domingo, 3 de janeiro de 2016

O Jogo Interior, a Criatividade e o Sucesso

Quando Rúben Neves apareceu, a primeira impressão que me causou foi negativa. Quase todas as bolas que recebia eram rapidamente levadas para o flanco contrário, sem critério, a explorar às cegas o extremo aberto. Com o passar do tempo, percebi que o problema não era exactamente de Rúben Neves, mas daquilo que lhe era pedido. Não só não era o único a fazê-lo (ainda que fosse aquele que o fazia com mais frequência), como não parecia esgotar-se nisso o que sabia fazer. Hoje, Rúben Neves amadureceu e - percebe-se claramente - tem mais a dar à equipa do que a qualidade de passe longo. O Porto de Lopetegui é, porém, cada vez mais aquilo que o futebol de Rúben Neves o ano passado indiciava. O treinador espanhol gostava do jovem médio português precisamente porque lhe garantia qualidade à variação rápida de flanco, e isso é algo que sempre privilegiou acima de qualquer outra coisa. Não gostei particularmente do seu trabalho na selecção espanhola justamente porque, apesar da enorme qualidade dos jogadores que tinha ao seu dispor, a equipa parecia tender a privilegiar a variação de flanco e o passe longo em detrimento da progressão vertical, pelo centro do terreno. Com os grandes médios nesse selecção, esse privilégio não era tão acentuado e, claro, a equipa ia fazendo bem outras coisas. O mesmo aconteceu o ano passado. Com Oliver e Herrera no meio (a jogar como médios e nunca na posição de segundo avançado) o Porto fazia muito mais do que abrir no flanco e confiar no um para um dos extremos. Apesar dos lançamentos longos dos centrais e do médio defensivo, a bola entrava frequentemente nos médios (muitas vezes vinda desses extremos) e estes punham a equipa a jogar pelo meio, aproveitando os movimentos de aproximação de Jackson e o trabalho entre linhas de Brahimi (ou mesmo de um dos médios). Este ano, pelo contrário, o Porto é o rosto de Lopetegui. Já não havendo médios virtuosos a estragar os planos ao espanhol, o futebol da equipa é, finalmente, aquilo que idealiza: bola longa nos extremos, normalmente a cruzar o campo todo para dar o mínimo de tempo à basculação do adversário, o extremo a receber com qualidade, a ficar com espaço no um para um, a encarar o opositor directo, normalmente flectindo para o meio enquanto o lateral lhe entra nas costas, e os médios a fazerem movimentos verticais, de aproximação às zonas de finalização. O Porto de Lopetegui é isto e só isto. E só não foi sempre isto porque antes as unidades o disfarçavam. Os seus médios servem essencialmente para pressionar e para se aproximarem de zonas de finalização. A construção da equipa é reduzida ao mínimo, e trocada pela bola longa e pela variação constante do flanco. Numa equipa grande, mesmo com extremos muito fortes no um para um, como é o caso de Brahimi e Corona, isto é pouquíssimo.

O Sporting de Jorge Jesus é o oposto disto, e ontem, no clássico, a diferença ficou bem evidente. Jesus privilegia o jogo interior, a progressão pelo centro, apoiada, e a sua equipa não só joga de modo mais compacto e unido como as suas competências ofensivas não se limitam à capacidade individual dos seus jogadores. Mesmo com Carrillo, no início da época, a tendência era para jogar por dentro. O peruano foi sempre forte no um para um, e seria fácil a Jesus trabalhar como Lopetegui, procurando potenciar as situações de um para um com Carrillo como protagonista. A verdade é que nunca o fez, e viu-se Carrillo a jogar sistematicamente por dentro (devo, aliás, dizer que o peruano me surpreendeu, em termos de criatividade em zonas de terreno densamente povoadas). Ao chegar a Alvalade, Jesus procurou desde o início sustentar o seu modelo no jogo interior da equipa, e esse é o principal segredo do seu sucesso presente. Mesmo sem Carrillo, que decerto resolveria bastantes problemas à equipa, o Sporting é a melhor equipa do campeonato porque joga essencialmente sem extremos. Além de tudo o que Jesus faz bem (o comportamento da linha defensiva, a forma como a equipa junta as linhas sem bola, o início da construção, etc.), e que fez sempre bem ao longo dos 6 anos que passou na Luz, o jogo interior deste Sporting é talvez o mais parecido com aquele que apresentou no primeiro ano de Benfica. Ao contrário de alguns treinadores, que se transformam irremediavelmente ao longo das suas carreiras, é bom ver que Jesus pode recuperar algumas das coisas que ajudaram a consagrá-lo. Se Jesus me foi desiludindo de época para época, no Benfica, este regresso às origens merece o meu aplauso.

