Queria começar por dizer que este texto é uma fusão de dois outros, um sobre a vaidade de um jogador de futebol, outro sobre o sistema táctico testado por Guardiola no primeiro jogo do campeonato. Tendo em comum o serem sobre o Barcelona, aproveito para falar das duas coisas ao mesmo tempo. Começando pela questão da vaidade, creio que haveria bastante a dizer nesse sentido. Vou tentar ser o mais resumido possível. Para muitos, sobretudo para aqueles que têm predilecção por ideais católicos, a ideia de um jogador vaidoso é pouco agradável. A vaidade é, para a grande maioria destas pessoas, sinónimo de egocentrismo, de falta de humildade e de incapacidade de sacrifício. Não concordo com isto, embora ache que há certos tipos de vaidade que signifiquem exactamente isso. Para mim, a vaidade é das coisas mais importantes num futebolista, para não dizer em qualquer pessoa que tenha ambições de qualquer tipo. Não obstante, há jogadores que usam a vaidade como um fim em si mesmo, e nestes, de facto, o atributo não é minimamente saudável: um caso flagrante será o de Mario Balotelli.
Não é destes, porém, que pretendo falar. Podia falar do caso de Diogo Rosado, jovem jogador emprestado pelo Sporting ao Feirense, que ainda há pouco mais de uma semana deu um recital na Luz, mas creio que, também nisto, é em Barcelona que os exemplos melhor frutificam. Compare-se o futebol de Eric Abidal há dois anos com o seu futebol actual. Tirando as parecenças morfológicas, eu diria imediatamente que se trata de outro jogador. A "lavagem cerebral" a que foi sujeito modificou-o radicalmente. E estamos a falar de um jogador na fase final da sua carreira profissional, um jogador que acumulou hábitos e vícios ao longo de todo o seu percurso. Abidal era um lateral certinho, forte do ponto de vista atlético e muito concentrado. Subia pela certa, arriscava pouco, e garantia à equipa solidez. Nos primeiros dois anos de Guardiola, não se modificou significativamente, e cheguei a sugerir que Maxwell era melhor opção que o francês, sobretudo pelo jogo interior que possibilitava. No final da segunda época e, sobretudo, no início da terceira, Maxwell "ganhou" o lugar de lateral esquerdo, e Abidal passou a ser mais utilizado como central do que como lateral. Penso que essas duas coisas terão influenciado decisivamente a mente de Abidal. Primeiro, terá percebido por que razão um jogador francamente mais débil do ponto de vista físico e menos sólido defensivamente lhe tinha roubado o lugar; depois, forçado a jogar numa posição que não era a sua, obrigado a pensar de uma maneira diferente, uma vez que o Barcelona força a saída pelos seus centrais e exige que estes entreguem sempre jogável, Abidal terá começado a modificar os seus hábitos e as suas crenças. Sensivelmente a meio da época passada, e ainda a central, Abidal revolucionou-se. E, de lá para cá, tem sido sempre a melhorar. Agora, joga com uma classe que não tinha, tanto a central como a lateral, deixou de esticar o jogo no extremo ou de devolver ao central; agora, fica com ela, vem para dentro, joga no meio, provoca o adversário que o vem pressionar, arrisca dentro da área, faz "cabritos" no meio de uma multidão. Num ano, motivado pelas circunstâncias que referi acima, Abidal compreendeu que lhe faltava, para poder servir esta equipa ao máximo, adquirir uma vaidade que nunca tivera. E hoje é, de longe, o melhor lateral esquerdo do plantel (para não ir mais longe), porque percebeu que este modelo de jogo exige de cada uma das suas unidades um certo envaidecimento.
Outro bom exemplo é o de Cesc Fabregas. Quem via Fabregas a jogar o ano passado, e sobretudo se se tivesse deliciado com o seu futebol no passado, percebia nele uma tristeza qualquer. A sua enorme qualidade continuava lá, mas havia qualquer coisa em Fabregas que se atrofiara. A meu ver, o espanhol foi melhorando progressivamente o seu futebol precisamente até à época transacta. É verdade que foi fustigado por algumas lesões, e que a época não lhe correu da melhor maneira, mas a sua evolução estagnou, a meu ver, por outras razões. É sabido que Fabregas ambicionava voltar à Catalunha no início da época passada, e que ter permanecido em Londres não o terá deixado satisfeito. Mas o que perdeu, penso, foi uma certa alegria em jogar. E perdeu-a porque percebeu que o seu futebol só poderia evoluir verdadeiramente no ambiente que o Barcelona de Guardiola propiciava. O que desapareceu, na época anterior, foi a sua vaidade de jogar, a vaidade de ser cada vez melhor. E desapareceu, em meu entender, porque percebia que, para se tornar cada vez melhor, para poder potenciar ao máximo as suas qualidades, teria de mudar de ares. Ainda que o Arsenal seja das equipas que mais privilegia o tipo de futebol de que gosta, era na Catalunha que iria encontrar dez almas-gémeas, dez colegas dentro de campo que compreendem tudo o que faz. Sem a vaidade. que só jogando num modelo como o do Barcelona, poderia voltar a ter, Fabregas acomodou-se, e, não fosse a mudança para Espanha esta época, acredito que pararia de evoluir. Na Catalunha, ainda é cedo para perceber até onde pode chegar. Mas é certo que está no local mais propício para continuar a sua afirmação enquanto jogador.
