Como tive oportunidade de escrever, esta época futebolística representou, de certo modo, um retrocesso na evolução do jogo. Com um campeonato do mundo à porta ao qual alguns dos melhores jogadores do mundo chegam em más condições (ou não chegam, de todo), e a julgar por aquilo que se passou há um ano no Brasil, antevejo uma prova sofrível, o que seria a cereja no cimo do bolo. Não acredito, apesar de tudo, que um ano sirva para inverter a evolução do que quer que seja, e a tendência será, nos anos que se seguem, as coisas voltarem à normalidade. Dito isto, gostaria de fazer um balanço daqueles que foram os principais destaques desta temporada:
Em Portugal, Jesus voltou a ser campeão. Tenho falado muito acerca do quão importantes são, para o reconhecimento de um treinador, um jogador ou uma equipa, as circunstâncias que os mesmos não controlam, como o acaso, o talento dos adversários, as decisões de terceiros, etc., e esta época de Jesus é disso um extraordinário exemplo. Para muitos, porque ganhou mais títulos do que nunca e porque esteve pertíssimo de ganhar tudo o que podia ganhar, este foi o melhor dos cinco anos de Jesus à frente do Benfica. Não só discordo amplamente disto como me parece absurdo que se tenha tal opinião. O Benfica começou muito mal a época, tendo uma participação medíocre na Liga dos Campeões e perdendo muito terreno para o principal adversário. Se o Porto não estivesse fragilizado e conseguisse manter a qualidade do futebol que apresentou no início da época, o Benfica teria tido muitas dificuldades em recuperar o terreno perdido e, pior do que isso, em atingir os níveis de confiança que viria a atingir no final da época. Quando se fala na época no Benfica, concede-se o mau arranque, mas considera-se que a segunda metade da época o compensou. Esquece-se, porém, que só o compensou porque as coisas começaram a correr mal aos adversários dos encarnados. Os níveis de confiança subiram porque os resultados começaram a ser positivos, não o contrário. O Benfica termina a época a poder ganhar tudo porque internamente não teve adversários à altura, o que permitiu à equipa convencer-se de que não tinha defeitos e, assim, elevar bastante os níveis de confiança que, no início, estavam bastante debilitados. Foram as circunstâncias externas, não a qualidade do Benfica propriamente dita, que ditaram o sucesso desportivo desta época. O Benfica de Jesus, tal como o do ano passado, é mais calculista do que nunca. Defensivamente, tornou-se uma equipa fortíssima, mas ofensivamente depende cada vez mais das características atléticas dos seus jogadores. Em termos de criatividade colectiva, foi mesmo o ano mais fraco dos cinco anos de Jesus.
Em Espanha, o Atlético de Madrid foi campeão. Já disse a maior parte das coisas que tenho a dizer sobre a equipa de Simeone, mas posso dizer mais uma ou outra. Continuo sem conseguir dar mérito a uma equipa cuja principal arma é a agressividade com que disputa os seus lances. Não o consigo não por não valorizar o empenho e a crença daquelas jogadores, mas porque acho que, em futebol, níveis de agressividade como os do Atlético de Madrid são contraproducentes. São-no no sentido de desposicionarem e desgastarem excessivamente quem os pratica, já para não falar do risco que é jogar 90 minutos com entradas a pedir cartão, e só podem ter gerado sucesso por factores alheios ao jogo. Em primeiro lugar, pela conivência das equipas de arbitragem. Foram pouquíssimos os jogos do Atlético de Madrid a que assisti em que não ficasse um ou dois jogadores por expulsar. Em segundo lugar, porque os adversários foram bem mais fracos do que em anos anteriores. Por fim, porque a fragilidade dos adversários e a possibilidade do título no horizonte criaram a ilusão aos jogadores de que eram melhores do que são, o que os fez transcenderem-se. O Atlético de Madrid foi campeão e Simeone é hoje um dos treinadores mais aplaudidos na Europa. Individualmente e colectivamente, contudo, a equipa é banalíssima. Há jogadores com futuro, mas são poucos: Courtois, Arda, Adrián e Oliver, principalmente, sendo que os últimos dois praticamente nem foram opção. Colectivamente, não há um princípio de jogo que se possa dizer que seja extraordinário. Ofensivamente, então, desafio mesmo a que me digam que tipo de jogadas é que a equipa privilegia. Assim que as coisas começarem a correr menos bem, a confiança com que chegaram até ao topo evapora-se. E é nessa altura que a verdadeira qualidade ficará à vista. A minha previsão é de que esse momento não tardará.