Que o Sporting pareça hoje uma equipa muito mais confiante e adulta do que no passado não é mérito de Jesus enquanto líder. Há sempre a tendência para achar que, quando os jogadores denotam confiança, é porque o treinador, dotado de competências psicológicas notáveis, os sabe incentivar. Não. O mérito é de Jesus enquanto treinador. Os jogadores parecem mais confiantes porque o modelo de jogo os beneficia. Como lhes é mais fácil fazerem aquilo que os faz parecer melhores, é natural que sintam e transpirem mais confiança. A liderança, em futebol, é um mito, e faz-me sempre muita confusão que se atribuam competências de líderes a treinadores que não sabem nada do jogo. Os treinadores não são feiticeiros. Não é com palavras que se lidera; é com ideias. O treinador pode berrar muito, pode ser muito amigo dos jogadores e pode até saber encorajar os seus altetas a fazer o que outros atletas não conseguem. Se o seu modelo de jogo não lhes permitir que se destaquem, os jogadores só terão confiança enquanto as circunstâncias forem favoráveis. Actualmente, os jogadores do Sporting parecem cinco anos mais experientes, mais inteligentes e mais confiantes do que há um ano atrás. Porquê? Porque o modelo de jogo em que estão inseridos potencia amplamente as suas qualidades. E, na base desse modelo de jogo, está o privilégio do jogo interior. Insistindo tanto nesse jogo interior, privilegiando os movimentos de aproximação e não os de afastamento, preferindo fazer a bola chegar ao flanco contrário com vários passes e não com um pontapé longo, fazendo com que os seus jogadores se agrupem no centro em detrimento de esticar ao máximo as linhas, o Sporting troca melhor a bola, está melhor preparado para a perda dela, mantém-se mais compacto, cria a sensação de uma maior solidariedade entre os seus jogadores e, sobretudo, trabalha melhor os seus lances de ataque, desposicionando com maior facilidade os defesas e os médios contrários. É isto tudo que dá confiança a cada um dos atletas, não as palavras mágicas do treinador durante a semana, antes do jogo ou ao intervalo.

A contratação de Bryan Ruiz foi, de resto, o momento-chave da época. Sem Ruiz, o Sporting seria uma equipa bem organizada e talentosa, e continuaria a ter, no último terço do terreno, alguns jogadores criativos, capazes de tabelar, de procurar apoios frontais e de encontrar soluções colectivas para furar as defesas adversárias. Mas, à excepção de João Mário, nenhum outro desses jogadores parece agradar a Jesus a ponto de ser uma aposta incondicional (Matheus e Gelson, pela juventude, Montero e Aquilani certamente por outras razões). Bryan Ruiz tem sido uma aposta continuada e, a meu ver, o melhor jogador do Sporting. Além das competências tácticas e da inteligência, é o jogador que melhor compreende a importância dos colegas para desequilibrar as defesas adversárias, quer os use como apoios, para tabelas, quer aproveite os seus movimentos sem bola, quer lhes solicite a desmarcação. Não há um drible que tente, por exemplo, que não seja motivado por aquilo que os colegas lhe oferecem. Em termos ofensivos, é o jogador mais criativo da equipa, e, mesmo sem ser excepcionalmente forte no um para um, é pelos seus pés que passa quase tudo o que a equipa faz de realmente invulgar. Sim, é verdade que João Mário é finalmente o médio de ataque que eu comecei por duvidar que pudesse vir a ser (desde que apareceu que me parecia poder vingar sobretudo como médio-defensivo), e é verdade que tem momentos de criatividade assinaláveis, mas é em Bryan Ruiz que reside o melhor exemplo do que é um médio-ofensivo verdadeiramente criativo. Se o modelo de jogo permite que cada um dos jogadores do Sporting potencie as suas capacidades, a criatividade de Ruiz permite que a equipa não seja apenas, sobretudo no último terço do terreno, a soma dessas capacidades assim potenciadas. O costa-riquenho dá à equipa aquilo que Jesus, no passado, nem sempre valorizou, e é também por isso que o Sporting me parece o principal candidato à conquista do título de campeão. Quando a um modelo de jogo baseado no jogo interior se junta esta quantidade de criatividade, é natural que uma coisa potencie a outra, e que a equipa fique mais próxima do sucesso. 

