quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Para Guardiola ver

Francamente, nunca percebi toda a histeria em torno do croata Mandzukic. Sempre me pareceu um avançado pouco evoluído tecnicamente e pouco capaz de perceber o jogo como realmente se exige a um avançado. Como facilmente se percebe, portanto, não pude deixar de ser surpreendido com o que aconteceu na época transacta a Mario Gomez, um internacional alemão, titular indiscutível nos últimos anos no clube e titular indiscutível da selecção, que perdeu o lugar para um jogador bem inferior, em todos os aspectos do jogo. Com a chegada de Guardiola, imaginei que Mandzukic perdesse o espaço que alcançara a época passada, mas aquele que seria o legítimo dono do lugar foi de imediato transferido, não se sabe se por opção sua, se por vontade de Guardiola. O técnico catalão, de resto, parece continuar a confiar a titularidade a Mandzukic, apesar de o croata ser incapaz de tomar uma decisão correcta ou de, simplesmente, segurar uma bola e entregar de frente. Pizarro já não é novo, e não pode dar o que Mandzukic dá, em termos defensivos. Mas, convenhamos, pulmão e agressividade nunca foram as características de que Guardiola mais gostou num avançado. Se nos extremos a capacidade de pressão sempre foi algo que Guardiola cultivou (e Mandzukic até já actuou, esta época, como extremo), o avançado de Guardiola tem de saber, acima de tudo, fornecer o apoio vertical certo, no momento exacto, e tem de saber segurar de costas, entregar de frente, servir de referência para tabela, tem de fazer mais movimentos de aproximação do que de profundidade, etc.. Mandzukic não sabe nada disto e jamais seria capaz de fazer o que Pizarro fez neste lance, esta terça-feira, frente ao Friburgo:


O lance ocorre sensivelmente a meio da segunda parte do jogo (no video, só dá para ver o lance todo na repetição, que começa aos 2m32s), numa altura em que o Bayern vencia por 1-0 (o resultado final foi de 1-1), e originou uma dupla oportunidade perdida pelos bávaros, primeiro por Kroos e depois por Müller. O lance é relativamente simples de descrever (veja-se também o lance do ângulo da câmara de jogo, alguns segundos antes) e começa nos pés do brasileiro Dante. Nesse momento, todos os jogadores (os do Bayern e os do Friburgo) estão num espaço de menos de 30 metros, e só é possível que a bola vá de um central a um avançado, pelo chão, por um conjunto de factores. Em primeiro lugar, porque os médios do Bayern, em posse, abrem para arrastar marcações, para que haja espaço para a penetração ser feita pelo centro; em segundo lugar, porque há alguma desconcentração da equipa que defende ou simplesmente uma má ocupação dos espaços centrais, fruto de uma estratégia defensiva ineficiente; e em terceiro porque o avançado bávaro, Pizarro, identifica correctamente o momento do jogo e percebe que, naquelas circunstâncias, deveria suscitar o passe ao seu central, fornecendo-lhe um apoio nesse sentido. É notável, ainda, que no momento em que Dante se prepara para fazer o passe, Toni Kroos, que parecia alheado da jogada, rapidamente percebe que deve aproximar-se do local para onde a bola vai ser endereçada, para que nesse momento (um momento que ainda não aconteceu) o colega que receber a bola possa ter uma solução de passe óbvia e imediata. Com tudo isto em movimento, Pizarro acaba por dar apenas um toque para o lado, permitindo a Kroos, que se aproximara dele por entre o central e o lateral, que se isolasse. Com apenas dois toques, o Bayern consegue passar de um momento de início de organização (a bola estava no central) para um momento de finalização, e tudo isto pelo centro do terreno e pelo chão. Tal só é possível porque, acima de tudo, os jogadores decidiram bem (Dante fez o que nem sempre faz, ou seja, jogar vertical pelo chão; Pizarro deu o apoio no espaço deixado livre pelos movimentos horizontais dos médios e libertou de primeira no companheiro que passava; e Kroos leu a jogada antes de ela acontecer). É por coisas destas, no fundo, que o Bayern de Guardiola é já bem melhor do que alguma vez foi o de Jupp Heynckes. E é também por coisas destas que Guardiola devia perceber que Pizarro, não tendo a juventude de Mandzukic, e mesmo não parecendo ter muita paciência para aprender o que Guardiola tem para lhe ensinar, é bem mais útil do que o croata.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Passar nas costas

Deixei de acreditar inteiramente, nos dias que correm, em treino específico, sobretudo no que diz respeito aos processos ofensivos. Acho que o momento de organização ofensiva é demasiado circunstancial para que se possa treinar seja o que for por repetição. Isto não implica que não se possa treinar esse momento; implica que não se podem treinar situações específicas. Para dar um exemplo, não acredito que treinar situações de finalização, sejam elas quais forem, sejam muito ou pouco complexas, envolvam muitos ou poucos jogadores, possa melhorar minimamente a capacidade de finalização da equipa ou dos avançados a quem é proposto esse treino. Vem isto a propósito da ideia, afinal ainda muito em moda, de que as equipas devem fazer determinadas coisas com bola para conseguirem depois fazer outras. É muito comum, por exemplo, treinar situações de cruzamento simples em que a bola é posta no extremo, em que o extremo, depois de recebê-la, encara o adversário e solta na linha, onde aparecerá o lateral, que passava naquele momento nas costas, a fim de cruzar para a área.

Para que fique claro, acho um exercício destes um perfeito disparate, por várias razões. A razão principal, aquela de que quero falar, tem a ver com o movimento de passar nas costas do portador da bola. É comum ouvirmos dizer, e é comum que os treinadores o peçam aos jogadores, que um colega sem bola, estando perto do portador da mesma, deve movimentar-se por trás do colega. Mas porquê? A grande maioria dos treinadores (e dos comentadores) achará sem dúvida que passar nas costas serve para dar uma linha de passe e que, por conseguinte, é dever de quem tem a bola respeitar esse movimento e pôr lá a bola. Como se está mesmo a ver, não acho que esta gente esteja certa. Passar nas costas não serve para dar linhas de passe ao portador da bola; serve para criar a dúvida no adversário que tenta travar a progressão de quem tem a bola. Passar nas costas do portador da bola, sobretudo se feito de forma rápida, cria no defesa a indefinição quanto ao seguimento da jogada. A indefinição, evidentemente, é momentânea, e estabelece-se no exacto momento em que o jogador sem bola passa pelo que a tem. Nesse momento, o defesa não pode prever se o atacante vai fazer o passe, se vai driblar, se vai rematar. É esse também, de resto, o momento ideal para que quem tem a bola tome a iniciativa.

É por achar que passar nas costas serve apenas para diminuir as probabilidades de êxito de quem defende e não para possibilitar que a jogada se desenrole por onde é sugerido que acho que este tipo de coisas não pode ser objecto de especialização através do treino. Se o que interessa é criar a dúvida no defesa e não exigir ao portador da bola que respeite a desmarcação, de que adianta treinar isto centenas de vezes? No jogo, será sempre o portador da bola, de acordo com as restantes circunstâncias da jogada (quantidade de coberturas que o defesa tem, reacção do defesa ao movimento do colega que passa nas costas, outras desmarcações de colegas, proximidade da baliza, etc.) a tomar a decisão que achar mais adequada. Isto pode ser objecto de treino, é verdade, mas nunca para forçar rotinas ou comportamentos-padrão nos jogadores. É por isso também que a crença de que certas equipas mecanizam um certo tipo de acções para levar o adversário a comportar-se de certa maneira e para que, depois, possam pôr em prática uma certa jogada, é um absurdo. Em futebol, planos com princípio, meio e fim, planos de ataques muito bem desenhadinhos, são um absurdo e terminam necessariamente em insucesso. Tirando em bolas paradas, as grandes equipas não têm planos nem jogadas estudadas. O jogo é demasiado complexo e imprevisível para que jogadas estudadas possam ter algum sucesso.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Xavi e Iniesta: a Incompatibilidade Compatível

Há 5 anos, antes de Guardiola chegar ao comando do Barcelona, jogar com um médio-defensivo e dois médios à frente dele era coisa em que poucos treinadores apostavam. Mesmo de entre os que o faziam, quantos arriscavam em dois jogadores de características ofensivas, dois jogadores criativos no meio-campo? Desde que o Entre Dez existe que essa foi uma das coisas que mais se defendeu aqui, que não só era compatível jogar com dois médios de ataque à frente de um médio-defensivo como era assim e só assim que uma equipa que se pretendesse ofensiva podia ser dominadora a meio-campo. Desde que chegou, Guardiola apostou em Xavi e Iniesta, lado a lado, dois médios de características ofensivas, pequenos, franzinos, sem capacidade de ir ao choque. Sem medo, entregou o meio-campo a quem tinha cabeça, não a quem tinha pernas. Para muitos treinadores, um criativo chega e sobra. Para esses, o meio-campo serve para vedar o caminho ao adversário e pouco mais; serve para fechar espaços, para roubar bolas e, quando dá, para solicitar o médio com melhores pés, que joga preferencialmente perto do avançado, para que ele possa depois fazer a bola chegar aos atacantes. Para Guardiola, o meio-campo é muito mais do que isso. Percebeu que o trabalho defensivo, o trabalho de cobrir espaços, de reagir à perda, é da competência de toda a equipa em conjunto e que, sendo-o, não precisava de jogadores no meio-campo que se distinguissem pela quantidade de desarmes que conseguem. No meio-campo precisava era dos mais inteligentes, daqueles capazes de perceber melhor as necessidades da equipa. É um chavão dizer-se que o meio-campo é o centro nevrálgico do jogo, mas quantos dos que o dizem tiram as consequências que deviam tirar disso? Dizem que é o centro nevrálgico do jogo, mas depois acham que é lugar para pôr aqueles que têm mais pulmão ou mais músculo. Não. No centro nevrálgico do jogo devem jogar os mais inteligentes, os que sabem desenvencilhar-se melhor dos problemas. Eis o que Guardiola pensava de Iniesta:

"Iniesta es un jugador fino, es de los que priorizan más pensar que correr. Su primer control en movimiento es maravilloso. Le da continuidad y velocidad al juego. Interpreta el juego. Seguramente en otros lugares habrá jugadores de este estilo, pero allí no interesan, no los buscan", sostenía Pep Guardiola."

Poderá isto parecer presunção, mas este blogue nasceu porque, antes de Xavi e Iniesta jogarem juntos, já havia quem reclamasse que Xavi e Iniesta tinham de jogar juntos. Tínhamos descoberto, o Gonçalo e eu, que o futebol de cada um era muito mais fácil quando um andava perto do outro. Fosse para não ser forçado a driblar, fosse para não ser forçado a fazer um passe comprido, fosse por que fosse, com alguém que pensava exactamente da mesma maneira ali ao lado, na mesma posição e com as mesmas obrigações, o futebol era muito mais fácil. Qualquer médio ofensivo habilidoso, sobretudo jogando com dois médios nas costas, com liberdade para fazer mais ou menos o que lhe apetecesse, pode resolver um jogo a qualquer altura, seja com um último passe, seja com uma jogada individual, seja com um remate à entrada da área. E qualquer jogador ambiciona jogar como médio-ofensivo precisamente por isso, porque é aquele a quem o treinador, por norma, entrega a batuta da equipa e a maior fatia de liberdade; é aquele que é invejado pelos colegas, aquele que assume maior protagonismo, etc.. O que a dada altura percebemos é que isso é uma imbecilidade. Quantas bolas tem um médio-ofensivo de entregar ao adversário para que seja o protagonista que esperam que seja? Quanto ganha a equipa com um jogador assim e quanto perde? À medida que íamos ganhando consciência táctica, que íamos percebendo a consequência de cada uma das nossas acções, menos contentes estávamos com o papel de protagonista solitário que nos cabia. Sempre que tínhamos a possibilidade de jogar juntos, por outro lado, a tendência era aproximar-nos, pedir a bola um ao outro, dar ao outro uma solução diferente, uma tabela, uma possibilidade de passe curto que deixasse o adversário indeciso, uma troca de posições, etc.. Dois criativos no meio-campo não é só o dobro da criatividade; é também todo um conjunto de novas possibilidades de lances. Foi isso que Guardiola mostrou ao mundo, quando pôs Xavi a jogar ao lado de Iniesta. Mostrou que dois médios criativos são compatíveis e mostrou ainda que, mais do que serem compatíveis, permitem à equipa coisas que, de outra maneira, a equipa nunca conseguiria fazer.

