domingo, 29 de setembro de 2013

O Caso Cardozo

Muito se falou do caso Cardozo durante o defeso, o que me levou a planear um texto sobre o assunto que, por falta de tempo e oportunidade, acabei por nunca escrever. Embora o caso, pelo menos internamente, pareça resolvido, continua a ser motivo de conversa, sobretudo entre aqueles que, provavelmente para satisfazerem frustrações pessoais, se têm tentado aproveitar de tudo e mais alguma coisa para atacar a equipa técnica, a direcção ou o clube encarnado. Nos últimos dias, por exemplo, ouvi várias opiniões favoráveis à dispensa do paraguaio, face ao sucedido, em nome de um bem maior que seria a dignidade do clube, a coesão do grupo ou o normal funcionamento da estrutura. A minha opinião acerca do Benfica, da sua direcção ou da competência da equipa técnica é absolutamente irrelevante para o que vou dizer, pelo que me abstenho de fazer juízos a estas entidades respeitantes, acerca das decisões tomadas neste caso. Ora, sobre o caso em concreto, confesso que nunca percebi bem a teoria por detrás do argumento, aliás absolutamente consensual em praça pública, de que um jogador que põe em causa a autoridade de um treinador deve ser imediatamente afastado do grupo, por descredibilizar o treinador e, por arrasto, enfraquecer a confiança dos restantes elementos do grupo naquele que o chefia. Na verdade, não compreendo a teoria porque não compreendo o argumento. E não compreendo o argumento porque não compreendo as diferentes premissas que o sustentam, a saber, 1) a convicção de que a força de um grupo depende da confiança que os diferentes elementos do grupo depositam naquele que o chefia e 2) a convicção de que a acção de um jogador pôr em causa a autoridade de um treinador produz necessariamente, aos olhos dos restantes elementos do grupo, o efeito da descredibilização desse treinador e a desconfiança generalizada acerca das suas competências enquanto tal.
A respeito da primeira premissa, posso talvez contra-argumentar lembrando que não parece haver grande diferença, pelo menos à partida, entre uma equipa inteira desconfiar das competências do treinador e a equipa inteira desconfiar das competências do guarda-redes dessa equipa. Isto é, a confiança de um grupo depende tanto da confiança no seu líder quanto da confiança em qualquer um dos colegas. Num grupo, o líder não tem uma posição privilegiada senão para liderá-lo. É verdade que as decisões de um líder afectam cada um dos elementos do grupo. Mas tenho muitas dúvidas que um mau guarda-redes não possa afectar ainda mais a confiança de cada um deles. Sou, aliás, da opinião, contrária à opinião da maioria das pessoas que conheço, que o problema do Sporting de José Peseiro foi muito menos a falta de competências para liderar um grupo do que a sucessão de fífias do central Hugo e do guarda-redes Ricardo, sobretudo no final da temporada. A força de um grupo depende de muitas coisas, das quais a confiança no treinador é apenas uma parte. E um bom treinador, a esse respeito, tratará sempre de fazer com que os seus jogadores desenvolvam mais a confiança em si próprios e uns nos outros do que propriamente na figura a que têm de obedecer.

A segunda premissa é mais importante, para o argumento contra Cardozo, e é também - parece-me - mais consensual. Em primeiro lugar, por que carga de água é que as acções de um jogador modificam necessariamente a opinião ou as crenças de outros jogadores? Será que os vários episódios de indisciplina de Mario Balotelli em Inglaterra alguma vez fizeram com que os restantes jogadores do City mudassem de opinião acerca das competências de Roberto Mancini? Para o mal ou para o bem, Mancini continuou a ser Mancini, depois de cada um desses episódios. E, mais ainda, continuaria a ser o mesmo de sempre, perdoando-o, como acabou invariavelmente por perdoar, não obstante os castigos que lhe aplicava, ou não o perdoando. É preciso muito mais do que um acto isolado de um único jogador para mudar a opinião acerca de um treinador. Em segundo lugar, é contestar uma decisão de alguém, ainda que de forma veemente, uma forma de pôr em causa a confiança que outras pessoas depositam nesse alguém? Sendo franco, se fosse treinador gostaria que os meus jogadores contestassem boa parte das minhas decisões. Não por causa daquela treta de que o inconformismo é sinal de empenho e vontade de ajudar. A razão é outra e reside no facto de acreditar que o sucesso de uma relação entre um superior e um subordinado depende mais do respeito dos subordinados pelas ideias do superior do que pelo respeito da sua posição superior. Embora vivamos em democracia há praticamente quatro décadas, o espírito democrático, em Portugal, continua a ser praticamente nulo, e poucos haverá que concordarão com esta perspectiva. Do meu ponto de vista, contudo, a verdadeira confiança conquista-se com diálogo, com justificações de acções, com persuasão. Conquistando-se dessa forma, não se perde só porque alguém decide contestar uma decisão.
Para ser bruto, há vestígios de um certo saudosismo fascista em todos aqueles que se indignaram contra o que fez Cardozo. Mas há também, parece-me, uma absoluta incompreensão acerca do que é ser um jogador de futebol, incompreensão esta, aliás, absolutamente idêntica àquela que se regista quando alguém diz que um jogador comete uma imprudência quando, sabendo que pode ser admoestado, tira a camisola para festejar um golo ou protesta uma decisão do árbitro, ou ainda idêntica àquela que ocorre quando se condena um jogador por protestar por ter sido substituído ou por o treinador não o utilizar. Durante os 90 minutos, não se é a mesma pessoa, nem fisiologicamente, nem emocionalmente; há adrenalina envolvida; há empenho, ambições, vaidades em causa. De resto, desentendimentos destes ocorrem com muita frequência, numa equipa de futebol, e não deveriam, por isso, ter importância suficiente para motivar tanta celeuma. Que tenha acontecido em público é apenas uma contingência dos tempos que correm, uma vez que cada vez menos coisas escapam às objectivas e aos jornalistas, e não deve ter maior gravidade por isso. O mais importante deveria ser a equipa; não a alegada desautorização do seu líder. É engraçado, por fim, que a primeira obra literária da História da Cultura Ocidental contenha já a evidência de que afastar de um grupo quem se insubordina só porque se insubordina pode não ser o melhor para o grupo. Se aquele que se insubordina faz realmente falta ao grupo, como Aquiles fazia aos Aqueus, pode até ser a pior a decisão possível. Aliás, não é nada claro, na Ilíada, que a confiança dos Aqueus em Agamémnon, o líder deles, fosse superior à confiança deles em Aquiles, o melhor dos guerreiros entre eles. Aos Aqueus, a insubordinação de Aquiles perante Agamémnon (uma insubordinação pública, diga-se), por pouco não lhes custava a guerra e a glória. Mas, 2800 anos depois, parece que continuamos sem aprender a lição de Homero; continuamos a preferir o "respeitinho, que é bonito", a disciplina, a boa educação, a serventia; continuamos a achar que coisas tão triviais como uma contestação pública de um chefe se devem configurar como ofensas de extrema gravidade. Os gregos, pelo menos os gregos homéricos, estavam a borrifar-se para bagatelas deste género. Pelo menos neste aspecto, eram francamente mais espertos do que os homens de hoje. A única coisa indispensável a um herói era a arete, a virtude ou a excelência, algo que, aplicado ao caso futebolístico que motivou a comparação, se traduziria no seguinte: a única coisa indispensável num jogador de futebol é o talento. O resto é conversa fiada. E gente a quem falta talvez um pouco de Grécia.