Em Inglaterra, igualmente, o ano foi muito fraco. Como previa há um ano, a reforma de Alex Ferguson e o regresso de Mourinho iam fazer com que o campeonato inglês fosse mais disputado do que tinha sido nos últimos anos. Não esperava, porém, que, além de disputado, fosse tão mal disputado. Wenger continua a ser pouco perspicaz, em termos defensivos, e isso custou-lhe mais um campeonato. Andou durante muito tempo na frente, mas não teve estofo, na recta final da prova, para preparar a equipa para ser campeã. Ao contrário, todavia, do que se conjecturava, o seu Arsenal esteve mais perto dos principais candidatos, o que comprova que, quando o plantel se mantém, a tendência é tornar-se melhor. A próxima época, não perdendo ninguém, mostrará um Arsenal mais experiente e certamente mais capaz de se impor quando as coisas correrem menos bem. Mourinho foi a principal desilusão (tendo em conta que de André Villas-Boas, depois do que fizera no ano anterior, dificilmente esperava mais do que meia temporada em Londres) e o Chelsea, repleto de jogadores talentosos, acabou a temporada a jogar à Di Matteo. Mata fora o melhor jogador do Chelsea nos últimos dois anos, e foi o primeiro a ser ostracizado por Mourinho. Seguiu-se Óscar. Sobrou Hazard, o que é manifestamente pouco. Abdicar de dois dos três jogadores mais criativos da equipa é de uma estupidez inacreditável. Mourinho pode continuar a ser um treinador atento, muito esperto e competitivo, mas, depois da lobotomia, deixou de pertencer ao restrito grupo dos melhores treinadores do mundo. O Chelsea só não foi campeão porque Mourinho já não é Mourinho. Pellegrini não é um treinador genial, mas é um treinador com uma ideia de jogo interessante. Conseguiu ser campeão porque o principal adversário, pelo menos em termos de recursos, andou o ano inteiro a jogar como uma equipa pequena. Sobre David Moyes e o que aconteceu ao Manchester United, francamente, não me surpreende. O seu Everton foi sempre uma equipa deprimente, e era natural que não conseguisse melhor em Manchester. Conseguir ficar atrás da sua antiga equipa, agora bem melhor treinada, aliás, foi obra. Sobre Brendan Rodgers, não tenho uma opinião muito formada. Não vi muitos jogos do Liverpool, mas os que vi não me entusiasmaram particularmente. É uma equipa competitiva, muito agressiva, e que me parece beneficiar disso por jogar em Inglaterra. Mas não vejo uma equipa criativa, capaz de resolver problemas complicados, e com uma ideia de jogo clara, que não se baseie unicamente em recuperar a bola em zonas adiantadas ou em atacar vertiginosamente. É uma espécie de Atlético de Madrid, ainda que não tão agressiva e com menos qualidade individual, que dependerá muito, no futuro, daquilo em que os jogadores puderem acreditar.
Em ano de estreia na Alemanha, Guardiola fez muitas coisas boas, mas podia ter feito mais. Em termos de títulos, francamente, foi uma época muitíssimo positiva. Ser campeão a 7 jornadas do fim, vencer a Taça e alcançar as meias-finais da Liga dos Campeões é muito bom, e dificilmente se podia pedir mais. Em termos de evolução de ideia de jogo, também me parece irrefutável que este Bayern se tornou mais forte e mais dominador do que era, ainda que não tenha ganho tanto. Faltou, no entanto, uma coisa que, a meio da época, parecia mais ou menos evidente e possível, a capacidade de a equipa continuar a evoluir num modelo de jogo tão exigente como aquele que Guardiola propõe. A minha opinião é a de que Guardiola sentiu demasiadas pressões e, a meio da temporada, não obstante a equipa estar cada vez mais sólida e cada vez mais capacitada para jogar como pretendia, decidiu fazer a vontade a quem o criticava. Aproveitando-se da vantagem no campeonato, começou a preparar a equipa para jogar como jogara em anos anteriores, arriscando menos quando em posse, e isso fez com que os bávaros parassem de aprender a jogar dentro de um modelo que exige coisas que só com muita prática se aprendem. Pareceu-me, porém, que Guardiola nunca se satisfez com isso, e a verdade é que foi em alguns jogos mais exigentes que voltou às suas ideias arrojadas. Na Liga dos Campeões, por exemplo, nunca jogou com dois médios de perfil, como o passou a fazer na segunda metade do campeonato. O que aconteceu foi que, nos dois únicos jogos em que se exigia perfeição à equipa em posse, os bávaros não conseguiram ser perfeitos. E não o foram, essencialmente, porque a exigência de Guardiola na segunda metade da época não foi suficiente. Jogaram de acordo com uma ideia de jogo boa, mas sem o devido nível de preparação para ela. Sem essa preparação, e sem a sorte do jogo que o Real Madrid acabou por ter, o Bayern acabou por desconcentrar-se e terminou a eliminatória dando uma imagem que não é a verdadeira imagem da equipa. Não sei se Guardiola prepara grandes mudanças no plantel para a época que vem, mas o mais importante seria tentar convencer os jogadores de que, apesar do desaire, aquela é a melhor maneira de serem uma equipa de futebol.