Para muita gente, uma equipa de futebol é um agregado de operários fabris, cada um com as suas funções específicas. Para esses, se um determinado jogador vai jogar (por exemplo, um médio criativo), é preciso que um jogador de características diferentes jogue a seu lado ou perto dele, para compensar as coisas em que é menos bom. É por isso que quase todos os treinadores sentem a necessidade de utilizar um médio de características defensivas (ou dois) ao lado de um médio mais habilidoso. O que Guardiola mostrou é que o futebol não é nada disso, que não é preciso que as características de um jogador compensem as de outro. É possível construir uma grande equipa sem jogadores altos, sem jogadores musculados, sem jogadores agressivos, etc.. Isto porque, em futebol, tudo isso é secundário. Para muita gente, o trabalho de um treinador consiste essencialmente em montar uma máquina em que cada peça está no sítio certo e desempenha o melhor possível a tarefa que lhe compete. Não acredito em nada disso. Não acredito que o futebol seja um jogo em que a melhor equipa é aquela que tem os onze melhores especialistas em cada uma das onze posições a desempenharem o melhor possível a sua função. E é por não acreditar que o futebol é um jogo desse tipo que não acredito que o trabalho de um treinador seja apenas educar os seus jogadores a comportarem-se o melhor possível de acordo com as funções que desempenharão dentro de campo. O futebol é um jogo de relações, um jogo em que é melhor não a equipa que tiver os onze melhores especialistas a fazerem o melhor que podem, mas um jogo em que é melhor a equipa em que os onze jogadores se compreendem melhor uns aos outros. Para muita gente, a qualidade de uma equipa é a soma da qualidade individual dos onze jogadores que a compõem somada, por sua vez, à capacidade que cada indivíduo tem para cumprir os requisitos colectivos da sua posição. Para mim, a qualidade da equipa mede-se essencialmente pela forma como os onze jogadores se relacionam entre si. É por isso que não acredito na tese da incompatibilidade entre dois jogadores muito parecidos. Para mim, as fragilidades de um jogador devem ser supridas pelo colectivo, não por um jogador com características opostas. Ter dois jogadores parecidos não é um problema, como muita gente pensa; é uma bênção. Dois jogadores parecidos não descompensam uma equipa; equilibram-na. Dois jogadores parecidos não é um excesso ou um luxo; é complementaridade. Vejam como discutem Xavi e Iniesta sobre o assunto, nesta entrevista de 2006:

"X. Justo. Pues ya mete goles y nadie se acuerda de las tonterías que decían: que si el salto cualitativo no lo daba, que si patatín... ¡Listos! Tiempo al tiempo. Eso hay que darle a la gente, tiempo para que madure. Ahora parece que yo estoy acabado; que, si juega él, no puedo jugar yo.
I. Más tonterías. Podemos jugar juntos. No se dónde está escrito que no podemos hacerlo. La putada es que llevaban pidiendo que jugáramos juntos no sé cuánto tiempo y nos ponen en Madrid y perdemos. Dos días antes era la mejor solución. Ni que perdiéramos por jugar nosotros.
X. Es que yo me lo paso muy bien contigo. No somos clónicos, somos complementarios. ¿Sabes cuál es el problema? Que somos de la casa. Si uno de los dos fuese de fuera, no habría debate."

Para Iniesta, não havia razão nenhuma, já em 2006, para que ele e Xavi não jogassem juntos. Xavi, por sua vez, dizia que se sentia bem a jogar com Iniesta. Não compreender isto é não compreender nada de futebol. O que estes dois sentiam, numa altura em que não jogavam juntos, numa altura em que não tinham o estatuto que têm hoje e numa altura em que se dizia que, quando Iniesta começasse a jogar, Xavi deixaria de fazê-lo, era precisamente que o futebol não é tão individual como queriam que acreditassem. Já na altura sentiam que eram melhores jogadores quando jogavam os dois, quando um percebia as necessidades do outro e lhe dava a linha de passe de que precisava, quando o outro percebia que podia ficar com a bola até ao último instante porque sabia que, nessa altura, se precisasse, o outro lá estaria a dar-lhe uma solução de passe alternativa. Com Iniesta ao lado, era como se Xavi jogasse com outro Xavi. E o mesmo ao contrário. É por isso que não é apenas por serem dois criativos e não um, por haver o dobro da criatividade em campo, que acho que uma equipa é melhor com dois criativos em vez de um. É porque, além de a criatividade ser a dobrar, cada um deles é melhor jogador se o outro estiver em campo. Com Iniesta ao lado, Xavi era mais Xavi do que nunca. E Iniesta mais Iniesta do que nunca. É por isso que a qualidade de uma equipa não pode ter apenas a ver com a qualidade de cada um dos jogadores e com a adequação da qualidade de cada um deles à posição que ocupam em campo. Tem também de ter a ver com (eu diria que tem sobretudo a ver com isso) a relação de cada jogador com cada um dos colegas, começando, obviamente, por aqueles que estão mais próximos.

Quando se fala em sintonia entre colegas, fala-se sobretudo em duplas de atacantes ou duplas de centrais e fala-se sobretudo das características complementares que devem ter: um avançado mais fixo e um mais móvel; um defesa mais cerebral e um mais rápido, etc.. Não é disso que falo. A compatibilidade a que me reporto é do foro intelectual e aquilo para o qual estou a tentar chamar a atenção é para jogadores que se compreendem muito bem por pensarem da mesma maneira, que sabem exactamente o que o colega vai fazer porque era aquilo que fariam naquelas circunstâncias, que sabem perfeitamente que, em determinada situação, o colega vai estar a dar o apoio no sítio certo porque, se estivessem na pele dele, perceberiam que o colega iria imaginar que ele ali estivesse. Dir-me-ão que isso só acontecerá em casos extraordinários, que almas gémeas desse tipo só em jogadores que jogam há muitos anos uns com os outros. Também não acredito nisso. Xavi e Iniesta, aliás, não cresceram juntos e não jogaram juntos até coincidirem na equipa principal. Basta que o treinador saiba criar as condições ideais para que isso aconteça, que saiba estimular os jogadores a compreenderem-se, a pensar de forma análoga, a interpretar as necessidades uns dos outros, etc.. Foi o que, de resto, Guardiola fez, ao permitir, sem hesitar, que Iniesta e Xavi jogassem lado a lado. E foi precisamente a dupla Xavi-Iniesta quem primeiro pôs em prática o que Guardiola queria que todos os seus onze jogadores fizessem. Antes de haver verdadeiramente o Barcelona de Guardiola, já havia Xavi e Iniesta a tabelar, a trocar a bola entre si, a dar e a devolver, a oferecerem apoios verticais um ao outro, etc.. No primeiro ano de Guardiola, a equipa catalã ainda não estava totalmente afinada. As únicas almas gémeas que verdadeiramente existiam eram as de Xavi e Iniesta. Foram eles, pela relação que mantiveram um com o outro, quem ensinaram os colegas a jogar. Associou-se a eles depois Messi e, mais tarde, toda a equipa. E assim se cumpriu o sonho de Guardiola.

É por isso que acho que o trabalho de um treinador é muito mais do que desenvolver características individuais e adaptá-las às funções que os jogadores desempenharão em campo. A esmagadora maioria dos treinadores acredita nisso. Para mim, por outro lado, aquilo que verdadeiramente compete a um treinador de futebol é criar onze almas gémeas. É esse o verdadeiro legado de Cruyff, e só assim me parece plausível pensar no jogo de forma colectiva. Ao contrário da maioria dos treinadores (e até da maioria dos treinadores actuais), não eram as características estritamente individuais, mas as características "relacionais", aquelas com as quais alguém se relaciona com o meio envolvente, que mais interessavam a Cruyff. O próprio Guardiola o confessa, nesta conversa com Valdano:

"J.V.:¿Soñabas con ser jugador de Primera División?
P.G.:"Si, por supuesto. De diez niños catalanes, ocho querrán jugar en el Barcelona. Le decia a mi madre: "Si llego al juvenil, ya estaré contento". Pensaba que para jugar al fútbol necesitaba mucho más que: "Pasa bien el balón, juega bien, las pilla todas". El destino y el estilo de un entrenador que le gustaba más el hecho de pasar que el de romper fue lo que me ayudó".
¿Qué hubiera pasado si no hubiera existido ese entrenador?
Lo habría pasado mal. Es de esas cosas en las que he tenido suerte. Jugué desde el primer momento. El primer año, si no juego y estoy mal, igual me voy para casa. Aunque no fue cuestión de supervivencia. Me lo pasaba muy bien siendo jugador infantil del Barcelona."

Quando era jovem, Guardiola achava que precisava de mais do que de passar bem a bola para vingar na modalidade, mas acabou por triunfar única e exclusivamente porque Cruyff era diferente dos outros treinadores. Não tivesse Guardiola sido treinado por alguém assim, dificilmente teria sido o jogador que foi. Poucos há que percebam isto. Para muita gente, quando se tem talento, tem-se talento e ponto final, e quem o tem acaba por triunfar, mais tarde ou mais cedo. Não podia estar mais em desacordo. Para que um jogador triunfe, sobretudo um jogador cujas principais virtudes são as tais características "relacionais", é preciso que o treinador seja especial, que prefira um determinado tipo de atributos e não outros. Ao longo dos anos, muitos dos jogadores que aqui fomos defendendo e que não conseguiram triunfar são jogadores deste tipo, jogadores que, ao contrário de Guardiola, não tiveram a sorte de ser treinados por alguém especial e que, por isso, não atingiram o máximo do seu potencial. Quanto a Xavi e Iniesta, alguém acredita que eles seriam o que são hoje se não fosse Guardiola? Basta ver como se queixavam, em 2006, por todos acharem que não podiam jogar juntos. Toda a gente gaba as habilidades de Iniesta, a capacidade de manter a bola, de rodar sobre si mesmo, a calma com que sai de situações complicadas, etc.. Mas Iniesta é capaz disso tudo porque está inserido num contexto que o favorece, porque sabe que tem sempre alguém muito perto de si e que, por tê-lo, tem também uma solução de recurso a toda a hora, o que lhe permite forçar certos movimentos, arriscar certas iniciativas. Iniesta é o jogador que é porque cresceu no ambiente mais favorável possível; tem aquelas características individuais notáveis, que todos elogiam e que a todos espanta, não porque as tenha e pronto, mas porque tem também certas características "relacionais" e está inserido num modelo que privilegia as últimas.

