A época do Sporting tem sido suficientemente boa para que mereça o devido destaque e para que se elogie algumas das coisas que Leonardo Jardim tem conseguido. Num ano que se esperava, acima de tudo, de transição, com um orçamento bastante reduzido, a verdade é que o Sporting foi capaz de se mostrar muito competitivo, e o acesso directo à Liga dos Campeões é agora uma possibilidade real. Esta época, ainda que termine sem títulos, deve por isso levar muita gente a reflectir. O Sporting tem na sua formação uma arma que deveria ter explorado melhor nos últimos anos, e que esta época, sendo forçado a isso, mostrou estar à altura das exigências. O que Leonardo Jardim tem mostrado é que é possível construir uma equipa competitiva com um orçamento mais reduzido, recorrendo a alguns jovens com qualidade, jovens como Eric Dier, William Carvalho, Adrien Silva, André Martins e Carlos Mané, e que dificilmente teriam as oportunidades que tiveram caso o clube vivesse dias de desafogo financeiro. O Sporting pode não ter, neste momento, equipa para lutar, por exemplo, com o Benfica, mas ficar à frente do Porto, como pode bem acontecer, é já um feito tremendo. A equipa tem sido regular e tem mostrado personalidade. Não jogando um futebol extraordinário, tem sido capaz de manter índices competitivos altos. Ajuda o facto de não estar envolvida em competições europeias, mas ajuda também não se terem criado expectativas como em outros anos. Leonardo Jardim aproveitou-se disso e, com os poucos recursos que tinha ao seu dispor, pôs a equipa a jogar à sua imagem. Independentemente da rigidez do modelo, um 433 pouco dinâmico, em muitos momentos do jogo, com extremos demasiado clássicos que pouco se envolvem no jogo interior da equipa, e com os médios raramente a solicitar a bola entre linhas, o Sporting tem sido uma equipa sólida, competente a nível defensivo, e que sabe aquilo que quer. As equipas de Leonardo Jardim não praticam um futebol entusiasmante, mas são geralmente muito organizadas e sempre preparadas para aquilo que devem fazer.
Boa parte do bom futebol que esta equipa pratica deve-se, a meu ver, à presença de William Carvalho. Foi uma das maiores demonstrações de coragem de Leonardo Jardim no início da época, relegando para o banco Rinaudo, um dos poucos que parecia ter, para a opinião pública, lugar garantido. A verdade é que William é a grande revelação do campeonato. Conhecia-o de escalões inferiores e, embora reconhecesse nele muitas competências, duvidava que se pudesse impor com tanta facilidade. Claro está que a minha opinião era em função da posição em que jogava nessa altura, como médio de ataque. Aí, francamente, não lhe augurava nada de extraordinário. Era um jogador tecnicamente evoluído, sim, mas que não tinha propriamente facilidade em se movimentar entre as linhas adversárias; era pouco ágil, o que, em espaços curtos, costuma ser relevante. A sua evolução passou então por recuar no terreno, por passar a jogar nas zonas mais apropriadas às suas características, e isso foi decisivo. Como médio-defensivo, William tem um futuro muitíssimo promissor. Em certa medida, parece-me ser esse o problema também de João Mário, um jogador que querem a força que seja médio de ataque, organizador de jogo, ou lá o que seja, mas que não tem, parece-me, vocação senão para jogar como médio recuado. O mesmo se poderia dizer, para ir ainda mais longe, de Nemanja Matic, que sempre que jogou em zonas mais avançadas, por se reconhecer que tecnicamente era muito dotado, não apresentou o rendimento que apresentava na posição de médio mais defensivo. O que William e Matic revelam é que aquela crença enraízada de que jogadores tecnicamente evoluídos devem ter facilidade para jogar em zonas mais ofensivas é falsa. A técnica não chega. A agilidade, a capacidade de drible e, sobretudo, o perfil de decisão do jogador são características bem mais relevantes. William pode ser tecnicamente muito evoluído, mas pensa de uma determinada maneira, e essa maneira de pensar é incompatível com o que se exige em certas posições. Onde está como peixe na água é fora do bloco, com espaço e tempo para tomar as suas decisões, podendo ver constantemente quase tudo o que está a acontecer no campo.