Sobre vaidade, é tudo. Ou quase tudo. Podia acrescentar, fazendo a ponte do tema anterior para o que se segue, que só com onze jogadores a quem foi incutido um certo tipo de vaidade era possível uma equipa jogar, com sucesso, num esquema táctico tão arrojado como o 343 losango. À demonstração de força do Real Madrid no sábado, com uma vitória categórica por 6-0 no terreno do Saragoça (e foram 6, mas podiam ter sido 10), uma demonstração de força que, apesar de tudo, carece de consolidação, uma vez que o adversário facilitou em demasia o trabalho dos merengues, respondeu o Barcelona com uma das maiores lições tácticas dos últimos 20 anos. Pela frente, não tinha um adversário desorganizado, que defendia apenas com cinco jogadores, que não formava uma linha defensiva, que não tinha preocupações com coberturas, que não juntava os sectores, como o teve o Real Madrid no dia anterior. Tinha, sim, o quarto classificado do ano passado, uma equipa muito bem organizada, com excelentes princípios de jogo, com os sectores bem juntos, colectivamente forte. E o que fez Guardiola? Aproveitou as ausências forçadas de alguns titulares do sector defensivo para testar o seu 343, com que jogará certamente muitas vezes esta época. Os resultados do teste, adiante-se, não poderiam ter sido melhores.
O sistema não é um 343 vulgar, ou seja, um 343 em linha, nem o 343 utilizado por Marcelo Bielsa na selecção chilena, que, embora em losango, utilizava alas. É um 343 losango à Cruyff, no Barcelona, e à Van Gaal, no Ajax, um sistema que caiu em desuso nos últimos 15 anos, principalmente, a meu ver, pelos excessivos riscos de uma linha de 3 defesas, e pela natural evolução táctica do jogo. Hoje em dia, com a evolução que o jogo teve, só uma equipa muito competente a pressionar pode dar-se ao luxo de jogar neste esquema sem correr sistematicamente o risco de ver os avançados adversários enfrentar os seus 3 defesas. Por essa razão, desapareceram praticamente os sistemas tácticos com 3 defesas. Mas, se há equipa em que isso parece poder ser uma realidade, essa equipa é o Barcelona. Mas quais são as vantagens deste sistema táctico, em relação ao habitual 433, ou 442 losango? A meu ver, são vários. Não falando da saída de bola, aquando do pontapé de baliza, que passa a ter pontos de referência diferentes, creio que é a nível de pressing e a nível de formação de apoios em zonas mais ofensivas que se encontram as principais vantagens. Neste esquema, a pressão é mais alta, feita com mais homens na zona da bola, e é mais eficaz a constranger toda e qualquer circulação baixa. Contra equipas que preferem sair a jogar, que gostam de trabalhar o jogo, como o Villareal, penso que os resultados só podem ser positivos, como foram. Falta testar contra equipas que joguem mais directo, contra adversários que não tenham a preocupação de construir desde trás. Mas mesmo aí, penso, a profundidade não fica mais desguarnecida por se jogar com uma linha defensiva de três jogadores e não com uma linha de quatro, desde que a equipa recupere toda em bloco. Além disso, e porque as coisas estão ligadas, ao jogar assim o Barcelona "arrasta" sistematicamente mais adversários para zonas recuadas, tornando menos eficaz a resposta destes quando recuperam a bola. No que diz respeito aos apoios, em situação ofensiva (e aqui parece-me, de facto, a grande virtude do sistema), o Barcelona passa a jogar não só com um jogador a entrar nos espaços entre linhas, como até aqui, mas com dois. Formando um losango no meio-campo, ganha uma estrutura de apoios de maior densidade, e torna ainda mais fácil o futebol de toque curto da equipa, em organização ofensiva, e a tendência para fazer da bola um engodo. Contra o Villareal, foi assustador o modo como a equipa encostou literalmente o adversário à sua área, mesmo tendo este o desígnio de não fazer descer a linha defensiva abaixo de um determinado ponto. O Barcelona só jogou 60 minutos (a partir daí descansou com bola), acumulou uns impressionantes 71% de posse de bola contra a melhor equipa espanhola, a seguir aos catalães, a trabalhar a bola, venceu por 5-0, mas, mais do que isso, empurrou ostensivamente uma das equipas mais bem preparadas em termos tácticos para onde bem lhe apeteceu. O domínio foi, por isso mesmo, avassalador. Mais até do que esta equipa já nos tinha habituado. É uma demonstração inequívoca de força, sim, mas, mais do que isso, é mais uma lição táctica, mais uns quantos preconceitos quebrados, mais uma manifestação de como há ainda caminhos por desbravar, em termos conceptuais, no que diz respeito ao jogo.
Não é destes, porém, que pretendo falar. Podia falar do caso de Diogo Rosado, jovem jogador emprestado pelo Sporting ao Feirense, que ainda há pouco mais de uma semana deu um recital na Luz, mas creio que, também nisto, é em Barcelona que os exemplos melhor frutificam. Compare-se o futebol de Eric Abidal há dois anos com o seu futebol actual. Tirando as parecenças morfológicas, eu diria imediatamente que se trata de outro jogador. A "lavagem cerebral" a que foi sujeito modificou-o radicalmente. E estamos a falar de um jogador na fase final da sua carreira profissional, um jogador que acumulou hábitos e vícios ao longo de todo o seu percurso. Abidal era um lateral certinho, forte do ponto de vista atlético e muito concentrado. Subia pela certa, arriscava pouco, e garantia à equipa solidez. Nos primeiros dois anos de Guardiola, não se modificou significativamente, e cheguei a sugerir que Maxwell era melhor opção que o francês, sobretudo pelo jogo interior que possibilitava. No final da segunda época e, sobretudo, no início da terceira, Maxwell "ganhou" o lugar de lateral esquerdo, e Abidal passou a ser mais utilizado como central do que como lateral. Penso que essas duas coisas terão influenciado decisivamente a mente de Abidal. Primeiro, terá percebido por que razão um jogador francamente mais débil do ponto de vista físico e menos sólido defensivamente lhe tinha roubado o lugar; depois, forçado a jogar numa posição que não era a sua, obrigado a pensar de uma maneira diferente, uma vez que o Barcelona força a saída pelos seus centrais e exige que estes entreguem sempre jogável, Abidal terá começado a modificar os seus hábitos e as suas crenças. Sensivelmente a meio da época passada, e ainda a central, Abidal revolucionou-se. E, de lá para cá, tem sido sempre a melhorar. Agora, joga com uma classe que não tinha, tanto a central como a lateral, deixou de esticar o jogo no extremo ou de devolver ao central; agora, fica com ela, vem para dentro, joga no meio, provoca o adversário que o vem pressionar, arrisca dentro da área, faz "cabritos" no meio de uma multidão. Num ano, motivado pelas circunstâncias que referi acima, Abidal compreendeu que lhe faltava, para poder servir esta equipa ao máximo, adquirir uma vaidade que nunca tivera. E hoje é, de longe, o melhor lateral esquerdo do plantel (para não ir mais longe), porque percebeu que este modelo de jogo exige de cada uma das suas unidades um certo envaidecimento.
