terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Legado de Luis Enrique e outras coisas

1. O Fim de uma Era

Quando a época passada terminou, e o Barça de Luis Enrique conquistou os três principais títulos, tive o ensejo de escrever um texto que, por vários motivos, acabei por nunca escrever. O que queria ter dito na altura e não disse é o que, muito abreviadamente, direi agora. O Barça ganhou tudo e, para muitos, voltou ao domínio do futebol europeu. A minha opinião é ligeiramente diferente: o Barça ganhou tudo, e perdeu finalmente a hegemonia que teve na última década. Pode parecer um contrassenso, mas creio que as conquistas do ano passado são o ponto final de uma era que começou com a chegada de Guardiola ao clube. O futebol da equipa de Luis Enrique já não tinha muito a ver com aquele que Guardiola preconizava (e que Tito Villanova e Tata Martino, mal ou bem, mantiveram), e o sucesso desse futebol significa a ruptura decisiva com o passado. Correndo o risco de parecer incoerente, uma vez que defendo que esse futebol já não tinha muito a ver com a da grande equipa de há uns anos, acho que muito desse sucesso se deve ao que os jogadores aprenderam com Guardiola: muito do que seria o trabalho do treinador é dispensado pelo que os jogadores, em termos colectivos, ainda retêm dessa altura. O mérito de Luis Enrique nas conquistas da equipa é, aliás, muito reduzido. Além de um conjunto de jogadores que cresceram a fazer uma série de coisas que agora fazem de olhos fechados, contou com jogadores que, do ponto de vista individual, fizeram toda a diferença. Para dizer de outro modo, o Barcelona ganhou tudo como poderia ter perdido tudo e como várias equipas ganham tudo. Jupp Heynckes ganhou tudo pelo Bayern há uns anos, e não me parece que lhe deva ser dado um mérito especial. Há sempre alguém que tem de ganhar, e o ano passado calhou ao Barcelona. Ao ganhar desse modo, como ganharia qualquer outra equipa, o Barça voltou a ser uma equipa normal. E a hegemonia que teve, e que continuava a assustar toda a gente, acabou. Por outras palavras, foi a melhor equipa dos últimos dez anos, mas arrisco-me a dizer que não será a melhor dos próximos. Se o impacto de Guardiola se viu até ao ano que passou, culminando com o triplete de Luis Enrique, o impacto de Luis Enrique ver-se-á daqui a 5 anos, quando o Barça for uma equipa banal.

2. A Lesão de Messi

Há um pormenor que costuma ser negligenciado quando se fala nas conquistas europeias: as lesões. Os dois anos em que Guardiola não ganhou a Champions quando ao serviço do Barcelona foram pautados por lesões relativamente longas ou recorrentes de jogadores importantes: Ibrahimovic, Iniesta, Villa, etc.. A equipa de Luis Enrique teve um ano praticamente imaculado, a esse nível, e isso também foi decisivo. Foi-o, de modo evidente, na forma como pôde superar o Bayern de Guardiola, fustigado por lesões, mas foi-o também ao longo de toda a época. Não houve lesões de grande duração em nenhum jogador importante, e isso permitiu à equipa manter os seus índices de produtividade. Que o tenha sido não me parece, de modo nenhum, irrelevante. Repetir a sorte de uma época sem lesões é praticamente impossível, e creio que isso ditará um ano bem mais modesto em termos de conquistas. A primeira lesão importante aconteceu este fim-de-semana, e ainda não se sabem bem as consequências dela. Apesar de ser preferível perder Messi nesta altura, dois meses (mais um mês ou dois até recuperar o melhor ritmo) é tempo suficiente para que o Barça perca terreno, por exemplo, no campeonato. Messi, aliás, foi decisivo nos jogos decisivos da época passada, e o principal responsável pelo sucesso de Luis Enrique nas provas a eliminar (em vários jogos da Champions, concretamente contra o Bayern, e na final da Taça do Rei, por exemplo). Sem Messi, o Barça de Guardiola era só a mesma equipa menos o seu melhor jogador. Sem Messi, o Barça de Luis Enrique vale menos de metade.

