sporting andava atrás de um médio, se não tinha muito dinheiro para gastar e se Hugo Viana até manifestou interesse em vestir a camisola verde e branca, por que razão não foi o escolhido?

10. Em Espanha, o Barcelona entra a ganhar com tranquilidade. Já o Real, superou o Deportivo com muitas dificuldades. Pellegrini vai ter muito que fazer para conseguir estar à altura de Guardiola. É sugestão minha que poderia começar por confiar mais em Gago, provavelmente o melhor médio-defensivo da actualidade.

11. O Barcelona conquistou a Supertaça Europeia num jogo de sentido único. O Shaktar interessou-se apenas em defender e o Barcelona mandou no jogo do princípio ao fim. Em muitos momentos, porém, não conseguiu ser rápido na circulação de bola de modo a aproveitar o espaço entre os diferentes elementos ucranianos. Como tal, não conseguiu muitas ocasiões de golo. A ausência de Iniesta deixa o Barça menos criativo e Ibrahimovic está ainda longe da forma física ideal. Valeu um lance de entendimento entre Messi e Pedro, lance que é um exemplo de como o Barcelona é uma equipa e não um conjunto de jogadores. Depois do golo, destaque para a forma como o Shaktar não conseguiu ter bola durante os cinco minutos que faltavam. Mais nenhuma equipa no mundo consegue trocar a bola durante tanto tempo quando o adversário precisa dela.

12. Em Itália, o Inter de Mourinho começou mal, mas compensou goleando o rival de Milão. O primeiro golo é uma obra-prima e um exemplo de como o futebol se joga pelo meio e não insistentemente pelas alas. A circulação rápida da bola e a movimentação constante dos jogadores acabou por abrir espaços para a entrada de um dos médios, neste caso, Thiago Motta, que só teve que escolher um lado. O Inter deste ano promete reavivar tudo o que de bom José Mourinho conseguiu ao serviço de Porto e Chelsea.

13. A Juventus continua a ser, para mim, o principal adversário doméstico do Inter. Desta feita, venceu sem apelo nem agravo a Roma e Diego, o tal que era fraquinho, foi o herói da partida.

14. Em Inglaterra, atenção ao Arsenal. Wenger parece ter deixado de lado, de vez, o 442 clássico. Com isso, deitou fora a principal fonte de problemas do futebol da sua equipa. A jogar em 433, com a filosofia de jogo que sempre revelou, este Arsenal será certamente mais consistente. Para já, um arranque de campeonato impressionante, com duas goleadas, só travado por um resultado injusto em casa do campeão. Em termos individuais, só um idiota poderia dizer que este Arsenal tem argumentos para rivalizar com Chelsea, Liverpool e Manchester, mas em termos colectivos é a equipa mais interessante em Inglaterra. A jogar assim, num 433 com um médio-defensivo nas costas de dois jogadores mais ofensivos e com dois extremos com liberdade para virem para o meio, o Arsenal mantém a dinâmica ofensiva que sempre possuíu sem se desequilibrar constantemente, como acontecia antigamente. Joga assim de forma mais pausada e não sempre em constante velocidade. O futebol é mais atractivo e mais seguro, ao mesmo tempo. Com o regresso de Nasri e Rosicky, se não abandonar estas ideias, o Arsenal tem tudo para fazer uma grande época.

15. O Chelsea lidera e mantém viva a candidatura ao título. O Liverpool começou mal e o Manchester não está em grande forma. O City terá muitos problemas ao longo do campeonato, assim como o Tottenham, que para já ocupa o segundo lugar, com os mesmos pontos que o Chelsea. Vai ser, porém, o campeonato mais interessante dos últimos anos.

16. Em França, Lisandro tem-se fartado de marcar golos. Mas o que é espantoso é mesmo como Cissokho é titular em vez de Grosso. Ferrara é que não desperdiçou a oportunidade de resgatar o internacional italiano e a Juventus arrecada mais uma boa contratação.

17. Na Alemanha, o Bayern de Van Gaal não começou bem, mas Robben veio dar uma injecção de qualidade e já valeu uma vitória. Espera-se um resto de época interessante.

18. Curiosidade de última hora: alguém sabe onde anda Co Adriaanse? Pista: foi campeão na última época, uma vez mais, e o seu nome continua a rimar com competência. Pena é que haja incompetentes, mesmo entre os holandeses, que tenham tanta ou mais reputação. Estou a falar de um que, por acaso, até lidera o campeonato holandês.