27 comentários:

Zizou disse...

http://tacticalporto.com/2014/09/fc-porto-0-0-boavista/

O tempo passa e continua actualizado.

Excelente post, Nuno. Como sempre.

Grande abraço.
Zizou

João Machado disse...

Zizou,

Volta e meia vou lá espreitar e rio-me baixinho... Quis muito que estivesses errado!

Não queres voltar a escrever, sobre o Porto or else?

Abraço
JM

Vulgar Knight disse...

Eu estava mesmo para te perguntar o que achavas do Bryan, antes deste post. É um jogador que representa de forma muito fiel o que este blog sempre defendeu e o que me ensinou. O que interessa verdadeiramente não é se o jogador tem aptidões físicas excepcionais nem outras trivialidades como a garra, raça e outras que tais. Interessa, sim, a forma como resolve os problemas que o jogo lhe põe. E, nesse aspeto, o Ruíz é portentoso. Tudo o que faz tem uma intenção, percebe como ninguém as intenções dos colegas, resolve problemas complicados com uma simplicidade naturalíssima e, basicamente, dá quase sempre o melhor seguimento aos lances. Fiquei eufórico quando se oficializou a vinda dele para o Sporting e ele está a mostrar todas as qualidades que lhe reconhecia. Uma das melhores contratações de sempre do Sporting, a meu ver.

O João Mário evoluiu de forma notável, desde os juniores até agora. Eu tinha uma opinião mais positiva dele do que tu, mas também o via como médio-defensivo e não imaginava que se ia tornar num médio tão completo. Nunca pensei que o fosse resolver de forma tão criativa tantos problemas em espaços curtos como o faz atualmente...

De resto, o trabalho do Jesus tem sido de grande qualidade. O Sporting joga, finalmente, como uma equipa grande, e isso traduz-se nos resultados que tem tido. Só critico a não aposta em alguns jogadores de elevadíssima qualidade e potencial para o plantel(Gauld e Iuri, acima de tudo) e nas opções mais utilizadas para o 11(Montero, Matheus, Aquilani e Esgaio, fundamentalmente), mas, de resto, tem sido o treinador que eu sempre desejei ver no Sporting. O clube pode conseguir o título ou não, mas o que me interessa é que, atualmente, está mais perto disso do que nunca. E é continuando neste caminho(sim, sei que agora pareço o Rui Vitória :) ) que podemos, finalmente, ser o clube grande que sempre afirmámos ser mas que, em campo, não éramos há bastante tempo.

bio disse...

Viva Nuno,

Bom post, como sempre.

Gostava de te perguntar se este "regresso às origens" está mais relacionado com as características dos jogadores que o Jesus tem ou, por outro lado, se é uma mudança de filosofia, com menos foco mas características físicas e mais nas técnicas.
Outra pergunta era se o Gauld não poderia ser o "Saviola" da primeira época do Jesus.
Um abraço,
Gonçalo Mano

Blessing disse...

Para mim, o melhor tem sido o João Mário. Ou melhor, se calhar, o meu preferido.

Esqueceste de um movimento do Lopetegui, que é a entrada de um médio na profundidade quando o avançado baixa para tocar ou fingir que toca. Mas sim, continua a ser muito pouco.

A questão que coloco é: não será isso fruto da qualidade individual dos jogadores? Eu lembro que Jesus disse que dava os posicionamentos e os jogadores decidiam em função disso. No Benfica, a criatividade foi caindo, e a qualidade de jogo também. Isto porque os intérpretes do primeiro ano foram caindo um a um. Há duas épocas, o perfil dos jogadores que tinha não incentivava nada à criatividade colectiva. E no ano passado, com Pizzi, e Jonas, a combinar com Gaitan o Benfica teve bem mais jogo interior, teve bem mais aproveitamento do povoamento que ele promove nessa zona do que antes. Penso que se está a passar o mesmo no Sporting. Os jogadores executam de forma mais criativa, porque são jogadores de um tipo diferente do que aquele que Jesus foi tendo no Benfica. Não tem os aceleradores que tanto gosta, nem os fortíssimos no 1x1. Ainda assim, e não obstante de ser a melhor equipa a jogar de momento, continua a ter muitas dificuldades em furar equipas mais compactas. Pelos erros técnicos e de tomada de decisão que se notam na maior parte daquele onze.

Quanto ao resto totalmente de acordo.

Magro vai ao ataque disse...