Ser um jogador de futebol a sério é essencialmente isto: ser extraordinário a relacionar-se com os colegas de equipa. Evidentemente, há jogadores de outro tipo, jogadores cujas habilidades individuais definem o seu talento. A estes é relativamente fácil medir a qualidade; basta contabilizar o sucesso e o insucesso de cada uma das suas acções. Medir o futebol de Xavi ou Iniesta, por exemplo, é muito mais difícil. E é-o porque cada uma das suas acções não se esgota em si mesma. Cada coisa que fazem beneficia o que faz um colega e beneficia o que faz o colectivo. É o talento individual de Xavi que faz com que consiga aquela quantidade absurda de passes por jogo? É Xavi sozinho o responsável por todos aqueles passes de régua e esquadro? É unicamente por ser Xavi o maestro que é que todos reconhecem que é dos pés dele que se inicia boa parte das jogadas do Barcelona? Não. Xavi é o que é porque os colegas fazem com que o seja. Dão-lhe opções constantes de passe, aproximam-se dele para lhe permitir várias decisões, garante-lhe proximidade e segurança para que não tenha de se apressar a tomar uma decisão. Xavi é o que é por força do que o rodeia. E o que o rodeia é um conjunto de jogadores que pensa como ele, que percebe quais possam ser as suas intenções e que fazem tudo para que ele as possa cumprir. Xavi é o que é porque joga com almas gémeas. É o próprio Xavi quem o reconhece, nesta entrevista:

"Your Barcelona team-mate Dani Alves said that you don't play to the run, you make the run by obliging team-mates to move into certain areas. "Xavi," he said, "plays in the future."
They make it easy. My football is passing but, wow, if I have Dani, Iniesta, Pedro, [David] Villa … there are so many options. Sometimes, I even think to myself: man, so-and-so is going to get annoyed because I've played three passes and haven't given him the ball yet. I'd better give the next one to Dani because he's gone up the wing three times. When Leo [Messi] doesn't get involved, it's like he gets annoyed … and the next pass is for him."

Dizer que Guardiola teve o trabalho facilitado porque tinha os jogadores certos para o modelo que pretendia é um disparate. Foi Guardiola que impôs que os jogadores se relacionassem como se relacionam. É claro que ajuda o facto de a grande maioria ter "estudado" no mesmo sítio, ter tido os mesmos "professores" e ter tido as mesmas referências. Mas nada disso teria sido relevante se não fossem obrigados a fazer certas coisas. Não foram a mentalidade do clube ou a educação semelhante que os jogadores tiveram que construíram o modelo de Guardiola; foi Guardiola que, levando-os a comportar-se de determinada maneira, levando-os a executar um determinado modelo de jogo, "obrigou" a que os jogadores recuperassem a mentalidade do clube que lhes tinha sido incutida e a que relembrassem a educação que tinham tido nesse mesmo clube. Mais do que qualquer outro modelo de jogo, o modelo de Guardiola força a que os jogadores se relacionem constantemente. Como tal, força a que sejam aquilo para o qual foram ensinados a ser, ou seja, jogadores que privilegiam determinadas coisas em detrimento de outras.

Regressando à questão da compatibilidade, posso aceitar que um determinado jogador não seja compatível com outro igual a ele, mas apenas se forem jogadores que se distingam pelos seus atributos individuais. Mas, nesse caso, não acho sequer que um só jogador seja compatível com a equipa. Como entendo o jogo, uma equipa de futebol a sério tem de ter onze jogadores que se caracterizem essencialmente pela capacidade com que se relacionam com os colegas. Se for esse o caso, não me interessa ter um jogador de cada tipo, apto para uma coisa específica, mais indicado para um tipo de função e menos para outros tipos. Interessa-me, isso sim, ter jogadores todos do mesmo tipo, jogadores parecidos entre si, que valorizem as mesmas coisas, que se compreendam com facilidade, que percebam quais as dificuldades de cada colega, consoante as circunstâncias em que se encontrem. Não só acho, portanto, que Xavi e Iniesta são compatíveis, como sempre achei, como acho que Xavi é compatível com dez Iniestas, e vice-versa. Para muita gente, Xavi e Iniesta são compatíveis porque Guardiola mostrou que podiam sê-lo. Não pensavam assim há 5 anos, no entanto. E mesmo aceitando agora que o são, aceitam-no por razões erradas, porque acham que, afinal, até dá para ter dois criativos no meio-campo. Eu acho que são compatíveis, mas não por achar que haja espaço para dois médios criativos numa equipa de futebol; acho que são compatíveis porque o futebol é um jogo de médios criativos. E é por isso, em última análise, que acho não só que são compatíveis entre eles como são compatíveis com mais nove jogadores idênticos. O futebol é um jogo para criativos, e o modelo ideal de um jogo que se caracteriza assim é necessariamente aquele em que a criatividade dos jogadores for melhor potenciada. O papel do treinador ideal, deste ponto de vista, não é propriamente trazer ao de cima o melhor de cada atleta, não é conceber as melhores estratégias possíveis para contrariar os adversários, não é ser capaz de manter motivados os seus jogadores; é fazer com que cada jogador aprenda a relacionar-se com os colegas. Só isso: criar almas gémeas. E, para criá-las, há um atributo indispensável: a criatividade, entendendo-se criatividade como imaginação, ou seja, o atributo intelectual que permite a cada um perceber o tipo de soluções que pode empreender para fazer face ao que o rodeia e, por conseguinte, o que permite a cada um perceber aquilo de que precisa cada um dos seus colegas a cada instante.

domingo, 14 de julho de 2013

Os melhores de 2012/2013

Mais atrasado do que nunca, fica o onze da época, em 433:

Guarda-Redes: Rui Patricio
Defesa Direito: Eric Dier
Defesa Esquerdo: Alex Sandro
Defesas Centrais: Ezequiel Garay e Otamendi
Médio Defensivo: Matic
Médios Ofensivos: Lucho Gonzalez e Josué
Extremos: James Rodriguez e Mossoró
Avançado: Jackson Martinez

Treinador: José Peseiro

Suplentes:

Guarda-Redes: Hélton
Defesa Direito: Maxi Pereira
Defesa Esquerdo: Antunes
Defesas Centrais: Steven Vitória e Paulo Vinicius
Médio Defensivo: Custódio
Médios Ofensivos: João Moutinho e Hugo Viana
Extremos: Nico Gaitán e Licá
Avançado: Éder

Treinador: Paulo Fonseca

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Curtas da Época

Nos últimos dois anos, o blogue deixou de ser actualizado com a regularidade de antes, e muitas foram as efemérides cujo debate se dispensou. Ao contrário de outros sítios, que preservaram a sua natureza noticiosa, deixou talvez de ser lugar de reunião para se discutir os mais comezinhos assuntos e passou a ser lugar de discussões pontuais, mais sobre assuntos de carácter geral do que sobre particularidades desportivas do momento. Gostaria, evidentemente, de manter os dois tipos de discussão, mas, à falta de melhor, optei por discorrer sistematicamente sobre os temas que mais me interessam. Ora, embora muito tenha acontecido esta época, pouco foi sendo discutido aqui. Numa tentativa (que não o é mais do que isso) de sumariar algumas das mais importantes incidências da temporada que agora acabou, aqui fica um conjunto de breves observações a esse respeito.

1 - O Sporting cumpriu, talvez, a pior época de sempre. Muito se tem dito sobre a queda competitiva do clube nos últimos anos, quando comparado com os rivais, mas pouca coisa acertada se tem ouvido. Há que assumir, de uma vez por todas, que a maneira de reerguer o Sporting passa essencialmente por não copiar os exemplos do Benfica e do Porto, não só porque não há dinheiro para investir como também porque o Sporting é um clube diferente, com virtudes e defeitos diferentes.

2 - Por falar em Sporting, Liedson regressou ao campeonato português, mas para reforçar o ataque portista. O homem que simboliza, a meu ver, as causas dos principais problemas desportivos do Sporting na última década foi uma ameaça constante para as defesas adversárias. Como sempre, de resto.

3 - Vítor Pereira sagrou-se bicampeão nacional. Reconheço que a forma como a equipa pressiona é notável, mas a equipa azul e branca só foi realmente um colectivo quando os jogadores decidiram que deveria sê-lo. Sempre que o Porto não teve James (e não o teve durante muito tempo, se contarmos o tempo que demorou a adquirir a melhor forma) a entrar entre linhas, aproximando-se de Lucho, e sempre que Izmailov não pode dar o contributo à equipa, o Porto foi ofensivamente uma nulidade. Vivia das acelerações dos extremos, do suor dos médios e da qualidade individual de um ou outro jogador.

4 - O jogo do título foi no Dragão. O Porto acabou por ser um justo vencedor porque, apesar de não ter jogado bem, foi a única equipa que quis os três pontos. Mas a forma como venceu o jogo e, por conseguinte, o campeonato, não podia ter sido mais irónica. O Porto não estava a jogar bem, não estava a ser capaz de penetrar no bloco encarnado e não estava a conseguir ser ameaçador, sequer. Em vez de reagir a esta evidência como um treinador, ou seja, racionalmente, Vítor Pereira recorreu à superstição. De uma assentada, pôs dois amuletos da sorte em campo, Liedson e Kelvin. Do outro lado, Jesus tinha feito a melhor acção do dia, pois tinha acabado de fazer entrar Aimar. Mas foi a superstição que venceu. Acontece, de vez em quando. Liedson e Kelvin nunca serão jogadores de futebol, Vítor Pereira não sabe explicar o que aconteceu, mas o Porto ganhou e foi campeão. É assim a vida.

5 - Jorge Jesus é, possivelmente, um dos treinadores mais interessantes, do ponto de vista ofensivo, no campeonato português. Mas, como o escrevi no texto anterior, nas últimas temporadas foi progressivamente abdicando de ser quem é e, neste momento, é só mais um como tantos outros. Na minha opinião, esta época perdeu muito mais do que os três troféus que esteve perto de ganhar.

6 - Agora é de vez. Aquele que foi, muito provavelmente, o melhor de sempre a jogar em Portugal vai deixar o futebol português. Os verdadeiros amantes de futebol estão bem conscientes do que acabam de perder.

7 - O Braga de Peseiro foi, em alguns momentos da época, a equipa que melhor futebol praticou em Portugal. Como é evidente, Peseiro tem inúmeros defeitos, principalmente a nível defensivo, e a sua equipa acabou por pecar por isso. Não obstante, fez um trabalho bastante bom.

8 - De Paulo Fonseca é preciso ver mais do que uma época de trabalho em que teve as condições certas para triunfar. O Paços jogou bom futebol, em alguns momentos, mas não é certo que muito disso não se tenha devido à extraordinária reunião de alguns jogadores bem acima da média, André Leão, Vítor e Josué, para falar apenas dos três que me parecem mais evidentes. Devo lembrar, aliás, que Josué só se tornou titular indiscutível a meio da temporada, e que, portanto, é pouco claro que as ideias de Paulo Fonseca sejam exactamente aquelas que esses três, quando jogaram juntos, conseguiram pôr em prática.

9 - Em Inglaterra, o Arsenal voltou a ficar à frente do Tottenham. Como o referira a meio da época, contra a opinião de alguns papalvos, a equipa de Villas-Boas não é melhor que a de Redknapp, e o trabalho do português em Londres foi uma decepção. A equipa é mais inglesa do que nunca e sem Gareth Bale, então, nem nos lugares europeus teriam ficado.

10 - Para o ano que vem, a Liga Inglesa será uma prova totalmente diferente. Por um lado, o Manchester United, com a saída de Ferguson, será com certeza menos hegemónico. Por outro, os novos treinadores de Chelsea e City quererão decerto desafiar essa hegemonia. Por fim, o Arsenal prepara-se finalmente, ao fim de alguns anos, para conseguir manter os seus principais jogadores. Com os reforços certos, e com a manutenção das ideias, Wenger pode finalmente voltar a sonhar com uma equipa candidata ao título.

11 - Em Espanha, aconteceu o que previa há mais de um ano: o Real Madrid de Mourinho, ao contrário do que se dizia na altura, não era uma equipa regular. O futebol dos merengues não teve nunca qualidade para se impor numa competição de regularidade e os 15 pontos de diferença para o Barcelona expressam isso mesmo. Foi a época transacta, não esta, que foi anormal. Mourinho trabalhou sempre para bater os catalães, e a equipa foi-se transcendendo até conseguir esse objectivo. Depois disso, o balão esvaziou-se, a irregularidade exibicional veio ao de cima e os níveis motivacionais baixaram drasticamente. Sim, é verdade que continuou a ter uma equipa competitiva, que foi sempre às meias-finais da Champions, que manteve o seu Real sempre num patamar relativamente elevado, mas a passagem de Mourinho por Espanha foi um tremendo fracasso. E foi-o sobretudo porque o Real Madrid tinha a obrigação de ser uma equipa diferente.