Com William, o Sporting de Leonardo Jardim sai quase sempre da zona defensiva com qualidade. A forma como se posiciona, como gere os ritmos da equipa, como faz a bola circular, como espera pelas melhores opções de passe, como entrega quase sempre jogável, é decisiva para que a equipa tenha a capacidade de se instalar no meio-campo adversário e a capacidade para manter o domínio do jogo que tem demonstrado. Faltar-lhe-á, na minha opinião, aprender algumas coisas a respeito de posicionamento defensivo e algumas coisas a respeito de decisão circunstancial em momentos defensivos, mas é para já inegável que, em termos ofensivos, é já um jogador incrivelmente maduro, não só pelo que faz com bola como pela forma como equilibra a equipa quando esta está em posse, mantendo-se sempre como referência recuada por onde se pode circular. A facilidade que tem, depois, para manter a bola em situações de aperto, para a proteger até que surja uma opção de passe apropriada, permitem que não se desfaça dela de qualquer maneira e que, por mais que a estratégia adversária passe por pressioná-lo, o Sporting não perca qualidade em posse. Os maiores clubes da Europa não têm estado desatentos e começam já a juntar os trocos para poder adquiri-lo. Não sei se o Sporting terá capacidade para mantê-lo mais um ano ou não, mas desconfio que isso será pouco relevante para o futuro de William. Seja no final da época, seja daqui a uma ou duas épocas, parece-me neste momento mais ou menos certo que William Carvalho tem uma carreira brilhante à sua frente. Foi preciso o clube entrar em agonia para que, em poucos meses, se percebesse que há diamantes que, sem a competição, dificilmente poderão aparecer. Se o exemplo de William servir para alguma coisa, pode ser que sirva para se perceber finalmente que uma equipa como o Sporting tem tudo a ganhar em construir plantéis em que metade dos jogadores são provenientes da formação. Há muito que dizemos aqui que é esse o único caminho viável, a única e a melhor forma de competir com Benfica e Porto, e que a estratégia oposta, tal como foi posta em prática nos últimos anos, só poderia terminar em fracasso. Agora que está à vista de todos o que é que um clube como o Sporting deve ser, seguir-se-ão, assim não se deslumbrem os seus dirigentes, outros Williams.
12 comentários:
"Faltar-lhe-á, na minha opinião, aprender algumas coisas a respeito de posicionamento defensivo e algumas coisas a respeito de decisão circunstancial em momentos defensivos..."
É que é isto mesmo. 100% de acordo. Ele ainda não "consegue", em momentos defensivos, pressionar bem as zonas e os jogadores. Espero que aprenda, para que no futuro seja ainda melhor.
Quanto a João Mário, sempre me pareceu um jogador "semelhante" a Adrien, ou seja, evoluído tecnicamente, boa visão de jogo, mas sempre lhe faltou a tal "intensidade" que tantos falam para se jogar nas equipas grandes. Intensidade essa que se viu bastante bem quando jogou contra o SCP. Ou seja, ela está lá, é preciso é motivar o jogador.
No entanto faço uma ressalva: uma coisa é o João Mário no contexto do Setubal, com a equipa do Setuabl, a tatica do Setubal e os objetivos do Setubal. Outra coisa completamente diferente será o João Mário inserido na equipa do SCP, onde o espaço para errar é muito menor e a "facilidade" de ser o melhor jogador da equipa (como parece ser no Setubal) não é a mesma. Estou MUITO curioso para o ver na próxima pré-época com a equipa, porque se ele der o salto que espero que dê tem TUDO para substituir o Adrien com maior eficácia.
Sei que não falaste disso neste post, mas queria também dizer que um dos problemas deste SCP são os extremos (não tanto pela tática de parecer que estão muito colados à linha). Quando Mané está a fazer de extremo, tenta muitas vezes vir para o centro, portanto eu diria que se o SCP conseguir arranjar outro extremo para substituir o Capel (um que saiba fazer jogo interior), veremos um aumento de qualidade atacante imediato.