Tanta teoria, e as duas melhores oportunidades do jogo do lado do Porto foram duas jogadas pelo interior com o Aboubakar a aparecer isolado após passe vertical, em ambos os casos, do Danilo. Além de várias outras jogadas que foram bem anuladas pelo Sporting mas de carácter semelhante.

Desrespeitaram o treinador? Era logo mandá-los para a bancada!... E cortá-los às postas!

Santa paciência Nuno, não sei como não estás a treinar o Barcelona com tanta sabedoria.

Confirmation bias do mais puro que existe. Estás a moldar-te ao que queres ver, e só vês o que queres ver.

Mestre da Charanga está feliz disse...

Mais um grande texto e tanto que se aprende por aqui e por outros blogs como este, o lateral esquerdo, o posse etc etc etc...Obrigado por nos abrirem a mente sem segundas intenções, sem joguinhos.
Deixa-me concluir com mais uma coisa Nuno, o Jesus vai à sua volta contruindo também a estrutura de um clube vencedor! Ele é a estrutura! Por toda a qualidade que tem como treinador! Não foi por acaso que já várias vezes disse que no Benfica o único que percebe de futebol é o Rui Costa!
Vemos o Benfica preso a uma estrutura (do futebol profissional) de gente que não pesca patavina de futebol, que em vez de se preocuparem em tentar fazer qualquer coisa de útil pelo clube, estão mais preocupados em criar grupos no facebook de masturbação e veneração de acéfalos ao grande chefe olheiro, que servem mais para criticar e limpar o que fez Jesus no Benfica (engraçado que treinadores da formação até já lá apareceram a dizer que o Jesus foi o melhor que já viram, mas isso não lhes interessa), e esconder a merda de jogadores que têm trazido para o clube com a acefalia vigente a bater palmas, do que propriamente servir o clube... importa mais a peneira que a competência, mas o Benfica sempre foi assim! Um clube de vaidosos incompetentes que por estarem no Benfica, onde chegaram não por qualidade, se julgam mais que os outros e estão mais preocupados com o "eu", com a vaidade, e em debater trivialidades no facebook com putos do que com servir o clube... E as focas batem palmas, o que também dá um belo espectáculo circense, diga-se. O problema é que eu que pago cotas sinto-me lesado.

DM disse...

Nuno, e que achaste do Matheus Pereira? Ainda algo tímido, mas criatividade também não falta. Jesus acaba por apostar no Iuri Medeiros sem se aperceber :)

Também gosto muito do Pedro Barbosa... quer dizer, Bryan Ruiz :) Deve ser o jogador mais "lento" que jogou como titular com o Jesus. Mas quem pode dizer que não a tanta criatividade/qualidade técnica? Rendido, completamente. Jogue em que posição jogar, Ruiz é sinónimo de qualidade. Só é pena não haverem 2 "Ruiz" no plantel, um para 2º avançado, outro para extremo :)

Unknown disse...

Boa crónica, Nuno!

Em relação ao conteúdo, pouco terei a acrescentar até porque concordo com a ideia que deixaste expressa.

Irei, somente, deixar a seguinte nota associada ao clássico Sporting x Porto: a certa altura, ainda o resultado estava 1-0, o Rúben Neves tenta uma variação de flanco (passe longo) a solicitar a subida do Layún. Aconteceu duas vezes, no espaço de minutos e sem sucesso (bola metida com demasiada força). Logo a seguir, Lopetegui tira o jovem português.

A minha questão, ou reflexão, prende-se com o seguinte: não haverá o risco de Rúben Neves travar a sua progressão futebolística ao ser-lhe pedido constantemente passes que, para além de não servirem o colectivo, vão estar a prejudicar outras virtudes do seu jogo? É que, sinceramente, de há uns tempos a esta parte, não vejo grande crescimento de Rúben Neves e há o perigo do modelo de jogo e dos "inputs" dados pelo treinador não estarem a favorecer a sua margem de progressão. A qualidade está lá, mas...

Zé do Telhado disse...

Rui Pintado, eu excluí-me desse grupo no facebook... grupo criado para perseguição a todos os que elogiam o treinador do Sporting e com dois ou três capangas sem cérebro a refutar tudo o que o grão mestre diz... patético... um grupo com montes de pessoas que podiam partilhar cenas bacanas sobre futebol para realmente se aprender qualquer coisa em vez das trivialidades do costume como o Renato Paiva, Lage, Blessing, Bouças, Lena Costa e outros e já ninguém diz nada porque aquilo é pura masturbação e perseguição aos "seguidores do mestre" como chama o iluminado a todos os que ousam pensar que o Jesus é um grande treinador, e tudo porque como disseste o Jesus diz a toda a gente que ele não percebe nada de futebol...