Outro bom exemplo é o de Cesc Fabregas. Quem via Fabregas a jogar o ano passado, e sobretudo se se tivesse deliciado com o seu futebol no passado, percebia nele uma tristeza qualquer. A sua enorme qualidade continuava lá, mas havia qualquer coisa em Fabregas que se atrofiara. A meu ver, o espanhol foi melhorando progressivamente o seu futebol precisamente até à época transacta. É verdade que foi fustigado por algumas lesões, e que a época não lhe correu da melhor maneira, mas a sua evolução estagnou, a meu ver, por outras razões. É sabido que Fabregas ambicionava voltar à Catalunha no início da época passada, e que ter permanecido em Londres não o terá deixado satisfeito. Mas o que perdeu, penso, foi uma certa alegria em jogar. E perdeu-a porque percebeu que o seu futebol só poderia evoluir verdadeiramente no ambiente que o Barcelona de Guardiola propiciava. O que desapareceu, na época anterior, foi a sua vaidade de jogar, a vaidade de ser cada vez melhor. E desapareceu, em meu entender, porque percebia que, para se tornar cada vez melhor, para poder potenciar ao máximo as suas qualidades, teria de mudar de ares. Ainda que o Arsenal seja das equipas que mais privilegia o tipo de futebol de que gosta, era na Catalunha que iria encontrar dez almas-gémeas, dez colegas dentro de campo que compreendem tudo o que faz. Sem a vaidade. que só jogando num modelo como o do Barcelona, poderia voltar a ter, Fabregas acomodou-se, e, não fosse a mudança para Espanha esta época, acredito que pararia de evoluir. Na Catalunha, ainda é cedo para perceber até onde pode chegar. Mas é certo que está no local mais propício para continuar a sua afirmação enquanto jogador.
Sobre vaidade, é tudo. Ou quase tudo. Podia acrescentar, fazendo a ponte do tema anterior para o que se segue, que só com onze jogadores a quem foi incutido um certo tipo de vaidade era possível uma equipa jogar, com sucesso, num esquema táctico tão arrojado como o 343 losango. À demonstração de força do Real Madrid no sábado, com uma vitória categórica por 6-0 no terreno do Saragoça (e foram 6, mas podiam ter sido 10), uma demonstração de força que, apesar de tudo, carece de consolidação, uma vez que o adversário facilitou em demasia o trabalho dos merengues, respondeu o Barcelona com uma das maiores lições tácticas dos últimos 20 anos. Pela frente, não tinha um adversário desorganizado, que defendia apenas com cinco jogadores, que não formava uma linha defensiva, que não tinha preocupações com coberturas, que não juntava os sectores, como o teve o Real Madrid no dia anterior. Tinha, sim, o quarto classificado do ano passado, uma equipa muito bem organizada, com excelentes princípios de jogo, com os sectores bem juntos, colectivamente forte. E o que fez Guardiola? Aproveitou as ausências forçadas de alguns titulares do sector defensivo para testar o seu 343, com que jogará certamente muitas vezes esta época. Os resultados do teste, adiante-se, não poderiam ter sido melhores.
O sistema não é um 343 vulgar, ou seja, um 343 em linha, nem o 343 utilizado por Marcelo Bielsa na selecção chilena, que, embora em losango, utilizava alas. É um 343 losango à Cruyff, no Barcelona, e à Van Gaal, no Ajax, um sistema que caiu em desuso nos últimos 15 anos, principalmente, a meu ver, pelos excessivos riscos de uma linha de 3 defesas, e pela natural evolução táctica do jogo. Hoje em dia, com a evolução que o jogo teve, só uma equipa muito competente a pressionar pode dar-se ao luxo de jogar neste esquema sem correr sistematicamente o risco de ver os avançados adversários enfrentar os seus 3 defesas. Por essa razão, desapareceram praticamente os sistemas tácticos com 3 defesas. Mas, se há equipa em que isso parece poder ser uma realidade, essa equipa é o Barcelona. Mas quais são as vantagens deste sistema táctico, em relação ao habitual 433, ou 442 losango? A meu ver, são vários. Não falando da saída de bola, aquando do pontapé de baliza, que passa a ter pontos de referência diferentes, creio que é a nível de pressing e a nível de formação de apoios em zonas mais ofensivas que se encontram as principais vantagens. Neste esquema, a pressão é mais alta, feita com mais homens na zona da bola, e é mais eficaz a constranger toda e qualquer circulação baixa. Contra equipas que preferem sair a jogar, que gostam de trabalhar o jogo, como o Villareal, penso que os resultados só podem ser positivos, como foram. Falta testar contra equipas que joguem mais directo, contra adversários que não tenham a preocupação de construir desde trás. Mas mesmo aí, penso, a profundidade não fica mais desguarnecida por se jogar com uma linha defensiva de três jogadores e não com uma linha de quatro, desde que a equipa recupere toda em bloco. Além disso, e porque as coisas estão ligadas, ao jogar assim o Barcelona "arrasta" sistematicamente mais adversários para zonas recuadas, tornando menos eficaz a resposta destes quando recuperam a bola. No que diz respeito aos apoios, em situação ofensiva (e aqui parece-me, de facto, a grande virtude do sistema), o Barcelona passa a jogar não só com um jogador a entrar nos espaços entre linhas, como até aqui, mas com dois. Formando um losango no meio-campo, ganha uma estrutura de apoios de maior densidade, e torna ainda mais fácil o futebol de toque curto da equipa, em organização ofensiva, e a tendência para fazer da bola um engodo. Contra o Villareal, foi assustador o modo como a equipa encostou literalmente o adversário à sua área, mesmo tendo este o desígnio de não fazer descer a linha defensiva abaixo de um determinado ponto. O Barcelona só jogou 60 minutos (a partir daí descansou com bola), acumulou uns impressionantes 71% de posse de bola contra a melhor equipa espanhola, a seguir aos catalães, a trabalhar a bola, venceu por 5-0, mas, mais do que isso, empurrou ostensivamente uma das equipas mais bem preparadas em termos tácticos para onde bem lhe apeteceu. O domínio foi, por isso mesmo, avassalador. Mais até do que esta equipa já nos tinha habituado. É uma demonstração inequívoca de força, sim, mas, mais do que isso, é mais uma lição táctica, mais uns quantos preconceitos quebrados, mais uma manifestação de como há ainda caminhos por desbravar, em termos conceptuais, no que diz respeito ao jogo.