3. Xavi e Iniesta

Apesar de ter perdido a titularidade a época passada, Xavi foi quase sempre utilizado por Luis Enrique. Quando jogava de início, o Barça era quase sempre melhor, apesar de praticamente ninguém conseguir ver isso. Quando entrava, a equipa passava automaticamente a jogar melhor. Ainda que em final de carreira, aquele que foi, muito possivelmente, o melhor jogador de sempre, no que diz respeito à tomada de decisão, mantinha uma influência incrível, e só aqueles que acham que o futebol requer os melhores atletas não eram capazes de percebê-lo. Como o futebol é dominado por essa gente, tornou-se praticamente consensual que a era de Xavi no Barça chegara ao fim. Tenho para mim que não foi só a era de Xavi que terminou. Com Xavi, foi-se também a melhor equipa de sempre. Aliás, restam dessa equipa poucos jogadores: Dani Alves, Piqué, Busquets, Iniesta e Messi. Com a saída de Xavi (e a de Pedro), a somar-se às saídas em anos anteriores de Thiago Alcântara e Fabregas, por exemplo, o futebol de toque curto, mais pensado do que corrido, chegou ao fim. O próprio Iniesta, se virmos bem, é um autêntico órfão em campo. Messi tem capacidades atléticas (e idade) que lhe permitem adaptar-se a um estilo de jogo diferente, e o entendimento com jogadores mais vertiginosos torna-se fácil. Iniesta não as tem, e o seu futebol eclipsa-se a cada dia que passa. Não quero ser mal entendido: esse futebol não se eclipa por  Iniesta já não ter capacidades físicas para mantê-lo vivo, mas porque já não está rodeado de colegas a quem interessa jogar o mesmo jogo. Cada jogador é aquilo que o rodeia. E Iniesta deixou de estar rodeado dos mais inteligentes. O Barça de Luis Enrique já não é o Barça de Xavi e Iniesta. Em tempos, num lance que não consigo situar (imaginava, erradamente, ter sido o lance em Old Trafford que permitira a Paul Scholes fazer o golo que eliminou o Barça nas meias finais da Champions de 2007/2008), Xavi falhou um passe decisivo à entrada da área por tê-lo feito sem perceber antecipadamente se o colega a quem passava a bola estaria à espera de recebê-la. Ninguém me compreendeu, porque para quase toda a gente não se deve passar a bola antes de olhar a ver se lá está o colega. Xavi, ao falhar esse passe, antecipava o Barcelona de Guardiola. Antecipava-o na medida em que antecipava aquilo que o Barcelona de Guardiola permitia a todos os jogadores, e em especial ao próprio Xavi: jogar de olhos fechados e passar sem precisar de perceber se o colega vai estar onde deve estar. Xavi passou a bola, nesse dia, para onde devia estar o colega. Só que o colega não estava lá porque não tinha sido ensinado a perceber antecipadamente onde Xavi queria que ele estivesse. O Barcelona de Guardiola fez-se sobretudo disto: todos pareciam saber com antecedência suficiente as intenções dos colegas. Numa equipa assim, ninguém superava Xavi. Tinha sempre mais passes que toda a gente, percorria sempre mais metros do que os outros. Sem bola, dava mais opções ao portador do que qualquer outro colega. Com ela, era sempre o mais eficaz, optasse pelo passe curto ou pelo passe longo. Agora que a equipa de Xavi e Iniesta já não existe, a única boa notícia é que estão os dois (especialmente Xavi) mais próximos de se tornarem treinadores de futebol.