12 - Diego Simeone é um treinador banalíssimo. Soube convencer um excelente conjunto de jogadores de que podiam fazer mais do que lutar pelos lugares europeus, soube transformar o Atlético de Madrid numa equipa fortíssima, em termos mentais, capaz de encarar todos os jogos como uma final, e isso valeu-lhe um excelente campeonato e mais um troféu. Mas o futebol da equipa, também neste caso, depende excessivamente da motivação individual e colectiva. Como noutros casos, a pedra de toque de que me sirvo para avaliar o desempenho de um treinador é a qualidade do futebol apresentado, e essa nunca foi extraordinária.

13 - Em Itália, o campeonato voltou a ser um passeio para a Juventus. Há uns anos, achei que o futebol italiano se preparava para renascer, mas os sucessivos escândalos desportivos, as dificuldades financeiras de muitas equipas e o desinteresse dos investidores estrangeiros encarregaram-se de manter as equipas italianas num patamar inferior às espanholas e às inglesas. Tacticamente, é a par da Liga Espanhola o campeonato mais interessante. Mas perdeu muita qualidade individual, nos últimos anos, e tanto o futebol francês como o alemão parecem ter agora melhores argumentos para discutir o estatuto de terceira potência europeia.

14 - Quando se soube que Guardiola ia para o Bayern, Mourinho disse que nunca treinaria na Alemanha. No fim da época, mostrou-se que as duas equipas mais fortes da Europa jogavam na Alemanha, e que, se calhar, o campeonato alemão anda demasiado subestimado.

15 - Por falar em Guardiola, soube-se há pouco tempo que o treinador catalão quis levar Pirlo, ainda este jogava no AC Milan, para o meio-campo do Barça. A intenção, segundo contou o próprio jogador, seria ir rodando com Busquets, Xavi e Iniesta. Numa altura em que Césc Fabregas ainda não chegara a Camp Nou, já Guardiola pensava num meio-campo só de artistas. Se dúvidas houvessem, Guardiola não pensa como os outros. Para o meio-campo, pensa-se sempre num equilíbrio entre artistas e trabalhadores. No meio-campo de Guardiola só há espaço para artistas. Teria sido a cereja no topo do bolo, um meio-campo de anões, alguns dos quais parecem jogar de bengala. O futebol não tem nada a ver com capacidades físicas, e é por perceber isso como nenhum outro alguma vez o percebeu que Guardiola é diferente de toda a gente.

16 - O novo desafio germânico de Guardiola é, aliás, um dos principais aperitivos da época que aí vem. Para muitos, Guardiola terá muitas dificuldades em fazer melhor do que Jupp Heynckes, pelo simples facto de o Bayern ter vencido tudo esta temporada. Para mim, há muita coisa a melhorar. Ganhar tudo numa época é óptimo, mas não é o que define uma grande equipa. Ter a capacidade para ganhar tudo, época após época, isso sim, é uma equipa. Heynckes ganhou tudo esta temporada porque os jogadores se superaram. Tenho enormíssimas dúvidas de que, com Heynckes, o Bayern ganhasse alguma coisa na época que vem. A motivação da equipa atingiu o seu máximo, e a tendência natural seria relaxar. Com Guardiola, porém, tudo será diferente: os jogadores estarão motivados nem que seja para aprenderem a jogar de uma maneira que não sabem. O que há a melhorar? A qualidade do futebol da equipa. Em termos de qualidade colectiva, o Bayern não foi excepcional, e é aí que Guardiola deverá manobrar. Se, no final, ganha alguma coisa ou não, é pouco relevante.

17 - Miguel Rosa voltou a fazer uma época deslumbrante, desta vez no Benfica B. Como é que não se lhe dá uma hipótese na equipa principal?

18 - O Europeu de sub-21 terminou, e mais uma vez a diferença da selecção espanhola para as outras foi abismal. Como é que é possível não perceber que, mais do que os elogios, é preciso imitar o trabalho que se faz no país vizinho?

19 - A equipa ideal do euro sub-21, em 433, apesar de os extremos não serem extremos (Isco) ou de serem inferiores aos dois melhores extremos do torneio (Munian e Sarabia), os quais foram pouco utilizados, todavia: GK: David De Gea; DR: Ricardo van Rhijn; DE: Daley Blind; DC: Marc Bartra e Stefan de Vrij; MD: Kevin Strootman; MC: Marco Verratti e Thiago Alcântara; E: Isco e Wijnaldum; AC: Álvaro Morata.

20 - No mundial de sub-20, é a euforia do costume com uma selecção nacional banal. Num grupo paupérrimo (a selecção cubana nem para as distritais tem qualidade), Portugal até parece uma super-potência. Mas o futebol português volta a pecar por uma falta de imaginação gritante, por um conjunto de jogadores cujas principais virtudes são as aptidões atléticas, e por uma falta de competência, a nível de equipa técnica, que já não se usa. Edgar Borges é do século passado, e é por isso que Ricardo Esgaio, que poderia jogar quer a lateral, quer a médio-direito, não joga para jogar João Cancelo e Ricardo. Tiago Silva é, também, o melhor médio ofensivo desta geração, mas parece ser a última das opções de Edgar Borges. É verdade que esta selecção não é tão fraca como aquela que, há dois anos, chegou à final do mundial. Não tem, pelo menos na onze inicial, picaretas como Mário Rui, Danilo Pereira ou Saná. Mas o onze que tem sido escolhido não é muito melhor. Aproveitam-se talvez o guarda-redes José Sá, o central Tiago Ilori, e o médio João Mário, sobretudo se perceber que não é médio de ataque. Mika não é nada, Tiago Ferreira é tudo o que um central não devia ser e João Cancelo, se tivesse neurónios, até podia vingar. Ricardo Alves não sabe o que é ser médio defensivo, Ricardo tem tanta imaginação como uma couve de bruxelas e Tozé tem vontade e pouco mais.

21 - Bruma é a grande estrela da companhia, quer para portugueses, quer para estrangeiros. Reconheço que é forte no um para um e que está moralizado, mas continuo a achar que a euforia em torno dele é excessiva. Quando chegarem os jogos a sério é que será possível perceber o quanto pode dar. Bruma tem algumas dificuldades a pensar em espaços curtos, e só quando tiver pouco espaço e pouco tempo é que se poderá perceber se as suas qualidades são mesmo qualidades, ou se são fogo-fátuo.

22 - Quanto a Aladje, a ideia que fica é que já tem idade para ter filhos a jogar no mesmo torneio. Continuo sem perceber a insistência em formar equipas jovens com atletas com idades propositadamente falsificadas. O que é que se ganha com isto?

23 - Uma vez que faltam neste mundial algumas das habituais potências mundiais em escalões jovens (Brasil, Argentina, Alemanha, Holanda, etc.), reúnem-se as condições para que Portugal chegue longe. Um jogo com a Espanha é o que todos pedem, e seria, sem dúvida alguma, o adversário mais indicado para testar a real competência deste conjunto de jogadores.

24 - A selecção espanhola é, uma vez mais, o alvo a abater. Embora seja impressionante como o consegue ser, em quase todos os escalões, considero esta selecção, em termos de colectivo, bem inferior a outras. Não obstante a qualidade individual, que me parece muito semelhante à de outros escalões, vê-se pouca paciência a circular a bola, pouca capacidade para criar apoios próximos, demasiadas variações de flanco, de iniciativas individuais (sobretudo dos homens da frente e de alguns laterais), e uma verticalidade que não condiz com aquilo a que o futebol espanhol nos habituou. Não gostei particularmente do trabalho de Lopetegui nos sub-21, apesar da vitória claríssima, e ainda estou a gostar menos deste. É uma pena que, embora os espanhóis consigam formar fornadas de jogadores todos os anos, não sejam capazes de manter a bitola a nível de treinadores.

25 - Ainda sobre esta selecção espanhola, continua a falar-se demasiado em Delofeu e Jesé Rodriguez. São, claramente, os jogadores mais maduros desta selecção, e os mais reputados, mas estão longe de ser os melhores. É notável, no entanto, que se junte agora a estes o jogador do Liverpool, Suso. Há dois anos, ninguém falava em Suso. Agora, como já fez alguns jogos na Premier League, já tem reputação suficiente para merecer umas palavras. Os comentadores desportivos não vêem os jogos que estão a comentar; têm uma ficha à frente com os apontamentos que tiraram, repetem meia-dúzia de ladainhas, e acabam invariavelmente a gabar o que toda a gente gaba.

26 - Parece-me que Gerard Delofeu melhorou significativamente, nos últimos anos. De resto, estando no Barcelona, seria natural que isso acontecesse. Agora já não aproveita cada bola que ganha para experimentar ultrapassar o seu opositor directo. Já tem na cabeça mais do que as suas competências individuais e já procura vir para o meio, à procura de apoios frontais. Está, por isso, no bom caminho, e reconheço-lhe finalmente algumas competências para que possa vir a ser um jogador de topo. Quanto a Jesé Rodriguez, nem pensar. Mantém as mesmas características de há 2 anos, e não espero grandes coisas dele.

27 - Já há dois anos Suso me pareceu um jogador muito interessante. Tendo sido aposta em Liverpool, aparece moralizado neste torneio, e tem assumido algum protagonismo. Embora lhe reconheça talento, continuo a achar que os dois melhores jogadores desta geração são Denis Suárez e Oliver Torres. E destes, talvez por serem pouco exuberantes, ou talvez por não terem a reputação dos outros três, poucos falam. São os jogadores mais inteligentes, e aqueles que, por isso mesmo, melhor preparados me parecem estar para enfrentar as exigências do futebol sénior.

28 -Na final da taça das Confederações, vitória justa do Brasil. Foi a equipa mais compenetrada e, não obstante um futebol excessivamente musculado e aos trambolhões, com muitos problemas quer ao nível da decisão com bola, quer a nível posicional, foi a melhor equipa em campo. Os brasileiros acabaram por ter sorte por marcarem nos momentos em que marcaram, e da forma como o fizeram, mas a verdade é que o mau jogo espanhol não justificava um resultado positivo. É verdade, também, por outro lado, que as condições climatéricas favorecem quem está habituado a elas, e que o desgaste a que a Espanha foi sujeita na meia-final terá certamente condicionado a equipa na final. A Del Bosque pede-se que tire desta competição as devidas conclusões: se quer ser campeão do mundo no ano que vem, em condições climatéricas como estas, vai ter de rodar muito os seus jogadores, sobretudo os cinco mais adiantados, e desde o primeiro dia.

29 - Várias conclusões poderiam ser tiradas do que aconteceu nesta competição: que o Brasil é o principal candidato ao título mundial do ano que vem, que o reinado da Espanha chegou finalmente ao fim, que Scolari é um óptimo treinador. Há que perceber, no entanto, várias coisas. Para os espanhóis, como de resto para os italianos, esta competição não tinha a mesma importância que para os brasileiros. Basta ver como, numa meia-final, depois de 120 minutos desgastantes, quando a capacidade de concentração dos atletas não podia ser mais baixa, só à sexta grande penalidade é que alguém falhou. Espanhóis e italianos abordaram as grandes penalidades com que se poderiam apurar para uma final sem qualquer pressão porque, precisamente, a Taça das Confederações era só uma prova de fim de época. Acresce a isto que os espanhóis já ganharam tudo e têm pouco a provar. A única conclusão a tirar, do que aconteceu neste torneio, é que o mundial do Brasil do ano que vem vai ser tão mau ou pior do que o de 2002, no Japão e na Coreia. O futebol não é, definitivamente, um jogo de climas tropicais, e a qualidade de jogo será muitíssimo afectada pelas temperaturas e pela humidade a que se jogar daqui a um ano. Em condições destas, as competências intelectuais dos jogadores e as competências tácticas das equipas têm menos peso, enquanto os detalhes terão certamente maior importância. Não me surpreenderá, por isso, se algumas equipas europeias ficarem pelo caminho logo na primeira fase, como não me surpreenderá que as equipas sul-americanas (e talvez uma ou outra africana) façam uma boa prova. Será, creio, um mundial de fraca qualidade, em que os mais fracos verão as discrepâncias para os mais fortes serem drasticamente reduzidas. Mais do que um mundial de futebol, será um mundial dos que têm muita força de vontade.