30 comentários:

Unknown disse...

Mas o que impede que a cada desaire do clube outro jogador quaquer va empurrar o jesus e pedir satisfações pela sua prestação?

Dependerá segundo homero da sua qualidade...salvio poderá fazer, lima com este arranque talvez nao, artur ja ha muito que nao pode mas gaitan pelo menos nos jogos europeus poderá desafiar jesus.

E para que nao penses que é devido a resquicios fascistas, acho o empurrao tao grave ao superior (treinador), como se fosse (como tambem parece mas sem contacto fisico) a um colega (andré almeida).

Se posso criticar e procurar soluçoes com o superior hierarquico? com dialogo construtivo com certeza, aos empurroes e faltas de respeito com certeza que nao...

Fenómeno disse...

perfeito Nuno.

António Teixeira disse...

Caro Nuno,

Admito que me custa a compreender o argumento pelo qual procura rebater a primeira premissa. É certo, creio, que, pelo menos em parte, a força de um grupo depende, efectivamente, da confiança que os elementos depositam no chefe desse grupo; a sua referência à Ilíada confirma, aliás, essa premissa (o que não deixa de ser perfeitamente irrelevante). Parece-me que você está a confundir-se na questão da "liderança". Mas responda-me a esta pergunta: quem é o líder?
Após isso, poderemos, se assim julgar correcto, continuar a aprofundar este tópico da discussão.

Na segunda premissa, cujo entendimento requer uma resposta à questão que lhe fiz, rebato, desde já, que ainda que autoridade de um treinador seja uma ínfima parte das suas competências, a sua preservação, desde que não se encontre em conflito com as restantes competências do sujeito, deve ser procurada.

Sobre as referências ao fascismo, comuns, aliás, neste blogue, de modo explícito ou implícito, gostaria de perguntar ao Nuno onde se fundamenta para as realizar?

Sobre a Ilíada:

"Se aquele que se insubordina faz realmente falta ao grupo, como Aquiles fazia aos Aqueus, pode até ser a pior a decisão possível." - Correcto, ainda que os aqueus tenham saqueado Tróia após a morte de Aquiles (Aeth. Fr. I).

"Mas, 2800 anos depois, parece que continuamos sem aprender a lição de Homero; continuamos a preferir o "respeitinho, que é bonito", a disciplina, a boa educação, a serventia; continuamos a achar que coisas tão triviais como uma contestação pública de um chefe se devem configurar como ofensas de extrema gravidade. Os gregos, pelo menos os gregos homéricos, estavam a borrifar-se para bagatelas deste género."

Pergunto-me, e não me leve a mal, leu a obra a que alude? E, imagino eu, que saiba da existência da Odisseia, correcto?

"Continuamos a achar que coisas tão triviais como uma contestação pública de um chefe se devem configurar como ofensas de extrema gravidade. Os gregos, pelo menos os gregos homéricos, estavam a borrifar-se para bagatelas deste género."

Pergunto me novamente se leu com atenção as obras, porque isto não poderia estar mais longe da verdade.

Não me leve a mal, eu não o conheço, e não estou a dizer isto por mal, mas se quer fazer referências a certos temas, ao menos faça referências fundamentadas e, mais importante, tenha conhecimento dos temas que trata. Já o fez com os sofistas e fá-lo agora com a tradição épica da Grécia Arcaica.
Claro que, e sem o querer atacar (peço-lhe, desde já, que não entenda as coisas dessa maneira), deve continuar a falar de futebol, porque apesar de apresentar algumas conclusões que me parecem longe de estarem totalmente correctas ou bem sustentadas, consegue agitar um pouco as opiniões e colocar diversos aspectos do jogo em conflito, o que é sempre importante.

Com os melhores cumprimentos,
António Teixeira

Nuno disse...

Daniel Santos diz:"Mas o que impede que a cada desaire do clube outro jogador quaquer va empurrar o jesus e pedir satisfações pela sua prestação?"

O que é que impede que a cada desaire do Porto um jogador qualquer vá empurrar o Paulo Fonseca e pedir satisfações pela sua prestação?

"Se posso criticar e procurar soluçoes com o superior hierarquico? com dialogo construtivo com certeza, aos empurroes e faltas de respeito com certeza que nao..."

Desculpa, Daniel, mas não sabes o que é um jogador de futebol.

Nuno disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nuno disse...

António Teixeira diz: "É certo, creio, que, pelo menos em parte, a força de um grupo depende, efectivamente, da confiança que os elementos depositam no chefe desse grupo"

E eu digo que não? O que digo é que a confiança do grupo não depende APENAS da confiança no líder. Depende, além disso, de muitas outras coisas, pelo que cingir a confiança de um grupo à relação que o grupo tem com o líder parece-me notoriamente redutor.

"Mas responda-me a esta pergunta: quem é o líder?"

Não sei se percebi a pergunta, embora tenha quase a certeza de que a resposta certa não é o aguadeiro.