29 comentários:
"Só o passado está inventado. Se pretendermos afirmar o presente e conjugar o Futebol no futuro, quase tudo está por inventar." (Júlio Garganta).
Texto fabuloso Nuno...
Abraço,
Jorge D.
Nuno, ainda n tive oportunidade de ler o texto todo. Li dois parágrafos e desci até aqui para te dizer que talvez já não defendas com tanta agressividade que o treino e o treinador não possam modificar a tomada de decisão do atleta.
Recordo-me de discordarmos disso há imenso tempo.
:) Acho que há excepções. O Guardiola não é bem um treinador; é um revolucionário. E a mudança do Abidal tem muito a ver com o treinador, com o treino, com o ambiente especial em que está inserido, etc. E demorou mais 2 anos. É pouco comum acontecer uma mudança tão radical num jogador, ainda por cima num jogador com esta idade. Há outros exemplos, em que ocorreram mudanças evidentes na tomada de decisão de um atleta, mas não tão profundas: os exemplos de Varela e Guarín, no ano passado, no Porto de Villas-Boas. Por exemplo, o Varela, até ao ano anterior, aprendera por si próprio a gerir a frequência com que driblava, e aprendeu, acho, a utilizar o drible, o seu melhor recurso, precisamente como um recurso, e não como a sua única arma. Mas com Villas-Boas passou a privilegiar muito mais ideias colectivas. A mudança não é drástica, mas é visível. São casos em que ocorrem algumas mudanças, mas ligeiras. Mudar completamente a mente de um jogador, fazendo-o privilegiar o oposto de tudo o que antes privilegiara, é mesmo muito pouco frequente. O caso do Abidal é o melhor exemplo, mas não me parece inocente ter acontecido precisamente em Barcelona.
Jorge, obrigado. De facto, de entre os muitos preconceitos que este Barcelona já derrubou, a ideia de que já tudo está inventado é um dos principais...
Aí estou com o PB, Nuno! É possivel modificar a forma de agir de um jogador através do treino! Por vezes esse ciclo é curto, pela frequente mudança de treinadores nos clubes.
No entanto, é tão fácil fazer como Guardiola e valorizar o que de melhor podem os jogadores ter, como fazer o contrário (como "quase todos os outros")...condiciona-los de tal forma a que a sua intuição para o "bom jogar" desapareça a pouco e pouco, fazendo dos mesmos robot's, e sejamos sinceros, uma percentagem altíssima de treinadores de alto rendimento encontram-se nesta ultima parcela.
Abraço,
Jorge D.
Deu gosto ler este texto. Muito bom Nuno. Keep going...
☺
Eu tenho de concordar com o Nuno, o caso do Abidal é uma excepção à regra, com a idade e os vicios que tinha era improvável que ocorresse uma mudança tão radical. Tomando como exemplo o Inter, tenho dúvidas de que algum treinador consiga que o Lúcio, ou mesmo o Zanetti, joguem com a defesa alta, e passando um jogador adversário nas suas costas não comecem logo a correr desalmados atrás deles. Pelo menos é a ideia que tenho, por mais treino que haja, o Mourinho, por exemplo, não parece que tenha conseguido.
Parece-me também que não sendo o Barcelona um clube de passagem para jogadores e treinadores, acho que facilita a dedicação e motivação (ou vontade, se quiserem) dos jogadores e equipa técnica para este tipo de mudanças/trabalho, na medida em que parece que há tempo para isto tudo porque não há mais para onde ir. Duvido que Guardiola conseguisse este trabalho num clube português.
É lógico que outros factores também estarão envolvidos, pois trata-se do Barcelona e tudo o que isso significa.
estas de volta aos 'grandes' textos em conteudo, que nos fazem ler sem parar até ao fim...
continua!!!
Quanto á mudança na tomada de decisões duvido que mesmo o Guardiola conseguisse fazer com que o Pepe deixasse de ser assassino hehehe
Realmente, bom texto.
Curiosamente também notei essa alteração, o Abidal era dos jogadores que menos gostava no Barcelona, parecia que não pertencia ali, agora só me faz lembrar o Thuram, tem elegância e classe (não lhe chamava vaidade). Nunca gostei muito do Fabregas, por acaso também sempre o achei muito "murcho", não dá "pica" nenhuma ver jogar, espero que melhores, mas ainda é cedo para ver. o Thiago é que é brutal!!
Penso que o recurso ao 3-4-3 losango foi pensado por guardiola após ter sentido dificuldades em construir jogo contra o porto, vendo-se privado do seu central de eleição e ponto fulcral no inicio do processo ofensivo.
o que acho interessante é a capacidade de guardiola responder aos problemas que lhe sao apresentados durante a preparação do jogo e durante o mesmo. acho que o reconhecimento do merito e capacidade unica do treinador permite extrair tudo de bom que os jogadores têm, pois acreditam nas ideias do treinador.