Também acho o João Mário mais parecido com o Adrien do que com o William, embora perceba a comparação (eu próprio no início da época defendia que a sua posição era a de médio-defensivo, hoje não sei).
Compreendo o post e o elogio que fazes ao Sporting e ao William. No entanto, conhecendo mais ou menos a corrente de pensamento do blog estranhei não teres abordado a titularidade do Slimani em detrimento de Montero e a rigidez táctica imposta ao André Martins (que na minha opinião vai comprometer o futuro dele como jogador).
Este Sporting e o LJ têm pontos fortes, mas para mim, LJ não é um treinador acima da média. E essas duas opções são algumas das razões para isso.
A questão é, mantendo o SLB e FCP o nível de investimento no plantel principal pode o SCP (ou outro clube qualquer) conseguir competir, por titulos, com esses clubes recorrendo apenas à formação?
Não conhecia bem o jogador antes desta época. Acredito que para quem soubesse das suas qualidades esta prestação não esteja a ser surpreendente; para mim, é mesmo a revelação e já um dos melhores 7/8 jogadores do Campeonato.
Desde que o André Gomes entrou para a equipa principal do Benfica tenho visto no miúdo o mesmo tipo de problemas que apontas ao William quando jogava em zonas mais avançadas. Tendo em conta a óbvia qualidade do André, não seria uma boa escolha procurar adaptá-lo a médio defensivo, como fizeram com o Carvalho? É uma pena que se desperdice talento.
Sobre o modelo que o Sporting está a adoptar, concordo que é o correcto. Mais: parece-me que Benfica e Porto deveriam começar a retroceder nos avultados investimentos e procurar apostar mais na formação. O Benfica, então, após longos anos de preparação, começa a ter fornadas de qualidade suficiente para integrar 6 a 7 jovens todos os anos - 2 ou 3 a titulares e outros para soluções de plantel.
Mike Portugal diz: "Quanto a João Mário, sempre me pareceu um jogador "semelhante" a Adrien, ou seja, evoluído tecnicamente, boa visão de jogo, mas sempre lhe faltou a tal "intensidade" que tantos falam para se jogar nas equipas grandes. Intensidade essa que se viu bastante bem quando jogou contra o SCP. Ou seja, ela está lá, é preciso é motivar o jogador."
Pois, eu não acho que seja um problema de intensidade. O João Mário não é criativo, como aliás o Adrien não o é. São jogadores certinhos, que sabem o que têm de fazer, e que têm boa qualidade de passe. Não têm criatividade para equacionar várias soluções em pouco tempo, que é o que define um criativo. Não me parece, por isso, que possam jogar onde jogam sem perderem alguma coisa com isso. Na posição onde jogam, são jogadores medianos, e dificilmente, parece-me, poderão vir a ser extraordinários.
"Sei que não falaste disso neste post, mas queria também dizer que um dos problemas deste SCP são os extremos (não tanto pela tática de parecer que estão muito colados à linha)."
Pois, eu acho que ter o Capel ou o Wilson, por exemplo, não ajuda. Mas a verdade é que o Leonardo Jardim parece querer extremos desse tipo, e isso é parte da rigidez do modelo que aponto como um defeito.
DC diz: "No entanto, conhecendo mais ou menos a corrente de pensamento do blog estranhei não teres abordado a titularidade do Slimani em detrimento de Montero e a rigidez táctica imposta ao André Martins (que na minha opinião vai comprometer o futuro dele como jogador)."
Eu gosto muito (ou gostava) do André Martins, mas não partilho algumas das opiniões mais optimistas em relação a ele. A primeira é que ele não é um 10, como querem fazer crer. Tem alguma criatividade, mas nunca foi, por exemplo, um jogador de drible fácil. Não é alguém que saiba sair de situações complicadas com a bola controlada. É ágil e raciocina rapidamente, o que faz com que possa jogar como médio-ofensivo, em espaços em que se pede que decida com velocidade, mas não é particularmente forte no último passe e não é jogador para jogar, por exemplo, entre linhas, de costas para a baliza. Dito isto, também não creio que aquilo que lhe é pedido pelo Leonardo Jardim, constantes movimentos verticais a aproveitar espaços entre centrais e laterais, o beneficie particularmente. Gostava muito do André Martins a jogar a médio-defensivo, nos juniores, e acho que podia jogar como médio-ofensivo, desde que pisasse outras zonas e se movimentasse de outro modo. Como médio responsável por se aproximar do avançado ou aproveitar os espaços deixados vagos pelos extremos, parece-me, sim, um desperdício.