"Na segunda premissa, cujo entendimento requer uma resposta à questão que lhe fiz, rebato, desde já, que ainda que autoridade de um treinador seja uma ínfima parte das suas competências, a sua preservação, desde que não se encontre em conflito com as restantes competências do sujeito, deve ser procurada."

Ainda bem que acha que a autoridade de um treinador deve ser preservada, António. Embora eu preferisse que me explicasse por que é que acha isso. Você até pode achar que Copérnico e Galileo estavam errados. Convém é explicar por que razão o acha, ou então não há discussão possível.

"Sobre as referências ao fascismo, comuns, aliás, neste blogue, de modo explícito ou implícito, gostaria de perguntar ao Nuno onde se fundamenta para as realizar?"

Onde me fundamento? O que quer dizer com "fundamento"? A relação é entre pessoas que gostam muito do "respeitinho, que é bonito" e o regime em que isso estava praticamente instituído.

"Correcto, ainda que os aqueus tenham saqueado Tróia após a morte de Aquiles (Aeth. Fr. I)."

Bom, eu não sei por que razão achou necessário fazer uma citação para dizer que os aqueus saquearam Tróia após a morte de Aquiles. E não sei, sobretudo, o que isso demonstra. A analogia consistia em mostrar como, por causa de uma discussão entre um subordinado e um superior, e consequente afastamento do subordinado, os aqueus ficaram mais fracos. Se Aquiles não tivesse regressado à batalha, os troianos não teriam sido vencidos.

"Pergunto-me, e não me leve a mal, leu a obra a que alude? E, imagino eu, que saiba da existência da Odisseia, correcto?"

Mais do que uma vez. Ambas. E não percebo a relação entre o que digo e a sua dúvida a respeito das minhas leituras.

"Pergunto me novamente se leu com atenção as obras, porque isto não poderia estar mais longe da verdade."

O que é que está longe da verdade e porquê? Mais uma vez lhe peço: discorde como quiser, mas justifique a discordância. Se não, parece apenas uma criancinha a fazer birra.

"Não me leve a mal, eu não o conheço, e não estou a dizer isto por mal, mas se quer fazer referências a certos temas, ao menos faça referências fundamentadas e, mais importante, tenha conhecimento dos temas que trata. Já o fez com os sofistas e fá-lo agora com a tradição épica da Grécia Arcaica."

Gosto tanto de gente que me diz para fundamentar e ter conhecimento daquilo de que falo. Sobretudo quando essa gente não fundamenta nada do que diz e não justifica o conhecimento que diz ter e considera que os outros não têm. Ainda se pergunta por que é que eu acho fascismo em pessoas assim? Quanto aos sofistas, mais uma vez, fundamente-o, se faz favor. Também gostava de saber o que é que disse sobre sofistas que seja assim tão errado. Mas, sobretudo, gostava de saber por que é que o que eu disse está errado.

Se conseguir, o que lhe peço, pois, é que justifique cada uma das insinuações que acabou de fazer. A partir daí, podemos começar a conversar. Até lá, perdoe-me a franqueza, nada do que você disse tem qualquer sentido.

António Teixeira disse...

Caro Nuno,

"E eu digo que não? O que digo é que a confiança do grupo não depende APENAS da confiança no líder. Depende, além disso, de muitas outras coisas, pelo que cingir a confiança de um grupo à relação que o grupo tem com o líder parece-me notoriamente redutor."

Esclarecido, vemos as coisas do mesmo modo neste caso.

""Mas responda-me a esta pergunta: quem é o líder?"

Não sei se percebi a pergunta, embora tenha quase a certeza de que a resposta certa não é o aguadeiro."

Olhe, quem é o líder de um plantel de futebol?


""Na segunda premissa, cujo entendimento requer uma resposta à questão que lhe fiz, rebato, desde já, que ainda que autoridade de um treinador seja uma ínfima parte das suas competências, a sua preservação, desde que não se encontre em conflito com as restantes competências do sujeito, deve ser procurada."

Ainda bem que acha que a autoridade de um treinador deve ser preservada, António. Embora eu preferisse que me explicasse por que é que acha isso. Você até pode achar que Copérnico e Galileo estavam errados. Convém é explicar por que razão o acha, ou então não há discussão possível."

Simples. Imagine que poderíamos traduzir numericamente o impacto das diversas variáveis no resultado final. Simplifiquemos (e embora saiba que discorda, é apenas por motivos explicativos), e digamos que o resultado que pretendemos é uma taxa de vitórias de 70%. Agora imagine que tem n classes de acções que influenciam esse resultado; uma delas, como é evidente, remete para o treinador, para a sua capacidade enquanto tal; e dentro desta capacidade, temos o relacionamento que ele estabelece com os restantes elementos do "grupo", certo?. Agora imagine que você até poderia calcular a influência, no que a probabilidade de obter uma vitória se refere, de um determinado comportamento numa dada relação entre o treinador e o elemento n do grupo. Pretendemos, claramente, que os resultados desse comportamento nos façam aproximar do resultado pretendido, correcto? Você concorda com isto?

Então, segundo me parece, e se aceitarmos que a autoridade de um treinador determina, de certo modo, as relações que ele estabelece com os restantes elementos e se, de igual modo, essa influência for positiva, torna-se essencial que essa autoridade deva ser preservada.

"Onde me fundamento? O que quer dizer com "fundamento"? A relação é entre pessoas que gostam muito do "respeitinho, que é bonito" e o regime em que isso estava praticamente instituído."

No seu seguimento, também poderia dizer isso sobre a relação entre os militantes comunistas e ateus que achavam que o respeitinho não era bonito e a URSS. E poderíamos relacionar mil e uma situações desse modo.
Mas, e para não o fazer, explique-me: quem são essas pessoas? de onde as conhece? Com fundamento digo que me apresente uma sustentação factual ou lógica para tal.

"É engraçado, por fim, que a primeira obra literária da História da Cultura Ocidental contenha já a evidência de que afastar de um grupo quem se insubordina só porque se insubordina pode não ser o melhor para o grupo. Se aquele que se insubordina faz realmente falta ao grupo, como Aquiles fazia aos Aqueus, pode até ser a pior a decisão possível"

Mas foi Agamemnon que afastou Aquiles do "grupo"?