Para terminar duas perguntas:
-Qual a vossa opinião sobre o modo de parar este barcelona? a versão mourinho nao conta...
-Acham que com o Pique o guardiola tinha enfrentado o villarreal com o 343?
subscrevo quase tudo, mas creio que te equivocas um pouco no binómio "ideais católicos"/vaidade.
Um dos conceitos mais incutidos nos jogadores da Masia, e de que tanto o Guardiola fala, é precisamente o de "seny": compostura e contenção de emoções, respeito pelo adversário, muito trabalho, auto-crítica. O que mais do que apenas valores cristãos (e lembro que ao contrário do que se julga a catalunha tem um denso bas fonde religioso, nem que seja com a ideia do povo eleito), parece-me ter um pouco de estoicismo, à mistura. Lembrando, contudo, que o Deus bíblico não acha muita piada aos indivíduos que não cumprem o seu potencial, deixando-se encostar à sombra da bananeira, e que a catalunha, é, pela sua própria ligação ao mediterrâneo e busca de afirmação face a castela, terra de gente empreendedora e racional, mas também pela sua convicção de especificidade, algo tendente à auto sobre-avaliação.
Daí, creio, a insistencia de guardiola em seny, valor que sustenta essa alegria em jogar, e a convicção de que os riscos são legítimos desde que fundados em trabalho, mas também lembrando as desilusões da era pos-cruyyf, com especial incidencia no inicio desta década. afinal, o guardiola viveu tudo isso...
- o 3-4-3 foi aposta racional face a um vilarreal que canaliza quase todo o seu jogo pelo centro do campo e que joga apenas com dois avançados (4-2-2-2), mas agora com menos qualidade (falta santi cazorla).
Mas perde-se a dinâmica táctica oferecida por dani alves e não creio que seja viável com equipas que alarguem muito o jogo, e que disponham de laterais e extremos bem rápidos.
- haverá mais algum treinador neste universo que alinhe de início apenas um defesa de raiz? Nuff said.
Jorge D. diz: "Aí estou com o PB, Nuno! É possivel modificar a forma de agir de um jogador através do treino!"
Jorge D., eu sou um bocado menos optimista que vocês, só isso. E talvez por 2 razões: pela minha experiência enquanto jogador, e pelas ideias que tenho acerca de formação de conceitos na mente de uma pessoa. Modificar certos comportamentos não há-de ser difícil, e uma questão de bom treino. Modificar outro tipo de comportamentos é que já não me parece tão fácil. E acho que há uma diferença grande entre tipos de comportamentos. Por exemplo, "ensinar" um jogador a defender à zona, modificando-lhe os hábitos da referência do adversário, não é uma coisa que se consiga de um dia para o outro, mas com algum treino e alguma paciência, dependendo também do jogador, acho que se consegue. O mesmo, por exemplo, com o respeito pelo posicionamento dos colegas, etc. "Ensinar" um jogador a não jogar comprido, e a procurar sistematicamente uma linha de passe curto, também me parece cultivável. O que me parece mais difícil, até porque a especificidade de um treino desse tipo teria de ser enorme, é "ensinar" um jogador a identificar a melhor solução de passe, entre 5 ou 6 possíveis, numa fracção de segundos.
Deixa-me explicar isto com o exemplo do Mascherano. O Mascherano é um jogador que, no meio-campo, joga simples (quando não tenta esticar), que já percebeu que o Guardiola não quer que o médio-defensivo abra o campo de visão, que procura entregar sem complicar, e perde poucas bolas. Mas é incapaz de identificar alturas em que a melhor solução é um passe vertical, para um jogador com várias adversários perto dele. Não o consegue porque toda a vida foi "ensinado" ao contrário, porque toda a vida lhe disseram para não jogar num jogador que estivesse apertado, porque toda a vida lhe faltou ser estimulado a procurar o passe vertical. É evidente que pode modificar-se, mas acho difícil fazê-lo, e acho impossível fazê-lo em alguns meses. É um processo longo, é uma autêntica "lavagem cerebral". Porque o que está em jogo são as mais fundas noções de "certo" e "errado". Mais do que ouvir alguém dizer que o "errado" afinal é "certo", mais do que ver que aquilo em que acreditava ser "errado" afinal é "certo", ele precisa sentir que o é. Permite-me a analogia seguinte. Para o Mascherano mudar, não bastaria que lhe dissessem que, atirando-se de um penhasco, sobreviveria; não bastaria ver um colega atirar-se de um penhasco e sobreviver; precisava de sentir, de ter um certo tipo de fé, de que ao atirar-se não iria morrer. Certos comportamentos dos jogadores dependem das mais enraízadas crenças dos mesmos. E não se mudam de um dia para o outro. E, neste caso, estou a falar duma zona do terreno em que o tempo para executar é grande. Em zonas mais ofensivas, então, mais difícil ainda é mudar este tipo de comportamentos. Quem é criativo sempre o foi; dificilmente se ganha criatividade enquanto sénior.
Quando falo em tomadas de decisão, muitas vezes falo a este nível. Um exemplo parecido é o que se dá com a técnica. Ninguém, com mais de 20 anos, adquire competências técnicas em poucos meses. Isto é, pode-se treinar certas técnicas específicas, que não exigem um treino complexo, como seja a técnica de remate, a técnica de recepção, etc. Mas a técnica de condução de bola entre adversários, técnica de protecção da bola, etc., são coisas bem complexas que se vão aprendendo ao longo de vários anos, desde que se começa a jogar. Creio que é o mesmo com certas tomadas de decisão.
Abraço!
Obrigado, Pedro. Obrigado, RG.
Claro, Kaspov. Ajuda estar num clube de topo, num clube estável, com ideais muito próprios, e um treinador muito específico.