J disse...

"Veremos o que faz Jesus, muito provavelmente com um sporting pior do que o de Marco Silva. Eu arrisco a dizer que o Sporting vai jogar o dobro.
Quanto ao resto: Não compreendo opção pelo Marcano, tambem não percebo a escolha do Tiago Gomes e colocava o Brahimi no onze inicial."

Aqui, nos comentários http://entredez.blogspot.pt/2015/06/os-melhores-de-20142015.html

Um abraço grande Nuno.

P.S. ainda bem que tens arranjado tempo para publicares mais vezes.

Nuno disse...

Picareta Leonina diz: "Eu estava mesmo para te perguntar o que achavas do Bryan, antes deste post. É um jogador que representa de forma muito fiel o que este blog sempre defendeu e o que me ensinou. O que interessa verdadeiramente não é se o jogador tem aptidões físicas excepcionais nem outras trivialidades como a garra, raça e outras que tais. Interessa, sim, a forma como resolve os problemas que o jogo lhe põe. E, nesse aspeto, o Ruíz é portentoso. Tudo o que faz tem uma intenção, percebe como ninguém as intenções dos colegas, resolve problemas complicados com uma simplicidade naturalíssima e, basicamente, dá quase sempre o melhor seguimento aos lances. Fiquei eufórico quando se oficializou a vinda dele para o Sporting e ele está a mostrar todas as qualidades que lhe reconhecia. Uma das melhores contratações de sempre do Sporting, a meu ver."

É isto tudo. E sim, também já gostava do Bryan Ruiz há muito tempo, desde os tempos do Twente. O campeonato inglês não foi, decerto, a melhor aposta, para as suas qualidades, e podia ter ido mais longe se tivesse ingressado noutro campeonato. Também se diz que o Jesus queria há muito contratar o Ruiz para o Benfica, e que a contratação terá sido vetada por outras pessoas.

"O João Mário evoluiu de forma notável, desde os juniores até agora. Eu tinha uma opinião mais positiva dele do que tu, mas também o via como médio-defensivo e não imaginava que se ia tornar num médio tão completo. Nunca pensei que o fosse resolver de forma tão criativa tantos problemas em espaços curtos como o faz atualmente..."

Sim, evoluiu bastante. Nunca esteve em causa a sua capacidade técnica. Mas o tipo de lances que privilegiava e o tipo de decisões (sempre a querer fazer o passe mais difícil, sempre a forçar o passe de ruptura) fazia-me ficar de pé atrás. Hoje (acho que começou a evoluir sobretudo na época passada) é um jogador com um perfil de decisão diferente: procura os colegas para tabelas, protege a bola e solta apenas quando o deve fazer, etc.. Em termos de criatividade, ainda não é um médio excepcional. Mas a percentagem de acerto nas suas decisões e o incremento de criatividade que já teve permitem pensar num médio titular da selecção, por exemplo.

"Só critico a não aposta em alguns jogadores de elevadíssima qualidade e potencial para o plantel(Gauld e Iuri, acima de tudo) e nas opções mais utilizadas para o 11(Montero, Matheus, Aquilani e Esgaio, fundamentalmente), mas, de resto, tem sido o treinador que eu sempre desejei ver no Sporting."

Sim, não falei disso, mas esse problema não me parece que o Jesus vá resolver. No Benfica, nunca deu oportunidades a alguns jogadores que não eram nem especialmente fortes, do ponto de vista físico, nem especialmente rápidos. No Sporting, duvido que venha a dar. A aposta em Gelson e Matheus, por exemplo, tem muito a ver com a velocidade e com a irreverência. Duvido, por exemplo, que aposte no Iuri e, mais grave ainda, no Chaby. E é pena. O Montero, de resto, é um caso gritante. O que ele dá à equipa não é muito diferente daquilo que o Ruiz dá, embora o Ruiz me pareça mais experiente e mais astuto na construção. Mas o Ruiz tem a vantagem de ser alto e forte fisicamente. Isso, para o Jesus, é o jogador ideal. Basta ver a importância que o Ruiz tem, para o Jesus, nas bolas paradas defensivas.