A principal prova do futebol europeu foi, talvez, o espelho mais fiel da tenebrosa temporada futebolística que se viveu este ano. Desde jogos horripilantes, como a primeira mão da eliminatória que opôs o Atlético de Madrid ao Chelsa, a decisões dramáticas no tempo regulamentar, como o povo tanto gosta, esta edição da Liga dos Campeões teve mais a ver com religião do que com futebol propriamente dito. As equipas que melhor futebol apresentaram foram sendo eliminadas, fosse pelo azar ditado pelo sorteio, como o Manchester City e o Arsenal, fosse por cobardia, como o PSG, fosse por erros próprios ou porque o futebol, em última análise, é um jogo que se presta a isso, como o Borussia de Dortmund ou o Barcelona, e nas meias-finais só já havia uma equipa cujo futebol era minimamente interessante. Quando, nas quatro semi-finalistas, há apenas uma das seis equipas que melhor futebol mostraram, pouco mais há a dizer. O Real acabou por vencer a décima e foi o menos mau que poderia ter acontecido. A equipa continua longe de jogar bem, mas consegue juntar um leque de jogadores que, do ponto de vista individual, pode ser decisivo. Foi-o, de facto, nos quartos de final e nas meias-finais, e foi por esse leque de individualidades que marcou presença na final. Há, no entanto, muito, mas mesmo muito, a melhorar no ano que vem, sobretudo porque a ambição de ganhar uma competição que não ganhavam há largos anos, o principal dínamo emocional da equipa esta temporada, já não existe, e porque há uma série de jogadores (Ronaldo à cabeça) cuja idade forçará a que o seu rendimento seja, a partir de agora, tendecialmente inferior.
8 comentários:
Nuno, acho que pela primeira vez concordo com tudo o que foi descrito nos post. Só um aparte, há um Atletico de Madrid com e sem Tiago. O português faz a equipa jogar de outra forma, sem correrias e com muito mais classe.
É uma visão da época exactamente igual à minha.
Espero que com Luis Enrique, Lopetegui, etc a exigência e a qualidade da próxima época seja bem mais alta.
Apesar da opinião desses "muitos" é curioso que instado a escolher o ano do seu Benfica que melhor futebol jogou, ou pelo menos de que ele, JJ, mais gostou, a resposta foi precisamente "o primeiro". A resposta a essa pergunta, por estas bandas, seria igual, não?
Claramente o primeiro ano de Jesus foi o melhor, a léguas de todos os outros.
Mesmo o ano passado a qualidade exibicional foi melhor que este ano e a isso não é alheia a presença de Matic nessa equipa, muito mais criativa.
Mas lá está, finalmente vejo alguém a valorizar algo que é facilmente esquecido nas análises futebolísticas - "níveis de confiança". O futebol das equipas depende de muitos factores, mas os "níveis de confiança" influênciam e muito a forma como colocamos os restantes factores em campo...
Basta ver o que jogava a equipa do Benfica no início da época, e, lá está, os jogadores eram os mesmos da época passada.
Continuo a achar que o melhor jogo que vi o Benfica fazer na era Jesus foi o Marselha - Benfica (1-2), até também pelos "níveis de confiança" que mesmo tendo sofrido o golo primeiro, levou a que os jogadores não alterassem em nada a forma como vinham a jogar, cheios de personalidade em campo adversário.