António Teixeira disse...

" (...) continuamos a achar que coisas tão triviais como uma contestação pública de um chefe se devem configurar como ofensas de extrema gravidade"

Você compara duas coisas que não são passíveis de comparação. Você apelida, implicitamente (porque se não a analogia não tem sentido), o conflito inicial da Ilíada de "trivial". Diga-me, isso tem algum sentido? O evento da narrativa que prepara o desenvolvimento do próprio poema e que permite, como sabe, que se encontrem as contradições no espírito do herói, é tudo menos "trivial". Até podem, nos ciclos, existir outros exemplos de conflitos, mas ainda assim, nenhum tem a importância deste.

"continuamos a preferir o "respeitinho, que é bonito", a disciplina, a boa educação, a serventia"

Já reparou que um grande problema da Ilíada é o que motiva a guerra, e que consiste no rapto de Helena por Paris? E acha que isso não é uma censura à falta de respeitinho, à má educação, etc? Acha que a falta de hospitalidade dos pretendes não remete para o mesmo? Acha que o desrespeito desses mesmos sujeitos perante as divindades e perante a convenção, não é, igualmente uma falta de respeito perante uma autoridade?
E o que dizer, então, de Dias e Trabalhos? Não está lá a necessidade de respeitar a divindade pela sua autoridade, e, igualmente, a necessidade de serventia e de disciplina? Existem, de certo modo, insubordinações no épico grego (por exemplo, na Teogonia), mas são plenamente justificadas, aliás, tal como a de Aquiles. No entanto, a justificação dessas insubordinações reside, no caso da Ilíada, por exemplo, na falta de respeito pela moral, pelas regras de comportamento (pela boa educação, etc etc etc), pela parte de Agamemnon. Logo, você está a criar uma analogia onde justifica que Cardozo se tenha subordinado e que isso não deve ser punido; contudo, tal só se verifica, de acordo com a comparação, se Jesus se tiver subordinado de igual modo; pergunto-lhe, aconteceu isso? Se aconteceu, você tem razão.

"Os gregos, pelo menos os gregos homéricos, estavam a borrifar-se para bagatelas deste género"

Nota-se em Dias e Trabalhos, na Odisséia, etc etc etc... E estou a ser irónico, claro.

Você fala de arete, mas sabe que os heróis, muitas vezes, e em virtude dessa procura, se aproximavam de dois estados: do divino ( e descontando as suas genealogias), pelo seu poder sobre-humano, e do animalesco; será que os heróis cumpriam com o seu objectivo aquando da sua aproximação do animalesco (e.g. Il. 24. 39ff)?

Não é a única coisa indispensável, porque acho que existem outro tipo de atributos sem os quais o jogador de futebol nunca irá ser o que poderia ser. É o mais importante, isso sim. No herói, a arete é atingível, no jogador de futebol, segundo me parece, o talento é de certo modo, inato, ainda que possa ser desenvolvido.

Desculpe o português, mas foi à pressa. Respondo-lhe ao resto mais tardar amanhã.

Cumprimentos e tome um calmante, aí é que ainda vai achar mais piada a tudo o que eu digo ;)

Unknown disse...

"O que é que impede que a cada desaire do Porto um jogador qualquer vá empurrar o Paulo Fonseca e pedir satisfações pela sua prestação?"

Pergunta ao adriano e ja ficas a saber LOL. Agora mais a sério penso que seja o "medo" da penalização que possa vir a sofrer. No Benfica fica a ideia que esta situação sai impune, logo a balança fica desiquilibrada.

"Desculpa, Daniel, mas não sabes o que é um jogador de futebol."

Um assalariado que tem de respeitar a normas do clube mepregador.

Mais a FIFA tambem deve desconhecer o que é um jogador porque uma situação destas a um arbito é coisa para castigo forte, ainda que o jogador so quisesse esclarecer alguma coisa com o arbitro.

Pedro disse...

"O que é que impede que a cada desaire do Porto um jogador qualquer vá empurrar o Paulo Fonseca e pedir satisfações pela sua prestação?"

O Macaco e seus muchachos... :)

"se fosse treinador gostaria que os meus jogadores contestassem boa parte das minhas decisões."

Imagino-te como treinador do sporting á umas épocas atrás e os teus jogadores defenderem a utilização de Liedson... :)

Não aceito essa desculpabilização dos jogadores de futebol por causa da adrenalina, emoção, etc. São profissionais que treinam todos os dias, que estão habituados (deviam estar) à pressão dos resultados, dos adeptos, das câmaras, etc. Já se tolera que eles falhem o que não seria tolerado numa profissão normal, não aceito a ideia que se possa perdoar tudo por causa da adrenalina.

Acho que Cardozo tinha que ser punido e acho que o erro foi tudo ter demorado demasiado tempo. Não sei se é assim tão linear dizer que não afecta o grupo de trabalho. Concordo que outras coisas há mais graves e o exemplo da confiança no gr é bom mas quando as coisas não correm bem tudo ajuda a piorar...

Anónimo disse...

o texto não faz sentido porque o acto de cardozo não foi de insubordinação ou de contestação. foi de desconsideração e raiva. diria até de estupidez.

cardozo não foi herói, foi cobarde. com a guerra terminada e completamente perdida, com o líder cabisbaixo e humilhado, numa posição de fragilidade, de quem nada poderia fazer perante as evidências, optou por atacar a sua autoridade de forma agressiva, culpabilizando-o em exclusivo, como se o próprio cardozo não tivesse culpas no cartório. como se todos não fossem culpados. foi este o pecado de cardozo, isolou jesus na derrota, algo que certamente não faria em caso de vitória. se o benfica tivesse ganho as três competições teria cardozo levado jesus em ombros? tenho as minhas dúvidas...

porém, apesar de não me rever na forma (comparação caso cardoso e relato da ilíada) do post, revejo-me no seu espírito. também não gosto de participar em autos-de-fé. não contem comigo para crucificar quem quer que seja.

o que cardozo fez qualquer um poderia ter feito naquela situação. só quem não pensa, não age ou reage, enfim, quem não vive ou é muito hipócrita, pode dizer que não o faria, ou pode começar imediatamente a emitir sentenças.

não deixa de ser curioso que passados uns meses tenha sido jesus, de forma completamente estúpida e absurda, a questionar a autoridade!

também não contém comigo para crucificar jesus!

outra discussão, provavelmente mais interessante e rica, seria sobre os motivos que levam a tantos comportamentos desta índole no seio benfiquista. isso sim, seria interessante.

agora, discutir se cardozo e jesus são ou não "boas pessoas" ou "bons profissionais" ou o que quer que sejam eles, com base nestes episódios, parece-me absurdo.