Nuno disse...
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Nuno disse...
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Nuno disse...

bio diz: "Gostava de te perguntar se este "regresso às origens" está mais relacionado com as características dos jogadores que o Jesus tem ou, por outro lado, se é uma mudança de filosofia, com menos foco mas características físicas e mais nas técnicas."

Não sei. Eu diria que foi uma mudança de filosofia. Digo isso porque o Carrillo era o tipo de jogador que lhe permitiria jogar como o fazia nas últimas épocas no Benfica, e o Jesus, desde o início, projectou a equipa para jogar com os dois extremos por dentro. Pode ser, simplesmente, um modo de criar uma dinâmica de base, sustentada no jogo interior, para que, com o tempo, possa ir alargando a frente de ataque. Mas a verdade é que o Carrillo podia facilmente fazer de Salvio (foi sempre aberto na linha que jogou) e o Jesus não teve essa opção. Com o impedimento de Carrillo, ficou mais condicionado e é natural que, com João Mário, o Sporting jogue ainda mais por dentro. Mas parece-me que não foi só por não ter à sua disposição jogadores de determinadas características.

"Outra pergunta era se o Gauld não poderia ser o "Saviola" da primeira época do Jesus."

Não conheço suficientemente bem o Gauld para dizer isso. Sei que o Montero podia fazer esse papel. Mas o Jesus tem apostado no Teo e não me parece muito preocupado em ter um avançado que faça o que o Saviola fazia.

Blessing diz: "A questão que coloco é: não será isso fruto da qualidade individual dos jogadores? Eu lembro que Jesus disse que dava os posicionamentos e os jogadores decidiam em função disso. No Benfica, a criatividade foi caindo, e a qualidade de jogo também. Isto porque os intérpretes do primeiro ano foram caindo um a um. Há duas épocas, o perfil dos jogadores que tinha não incentivava nada à criatividade colectiva. E no ano passado, com Pizzi, e Jonas, a combinar com Gaitan o Benfica teve bem mais jogo interior, teve bem mais aproveitamento do povoamento que ele promove nessa zona do que antes. Penso que se está a passar o mesmo no Sporting. Os jogadores executam de forma mais criativa, porque são jogadores de um tipo diferente do que aquele que Jesus foi tendo no Benfica. Não tem os aceleradores que tanto gosta, nem os fortíssimos no 1x1."

Eu tenderia a concordar contigo, até porque foi essa a interpretação que fiz com a evolução do seu modelo de jogo no Benfica. O caso mais gritante, a meu ver, é o do Nolito, que se entendia às mil maravilhas com o Aimar e com o Saviola, que fazia uma enormidade de golos e assistências e, mesmo assim, era preterido por jogadores que garantissem mais velocidade nas acções individuais. Mas a verdade é que o Jesus, este ano, tinha um dos melhores jogadores do campeonato no um para um, o Carrillo, e não quis, desde o início, tirar partido dessa mais-valia individual, preferindo trazê-lo para dentro para aumentar a quantidade de soluções interiores e para dar o flanco ao lateral. Mesmo sendo o lateral o João Pereira, que já nem velocidade tem.

Magro vai ao ataque diz: "Tanta teoria, e as duas melhores oportunidades do jogo do lado do Porto foram duas jogadas pelo interior com o Aboubakar a aparecer isolado após passe vertical, em ambos os casos, do Danilo."

Os jogadores não passam 90 minutos a repetir o movimento predilecto do treinador, sobretudo porque as circunstâncias específicas de cada lance podem obrigar a outro tipo de decisão. E, em futebol, há muitas vezes necessidade de improvisar. Dada a escassez de lances como aqueles de que falas, e a própria leitura de cada um deles, é fácil garantir que o Danilo improvisou, nesses casos. Que os lances de principal perigo do Porto tenham resultado disso e não da estratégia ofensiva mais típica não implica que o Porto de Lopetegui, em termos colectivos, não seja principalmente aquilo que digo. Há um sem número de excepções, que advêm de os jogadores não fazerem sempre o que lhes é pedido, de os adversários falharem, do acaso, etc.

Nuno disse...

Rui Pintado diz: "Deixa-me concluir com mais uma coisa Nuno, o Jesus vai à sua volta contruindo também a estrutura de um clube vencedor! Ele é a estrutura!"

Não sei se ele constrói isso. Basta ver como, no Benfica, não construiu nada. Assim que saiu de lá, o Benfica voltou a ser o que era. Nesse aspecto, o trabalho dele é bem diferente daquele pelo qual o Cruyf é o principal responsável no Barcelona. Mas concordo com a questão da estrutura. Muito se falou de como o Benfica passou a ganhar não por causa do Jesus mas por causa da estrutura, e está à vista que a estrutura não tem responsabilidade nenhuma no bom trabalho do Jesus. E não sei mesmo se não prejudicou, em muitos momentos.