DC, pois, a minha opinião sobre o Pepe é muito essa. Parece-me que os seus ímpetos não serão nada fáceis de domesticar.
Obrigado, Bad-Religion. Sobre o Thiago, há-de sair brevemente um texto.
simaoasa, não sei se o 343 foi pensado para isso, mas certamente que é uma das suas virtudes. Digo isto porque a contratação do Fabregas sempre me pareceu ter muito a ver com a ideia de um modelo de jogo diferente do 433. E acho que o Guardiola já disse que será um modelo a explorar em vários jogos caseiros.
Sobre a primeira pergunta, já escrevi aqui algumas coisas sobre isso. Acho que a melhor maneira é ter bola, pois é da bola que se alimenta o jogo do Barça. Agora, para ter bola, é preciso ter um modelo de jogo muito bem trabalhado, e de fundo. Não adianta chegar ao jogo com os catalães e pedir aos jogadores para terem bola. Ao mesmo tempo, é preciso pressionar como o Porto pressionou, por exemplo. A equipa que melhor condicionou o jogo do Barça, até hoje, foi para mim o Arsenal, o ano passado, em Londres. Pressionou alto, geriu pacientemente a bola, sem procurar chegar rapidamente à baliza catalã, obrigando o Barcelona a um desgaste a que não está habituado, e subiu muito a linha defensiva, para encurtar sectores. É claro que, para isso, é preciso sobretudo muita qualidade táctica e muita qualidade a sair de zonas de pressão, pois o Barcelona é fortíssimo a criá-la. Em suma, o melhor modelo para contrariar este Barcelona, em meu entender, é copiar-lhe o modelo.
Sobre a segunda pergunta, acho que sim, com o Piqué no lugar do Busquets e este no lugar do Keita. Acho que sim porque me parece que o Guardiola quer trabalhar este modelo e, desconfio, quer testá-lo para, caso seja necessário, surpreender de algum modo o Real Madrid em futuros encontros. E mesmo com o Dani Alves em condições, creio que o Guardiola vai testar mais vezes isto.
Guilherme, pois, a minha noção de vaidade é problemática. Tem de ser "vaidade" naquilo que se faz, e não "vaidade" por si mesma. Uma pessoa convicta de agir por princípios que considera correctas, convicta de que há ganhos em ser humilde, respeitadora, cumpridora, rigorosa, etc., tem necessariamente uma certa vaidade em agir de acordo com esses ideais.
Guilherme diz: "Mas perde-se a dinâmica táctica oferecida por dani alves e não creio que seja viável com equipas que alarguem muito o jogo, e que disponham de laterais e extremos bem rápidos."
Claro. Mas ganham-se outras coisas. Não podia ser tudo perfeito. Mas sendo essa dinâmica uma das coisas que os adversários melhor identificam no Barça, abdicar dela é uma boa maneira de surpreendê-los. De resto, parece-me que este sistema constrange ainda mais o que os outros fazem. Sim, há equipas que alargam mais o jogo, mas, ao defenderem-se deste sistema vão fechar tanto no meio que, ao recuperarem a bola, esse alargamento ficará necessariamente prejudicado. Mas veremos como evolui tudo isto.
"haverá mais algum treinador neste universo que alinhe de início apenas um defesa de raiz? Nuff said."
Esqueci-me de dizer isso. Queria tê-lo referido e acabei por me esquecer. É verdade! Um único defesa de raiz em campo! Se isto não é ousadia e revolução, se não é a mais significativa lição ofensiva da História do jogo, não sei o que seja...
Boas Nuno,
Eu percebo a tua perspectiva e onde queres chegar, mas não concordo na totalidade com ela.
Já escrevi sobre isso, para mim a criatividade não se treina, mas pode-se desenvolver durante o treino.
O treino pode alterar o tudo isso.
É vago tentar saber o que é certo ou errado. Muitos treinadores utilizam isso como premissa, mas não me parece o indicado. Antes, tem de se saber apreciar a situação, ler o ambiente, porque isso será o suporte para hierarquia de comportamento, proveniente da decisão.
Quando olho para o Iniesta, não o "vejo" a fazer 1x1+gr em treino, ou que a sua experiência tenha sido só essa. Só percebo qualquer jogo onde essa forma esteja presente, mas em mais que um sentido, em que isso que não seja o único objectivo, algo que não o condicione só a esse momento. Por aí, se desbrava o caminho da criatividade. Depois os ritmos de aprendizagem, e longevidade de conservação de informação é que diferem, claramente.
No outro dia, usei mais ou menos esse exemplo. Disse que não era preciso alguém atirar-se do topo de um prédio para perceber que não consegue flutuar, basta que o faça do cimo da cama!
Quem não foi estimulado para ser criativo, pode nunca o vir a ser, mas passa a ter noção do conceito de criatividade (mesmo com a personalidade já formada), é isso é um passo enorme, perceber que a acção do próximo pode ser mais criativa que a minha e ter tempo para me ajustar à sua decisão. Acontece com Mascherano. Faz um exercício Nuno. Quando puderes experimenta lavar os dentes com o teu braço "não dominante", e fa-lo durante uma semana! Se não o és, provavelmente nunca serás ambidextro, mas ficas com a noção que podes lavar os dentes com as duas mãos, e criaras adaptação a isso. Não sei a tua idade, mas pelo discurso não me parece que tenhas só 20 anos! Mas consegues evoluir, é como se fosse um treino.
O treino consegue explorar tudo isso. Como disse uma vez Vitor Frade (não por estas palavras mas parecido): "O bom treinador é o que consegue transformar cabos de vassoura em aspiradores".
Mascherano, não é (nem nunca vai ser) o melhor aspirador do mercado, mas nesta altura vai chegando para ser suficientemente útil, aí, mérito para Guardiola! Mascherano já foi bem pior.