Nuno disse...

António Teixeira diz: "Olhe, quem é o líder de um plantel de futebol?"

É mesmo para responder? Julguei que fosse uma pergunta retórica, pois sabemos ambos a resposta à pergunta.

"Imagine que poderíamos traduzir numericamente o impacto das diversas variáveis no resultado final. Simplifiquemos (e embora saiba que discorda, é apenas por motivos explicativos), e digamos que o resultado que pretendemos é uma taxa de vitórias de 70%. Agora imagine que tem n classes de acções que influenciam esse resultado; uma delas, como é evidente, remete para o treinador, para a sua capacidade enquanto tal; e dentro desta capacidade, temos o relacionamento que ele estabelece com os restantes elementos do "grupo", certo?. Agora imagine que você até poderia calcular a influência, no que a probabilidade de obter uma vitória se refere, de um determinado comportamento numa dada relação entre o treinador e o elemento n do grupo. Pretendemos, claramente, que os resultados desse comportamento nos façam aproximar do resultado pretendido, correcto? Você concorda com isto?"

Não. Primeiro, acho disparatado todos esses cálculos. Segundo, não concordo com somas de influências. Para si, a equipa perfeita é a que consegue reunir mais coisas positivas em simultâneo. Para mim, não é. O que você acha é que numa equipa em que o treinador se relaciona mal com um ou mais elementos é necessariamente uma equipa mais frágil. Mas imagine que essa má relação o faz pôr em campo um jogador que não poria de outro modo e que beneficia a equipa de algum modo. É impossível calcular o efeito de uma coisa como essa, e é impossível saber sequer se os efeitos que venha a ter sejam negativos.

"Então, segundo me parece, e se aceitarmos que a autoridade de um treinador determina, de certo modo, as relações que ele estabelece com os restantes elementos e se, de igual modo, essa influência for positiva, torna-se essencial que essa autoridade deva ser preservada."

Como explicado antes, esta conclusão segue-se de uma premissa errada. E é precisamente contra a ideia de que a autoridade determina as relações entre um treinador e um conjunto de jogadores que me coloco. Essa relação deveria ser determinada pelas ideias do treinador, não pela autoridade.

"quem são essas pessoas? de onde as conhece? Com fundamento digo que me apresente uma sustentação factual ou lógica para tal."

Ouça, eu fiz uma analogia entre pessoas que gostam do "respeitinho, é bonito!" e um regime em que isso era assim por definição. Como é óbvio, há mais exemplos de regimes em que isso aconteceu. Simplesmente, há muita gente em Portugal que foi educada de acordo com princípios que ainda vêm do regime anterior. É só andar pela rua e vê muitos.

"Mas foi Agamemnon que afastou Aquiles do "grupo"?"

Tecnicamente, sim. Embora o Aquiles tenha decidido afastar-se, não só o Agamémnon gostou da ideia como foi ele, pelas suas acções, que o levou a decidir tal coisa.

"Você apelida, implicitamente (porque se não a analogia não tem sentido), o conflito inicial da Ilíada de "trivial". Diga-me, isso tem algum sentido? O evento da narrativa que prepara o desenvolvimento do próprio poema e que permite, como sabe, que se encontrem as contradições no espírito do herói, é tudo menos "trivial"."

Não, você não percebeu o que eu fiz. E não percebe o que é uma analogia. O que eu disse que era trivial era a discussão entre o Cardozo e o Jesus. Dei o exemplo da Ilíada para mostrar um caso em que afastar um subordinado não é a melhor das decisões. Como é óbvio, para a narrativa do poema, a discussão entre Aquiles e Agamémnon não é trivial. Como, de resto, nenhum outro incidente do poema. Agora, isso não me impede de dizer 1) que Agamémnon (como aliás, Aquiles) foi caprichoso e levou demasiado a peito uma trivialidade; e 2) que isso é análogo ao que aconteceu com Cardozo e Jesus.

Nuno disse...

"Já reparou que um grande problema da Ilíada é o que motiva a guerra, e que consiste no rapto de Helena por Paris? E acha que isso não é uma censura à falta de respeitinho, à má educação, etc?"

Censura?? O Homero a censurar? Está boa, essa. A questão acerca do que motiva a guerra também é interessante. Do seu ponto de vista, é o rapto de Helena por Páris. Mas repare que ninguém ficou mais satisfeito com isso do que Agamémnon, que queria ir para a guerra há muito tempo e se aproveitou do despeito de Menelau. Repare igualmente que, sem a guerra, Aquiles nunca cumpriria o seu destino heróico. E repare ainda que Páris se apaixonou por Helena por decisão de Afrodite, como recompensa por este a ter escolhido como a mais bela das deusas. Desse ponto de vista, a causa da guerra foi a vaidade de Afrodite. De qualquer modo, para os gregos a hospitalidade era algo de muitíssimo sério. Desrespeitar a hospitalidade de alguém era uma das ofensas piores que se podia fazer. Raptar a esposa do anfitrião não é, por isso, exactamente o mesmo do que uma discussão pública.

"Acha que o desrespeito desses mesmos sujeitos perante as divindades e perante a convenção, não é, igualmente uma falta de respeito perante uma autoridade?"

Tem a noção de que, na Ilíada e na Odisseia, o que não falta são exemplos de heróis que desrespeitam divindades, não tem? Os deuses homéricos são caprichosos. Se puniam aqueles que eles achavam que os tinham desrespeitado não era por estes terem ido contra a autoridade e as convenções, mas por capricho, por terem ido contra a vontade deles.

"E o que dizer, então, de Dias e Trabalhos?"

"Dias e Trabalhos" não sei o que é. O Hesíodo escreveu uma coisa chamado "Os Trabalhos e os Dias".