 4. As Inconsistências e os Estúpidos

Quando, na segunda época de Guardiola, Ibrahimovic marcou 16 golos na Liga Espanhola em 2034 minutos (num total de 21 golos em 3285 minutos jogados em todas as competições), quase toda a gente concluiu que tinha sido uma má época do sueco. Apressaram-se então a dizer que falhara na Catalunha, ainda que o seu contributo para a manobra ofensiva do Barça tivesse sido inestimável, e que Guardiola se equivocara ao contratá-lo. Guardiola e Ibrahimovic não parecem ter-se entendido às mil maravilhas, é verdade, mas duvido que o rendimento do sueco tenha sido o problema. Guardiola começava a perceber que precisava de colocar Messi numa posição central, e Ibrahimovic não parecia disposto a jogar noutra posição. A saída de Ibrahimovic do clube pareceu dar razão àqueles que defenderam o mau investimento, e o principal argumento foi sempre aquele que os estúpidos mais depressa invocam: os números. Ora, os números de Ibrahimovic nessa primeira época são praticamente os mesmos que os de... isso, acertaram: Luis Suarez! Suarez fez, a época transacta, os mesmos 16 golos em 2180 minutos na Liga Espanhola (num total de 25 golos em 3535 minutos em todas as competições). Em média, Suarez marcou menos golos por minuto jogado na Liga Espanhola do que Ibrahimovic. Com quatro agravantes. A primeira é a de que o Barça de Luis Enrique, enquanto equipa, fez mais 12 golos do que o de Guardiola nessa época, o que significa que Ibrahimovic fez 16,3% dos golos da equipa e Suarez apenas 14,5%. A segunda é a de que, apesar de ter começado a jogar mais tarde, Suarez nunca se lesionou, o que fez com que nunca tivesse quebras de rendimento, coisa que não aconteceu com Ibrahimovic, que esteve constantemente a recuperar de lesões. A terceira é a de que, além dos golos, Suarez não ofereceu mais nada à equipa, o que também não foi o caso com Ibrahimovic, cujo envolvimento com o colectivo foi muito importante. A quarta é a de que Luis Suarez foi bem mais caro do que Ibrahimovic. Tudo somado, até para aqueles que gostam de apoiar os seus argumentos nos números, é impossível defender que Ibrahimovic tenha feita uma má primeira época e  que Suarez tenha feito uma boa época. Mas - surpresa das surpresas - é exactamente isso que é defendido de modo generalizado! Suarez é hoje tido como um dos elementos mais importantes da equipa catalã, está eleito entre os três melhores jogadores da temporada passada, e há sobre ele uma opinião generalizada muito favorável. Não é impressionante que assim seja. A maior parte das pessoas baseia as suas opiniões no que ouvem dizer e o que ouvem dizer é geralmente o que não interessa ouvir. Neste caso, Suarez é tido como uma grande contratação porque o Barça ganhou a Champions e porque Suarez é aquele tipo de avançado do qual se condescende porque é aguerrido. Não tem metade da qualidade de Ibrahimovic, não fez metade do que Ibrahimovic fez em Barcelona e, como se demonstra, nem sequer marcou mais golos do que Ibrahimovic. O futebol continua a ser dos estúpidos, e os estúpidos continuam a fazer-se ouvir a outros estúpidos. Um dos avançados mais sobrevalorizados da actualidade já pode dizer que foi eleito para melhor jogador do mundo; o melhor avançado da história do jogo nunca chegou a sê-lo, e provavelmente já não virá a sê-lo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A Histeria em torno de André André e o que isso diz de Lopetegui

Mais irritante do que a cacofonia do nome é a histeria em torno das qualidades futebolísticas de André André, estrondosa nas últimas semanas e após o clássico deste fim-de-semana. Para Luís Freitas Lobo, por exemplo, André André é um jogador extraordinário. Mas pronto, para Freitas Lobo o Benfica de Rui Vitória também é uma equipa com as linhas muito mais juntas do que o Benfica de Jesus e Gonçalo Guedes também é um jogador que pensa o jogo a cada instante. Há que dar a condescendência devida aos parvos, e Freitas Lobo não é excepção. Quanto a André André, enfim, pode apenas dizer-se que é o exemplo mais recente da estupidez com que se olha para um campo de futebol. De tempos a tempos, surgem estes casos absurdos de jogadores sem o mínimo de talento que entusiasmam plateias inteiras. Tem tudo aquilo de que as bancadas gostam: é raçudo, vai a todas, corre que se farta, é voluntarioso, joga com amor à camisola e, ainda por cima, é filho de uma antiga glória do clube. No meio disto tudo, uma pessoa até se esquece de que o que era realmente giro era se tivesse talento. André André não tem talento. É um médio de combate, razoável do ponto de vista técnico, e útil em alguns momentos de um jogo. Não é nem médio para jogar entre linhas, que é como acreditam que deve jogar, nem médio para acrescentar alguma coisa à equipa em organização ofensiva, nem médio para jogar em zonas com pouco espaço. André André não tem um pingo de criatividade. Executa rápido, é verdade, mas apenas considera uma possibilidade. A sua decisão é sempre a mais óbvia, e pode apenas ter alguma utilidade, no passe, em momentos do jogo em que há muito espaço e pouca coisa a considerar. Os treinadores continuam a teimar em médios deste género, e continuam a acreditar que este tipo de jogador tem espaço em equipas que passam a maior parte do tempo em organização ofensiva. É pena, porque o futebol moderno, dados os bons exemplos que se foram acumulando nos últimos anos, já mostrou que não é com músculo, vontade e entrega ao jogo que se constroem equipas competentes. André André é uma espécie de Raúl Meireles. Se este já apanhou uma fase da evolução do jogo em que já não deviam apostar nele, dado aquilo que se começava então a exigir a um médio de ataque, André André aparece numa altura em que só por estupidez se pode achar que a organização defensiva adversária se desfaz com gente que corre muito, toma decisões muito rápidas e disputa cada lance como se fosse a coisa mais importante do mundo. André André é o típico médio de que se gostava muito há 15 anos. Sempre que aparecem jogadores deste tipo, fico com a sensação de que não se percebe o quanto o jogo evoluiu entretanto. 