30 - Como se deve ter percebido, não gostei minimamente do futebol do Brasil. Além de haver jogadores incrivelmente sobrevalorizados (como David Luiz, Hulk e Paulinho), o colectivo é banalíssimo. Defensivamente, desposicionam-se com facilidade, ocupam mal os espaços e reagem erradamente ao que quer que o jogo lhes peça. Ofensivamente, dependem excessivamente da inspiração individual. Há, no entanto, uma boa notícia: Neymar. O jovem craque mostrou finalmente mais do que dribles estonteantes, capacidade para irritar defesas e números de circo. Mostrou que pode jogar ao mais alto nível, que percebe a utilidade de procurar apoios curtos, de tabelar, etc.. Há dois anos, quando foi copiosamente derrotado pelo Barcelona, foi humilde em reconhecer a supremacia catalã. Na altura, tal atitude podia querer dizer várias coisas. Hoje percebe-se que era mesmo "humildade", que Neymar estava mesmo convencido de que o adversário lhe tinha ensinado alguma coisa. Não estava apenas resignado; tinha aprendido uma lição. Nos últimos dois anos, aplicou essa lição ao craque que era e tornou-se finalmente jogador de futebol. Há dois anos, procurava insistentemente Paulo Henrique Ganso. Fazia-o, parece-me, por diversão e por respeito, porque Ganso era dos mais habilidosos e lhe dava gozo fazê-lo. Hoje procura quem quer que lhe ofereça um apoio, e isso é o suficiente para que vingue no clube em que oferecer apoios ao portador da bola é o principal requisito de qualquer jogador. Dou a mão à palmatória: nunca fui demasiado hostil a Neymar, mas também nunca me encantou por aí além. Hoje, no entanto, ainda que por razões certamente diferentes daquelas pelas quais é aplaudido, acho que Neymar me provou que devia ter sido mais paciente a formar a minha opinião. Não alinho pela teoria de António Tadeia, de que Neymar é super-inteligente a jogar futebol, mas reconheço que perdeu alguns vícios e que pode melhorar bastante a esse nível no futuro. E isso costuma ser decisivo.

31 - Xavi a olhar para o chão, com a mão sobre a testa, no momento da grande penalidade que Sergio Ramos haveria de falhar, na final da competição - eis o momento mais interessante do torneio. Aliás, Sergio Ramos tem tanto a ver com esta selecção como um cristão tem a ver com a teoria do Big Bang.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Síndroma de Mourinho

Acontece a quem valoriza menos as convicções do que o treino, a metodologia, a capacidade de agarrar num conjunto de jogadores e de prepará-los de acordo com as competências de cada um, passar por ser um treinador cujas equipas jogam de determinada forma, com um determinado estilo, quando na verdade é um treinador cujas equipas apenas se caracterizam pela competitividade que consegue incutir-lhes. Já aqui escrevi sobre isso, a respeito de Mourinho, mas posso repeti-lo, para que se saiba do que falo. No Porto e nos primeiros anos de Chelsea, Mourinho valorizava coisas que agora já não valoriza. Pode nunca ter abdicado da competitividade, da intensidade, da compenetração táctica do colectivo, mas as suas primeiras equipas eram mais dominadoras com bola do que o são agora. A partir do terceiro ano no Chelsea, tudo mudou. Sempre achei, e continuo a achar, que a principal razão para tal foi a obsessão em conquistar nova Liga dos Campeões, troféu que lhe fugiu nos dois primeiros anos de Chelsea pelos detalhes de uma ou outra eliminatória. A partir desse ano, Mourinho passou a preparar as suas equipas não para o longo prazo, não para serem regulares, exibindo um futebol de posse, mas para serem equipas calculistas, especialmente aptas para os momentos cruciais da época. Custou-lhe isso não só a perda do campeonato inglês, logo nesse ano, mas sobretudo a perda da identidade. O seu Chelsea não voltou a ser o que fora nos anos anteriores (até o 442 clássico experimentou), passou a privilegiar dois médios defensivos, em vez de um, e por onde quer que tenha passado (Inter e Real Madrid), não obstante o que conseguiu, nunca mais foi capaz de montar uma equipa cuja superioridade, em termos de qualidade de jogo, fosse evidente. Obviamente, não deixou de ser um treinador competente, capaz de ter um conjunto de jogadores moralizados e perfeitamente conscientes do seu papel em campo. Deixou foi de ter um modelo de jogo distinto, que se impusesse naturalmente aos dos adversários, que dependesse pouco da capacidade de concentração da equipa nos momentos decisivos da época, assim como da sorte e de todos os outros imponderáveis.

Para efeitos de argumento, chamarei a esta mudança de crenças (a mudança da crença nas convicções para a crença na versatilidade e na adaptabilidade) o síndroma de Mourinho. Nada do que tenho para dizer neste texto diz, no entanto, respeito a Mourinho senão o facto de usar o seu exemplo para diagnosticar noutros o que nele se passou. Há 3 semanas, haveria poucos que hesitariam perante a seguinte pergunta: qual foi o melhor dos quatro anos de Jesus no Benfica? Por essa altura, preparava-me para escrever um texto para defender que, ao contrário do que muito gente com certeza acharia, a melhor época de Jorge Jesus não era a presente, mas a primeira de todas. Independentemente dos resultados malogrados, continuo a achar que esta época do Benfica, em termos de rendimento, foi muito boa e que será difícil o Benfica encontrar um treinador capaz de fazer com que a equipa tenha um rendimento tão alto. Mas, ao contrário do que muita gente acredita, não creio que uma época de rendimento alto implique que a época tenha sido boa. A meu ver, esta foi, aliás, a pior época do Benfica, desde que Jesus chegou. Não porque não tenha ganho nada e não porque tenha prometido e falhado tudo. Foi a pior época simplesmente porque foi a época em que a equipa jogou pior. É verdade que não escrevi muito sobre isso ao longo da época, mas o Benfica de Jesus, este ano, foi sobretudo uma equipa muito competitiva, capaz de manter os índices de concentração elevados, e que se conseguiu transcender num ou noutro jogo importante, sobretudo na Europa. Não foi, porém, uma equipa com um fio de jogo agradável, não defendeu tão bem quanto noutras épocas, não foi minimamente criativa, e acabou por pagar tudo isso da pior maneira possível. O que proponho de seguida é apresentar as razões pelas quais isto foi assim.

Na minha opinião, aconteceu com Jesus o que aconteceu com Mourinho, ou seja, mudou de crenças. Tal como com Mourinho, este diagnóstico só é possível ao final de algumas épocas. É verdade que já na sua primeira época lhe apontávamos aqui como defeito o excesso de vertigem com que jogara não só no Benfica, mas também no Braga. Embora reconhecêssemos às suas equipas enormes virtudes, agradava-nos mais o seu Belenenses, com um futebol mais pausado, de toque mais curto, em 442 losango, do que o seu Braga ou o seu Benfica. Ao contrário do que seria talvez expectável, os poucos defeitos que identificávamos no modelo (excesso de velocidade e intensidade de jogo, incapacidade de gerir o ritmo da partida, demasiada amplitude e espaço no meio-campo, problemas de transição defensiva e pouca criatividade no último terço do terreno) foram precisamente os aspectos em que Jorge Jesus passou a depositar mais confiança, nas épocas seguintes. Ramires, que não era um extremo e, por isso, jogava mais por dentro, para além de conferir uma qualidade em transição notável, foi substituído por Salvio, e o 4132 passou a ser ainda mais aberto do que era; a dupla Aimar-Saviola, que na primeira época fora o principal motor da criatividade da equipa em espaços muito povoados, foi desfeita e pouquíssimo utilizada a partir de então; a própria pressão alta, uma das maiores bandeiras de Jesus quando chegou ao Benfica, passou a ser feita bem mais atrás. Estes três aspectos, na altura, faziam pouco sentido. Por que razão haveria Jorge Jesus de modificar tais coisas, sendo que algumas delas eram a sua imagem de marca? A resposta a esta pergunta só se tornou clara para mim no decorrer da presente época, e explica-se, como o fiz acima, por uma mudança de crenças.

É claro para mim, agora, que Jesus já não é o mesmo treinador que chegou ao Benfica. Acima de tudo, já não é o treinador convicto que era. Se alguma coisa o caracterizava, era a convicção nele próprio e no futebol em que acreditava. Essa convicção era de tal forma pronunciada que, não raro, descambava em fanfarronice e precipitações. O insucesso europeu da primeira época, com o seu Benfica, avassalador do lado de cá da fronteira, a denotar debilidades tácticas e alguma inexperiência fora de portas, mas também, porventura, as sucessivas derrotas com o Porto de Villas-Boas na época seguinte (entre elas, a perda da Supertaça, uma derrota pesada no Dragão, a derrota em casa que permitiu os festejos do título na Luz, e a derrota em casa na segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal, perdendo a vantagem de 2 golos que trazia da primeira mão), a diferença de 21 pontos para o mesmo Porto, e a saída prematura da Liga dos Campeões num ano em que afirmara ser candidato a vencê-la terão sido machadadas demasiado fortes nas convicções de Jorge Jesus. Se não imediatamente no princípio da segunda época, pelo menos a meio dela já Jesus sentia que o insucesso lhe impunha a necessidade de modificar o seu modelo. Todas as modificações que se verificaram desde essa altura são uma resposta a essa imposição. Jamais, antes desse momento, Jesus pensaria em entrar em partidas a defender atrás da linha de meio-campo e em conceder toda a iniciativa do jogo ao adversário, como o fez variadas vezes esta época; jamais especularia sem bola, encontrando-se a vencer apenas por um golo, como o seu Benfica quase sempre fez ao longo desta temporada. O Benfica da primeira época de Jesus era voraz. Evidentemente, essa voracidade causou, num ou noutro momento de inexperiência, alguns dissabores. Mas, no longo prazo, foi o que garantiu não só o sucesso mas também o espectáculo. Atrevo-me até a dizer que, com o Jorge Jesus dessa primeira época no banco, esta época, o Benfica não teria perdido o título no Dragão, pelo menos não da maneira que perdeu, e não teria perdido a final da taça depois de estar em vantagem.