"Não está lá a necessidade de respeitar a divindade pela sua autoridade, e, igualmente, a necessidade de serventia e de disciplina?"

Hesíodo não é Homero. Eu estava a falar de Homero. A diferença é gigantesca porque as epopeias homéricas se reportam à idade dos heróis, à quarta de cinco idades, segundo Hesíodo. Hesíodo fala das virtudes do trabalho e da honestidade, mas a respeito da quinta idade, não da idade dos heróis. Este argumento, por isso, não faz sentido nenhum.

"No entanto, a justificação dessas insubordinações reside, no caso da Ilíada, por exemplo, na falta de respeito pela moral, pelas regras de comportamento (pela boa educação, etc etc etc), pela parte de Agamemnon."

1) Aquiles nunca gostou de Agamémnon. 2) Aquiles insubordinou-se porque Agamémnon, o líder dos Aqueus, era arrogante e queria que ele combatesse sob as suas ordens. 3) Aquiles desistiu de combater pelos gregos porque Agamémnon lhe ficou com Briseida, depois de ter sido obrigado a devolver a sua concubina ao pai para mitigar a fúria de Apolo. Agamémnon era o líder e Aquiles insubordinou-se, tal como Cardozo se insubordinou, alegadamente, por discordar das decisões de Jesus. Foi exactamente o mesmo.

"Nota-se em Dias e Trabalhos, na Odisséia, etc etc etc... E estou a ser irónico, claro."

Não. Está é a ser estúpido, como se viu.

"Você fala de arete, mas sabe que os heróis, muitas vezes, e em virtude dessa procura, se aproximavam de dois estados: do divino ( e descontando as suas genealogias), pelo seu poder sobre-humano, e do animalesco; será que os heróis cumpriam com o seu objectivo aquando da sua aproximação do animalesco (e.g. Il. 24. 39ff)?"

Mas é aqui que reside o seu problema. Não há diferença entre os dois estados. A obtenção da arete, para Aquiles, dependia do seu lado selvagem. É isso que estou a dizer. Para os gregos homéricos, só a arete é que interessava. Não interessava os meios pela qual era obtida. Ulisses não era bruto como Aquiles, mas era tudo menos um menino de coro. Diomedes bateu em dois deuses no mesmo dia. Você está a olhar para a Ilíada com óculos cristãos, e só consegue ver imoralidade. Pois claro. O código moral deles era completamente diferente.

Nuno disse...

"No herói, a arete é atingível, no jogador de futebol, segundo me parece, o talento é de certo modo, inato, ainda que possa ser desenvolvido."

Vê-se que não assistiu às últimas discussões do blogue. O talento não é inato coisa nenhuma. Desse ponto de vista, é exactamente como a arete.

Daniel Santos diz: "Um assalariado que tem de respeitar a normas do clube mepregador."

É incrível como um jogador de futebol só é um trabalhador como os outros quando é para cumprir regras. Gostava de saber se essa opinião se mantinha se a discussão fosse acerca dos avultados ordenados que alguns deles auferem. Todas as profissões têm a sua especificidade. O jogador de futebol desempenha a sua em condições muito diferentes de um bancário, por exemplo. Desse ponto de vista, não pode ser visto como um bancário. Nem como outro trabalhador qualquer. Tem de se perceber que um futebolista tem uma carreira curtíssima, que tem muitas vezes como objectivo certas vaidades individuais, glória, etc... Um futebolista não é como outro assalariado, pura e simplesmente. É ignorância e hipocrisia não perceber isto.

Pedro diz: "Imagino-te como treinador do sporting á umas épocas atrás e os teus jogadores defenderem a utilização de Liedson..."

Se eu conseguisse pô-los a jogar como mereciam, rapidamente perceberiam que estavam bem melhor sem o Liedson. E, depois, tendo em conta que, como colega, ele não parecia ser grande coisa, duvido que alguém o defendesse assim, mas pronto...

"Não aceito essa desculpabilização dos jogadores de futebol por causa da adrenalina, emoção, etc. São profissionais que treinam todos os dias, que estão habituados (deviam estar) à pressão dos resultados, dos adeptos, das câmaras, etc."

A adrenalina não é a única razão pela qual eu acho que eles são trabalhadores diferentes, mas é uma diferença importante. O que é que interessa treinar todos os dias? Essa teoria de que é a profissão deles e que têm de se habituar à pressão dela é muito bonita, mas é para quem nunca jogou à bola. O que é que interessa treinar todos os dias, se crias expectativas que depois saem frustradas? Se te sentes injustiçado? Se o teu momento de glória te é roubado porque um árbitro se armou em parvo? Continuo a dizer: há muita gente que, ou nunca jogou à bola, ou tem uma moralidade à prova de bala.

Nuno disse...

Mike diz: "o texto não faz sentido porque o acto de cardozo não foi de insubordinação ou de contestação. foi de desconsideração e raiva. diria até de estupidez."

Han?? Eu diria que um acto de desconsideração e raiva, quando dirigido a um superior, é um acto de insubordinação. Mas isso sou eu.

"cardozo não foi herói, foi cobarde. com a guerra terminada e completamente perdida, com o líder cabisbaixo e humilhado, numa posição de fragilidade, de quem nada poderia fazer perante as evidências, optou por atacar a sua autoridade de forma agressiva, culpabilizando-o em exclusivo, como se o próprio cardozo não tivesse culpas no cartório. como se todos não fossem culpados."

Sim, porque uma pessoa que acaba de perder o terceiro troféu na mesma semana, que sai quando a equipa está a ganhar, e que se sente injustiçado, derrotado e humilhado, aquilo em que devia estar a pensar era na lengalenga de que todos são culpados das derrotas. Tu sabes que as pessoas têm egos? E sabes que jogadores de futebol, nesse capítulo, até costumam ter egos maiores do que as outras pessoas, certo? Lá está, não sabem o que são, especificamente, jogadores de futebol. Esse argumento é mais ou menos o mesmo que dizer a alguém que um familiar está a morrer de cancro que em África há milhões a morrer à fome. As pessoas preocupam-se primeiro com os seus problemas, não com os problemas dos outros.

"o que cardozo fez qualquer um poderia ter feito naquela situação. só quem não pensa, não age ou reage, enfim, quem não vive ou é muito hipócrita, pode dizer que não o faria, ou pode começar imediatamente a emitir sentenças."