Quanto a Lopetegui, sempre me pareceu o típico treinador que, tendo sido educado, enquanto treinador, numa escola futebolística que o conduz à posse e ao futebol apoiado, possui a tentação secreta de ser um treinador à antiga. Este início de campeonato desfez finalmente todas as dúvidas. As suas equipas só não são equipas dos anos 80 porque o talento o vai disfarçando. Este ano, porém, parece realmente apostado em recuar às origens. Não é só os extremos sistematicamente abertos, as variações de flanco cada vez mais constantes, o privilégio pelas alas, a distância absurda entre jogadores e a previsibilidade com que a equipa ataca; é também o tipo de meio-campo que está a tentar construir. O ano passado, o meio-campo ofensivo do Porto era muito criativo. Quando não jogavam Oliver ou Herrera, os dois titulares, jogava Evandro, que tem bastante qualidade. E Brahimi tinha liberdade suficiente para vir para terrenos interiores, sem bola, para criar superioridade numérica por dentro e para deixar a largura e a profunidade a cargo do lateral. Este ano, além de ter saído Oliver e ter entrado Imbula, que não tem nem um terço da qualidade do espanhol e vem claramente sobrevalorizado, Herrera saiu do onze e Evandro nem conta. E Bueno, onde anda? O meio-campo do Porto, com Imbula e André André (já para não falar de Danilo), não sabe pausar o jogo, não sabe assumir a posse e não tem capacidade para desmontar linhas defensivas através de trocas de bola e penetrações frontais. Com este meio-campo, o futebol do Porto consiste sobretudo em fazer a bola chegar à linha, para que Brahimi, Corona, Varela e Tello desequilibrem individualmente, e em meter muita gente na área (os médios correm a direito, tendo por missão aparecer o mais possível junto ao ponta de lança, essencialmente a pensar em cruzamentos, em passes em profundidade para as costas da defesa e em segundas bolas). Apesar da qualidade individual do Porto, que me parece ser superior à de qualquer um dos rivais, este género de ideologia será fatal a Lopetegui.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O Futebol do Tottenham de Pochettino

O treinador mais interessante da Premier League chama-se Mauricio Pochettino. O adepto normal, assim como o comentador enfebrecido, têm porém os escrúpulos domesticados pelas opiniões vulgares dos que acreditam que a diferença entre o futebol e o halterofilismo é haver uma bola. O tom depreciativo com que os comentadores da Benfica TV falam do Tottenham de Pochettino, por exemplo, é absurdo. No ano passado, quando as coisas não corriam bem, passavam os jogos a sugerir que o treinador argentino viera descaracterizar o futebol inglês. Convencidos de que o futebol inglês é genuíno e de que em terras de Sua Majestade é que se joga a sério, tais comentadores viam o estilo da equipa londrina como uma aberração. Não é preciso muito para mostrar o quão errados estão. O futebol inglês, no seu todo, leva uns 30 anos de atraso; as competências colectivas da maior parte das equipas são pouco mais do que rudimentares; o futebol praticado é horrível, do ponto de vista da criatividade e da inteligência, e só provoca emoções naqueles que não sabem que emoções devem ter; as equipas inglesas, como se demonstra pelos fraquíssimos resultados que continuam a averbar na Europa, não têm capacidade para ombrear com as equipas europeias. Ao contrário do que pensam tais comentadores, o futebol inglês precisa de ser descaracterizado. Precisa, portanto, de mais Pochettinos. Quando as coisas começaram a correr bem ao Tottenham, quando aquele mesmo futebol, que era motivo de escárnio apenas por não obter os resultados que depois veio a obter, passou a ser eficaz, os mesmos comentadores tiveram certamente de engolir alguns sapos.