Essa equipa podia ter, de facto, momentos de ingenuidade, mas era capaz de golear com uma regularidade de que nenhuma outra equipa de Jesus, desde então, foi capaz. Depois desse ano, ou talvez no decorrer da época seguinte, Jorge Jesus sentiu que tinha de ser mais calculista, que tinha de fazer com que a sua equipa aprendesse a gerir vantagens sem bola. Durante muito tempo, Jesus identificou-se com a escola holandesa, e foi assim que foi campeão logo no ano em que chegou à Luz. Depois disso, italianizou-se. Não só nunca mais teve os êxitos desportivos desse ano como, sobretudo, nunca mais soube pôr o Benfica a jogar como nesse ano. Se, no primeiro ano, o seu Benfica pecava por alguma verticalidade, não sabendo identificar com exactidão os momentos do jogo em que se pedia uma gestão da bola e da velocidade mais correcta, o seu Benfica de hoje é uma equipa absolutamente vertical. É absolutamente vertical não no sentido de ser vertiginosa (a esse respeito, não o é tanto, é verdade), mas no sentido de ser muito menos competente a jogar por dentro, a construir horizontalmente, a tabelar, a criar espaços através de movimentações sem bola, etc.. Desde que Aimar e Saviola deixaram de jogar juntos, por exemplo, que não há criatividade, em termos colectivos. Os momentos de criatividade que há são individuais, e tudo o que a equipa consegue consegue-o às custas da intensidade, da competitividade e do talento de cada um dos jogadores. Para combater o insucesso, Jorge Jesus transformou um modelo no qual, apesar de tudo, havia espaço para a imaginação, para a inteligência e para a criatividade num modelo que privilegia unicamente a concentração e a atitude competitiva, a mecanização dos processos de jogo e as faculdades motoras dos jogadores. Está, por essa razão, mais igual que nunca a José Mourinho. Não deixa de ser irónico, por isso mesmo, que, apesar das expectativas que se criaram quer em torno do Benfica, quer em torno do Real Madrid, os dois tenham perdido este ano todas as competições pelas quais pugnaram. Seria bom, portanto, que este insucesso os fizesse reflectir, como outrora o insucesso lhes motivou o abandono das primeiras convicções.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Criatividade e Decisão

Podem já não ser os melhores, como parece ter afirmado Piqué. Seguramente que não o são, pois já não conseguem manter os índices competitivos de outrora, deixaram de acreditar nas suas competências, os processos defensivos parecem mais enferrujados do que nunca e, ofensivamente, parece haver um défice claro de imaginação, com os jogadores aparentemente cansados, não do ponto de vista físico, mas mentalmente, como se passassem por um esgotamento de criatividade. Tudo isto aceito sem dificuldades, e reconheço que, em muitos casos, é o suficiente para que se perca a superioridade que se tinha. O que não aceito é que se considere que esta equipa já não tem nada do que a distinguiu nos últimos anos. Podem não ser capazes de manter a concentração durante os 90 minutos e cometer mais erros do que cometiam, mas continuam a fazer coisas que mais nenhuma equipa tem a capacidade de fazer. A prova disso é o quarto golo este fim-de-semana, frente ao Bétis.



Barcelona 4-2 Real Betis 05.05.2013 ourmatch.net por ourmatch

Podem ter mais dificuldades do que tinham a criar condições para que este tipo de lances ocorram, mas continuam a inventar soluções como mais nenhuma equipa o faz. Quando se fala em criatividade, fala-se usualmente em habilidade individual ou em poder de finta. Para mim, criatividade é isto. Nada disto, talvez à excepção do passe de calcanhar de Iniesta, parece difícil de fazer, do ponto de vista técnico. E, no entanto, é de uma sofisticação inacreditável. O lance começa quando Iniesta, um médio, percebendo que tem de facilitar a vida ao companheiro que conduz a bola, Messi, invade um espaço que não é o seu, entre a linha defensiva adversária e a linha de médios, à frente da linha da bola, oferecendo um apoio frontal ao portador da bola. A intuição de Iniesta parece simples, mas é o que muitas vezes é negligenciado em posse; consiste em perceber que, movimentando-se como se movimentou, aumenta as soluções de passe curto do companheiro e, por conseguinte, as possibilidades de decisão que este terá ao seu dispor. No momento em que Messi conduz a bola, dá-se também outra coisa, as diagonais dos extremos, aproximando-se do centro do jogo e do portador da bola. Messi conduz, Iniesta aproxima, Messi toca no apoio frontal e, agora, a jogada está praticamente concluída. Sim, faltam ainda dois passes e a conclusão, mas o mais difícil está feito. A bola entrou no apoio frontal e Messi aproximou-se. A partir desse momento, Iniesta tem duas soluções, uma mais óbvia do que a outra, mas as duas igualmente boas. Podia, ao invés de solicitar Alexis Sanchez de calcanhar, ter simplesmente tocado de frente para Messi. Messi, seguramente, tocaria de primeira em Tello, que ficaria em posição privilegiada ou para finalizar, ou para cruzar para Alexis, que entretanto entrava no outro lado, ou para cruzar atrasado, para Messi ou Iniesta. Fosse qual fosse a decisão de Iniesta, a probabilidade de a jogada terminar com a bola dentro da baliza, após o passe de Messi para Iniesta, era gigantesca. Criatividade é isto, é conseguir criar condições colectivas para que se tenha sucesso, é ser capaz de fabricar espaços e contextos de decisão ideais. É nisto que esta equipa é inigualável, e foi isto que Guardiola ensinou estes jogadores a fazer. Se Tito Vilanova percebesse o que tem em mãos, perceberia talvez que, do ano passado para este, o que mudou essencialmente foi a capacidade de fabricar colectivamente estes momentos. Actualmente, ainda que o faça, a equipa fá-lo apenas esporadicamente, e provavelmente mais por auto-recreação do que por exigência do treinador. Como o faz menos vezes, encontra-se mais vezes à mercê do que a rodeia, aos erros individuais, aos detalhes imponderáveis, à própria necessidade de se motivarem, etc.. E, por isso, cria a ilusão, mesmo nos próprios jogadores, de que já não são superiores.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Desnorte

O futebol é um jogo peculiar. Uma das coisas que o torna tão distinto de outros jogos (da grande maioria, aliás), é ser um jogo em que, tipicamente, o número de golos, para cada um dos lados, é reduzido. Esse simples facto faz com que seja mais frequente que uma equipa teoricamente mais fraca consiga derrotar uma equipa teoricamente mais forte. Ou melhor, o facto de o futebol ser peculiar dessa maneira faz com que o resultado de um jogo dependa mais dos detalhes do que outros jogos, o que, por sua vez, faz com que, para que equipas teoricamente menos fortes consigam vencer ocasionalmente alguns jogos, por vezes basta serem felizes num ou noutro detalhe. Outro aspecto desta peculiaridade tem a ver com o modo como as equipas reagem emocionalmente a resultados adversos. Ao contrário de jogos em que há muitos golos ou a pontuação é alta, estar em desvantagem tem um peso emocional muito maior, em futebol. Isto porque, dependendo o futebol tanto dos detalhes, e sabendo a equipa que se encontra em desvantagem que, para recuperar, dispõe de uma quantidade reduzida de oportunidades, sentir o tempo a passar é francamente menos confortável do que noutras modalidades.

É muito frequente, a este respeito, que comentadores desportivos e analistas profissionais cheguem à conclusão, após o término de uma partida, que um resultado desnivelado espelha a supremacia do vencedor sobre o vencido, evidenciada desde o primeiro ao último minuto, negligenciando os diferentes momentos anímicos das equipas, e a forma como a marcha do marcador influenciou esse próprio resultado final. Não é raro, por exemplo, que um golo a uma determinada altura da partida modifique por inteiro o que estava a ser o jogo, e que, portanto, tudo aquilo que acontece depois desse golo mereça a consideração dos efeitos que esse golo produziu. Muitas equipas estão a jogar bem até ao momento em que fazem um golo e depois, relaxando, acabam por permitir ao adversário que melhore o seu futebol. E, ao contrário, acontece o mesmo. Que análise merece um jogo em que uma equipa domina os primeiros 80 minutos, mas que, por ficar reduzida a dez jogadores nessa altura, num lance em que o guarda-redes comete uma falta dentro da área sobre o avançado adversário, acaba por sofrer 3 golos nos últimos 10 minutos, perdendo sem apelo nem agravo? Perde bem? Merece o adversário todos os louros por 10 minutos caprichosos? Evidentemente que não. Em futebol, como disse um dia Jorge Jesus, é possível a uma treinador de uma equipa que acaba de ser goleada afirmar, sem estar a faltar à verdade, que a sua equipa foi superior.

Vem isto a propósito, claro está, da goleada imposta pelo Bayern de Munique ao Barcelona. Muitas coisas podem ser ditas sobre o jogo: sobre a apatia incompreensível de Tito Vilanova, sobre a força bávara, sobre a condição física de Messi, sobre o terreno de jogo, sobre a arbitragem, sobre o fim do projecto catalão, etc.. Pessoalmente, tenho algumas opiniões sobre cada uma dessas coisas, mas não é disso que quero falar. Prefiro falar sobre desnorte emocional e sobre resultados que não espelham o que se passa em campo. Já noutras ocasiões abordei, muito ao de leve, este assunto. Num dos casos, defendi que a única análise séria de uma partida que tinha tido, claramente, duas fases distintas, separadas por um momento crucial que modificou a forma como as equipas passaram a encarar os minutos que faltavam, era aquela que se focasse na primeira dessas fases. A grande maioria das pessoas achou que não podia separar fases, o que me faz, confesso, alguma confusão. O futebol, como disse anteriormente, é um jogo peculiar; o resultado final define-se, muitas vezes, num ou noutro lance; é natural, pois, que cada um dos lances decisivos tenha um impacto emocional enorme nos atletas. Sim, em futebol, nenhuma análise que negligencie isto, e nenhuma análise que não contemple a possibilidade de fases radicalmente distintas do jogo, é uma análise séria.

Para muitos, hoje, na Baviera, o Barcelona foi atropelado pelo Bayern. Para mim, que não modifico as minhas leituras constantemente, esteja o resultado favorável a uma equipa ou a outra, a única coisa que foi atropelada hoje foi o bom senso. Até ao minuto 50, altura em que o Bayern fez o segundo golo, que ocasiões de golo houvera realmente? O que fizera o Bayern até então, para além de defender? De que modo incomodara o Barcelona, em contra-ataque, ou no que quer que fosse? Até ao segundo golo, a melhor equipa em campo foi o Barcelona. Teve dificuldades no último terço do terreno, é certo, não conseguindo tantas combinações como habitualmente, mas estava a fazer o seu jogo e estava a conseguir precaver-se das investidas do adversário. Fortuitamente, até porque a regularidade dos dois primeiros golos (já para não falar da do terceiro, que é escandalosa) é bastante duvidosa, viu-se a perder por dois golos e começou a perder a concentração. Ainda assim, os minutos que se seguiram não foram necessariamente maus. É verdade que a equipa passou a jogar menos pacientemente e que passou a esticar, ocasionalmente, o jogo, e também é verdade que passou a não ser capaz de controlar as investidas germânicas, sucedendo-se alguns lances de relativo perigo, coisa que até então não tinha acontecido. Mas o momento decisivo foi o do terceiro golo, numa altura em que o Barça crescia e acabara de ter duas oportunidades claríssimas de golo, ambas pelo jovem Marc Bartra. Com o terceiro golo dos alemães, o Barça perdeu finalmente o norte e, a partir daí, sim, o Bayern foi claramente superior. Aconteceu isto ao minuto 73. Significa isto que, dos 90 minutos que uma partida tem, as descrições megalómanas que por aí fora se têm repetido apenas contemplam 17 minutos, mais ou menos 20% de toda a partida. A imagem que fica é a última, e as pessoas têm facilidade em descrever 90 minutos de acordo com o que viram nos últimos minutos da partida. São mentirosos, ou simplesmente estúpidos, mas é assim que são, para infelicidade dos que o não são.