Então, se pensas assim, por que razão os primeiros parágrafos? Há aqui bipolaridade, ou estou a ver mal? Claro que qualquer um podia ter feito o mesmo. É uma situação normalíssima. E é hipócrita dizer o contrário.

Pedro disse...

"Se eu conseguisse pô-los a jogar como mereciam, rapidamente perceberiam que estavam bem melhor sem o Liedson. E, depois, tendo em conta que, como colega, ele não parecia ser grande coisa, duvido que alguém o defendesse assim, mas pronto..."

Na tua opinião. Na opinião deles, e é esse o cenário que interessa ter para discussão, eles não concordam ctg.

"há muita gente que, ou nunca jogou à bola, ou tem uma moralidade à prova de bala."

O jogar ou não à bola devia ser irrelevante nesta discussão e espanta-me que uses esse argumento.
Um cirurgião não espeta o bisturi na enfermeira pq lhe correu mal uma operação, ou não vai retirar a máscara durante a mesma pq a enfermeira lhe deu uma peça errada, etc. Podemos discutir razões sociológicas para justificar os actos dos jogadores da bola mas não é por aí que quero discutir este tema pq não pode nunca desculpar. Um condutor de F1 quando perde uma corrida por um disparate não trava o carro em plena pista e vai-se embora...todos cumprem as regras, excepto os jogadores de futebol.

Anónimo disse...

vou tentar responder de forma curta e concisa:

"Han?? Eu diria que um acto de desconsideração e raiva, quando dirigido a um superior, é um acto de insubordinação. Mas isso sou eu"

se quiseres limitar esta discussão à semântica, tens razão. mas os actos são sempre mais do que aparentam. e o acto de cardozo pareceu-me tudo menos insubordinação.

"Sim, porque uma pessoa que acaba de perder o terceiro troféu na mesma semana, que sai quando a equipa está a ganhar, e que se sente injustiçado, derrotado e humilhado, aquilo em que devia estar a pensar era na lengalenga de que todos são culpados das derrotas."

depois de ler esta frase não percebo uma coisa. não percebo porque o teu post se intitula "o caso cardozo" e não "o caso dos 25 jogadores do benfica que, perdendo 3 troféus numa semana, não se revoltaram contra o treinador". o que é que o ego do cardozo tem que o ego do luisão, por exemplo, não tem? isso só prova a excepcionalidade do acto de cardozo.

" Tu sabes que as pessoas têm egos? E sabes que jogadores de futebol, nesse capítulo, até costumam ter egos maiores do que as outras pessoas, certo? Lá está, não sabem o que são, especificamente, jogadores de futebol."

admito que uma pessoa que tem uma profissão que a expõe publicamente possua (ou necessite de possuir) um "ego maior" (se bem que a noção de "ego maior" seja esquisita...) mas isso não desculpa nada. se assim fosse, caramba, estávamos tramados. olha que os políticos tinham aqui uma forma de se desculparem eternamente... "ah.. foi o ego, foi o ego..." ó nuno, não pode ser pá!

http://en.wikipedia.org/wiki/Id,_ego_and_super-ego#Ego - talvez de ajude.

presumo que estejas familiarizado com o termo "egocentrismo". o que teria acontecido ao benfica se, naquele momento, todos os jogadores do plantel se tivessem deixado levar pelos seus "egos"? é que, de acordo com o teu texto, nada os poderia impedir.


" Esse argumento é mais ou menos o mesmo que dizer a alguém que um familiar está a morrer de cancro que em África há milhões a morrer à fome. As pessoas preocupam-se primeiro com os seus problemas, não com os problemas dos outros."

não percebo de onde vem esta ideia. o problema de cardozo, naquele momento específico, era exactamente o mesmo problema de jesus. cardozo perdeu tanto como jesus. não sei como é que fostes buscar esse exemplo de uma pessoa a morrer de cancro e de outra a dizer que isso não é problema nenhum. acho-o até um pouco macabro e de gosto duvidoso. sim, as pessoas preocupam-se sempre primeiro com os seus problemas. e o problema de cardozo era o problema de jesus. logo cardozo devia ter-se preocupado com jesus, jesus com cardozo, etc. uma equipa é isso. uma equipa não é simplesmente uma soma de egos. se não percebes isto não sei como avançar mais com esta discussão. se uma equipa fosse somente a soma dos egos o génio nunca apareceria porque os outros egos não deixavam.

"Há aqui bipolaridade, ou estou a ver mal?"

não há bipolaridade nenhuma. eu acho que o acto de cardozo, apesar de muito negativo, é desculpável porque entendo que o ser humano é falível, sobretudo em situações limite. além de que não conheço os elementos todos. não gosto, por isso, de participar em autos-de-fé. é só isto, mais nada. e, neste aspecto, concordo contigo. no fundo, partimos de locais completamente distintos, mas chegamos ao mesmo sítio.

fica bem.

Unknown disse...

" Tem de se perceber que um futebolista tem uma carreira curtíssima, que tem muitas vezes como objectivo certas vaidades individuais, glória"

È com esta base que defendes a atitude de cardozo?

SO ignorância e hipocrisia farão alguem pensar assim.

António Teixeira disse...

Caro Nuno,

Procurarei responder-lhe o mais cedo possível, mas dado o volume do comentário e alguns imprevistos pessoais, dê-me uns dias.

Cumprimentos

António Teixeira disse...

Caro Nuno,

Desde já, peço-lhe desculpa pela resposta tardia, mas, como deve imaginar, a rotina diária não me permitiu dedicar a atenção que era devida a uma resposta aos seus argumentos.

“É mesmo para responder? Julguei que fosse uma pergunta retórica, pois sabemos ambos a resposta à pergunta.”

Respondo-lhe com um exemplo:
Imagine uma empresa local, especializada num determinado produto e que, para efeitos do exemplo, possui um Departamento de Publicidade. Ora, a liderança da empresa é, por decreto, vertical. Contudo, aquando do pedido do Director do Departamento de Publicidade para a criação de uma nova imagem para o produto, que se deva orientar pelo padrão n, os dez funcionários preferiram criar uma imagem que se rege-se pelo padrão m; esta decisão deveu-se à influência do criativo Manuel Ferreira, cujas relações interpessoais, naquele Departamento, lhe davam força para influenciar a criação da imagem. Portanto, quem é o líder?