A segunda época de Pochettino à frente dos londrinos começou, de novo, menos bem, e logo os mesmos comentadores voltaram a fazer-se ouvir. Durante a primeira parte do jogo deste fim-de-semana com o Sunderland, todos os elogios eram dirigidos para os contra-ataques adversários, para a velocidade imprimida por Lens e Defoe. O Tottenham jogava organizado, de pé para pé, com qualidade, procurando atrair para desmarcar, insistindo em desfazer as linhas adversárias com paciência, invadindo o espaço entre linhas e sem pressa de chegar a zonas de finalização. À medida que o tempo ia passado e o nulo inicial não se alterava, os comentadores iam sentindo cada vez mais necessidade de exprimir a sua repugnância por um futebol que não compreendem e julgam errado. Entre outras coisas, afirmavam com desdém que Pochettino tinha "alergia aos extremos" ou que a história e a tradição de uma equipa como o Tottenham impunha outro estilo de jogo. Ora, é muito difícil explicar a tartarugas que "alergia a extremos" é possivelmente o melhor sintoma que podiam verificar actualmente num treinador de futebol. Hoje em dia, convencionou-se que qualquer equipa tem de abrir o seu jogo atacante, que deve usar extremos velozes, fortes no um para um e úteis em momentos de transição. Para a maior parte das pessoas, ter dois extremos deste género em campo é a única forma de provocar desequilíbrios, no futebol moderno. Ora, a maioria das pessoas não percebe nada de futebol. Não sendo contra a utilização de extremos, sou contra a ideia de que os extremos servem para este género de tarefas. É por isso que considero que um treinador que tem orçamento para contratar alguns extremos capazes de desequilibrar e não o faz, um treinador que dispensa os seus extremos (Lennon) ou não os utiliza com regularidade (Towsend), é um treinador que percebe que, ofensivamente, a equipa deve privilegiar soluções colectivas em detrimento de soluções individuais. Ser alérgico a extremos é sintoma de quem percebe que uma equipa é muito mais do que as individualidades que a compõem, e é por isso que Pochettino, ao contrário do que pensam aqueles que não percebem nada de futebol, é muito melhor treinador do que a maioria dos treinadores ingleses.



Não vi a segunda parte do jogo, mas dava muita coisa para ter presenciado a reacção dos energúmenos que comentavam o jogo quando o Tottenham chegou ao golo, já perto do fim do jogo. É que o golo dos londrinos é fruto justamente da insistência no tipo de futebol que esses comentadores não compreendem, no tipo de futebol que dispensa a utilização de extremos velozes a quem entregar a bola assim que é recuperada para que estes forcem os desequilíbrios na defesa adversária. O Tottenham joga preferencialmente pelo centro do terreno, colocando muita gente no meio, e insistindo em passes verticais que servem para desmontar as linhas adversárias e para aproveitar o espaço entre elas. E este golo é o melhor exemplo da utilidade desse futebol. Um toque de Lamela para Mason, o passe vertical deste para Kane, que dá de primeira em Lamela, que entretanto tinha arranjado espaço, fruto do desinteresse em si que a bola motivou, e o passe de Lamela a solicitar Mason no espaço libertado pelo central que foi atrás de Kane foi tudo o que bastou. Três jogadores e quatro passes chegaram para desmontar as linhas defensivas do adversário. Com passes curtos, tabelas e triangulações, o futebol é muito mais eficaz do que com os tão elogiados extremos que correm a direito e provocam desequilíbrios individuais. Os comentadores desportivos, sem grandes excepções, continuam a não perceber isto e continuam, semana após semana, a dizer disparates. O jogo continua a evoluir, mas aqueles que ganham a vida à custa do futebol insistem em falar do jogo que os seus avós lhes ensinaram a ver. A inteligência é uma coisa bonita, mas é quando permite aos homens aprender que aquilo que aprenderam não é válido para sempre.