DM diz: "Nuno, e que achaste do Matheus Pereira? Ainda algo tímido, mas criatividade também não falta."

Foi o primeiro jogo a sério que vi dele. Tem muita qualidade técnica e parece saber desenvencilhar-se facilmente sozinho. Falta perceber se consegue envolver-se com os colegas, se consegue levar a criatividade para outro tipo de coisas e se consegue domar a sua aparente vaidade. Mas agrada-me, claro.

"Deve ser o jogador mais "lento" que jogou como titular com o Jesus."

Acho que foi o Cardozo.

Ricardo Gil Dias Lopes da Cunha diz: "Irei, somente, deixar a seguinte nota associada ao clássico Sporting x Porto: a certa altura, ainda o resultado estava 1-0, o Rúben Neves tenta uma variação de flanco (passe longo) a solicitar a subida do Layún. Aconteceu duas vezes, no espaço de minutos e sem sucesso (bola metida com demasiada força). Logo a seguir, Lopetegui tira o jovem português."

Sim, lembro-me bem disso. O segundo, então, é um passe excelente, que o Layun percebe tarde de mais. O Lopetegui interpreta o lance como as bancadas tendem a interpretar: se falhou o passe, a culpa foi necessariamente daquele que passou. É absurdo!

"A minha questão, ou reflexão, prende-se com o seguinte: não haverá o risco de Rúben Neves travar a sua progressão futebolística ao ser-lhe pedido constantemente passes que, para além de não servirem o colectivo, vão estar a prejudicar outras virtudes do seu jogo?"

Há, claro. E é pena, porque ele parece-me bem mais do que a simples qualidade de passe.

"de há uns tempos a esta parte, não vejo grande crescimento de Rúben Neves e há o perigo do modelo de jogo e dos "inputs" dados pelo treinador não estarem a favorecer a sua margem de progressão."

Eu, por acaso, vejo algum. Quando ele apareceu, era sobretudo um miúdo com uma qualidade de passe notável. E irritava-me que lhe predissessem um futuro extraordinário com base numa única coisa, que repetia à exaustão num jogo, que era virar o flanco. Durante algum tempo, não vi evolução porque me parecia que era só isso que sabia fazer. Actualmente, vejo-o mais ponderado. Percebo que muito do seu jogo é o que o treinador lhe pede, mas consigo perceber que há mais, que há vontade de fazer outras coisas, de variar a decisão, por exemplo. E isso agrada-me, sobretudo porque, quando opta por não fazer aquilo que parecia padronizado para fazer não toma más decisões. Ainda é novo, e o Lopetegui não ficará muito mais tempo no Porto.

Unknown disse...

Muito bom post!
Deixo por cá a referência a um blog (alguns já o devem conhecer)de um amigo que tem feito umas análises interessantes, penso eu.
http://segunda-bola.blogspot.co.uk/2016/01/sporting-vs-porto-corredor-central-em.html?m=1

Abraço e bom ano para todos

MOS disse...

Nuno excelente post , como sempre.

No que achas que diferencia a ideia de Lopetegue de "virar o flanco" como um texto teu diz, da ideia de Guardiola de "o futebol consiste em começar pela esquerda, passe atrás, finalizar pela direita". São ideias completamente opostas na tua opinião, ou apenas uma interpretação incorreta por parte de Lopetegui desse conceito?

Mestre da Charanga está feliz disse...

Nuno, eu sou treinador de futebol jovem... e gostava de saber o que consideras mais preocupante, ou diria até patético?

a) Eu gostar do Jorge Jesus enquanto TREINADOR

b) Haver alguém na estrutura do benfica, ainda por cima ligado a um histórico de erros colossal, mais preocupado em estar no facebook constantemente a criticar o seu ex treinador e todos os que o reconhecem como um bom TREINADOR, do que em trabalhar com qualidade em prol do clube que lhe paga.

abraço

Vulgar Knight disse...

Nuno, do Chaby só tenho pena. Um jogador com aquele potencial todo a ser completamente desprezado pelo incompetente(para não lhe chamar pior) do Norton de Matos... Mas eu compreendo, para o "modelo" de jogo dele aka defender com todos ao pé da área o jogo todo, ir lá uma vez e ver se é dia de sorte; os jogadores de futebol, daqueles a sério, são capazes de atrapalhar um bocadinho...