Quanto à questão da idade dos jogadores, será que isso também não poderá ter influência na forma como entendem o jogo e no que possam passar a querer dar (em termos tácticos) em campo?
Metralha, sim, o Tiago joga com uma calma que o Suarez, sendo bom, não tem.
DC, espero que sim, que seja melhor do que esta.
Daniel MP, sim. Já o disse noutras ocasiões. O Benfica da primeira época, sobretudo por fazer coincidir Aimar e Saviola, era muito mais criativo, em termos colectivos, do que nos anos seguintes. As pessoas tendem a falar das saídas do Di Maria, do Ramires e do David Luiz, mas foi quando Jesus deixou de apostar com regularidade em Saviola que a equipa se tornou verdadeiramente diferente.
dezazucr, é verdade, os níveis de confiança fazem milagres. Num desporto que, queiramos ou não, continua a depender muito dos detalhes, os níveis de confiança fazem muita diferença. Quanto à idade dos jogadores, evidentemente, terá alguma influência. Mas, apesar de tudo, parece-me mais relevante o tempo de treino com o mesmo treinador e os mesmos colegas. A regularidade numa equipa tem isso de bom. Os jogadores sabem as ideias de cor e salteado, sabem o que lhes é exigido, conhecem os comportamentos dos colegas e os seus feitios, e cumprem melhor o seu papel. O Benfica dos últimos dois anos está longe de ser o mais espectacular da era Jesus, mas nota-se que os jogadores jogam cada vez mais de olhos fechados. O grande mérito dos dirigentes do Benfica tem sido acreditar que a regularidade é mais importante a longo prazo do que ganhar sempre.
Não concordo nada com as considerações ao SLB de JJ. O Benfica este ano foi capaz, quando coabitaram Lima, Rodrigo, Marko e sobretudo Gaitán, de criar várias tabelas e triangulações e foi uma equipa, como neste espaço se vaticina, muito pouco vertical.
JJ tornou a equipa muito mais confortável com bola e muito menos vertiginosa como o era em épocas anteriores. A única época melhor do que esta (e parece-me que a próxima haverá uma equipa ainda melhor com bola) foi a primeira que tinha dois extraterrestres, como não antes havia sido visto em Portugal.
É, por isso, falacioso dizer que o Benfica ganhou porque os outros estiveram mal: os outros é que não estiveram ao nível do Benfica.
"O Benfica este ano foi capaz, quando coabitaram Lima, Rodrigo, Marko e sobretudo Gaitán, de criar várias tabelas e triangulações e foi uma equipa, como neste espaço se vaticina, muito pouco vertical."
Sim, porque o Lima e o Rodrigo são gajos com os quais se pode contar para tabelar e tudo. Eu não sei que época viste, mas eu não vi o Benfica a entrar em triangulações salvo esporadicamente. Não foi tão vertical? Não foi tão vertiginosamente vertical, isso é verdade. Já a época passada não o tinha sido. Mas, embora não tão vertiginoso, o jogo da equipa de Jesus é essencialmente vertical. E é-o desde sempre. É vertical não no sentido de estar sempre à procura da baliza, mas no sentido de que raramente usa a bola para sair de zonas de pressão e progredir por outro lado. Quando investe por um flanco, é por ele que termina a jogada, por exemplo.
Claro que o Benfica tem algum mérito. Mas não ter tido oposição interna foi decisivo para o conforto com que jogou a segunda metade da época. E o conforto trouxe confiança. Coisa que não havia no início da temporada.
O Lima não é muito criativo mas oferece linhas de passe e entrega a bola em condições. O Rodrigo ainda tem muitas limitações mas evoluiu.
Em relação ao jogo ser muito lateral, creio que se verificou mais quando Salvio e Maxi jogavam juntos na ala direita, coisa que sucedeu a época transacta. Este ano, com Markovic e Gaitán, jogadores que procuram sistematicamente o corredor central, o Benfica tentou encontrar soluções pelo meio.
O SLB de JJ foi este ano mais inteligente, mais controlador. Para o ano, haverá ainda maior evolução e creio que a equipa estará, como referi, mais confortável com bola. Ainda que as saídas de alguns jogadores chave possam fazer mossa.
Cumprimentos
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