Os últimos minutos da partida, sim, foram penosos para o Barça. Foram-no porque a equipa perdeu toda a concentração, porque Tito Vilanova não soube segurar emocionalmente a equipa, porque não mexeu tacticamente com o jogo, nem sequer trocou unidades, à excepção da entrada de David Villa no final, porque os jogadores sentiram que a eliminatória começava a escapar-lhes definitivamente das mãos. Mas, tirando esses minutos de desnorte e, aceite-se, aquilo que se passou depois do 2-0, foi o Barcelona assim tão inferior ao Bayern? Em quê? Não o foi, como não o tinha sido frente ao Milan, quando perdeu por 2-0 em San Siro. Simplesmente, os resultados não espelham o que se passa em campo. Muitas vezes, são fruto de um conjunto de factores. Hoje, o Bayern goleou o Barcelona por várias razões, e nenhuma delas implica que tenha sido, em termos gerais, superior ao seu adversário. Goleou o Barcelona por 4-0 porque marcou nas duas primeiras ocasiões que teve, e em lances, no mínimo, duvidosos; goleou porque, quando o jogo já estava mais equilibrado, teve a felicidade de fazer o terceiro, logo após 2 oportunidades claríssimas do Barcelona, e, uma vez mais, após beneficiar de um erro crasso da equipa de arbitragem. E fez o quarto e deu a imagem de superioridade que deu, nos últimos minutos, porque tudo o que se passou antes condicionou emocionalmente a equipa catalã. Tão simples quanto isto. Hoje, o Barcelona foi superior até ao momento em que se desnorteou, precisamente por essa superioridade não estar a ser traduzida numericamente. Não invalida isto que o Bayern não tenha feito um bom jogo, e que não seja a melhor equipa europeia a seguir aos catalães, e que não pudesse ganhar na mesma uma partida que, afinal, não dominou, mas que soube disputar. Não me falem é em superioridade, porque isso é, além de falso, absurdo.

P.S. Sim, o desnorte e a falta de motivação, no final da partida, era tal que era Xavi quem andava a pressionar lá à frente; sim, David Villa evidenciou algum mau ambiente no balneário catalão, ao entrar contrariado; sim, Messi não deveria ter jogado só porque é Messi; sim, Valdez facilitou muito, para não variar; sim, Alexis é horrível e já há muito que o clube deveria ter tentado encaixar dinheiro com ele; sim, Tito Vilanova não tem ideias nenhumas; tudo isto foi mau, e pede reflexão. Mas, num jogo desta importância, ainda por cima quando não tem sido opção senão em jogos em que é preciso fazer descansar titulares, e perante um resultado final tão adverso, que Marc Bartra tenha feito a exibição personalizada que fez só pode ser bom sinal. É também por isto que o projecto catalão não acaba aqui. Aliás, numa época em que aconteceram tantas coisas imprevistas, em que há uma mudança de treinador, em que o novo treinador atravessa uma doença complicada, em que a cada eliminatória europeia e a cada clássico caseiro se falava do fim da hegemonia, muito conseguiu esta equipa. Nem sempre se pode ganhar, e este ano reuniram-se muitas condições para que tal não fosse possível, inclusivamente a lesão de Messi nesta fase da época. Que sobreviva a isto tudo o aparecimento de mais um talento para o futuro, um talento que, havendo coragem, já há muito que deveria ter assumido um lugar no eixo da defesa, parece-me bom. Oxalá não seja feito bode expiatório, e oxalá se perceba que a pequena revolução que é preciso executar no plantel (e na equipa técnica, já agora) passa por dispensar alguns jogadores que não têm condições para continuar (Adriano, Mascherano, Alexis) e permitir a dois ou três jovens (Bartra, Sergi Robert e Cuenca) uma utilização mais sistemática.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Cumprir Estratégias

Não é uma coisa recente (nem são poucos o que assim pensam) avaliar qual das duas equipas esteve melhor num determinado desafio consoante aquilo a que se vulgarizou chamar a "estratégia" com que entram na partida. Não é raro, por exemplo, que o treinador de uma equipa pequena que entra para defender durante 90 minutos e tentar um ou dois contra-ataques, e que perde por 1-0, no único lance em que o adversário conseguiu criar, afirme que a sua equipa merecia outro resultado. Tal afirmação faz sentido se se considerar que o jogo, à excepção desse lance, correu exactamente de acordo com a estratégia delineada. O que não faz sentido é que o mérito de uma vitória dependa de qualquer estratégia, seja ela qual for. O Barcelona de Guardiola, pela capacidade inigualável de empurrar os adversários para a sua defesa, fomentou, como nenhuma outra equipa, estratégias adversárias desse tipo, e não foram poucas as vezes que se defendeu que os adversários do Barcelona, mesmo concedendo 6 ou 7 situações de golo, e não fazendo senão 1 ou 2 contra-ataques no jogo inteiro, mereciam vencer. O erro, obviamente, está em acreditar que uma equipa merece vencer se conseguir cumprir a estratégia com a qual se comprometera no início da partida, qualquer que seja essa estratégia.

Num jogo em que uma equipa assume as despesas do jogo, procurando construir desde a sua defesa, em futebol apoiado, e a outra joga em reacção, procurando forçar o erro do adversário para depois, com poucos passes, chegar à área adversária, é natural que pareça que a segunda consegue cumprir a sua estratégia e a primeira não. Isto porque a estratégia da segunda é de muito mais fácil cumprimento. Para que ela se cumpra, basta que consiga pressionar bem, roubar duas ou três bolas, fazer dois ou três passes, e atacar sempre com o adversário desposicionado. Se a equipa que assume o jogo encontra alguns problemas em materializar o seu futebol em oportunidades de golo, se consegue manobrar a bola nos dois primeiros terços do terreno, mas encontra algumas dificuldades (naturais, pois o espaço é francamente menor) no último terço do terreno, é fácil para quem está de fora conjecturar que essa equipa, ao contrário da equipa adversária, não está a ser capaz de cumprir a estratégia com que partiu para o jogo. Num jogo com estas características, é quase consensual dizer-se que está a jogar melhor quem está a defender, porque o adversário não está a conseguir penetrar na sua defesa, e porque até já se conseguiram ligar uns quantos contra-ataques. E, no entanto, raramente se fala do que a equipa que ataca está a fazer bem, apesar das dificuldades que está a encontrar no último terço do terreno.

Vem isto a propósito do derby desta noite e dos disparates dos responsáveis do Sporting, embora possa e deva ter uma aplicação mais geral, até porque a partida de hoje não foi desta falácia o melhor exemplo. Em primeiro lugar, o Benfica não fez um jogo extraordinário (o que não é nada de novo) e errou muitos passes, sobretudo antes do primeiro golo. Não está, por isso, em causa, a desinspiração dos encarnados. Mas acreditar que o Sporting, que jogou (como as equipas de Jesualdo, diga-se) em reacção, merecia vencer parece-me absurdo. A estratégia de Jesualdo foi cumprida na perfeição, é verdade, mas para que o Sporting tivesse jogado melhor do que o Benfica era preciso que cumprimentos de estratégias fossem coisas mais eficazes do que as estratégias em si. O Benfica trabalhou mais o seu jogo e, mesmo não tendo jogado bem, procurou construir as suas situações de golo o melhor que sabe. Mesmo estando a falhar naquilo a que se propunha, estava a fazer o que tinha a fazer. E nas duas vezes, em todo o jogo, que a coisa correu bem, ou seja, nas duas jogadas, em todo o desafio, com cabeça, tronco e membros, fez dois golos. Poder-se-á dizer que duas jogadas em 90 minutos é pouco, ainda assim. Com certeza que o é. Mas são duas jogadas a mais do que aquilo que fez o adversário. E o Sporting até teve lances de perigo. O que não conseguiu foi construir uma jogada decente. A estratégia que tão bem cumprida foi, aliás, inviabilizava à partida que a equipa conseguisse construir jogadas decentes. Jogadas decentes, de resto, são coisas que estratégias como a que Jesualdo apresentou, e que tão bem cumpridinha foi, não permitem.

Não está em causa a seriedade com que o Sporting jogou, nem algumas das coisas que alguns dos seus jogadores conseguiram fazer, em termos estritamente individuais. Está em causa, sim, a estratégia colectiva e a relação entre essa estratégia e o resultado final. Colectivamente, o Sporting fez pouquíssimo para que merecesse mais. Defendeu-se razoavelmente bem, soube pressionar em algumas zonas, mas, ofensivamente, a estratégia era simplesmente apanhar o Benfica desposicionado, após a perda da bola. Tudo o que fez fê-lo, por isso, em esforço, envolvendo poucas unidades e sempre de acordo com o espaço que o Benfica concedeu. Não criou uma única ocasião de golo em condições favoráveis, e pouco mais fez do que adiar o golo adversário. Jogar futebol é mais do que definir e cumprir estratégias. E não basta a uma equipa, para merecer a vitória, que defina e cumpra uma estratégia, qualquer que seja essa estratégia. Se, pura e simplesmente, essa estratégia não for grande coisa, que importa que a consiga cumprir? Por outro lado, mesmo sem cumprir estratégias, mesmo que pareça que não esteja a ser capaz de realizar tudo aquilo a que se propõe, mesmo que, aparentemente, o seu futebol pareça inconsequente e o adversário pareça estar a levar a melhor, de acordo com a contra-estratégia que definiu, uma equipa pode estar a jogar bem melhor do que o seu adversário. Ter cumprido ou não ter cumprido estratégias é, pois, um critério falacioso para definir quem jogou melhor, e alegar que a equipa cumpriu exactamente o que tinha em mente é pouco relevante para aferir a qualidade do seu jogo.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Freitaslobices

A primeira pergunta que se impõe é: o que é que é preciso para que Luís Freitas Lobo esteja calado? Tempos houve em que o poeta - desculpem - o comentador desportivo Luís Freitas Lobo dizia coisas interessantes e que valiam a pena ser escutadas; hoje em dia só diz disparates. Se não está a falar da alma da bola, ou a fazer a mesma metáfora pela décima sétima vez, está a dizer banalidades acerca do jogo. O seu discurso, que começou por ser diferente, por ser mais informado do que o da maioria, é hoje em dia insuportável. Não aprendeu nada, não evoluiu rigorosamente nada. Transmite banalidades e embrulha-as num palavreado tão imbecil quanto escusado. Para o plantel do PSG, então, tem uma autêntica antologia de poemas. Pastore é - não me perguntem porquê - uma pantera cor-de-rosa. De Beckham fala mais do penteado, da idade, da qualidade de passe, e do pretenso bom posicionamento do que da qualidade em termos de decisão que oferece à equipa, que é quase tudo o que importa. Sobre Lucas, sempre que este toca na bola, diz que "joga muito". Já o sabíamos, mas o senhor insiste em dizer-nos, e sempre com as mesmas palavras. Matuidi - aprendi ontem - é um alicate em forma de jogador de futebol. E sobre o jogo, senhor Freitas Lobo, tem alguma coisa a dizer?

Não há muito tempo, falou-se na possibilidade de Luís Freitas Lobo, assim como Tomaz Morais, vir a colaborar no Sporting. Num clube que agoniza, que melhor maneira de reerguê-lo do que contratar uma pessoa que percebe de râguebi e outra que se distingue por fazer metáforas enquanto comenta jogos de futebol? Ou a direcção do Sporting pensa que o problema do clube tem a ver com falta de habilidade para a placagem e incapacidade para brincar com palavras, ou então tal possibilidade não faz sentido nenhum. Cultivou-se a ideia de que Freitas Lobo, por conhecer muitos jogadores desconhecidos da grande maioria do público, devia ter competências para colaborar na prospecção de jovens craques, e seria para essas funções que seria eventualmente contratado. Mas conhecer muitos jogadores resulta de ver muito futebol, não de saber alguma coisa de futebol. As pessoas que não sabem como é que funciona o departamento de recrutamento de um clube - a grande maioria das pessoas - acha que Freitas Lobo até pode dar um bom prospector para o Sporting. Isto é estúpido de muitas maneiras, mas vou referir apenas algumas. Em primeiro lugar, se há coisa em que o Sporting ainda continua a ser muito forte é na prospecção e no recrutamento, e é bom que a nova direcção, que deve vir com ideias reformistas, tenha isto em mente, se não quiser destruir a única coisa que pode ainda fazer regressar o clube ao convívio dos grandes do futebol português, ou seja, a sua formação. Em segundo lugar, pressupõe esta ideia uma outra, muito disseminada, de que o senhor Aurélio Pereira e mais dois ou três colaboradores são os responsáveis por todos os talentos descobertos pelo Sporting. Um segredinho: para um clube se manter tão forte no recrutamento, durante tanto tempo, é preciso bem mais do que um par de olhos e jeitinho para o negócio. Por fim, a ideia de que identificar grandes quantidades de jogadores se relaciona de algum modo com capacidade para distinguir potenciais craques é absurda. Para que Freitas Lobo me fizesse acreditar que, de alguma maneira, tem competência para tal, teria primeiro de saber fazer distinções finas entre atletas, de saber caracterizar-lhes correctamente as virtudes e, sobretudo, de não pôr todos e mais alguns dentro do mesmo saco. Para Freitas Lobo, tudo o que tem duas pernas, tem menos de 20 anos e joga futebol é potencialmente um craque. Assim também a minha avô. Identificar potencial é muito mais do que catalogar tudo e mais alguma coisa. Para se perceber que Freitas Lobo não tem a mínima vocação para isto, embora se lhe reconheça que vê muito futebol e conhece muitos jogadores, bastava que se fosse ver o que disse de jovens jogadores há cinco anos. Lembram-se do que dizia acerca de Pelé? Eu lembro-me.