Pedro diz: "A questão é, mantendo o SLB e FCP o nível de investimento no plantel principal pode o SCP (ou outro clube qualquer) conseguir competir, por titulos, com esses clubes recorrendo apenas à formação?"
Pedro, esta época demonstrou que sim. É verdade que não estiveram envolvidos em competições externas, mas numa época, depois de tudo o que aconteceu na última época, conseguir o que este Sporting está a conseguir é a maior prova de que sim, é possível competir deste modo. Se não venderem ninguém, para o ano não achas que estarão ainda mais fortes e mais capacitados para competir pelos títulos. É exactamente o mesmo argumento que uso para o Arsenal. O ano passado o Arsenal ficou arredado do título muito cedo e vieram aqui dizer-me que o Wenger tinha os dias contados, que o Arsenal ia ser ultrapassado em pouco tempo pelo Tottenham. Na altura, justifiquei tudo isso com o tipo de modelo de gestão do clube e com o facto, daí proveniente, de não conseguirem manter, de época para época, o mesmo núcleo de jogadores, tornando-se assim uma equipa cada vez mais competitiva. E disse também que, este ano, sobretudo porque não se vislumbrava qualquer saída, o Arsenal ia estar a competir pelo título. Pois bem, não só isso se realizou como o Tottenham nem se aproximou do Arsenal e como o Manchester ficou a quilómetros. Um modelo de gestão como o do Sporting pode ser um modelo competitivo como os outros, desde que se saiba trabalhar. E a verdade é que ter um treinador que, não sendo espectacular, tem virtudes, e aproveitar a mais-valia que é a formação do clube é o suficiente para que, em poucos anos, o clube esteja ao nível dos outros.
Ricardo diz: "Tendo em conta a óbvia qualidade do André, não seria uma boa escolha procurar adaptá-lo a médio defensivo, como fizeram com o Carvalho?"
Sim. O André Gomes, na minha opinião, só poderá ser alguém no futebol como médio mais recuado. Tem algumas qualidades interessantes, mas nenhuma delas o beneficia como médio mais atacante.
Nuno,
O SCP está a fazer um belo campeonato mas não fosse o descalabro portista aceitas que o SCP estaria em terceira a larga distância dos dois primeiros?
E, repara, manter a estrutura é que é muito complicado para o SCP. Não só pq tem fortes contenções financeiras que impedem ordenados altos como facilmente muitos tubarões europeus vêm buscar os que mais se destacam. É provável que o William para o ano já cá não esteja. Achas que a formação do SCP (ou outra) consegue alimentar sistemáticamente a equipa principal com este nível de qualidade?
Acho que sim, que consegue alimentar sistematicamente a equipa principal. Pode não ser com esta qualidade, mas é com uma qualidade parecida. Desde que bem orientado, pode fazê-lo. Há jogadores (Nuno Reis, João Mário, Filipe Chaby e Iuri Medeiros, sobretudo, que têm qualidade e não estão na equipa principal.
Nuno, e das camadas jovens dos outros grandes, conheces alguma coisa?
Eu confesso que ando entusiasmado com o Gonçalo Paciência. Acho que tem tudo para ser de topo, ainda para mais sabendo que esteve parado por lesão grave e portanto só tem 6 meses nas pernas nos últimos 2 anos, mais ou menos.
Do pouco que vi, sim, pareceu-me muito bom. Também fiquei bastante entusiasmado.
Lendo textos mais antigos dá para perceber que o Quaresma era um jogador que apreciavas, apesar de lhe reconheceres o individualismo. Como vês o seu regresso ao Porto e as possibilidades de ir ao Brasil?
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