Já agora, viste o jogo do Sporting no Bonfim? Foi provavelmente o melhor jogo que vi do Sporting nos últimos largos anos... Muito na linha deste teu post, aliás, mas com mais um jogador a ajudar bastante à criação do que tem sido costume- Bruno César- e com o Slimani a fazer provavelmente o melhor jogo que fez na carreira. Combinações um pouco por todo o lado, facilidade enorme em entrar na área com a bola controlada(e até, por vezes, em combinar dentro dela!) e algumas jogadas absolutamente soberbas. E este Vitória até é das equipas mais interessantes da liga, foram foi banalizados de uma forma quase assustadora. Acho que a chave de um possível título vai estar nos três jogadores que jogaram atrás do avançado(Bruno César, João Mário e, acima de todos os outros por ser O génio desta equipa, Ruíz), é com eles que a equipa se pode manter no patamar de criatividade coletiva que apresentou em Setúbal. E esse patamar está simplesmente demasiado acima dos demais.

Fica uma jogada genial como brinde! :) https://streamable.com/yds8

Nuno disse...

Miguel Pinto, obrigado.

MOS diz: "No que achas que diferencia a ideia de Lopetegue de "virar o flanco" como um texto teu diz, da ideia de Guardiola de "o futebol consiste em começar pela esquerda, passe atrás, finalizar pela direita". São ideias completamente opostas na tua opinião, ou apenas uma interpretação incorreta por parte de Lopetegui desse conceito?"

É possível que seja uma interpretação correcta. As equipas do Guardiola não se coíbem de virar o flanco rapidamente, quando essa é a melhor coisa a fazer. É frequente no Bayern ver a equipa a virar o flanco rapidamente para onde está o Douglas Costa, para possibilitar situações de um para um a este. Mas não só não me parece que essa seja a estratégia preferida da equipa como isso é feito apenas nas circunstâncias apropriadas.

Rui Pintado, a b. Mas isso é o que não falta por aí. A maioria das pessoas têm opiniões consoante os seus interesses.

"Já agora, viste o jogo do Sporting no Bonfim? Foi provavelmente o melhor jogo que vi do Sporting nos últimos largos anos..."

Vi cerca de 60 minutos. E fiquei com essa impressão. O Vitória não se fecha atrás como a maioria das equipas em Portugal, e isso permitiu ao Sporting muito jogo entre linhas, por exemplo.

P.S. Nem sempre consigo responder imediatamente aos comentários que aqui deixam, pelo que peço desculpa.

J disse...

《ideia de Guardiola de "o futebol consiste em começar pela esquerda, passe atrás, finalizar pela direita"》

Essa ideia faz parte de uma outra também dele, a de que em futebol interessa mover o adversário, não a bola. Por isso, ele diz que a bola vai á esquerda para voltar á direita e á direita para voltar ao centro. O objectivo não é mover a bola é mover o adversário, desposicioná-lo e há um texto do Nuno que explica isso, através de um golo do Barça em que o passe é, penso eu, do Iniesta. O Lope não queria isso, aliás, presumo que Lope não perceba essas ideias ainda que sejam extremamente simples de perceber.
A equipa do Porto com o Lope tinha por hábito variar o jogo quando a equipa contrária "pedia" essa variação. Fazia aquilo que fazem grande parte das equipas, só que em maior quantidade. Em 99% das situações em que uma equipa varia o jogo, o jogo não pede aquilo, e é uma decisão parva. O Guardiola poderá querer essa variação de jogo em situações muito especifícas.

Nuno, há uns meses atrás, o Porto ganhou ao Benfica com um golo do André André. O Lope era um deus no Porto, e o André André a nova grande promessa de 26 anos. O tempo deu-te razão como previ, e agora ao relembrar alguns comentários feitos naquela altura fico com uma sensação idêntica há que tenho ao ver pessoas fazerem figuras ridículas

David Pereira disse...

Boa noite!

Passem pelo meu blogue e leiam o meu artigo sobre o novo Belenenses de Julio Velázquez

http://davidjosepereira.blogspot.pt/2016/01/as-pinceladas-de-julio-velazquez.html

Depois deixem o vosso feedback, é importante para um debate saudável sobre o tema.


Abraço

ALBERTO PIACENTINI. DECALIA ASSET MANAGEMENT. AND Grand Lodge Alpina of Switzerland GENEVE. LA SUISSE. disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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