Nuno..."Quando falo em tomadas de decisão, muitas vezes falo a este nível. Um exemplo parecido é o que se dá com a técnica. Ninguém, com mais de 20 anos, adquire competências técnicas em poucos meses. Isto é, pode-se treinar certas técnicas específicas, que não exigem um treino complexo, como seja a técnica de remate, a técnica de recepção, etc. Mas a técnica de condução de bola entre adversários, técnica de protecção da bola, etc., são coisas bem complexas que se vão aprendendo ao longo de vários anos, desde que se começa a jogar. Creio que é o mesmo com certas tomadas de decisão."
A meu ver, as competências técnicas, apenas têm uma função! Exprimir inteligencia. Isso pode-se conseguir, até com mais idade, com o treino. Mas tocas num ponto importante, a complexidade. Hoje em dia, com o facilitismo em que vivemos, o importante é proporcionar o sucesso! Discordo, profundamente. A complexidade do treino é de extrema importância. Qualquer que seja o exercício, deve ser tão ou mais complexo que o próprio jogo, isso torna o jogo mais fácil, pela adaptação que a rotina a situações complexas te oferece, é lógico que terá de existir bom senso nessa programação.
Não sei se tens carta de condução, mas se tens, hoje, és melhor condutor que ontem, tenho certeza! Há um estudo que indica que o condutores com mais experiência
alargam a visão periférica, algo directamente ligado a boas decisões, ao tal suporte da decisão que falei atrás. Mas para isso tens que andar de carro, não ficas na garagem a fingir que vais na rua a toda a velocidade, porque essa noção não é real, como a maioria de exercícios que acontecem no treino! E eu falo por experiência própria, as "marteladas" que levo na distrital de LX, por exemplo, tornam-me mais burro, o treino nada tem a ver com o jogo! Por vezes até com bola, mas nada tem a ver com o jogo na mesma!
Bem isto é conversa para horas, e como o texto já vai extenso não me alongo mais.
Abraço,
Jorge D.
Com isto tudo, quis apenas dizer que sim, sou um pouco mais optimista que tu nesse sentido! Não vim atacar-te em nenhum sentido, só opinar :)
Até porque te dou razão em muito do que dizes sobre isso, mas nesse prisma, não penso bem assim! :)
Abraço.
Claro, Jorge. Não me sinto nada atacado. :) Aliás, acho que concordamos e que pensamos do mesmo modo, e que a diferença está no grau do optimismo. Eu acho que há comportamentos fáceis de mudar, comportamentos ligeiramente mais difíceis de mudar, comportamentos muito difíceis de mudar, e comportamentos que se leva uma vida inteira a mudar. Depende tudo da complexidade do que envolve o comportamento. Lavar os dentes não é propriamente uma coisa complexa e acredito que sim, que com algum treino e alguma persistência, se aprende a fazê-lo com a mão não dominante. É assim que funcionam todas as técnicas. Andar de bicicleta requer apenas tentativa e erro, tentativa e erro. Até se perceber o "truque" da coisa e se começar a desenvolver a "técnica". Há depois coisas mais complexas, que envolvem não só a relação do corpo com um objecto (como o caso de lavar os dentes e de andar de bicicleta), mas a relação entre a relação do corpo com um objecto e um contexto qualquer, que é o caso do futebol. E, consoante a complexidade desse contexto, mais difícil é a aprendizagem.
Bom, mas isto é, como tu dizes, conversa para horas. Não me parece que discordemos substancialmente um do outro, e que é mesmo uma questão de maior ou menor confiança na ideia de aprendizagem.
Um abraço!
Dei o exemplo de lavar os dentes, como algo muito específico, mas de pouca complexidade. Como se fosse uma micro tarefa de treino / jogo, a complexidade não está no fazer, mas sim fazer de acordo com um contexto!
Mas se esse contexto for recriado no treino, e não só a nível táctico, mas também emocional, social, físico, psicológico, tudo!
Hoje em dia está na moda dizer que não se deve treinar a Tomada de Decisão quando se está fatigado por exemplo! E eu pergunto! Ai sim, e no jogo não acontece o mesmo? Se n o fazem no treino também não sairá no jogo por certo!
Sim também acho que é mais uma questão de crença!
Mas como diz Manuel Sérgio, a crença gera ciência! :)
Grande Abraço,
O génio de Guardiola, nisto como em tantas outras coisas, está na sua brilhante capacidade de análise, o transformar no rotineiro o complexo, o inesperado a regra.
Há treinadores, como Mourinho, que se limitam a sacar o máximo rendimento dos jogadores que têm em mãos, metamorfoseando-se até perder a sua própria identidade. Outros, rígidos, tentam adaptar tudo a si mesmos num laivo de egocentrismo que habitualmente acaba mal. Guardiola une as duas escolas com uma sabedoria platónica. Tem os seus esquemas na cabeça mas sabe enquadrar-se no modelo de jogadores que tem (e que quer) ao mesmo tempo que exige a estes que passam por um processo de assimilação à mentalidade da casa.
Como foi aqui referido Pep pode fazer isto porque está num clube estável. Mais. Pep pode fazer isso porque está em casa, porque a sua filosofia é a mesma da casa e isso não o obriga a comprometer-se, obriga os outros a adaptar-se. Guardiola é a cartilha do barcelonismo e quem olha agora para o ressuscitar do 3-4-3 cruyffiano num regresso nostálgico ao passado, Pep pode responder que ele é um técnico assumidamente do futuro, um técnico que conseguiu aquilo que Ferguson ou Spaletti tentaram, de forma tímida: acabar com o ponta de lança.
O Barcelona não joga num vulgar 4-3-3, o Barcelona joga num claro 4-6-0 em que Messi, Villa, Pedro, Iniesta, Xavi, Busquets, Thiago, Keita ou Cesc se misturam numa trituradora futebolística que transforma a figura do ponta de lança numa peça de museu como são os velhos 10 ou os extremos clássicos. Essa transformação é muito mais interessante que um regresso ao passado oportuno em determinadas condições porque vai mais longe do que Cruyff ou van Gaal alguma vez ambicionaram.