De resto, nos últimos jogos que vi do PSG comentados por Freitas Lobo, o amor por Matuidi é quase pornográfico. No PSG, é certo, podia apaixonar-se quase por qualquer jogador. Que se tenha apaixonado por Matuidi diz muito do que é Freitas Lobo. Matuidi é um jogador banalíssimo, um médio como há às centenas até nas distritais, um médio cuja melhor característica é a disponibilidade física. Para muitos, é preciso um Matuidi para suportar tantas estrelas. Para esses, o choque ontem foi Ancelotti ter apresentado tantos craques e apenas um Matuidi. Para mim, que reconheço a Ancelotti muitas qualidades, o único pecado foi ter jogado com Matuidi e não com Verratti. O PSG foi talvez a equipa que vi que melhor jogou, em cinco anos, contra este Barcelona. Ajudou, é certo, o facto de o Barcelona não ter jogado bem e de não ter forçado muito. Mas o PSG fez o que poucas equipas tentam fazer: tentou ficar com a bola, quando a conquistava. Para isso foi fundamental a qualidade técnica e intelectual do onze escolhido. Questionou-se muito a utilização de David Beckham, mas este fez um jogo exemplar, a coordenar os ritmos da equipa. Como de resto o fez Pastore. Lucas, pela facilidade de drible e pela forma como segura e conserva a bola, também foi precioso. O PSG conseguiu dividir o jogo com o Barça não porque Matuidi esteve em todo o lado, como Freitas Lobo não se cansou de dizer, mas porque soube trocar e preservar a bola quando a tinha. Fez um jogo exemplar porque juntou vários jogadores fortíssimos a conservar a bola e/ou a decidir, no momento do passe. Matuidi, nesse aspecto, era o parente pobre daquela equipa. Servia para morder calcanhares, como se essa fosse uma grande virtude, mas não servia para mais nada. Freitas Lobo insistiu, do princípio ao fim, que Ancelotti devia ter no meio-campo outro jogador como Matuidi, que devia trocar Beckham por Chantôme ou Verratti. Na base desta insistência está a ideia de que competia aos homens do meio-campo serem pressionantes. E é isso que não percebo. Pressionar verticalmente, pelo meio, este Barcelona é das coisas mais estúpidas que se pode fazer. Dois Matuidis a pressionar resultariam inevitavelmente em espaços entre os dois Matuidis e os defesas, principalmente porque este PSG se apresentou num 442 clássico. Felizmente, Ancelotti não é parvo, e Beckham ocupou sempre os espaços deixados por Matuidi, quando este saía para ir transpirar para cima de um dos médios catalães. Freitas Lobo não percebe, ao fim destes anos todos, que o futebol não é um jogo de individualidades, e que trabalhadores não servem para compensar craques, nem criativos servem para compensar trabalhadores. Cada acção individual só faz sentido colectivamente. O que Freitas Lobo valoriza nas acções de Matuidi é aquilo que elas têm de individual, não os efeitos colectivos que produzem. Gosta de Matuidi porque Matuidi se destaca dos outros por correr mais, bater mais, e estar mais em jogo. Não percebe que cada acção dele tem milhares de consequências que não vê, e que muitas das coisas boas que um jogador faz só são boas porque os colegas fazem muitas outras coisas que beneficiam a acção do colega. Matuidi não contribuiu em nada para a organização defensiva dos franceses, que foi boa (bem melhor, por exemplo, que a do Milan, que tanta gente gabou), e muito menos contribuiu para o que de bom a equipa fez com bola. Por tudo isto, Freitas Lobo é pouco mais do que o representante supremo do chico-esperto que se acha moderníssimo, mas que afinal continua a acreditar que ser responsável e eficaz em termos defensivos é estar constantemente em cima do adversário, pressionar agressivamente e batalhar por cada bola como se fosse a última.

quarta-feira, 6 de março de 2013

A Imponderabilidade dos Detalhes

Para muitos, o futebol distingue-se de outros desportos por ser um jogo de detalhes, isto é, porque os detalhes, ao contrário do que acontece em outras modalidades, podem ajudar a definir um vencedor. É verdade que, sendo o jogo de futebol um jogo com poucos golos, com "pontuações" baixas, quando comparado com outros jogos, tal distinção faz algum sentido. Mas não faz menos sentido pensar que são precisamente as equipas que mais fazem para depender menos dos detalhes que melhor estão preparadas para o sucesso. Parece haver, portanto, duas maneiras de reagir a esta crença: acreditar na fatalidade de que os jogos se definem pelos detalhes e trabalhar de modo a que a equipa esteja o melhor preparada para lhes responder, ou acreditar que os detalhes, podendo definir um vencedor, dificilmente o definem a longo prazo, e trabalhar de modo a que a imprevisibilidade dos detalhes tenha a menor relevância possível.

Por cá, como deve ser sabido, acreditamos mais na segunda solução. Que muitas vezes, sobretudo ao mais alto nível, os jogos se definem por um erro circunstancial, um mero acaso, uma má decisão do árbitro, uma precipitação, ou um golpe de génio, é evidente. Que a melhor maneira, porém, de responder a isso passe pela preocupação em estar o melhor preparado para esses momentos é que já não me parece tão evidente. Ninguém, no seu mais perfeito juízo, pode acreditar que consegue controlar todos os detalhes do jogo, e muito menos pode um treinador achar que, por mais que treine certas situações, os seus jogadores não vão falhar nesse mesmo aspecto. Sempre me pareceu cobarde condenar um golo falhado com a baliza aberta, ou um penalty mal batido. Erros acontecem, e todos os jogadores, por melhores que sejam, erram. Alguns acreditam que, se trabalharem muito, os jogadores erram menos. Tenho as maiores dúvidas de que muito treino implique melhorias a esse nível. Os lances são, sistematicamente, diferentes; as situações de jogo sistematicamente atípicas. Na minha opinião, treinar o detalhe é absolutamente inútil. Treinar a equipa, então, para que faça a diferença nos poucos momentos em que se define o jogo, negligenciando tudo o resto, parece-me francamente retrógado.

Dito isto, não acredito que seja assim que José Mourinho trabalha. O seu Real Madrid, no entanto, é talvez das equipas que mais parece depender da lotaria do detalhes, actualmente. Foi assim nas últimas semanas, sobretudo na eliminatória da taça do Rei frente ao Barcelona, e na eliminatória contra o Manchester United, mas tem sido assim também desde que chegou a Espanha. Não acreditei, por isso, no final da primeira época, que pudesse ganhar uma competição de regularidade, como o campeonato interno, em que os detalhes acabam por não ser tão determinantes quanto numa competição a eliminar, mas a verdade é que a equipa se conseguiu superar, encarando cada jogo como uma final, mantendo índices de concentração sempre elevados. Como disse também atempadamente, tal só foi possível porque a motivação de bater o Barcelona para a Liga era enorme. Sem isso, não teriam sido capazes de vencê-la, precisamente porque não são uma equipa para ganhar regularmente, como o exige um campeonato interno. Conseguiram superar-se no ano passado, mas não demoraria para que voltassem ao que verdadeiramente são: uma equipa de grandes jogos, de competições a eliminar. O fraco campeonato do Real Madrid não é, por isso, minimamente surpreendente. Este é que é o verdadeiro Real Madrid, não o do ano passado. É um Real Madrid banal numa competição de regularidade, que perde pontos e joga mal com adversários acessíveis, mas um Real Madrid muito competitivo sempre que o desafio é maior. Foi assim que Mourinho preparou a equipa desde que chegou, e é agora, ao final de três anos, que ela melhor espelha o trabalho a que foi sujeita.

Hoje, em Old Trafford, jogou-se o jogo para o qual o Real Madrid de Mourinho foi preparado desde o princípio, um jogo tacticamente fechado, que desde cedo se percebeu que penderia para o lado dos que falhassem menos, e que se resolveria pelos detalhes. O Manchester nunca pareceu muito incomodado em conceder a iniciativa ao adversário, até porque tinha a vantagem na eliminatória, e o Real ia tentando, com pouquíssimo engenho, e mais preocupado em aproveitar uma distracção de um adversário, uma bola parada, um lance de génio de algum dos seus jogadores. Até à expulsão de Nani, o Real Madrid nunca conseguiu criar as suas próprias situações de golo. Nunca conseguiu modificar as coordenadas do jogo estabelecidas pela equipa inglesa. Nunca conseguiu transformar um jogo fechado, que só se modificaria naturalmente na sequência de um detalhe, num jogo que se pudesse decidir por outra coisa que não por um detalhe. É este, aliás, o código genético desta equipa. Foi assim que foi eliminada o ano passado pelo Bayern, e era assim que, muito provavelmente, ia ser eliminada este ano nos oitavos de final, não fosse precisamente o detalhe de uma expulsão absurda a modificar a partida.

Há boas probabilidades de, nos próximos dois anos, José Mourinho não dizer uma única palavra acerca de um certo escândalo num certo estádio inglês, como tantas vezes disse acerca de um outro escândalo num outro estádio inglês, mas hoje o seu Real apurou-se porque foi feliz nos detalhes. Era, aliás, a única forma de se ter apurado, tivesse sido um detalhe externo ao jogo, como uma decisão de um árbitro, tivesse sido, pura e simplesmente, um lance de bola parada, uma escorregadela de um defesa, um erro infantil de alguém que não costuma errar. Foi assim que eliminou o Barcelona da taça do Rei, e foi assim que eliminou hoje o Manchester. Foi feliz nos detalhes. Isto porque, nesta história dos detalhes, tem mais sucesso quem é mais feliz, não quem é verdadeiramente melhor. O Real Madrid, hoje, foi feliz. O ano passado, diante do Bayern, não o foi. Como de resto, raramente o foi, desde que Mourinho chegou a Espanha, com o Barcelona. Mourinho preparou a equipa para ser competitiva, e é-o. Mas não a preparou para saber contornar a imponderabilidade dos detalhes. Se hoje foi feliz, amanhã pode não sê-lo, como não o foi no passado. É tudo uma questão de felicidade, e isso é pouco, numa equipa como aquela. Pode, com certeza, chegar para ganhar a Champions, mas uma competição como esta, como o Chelsea demonstrou o ano passado, é tão imponderável que isso não significa nada. O jogo medíocre da equipa hoje em Old Trafford, incapaz de tomar as rédeas da partida, de obrigar o adversário a desmontar a defesa, pode, pelo resultado final, ter deixado os merengues muito felizes, mas demonstrou também, muito claramente, a vulgaridade de que é feita: tirando a qualidade do plantel, que não tem comparação com nenhum outro plantel no mundo, à excepção, talvez, do plantel catalão, o Real de Mourinho é uma equipa como tantas outras. E é pena que o seja.