Messi é um falso nove como Romário, Ronaldo, Saviola e Etoo poderiam ter sido, graças à sua mobilidade e facilidade de associação (só Kluivert escapava a esta escola e por isso sofreu tanto no Camp Nou) mas tem o adn Barça incutido e isso faz toda a diferença à hora de movimentar-se entre Fabregas (sim, finalmente feliz), Xavi, Busquets, Pedro ou Iniesta. É essa a diferença que o transforma num jogador letal e foi esse processo de aprendizagem, impossível num clube sem uma mentalidade própria tão definida como é o Barça que permitiu a Abidal transformar-se num jogador mediano num verdadeiro lateral de dimensão histórica!
cumprimentos
"o Barcelona joga num claro 4-6-0"
????
São raras as ocasiões em que discordo de um texto teu Nuno, por isso vou aproveitar a oportunidade para confrontar a tua opinião acerca deste 3-4-3 do Guardiola.
Para mim é um retrocesso. Sempre achei que o 4-3-3 do Pep era um sistema verdadeiramente inovador. Este 3-4-3 parece-me mais, por um lado, uma tentativa de encaixar Busquets, Xavi, Iniesta e Cesc (meu deus, só dizer estes 4 nomes seguidos dá arrepios!) e por outro lado uma certa nostalgia e admiração do Pep pelo Dream Team de que fez parte (esta mais difícil de provar, é claro).
Não queria transformar este comentário num texto enorme, por isso vou deixar apenas a razão principal porque considero o 4-3-3 de Pep um sistema melhor: ao ver o Barça em 3-4-3 observo que os "extremos" quando em ataque organizado ficam muito mais colados à linha do que no 4-3-3. Quando em 4-3-3, as subidas dos laterais (ambos ao mesmo tempo, deixando atrás uma linha de 3 constituida pelos dois centrais e pelo Busquets) como que empurram os extremos para dentro, em diagonais, aproveitando o espaço deixado liberto pela descida do Messi de "9" para "10". Esta dinâmica descoordena completamente a defesa contrária.
Não vejo, nem de perto nem de longe, a mesma dinâmica no 3-4-3.
Claro, Batalheiro. Como disse, há vantagens e desvantagens nos dois sistemas. Só falei das vantagens, no texto, mas há a desvantagem imediatamente óbvia do aproveitamento da profundidade pelo Dani Alves em 433. Quanto à questão dos extremos, é possível que eles permaneçam mais abertos em 343, mas isso também pode ser vantajoso em alguns aspectos, nomeadamente em manter a defesa contrária mais aberta do que desejaria. Acho que os dois sistemas são muito bons, e têm vantagens e desvantagens. Agora, este 343 parece-me, sobretudo pela novidade, ser uma alternativa extraordinariamente boa para surpreender os adversários que se preparam para o 433 de Guardiola.
Nuno,
Sim, concordo... estava a focar-me apenas nos aspectos que considero menos positivos no 343. E sou um grande adepto do 433 do Pep, que considero, por várias razões, mais imprevisível! Acho que ele acabará por alternar entre os dois sistemas.
Batalheiro, não sei se viste ontem o massacre que o Barça deu ao Osasuna. O Dani Alves jogou a extremo no 343 losango, e a equipa conseguiu potenciar o mesmo tipo de dinâmicas que usa quando em 433, com ele a lateral. O primeiro golo é um bom exemplo disso. Mas, sobretudo, acho que dificilmente conseguiriam um jogo tão perfeito em 433. Foram 8, mas poderiam, sem exagero nenhum, ter sido 15. Ainda foram 3 bolas ao poste, e vários lances na cara do guarda-redes. E nem sequer foi um jogo em que o adversário se tenha desconcentrado muito, e baixado os braços. Comparando com o 8-0 do ano passado, frente ao Almeria, neste jogo o Osasuna manteve-se agressivo e organizado. Foi é um jogo incrivelmente bom do Barça, sempre concentrado, sempre interessado em criar situações. Os 83% de posse de bola no final devem ser um record. E isto acho que tem muito a ver com o 343, primeiro porque a equipa pressiona mais alto, depois porque consegue criar apoios mais à frente, conseguindo assim também uma posse de bola mais à frente no terreno. E depois há outra vantagem grande neste sistema: como é uma coisa nova, diferente, arrojada, os jogadores entram em campo com os níveis de concentração mais altos. Em 2 jogos, o Barcelona marcou 13 golos e não sofreu nenhum, neste modelo. Parece-me que vem aí mais uma revolução.
Nuno,
Não vi o jogo, acho que preciso de de ver o Barça a jogar mais algumas vezes em 343 para formar uma opinião definitiva. Tornei-me um grande adepto do 433 do Pep! Mas pela descrição que fazes do espancamento do Osasuna o 343 não pode ser tão estático como eu suponha... as minhas suposições eram mais teóricas do que fruto de observação (até porque ainda agora começou a época).
Vou esperar para ver então! Mas 83% de posse de bola... nem no Sensible Soccer...
É certo qu este Barcelona não defende com Pepe, nem com Marcelos. Tem piqué, central completissimo, tem Puyol (experiente e posicionalmente BOM). Masherano vai cumprindo e Busquets dá consistencia, goste-se ou não. Devo dizer que nunca vi uma equipa pressionar tão alto de forma tão compacta. é dificilimo contrariar este Barcelona e acredito que sejam capazes de banalizar qualquer equipa.
Acredito é que um 4x3x3 assegurando uma posse ainda de melhor qualidade e conferindo mais possibilidades na transição e construção no último 1/3, torna a equipa vulnerável ás transições rápidas. Veja-se o que Pato fez áquela defesa, no jogo da Liga dos campeões.´
Em SUMA: o 3x4x3 não será pau para toda a colher.
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