“Não. Primeiro, acho disparatado todos esses cálculos. Segundo, não concordo com somas de influências. Para si, a equipa perfeita é a que consegue reunir mais coisas positivas em simultâneo. Para mim, não é. O que você acha é que numa equipa em que o treinador se relaciona mal com um ou mais elementos é necessariamente uma equipa mais frágil. Mas imagine que essa má relação o faz pôr em campo um jogador que não poria de outro modo e que beneficia a equipa de algum modo. É impossível calcular o efeito de uma coisa como essa, e é impossível saber sequer se os efeitos que venha a ter sejam negativos.”

Mas porque razão são disparatados? Primeiramente, eu não disse que a equipa perfeita era aquela que conseguisse reunir mais coisas positivas; aliás, a equipa perfeita é a que cumpre um modelo de jogo perfeito e que alcança o resultado perfeito, para além de ter interpretes perfeitos a todos os níveis, certo? Então, qual é o modelo de jogo perfeito, qual é o resultado perfeito e, por fim, quais são os interpretes perfeitos? De seguida, você terá, porventura, interpretado mal o que eu escrevi; não disse que a uma equipa em que exista um mau relacionamento entre o treinador e os jogadores se podem atribuir certas fragilidades por necessidade; apenas quis referir que, hipoteticamente, essa equipa pode ser mais frágil que aqueloutra onde esses comportamentos não se verificam; igualmente, é possível que seja mais forte. Agora imagine, também, que essa má relação o faz pôr em campo um jogador que, de alguma maneira, não colocaria noutro contexto, e que prejudica claramente o colectivo. Seja ou não impossível calcular os efeitos de determinada acção, as suas consequências são puramente contingentes, o que, neste caso, nos impede de afirmar se seria bom ou mau afastar o Cardozo. Logo, a premissa de que esta decisão influencia negativamente o colectivo, não podendo ser um juízo universal é, de algum modo, verdadeira em alguns contextos e, portanto, possível.

António Teixeira disse...

Como explicado antes, esta conclusão segue-se de uma premissa errada. E é precisamente contra a ideia de que a autoridade determina as relações entre um treinador e um conjunto de jogadores que me coloco. Essa relação deveria ser determinada pelas ideias do treinador, não pela autoridade.
Não se segue de uma premissa errada. A não ser que se esteja a referir ao argumento anterior que, ainda que não seja errado, poderá ter sido avaliado dessa maneira pelo Nuno.
Se deveria ou não ser determinada pelas ideias do treinador, não me pronuncio. Contudo, parece-me que está a fazer confusão entre o que é e o que deve ser. Até pode ser que deva ser determinada por isso; mas a verdade é que não é, estou certo?

Ouça, eu fiz uma analogia entre pessoas que gostam do "respeitinho, é bonito!" e um regime em que isso era assim por definição. Como é óbvio, há mais exemplos de regimes em que isso aconteceu. Simplesmente, há muita gente em Portugal que foi educada de acordo com princípios que ainda vêm do regime anterior. É só andar pela rua e vê muitos.

Explique-me então os princípios políticos do Estado Novo e, seguidamente, o que compreende pelo “respeitinho é bonito”. E depois explique-me porque motivos esses princípios e essa asserção estão errados. O exemplo é irrelevante: posso exemplificar o inverso, e você pode, também, verifica-lo.

“Não, você não percebeu o que eu fiz. E não percebe o que é uma analogia. O que eu disse que era trivial era a discussão entre o Cardozo e o Jesus. Dei o exemplo da Ilíada para mostrar um caso em que afastar um subordinado não é a melhor das decisões. Como é óbvio, para a narrativa do poema, a discussão entre Aquiles e Agamémnon não é trivial. Como, de resto, nenhum outro incidente do poema. Agora, isso não me impede de dizer 1) que Agamémnon (como aliás, Aquiles) foi caprichoso e levou demasiado a peito uma trivialidade; e 2) que isso é análogo ao que aconteceu com Cardozo e Jesus.”

Existem exemplos em que a insubordinação é o pior: veja-se a questão do rebanho de Apolo na Odisseia. Por isso, ainda não consegui entender onde quer chegar com o exemplo, já que posso sustentar o oposto e exemplificar o oposto. Mas espere, você primeiro diz que eu não percebi o que fez, e diz que o conflito da Ilíada não é trivial; contudo, umas linhas abaixo afirma que Agamémnon e Aquiles levaram demasiado a peito uma trivialidade? Você está a procurar estabelecer uma identidade entre dois eventos que, no que lhe interessa, são desiguais e inconciliáveis.




António Teixeira disse...

“Censura?? O Homero a censurar? Está boa, essa. A questão acerca do que motiva a guerra também é interessante. Do seu ponto de vista, é o rapto de Helena por Páris. Mas repare que ninguém ficou mais satisfeito com isso do que Agamémnon, que queria ir para a guerra há muito tempo e se aproveitou do despeito de Menelau. Repare igualmente que, sem a guerra, Aquiles nunca cumpriria o seu destino heróico. E repare ainda que Páris se apaixonou por Helena por decisão de Afrodite, como recompensa por este a ter escolhido como a mais bela das deusas. Desse ponto de vista, a causa da guerra foi a vaidade de Afrodite. De qualquer modo, para os gregos a hospitalidade era algo de muitíssimo sério. Desrespeitar a hospitalidade de alguém era uma das ofensas piores que se podia fazer. Raptar a esposa do anfitrião não é, por isso, exactamente o mesmo do que uma discussão pública.”

Do ponto de vista literário, é ou não o rapto que desperta a guerra? Está a tentar deslocar o plano da discussão quando isso não tem sentido. Ademais, você confirma o meu argumento sobre a boa educação nas últimas frases; não estou, pois, a entender o que pretende com o parágrafo inteiro. Ainda assim, poderia atentar no canto primeiro da Odisseia para perceber se Homero censura ou não censura. Aliás, acha que o discurso directo nos poemas serve para quê? Como mero instrumento literário separado do plano moral?

“Tem a noção de que, na Ilíada e na Odisseia, o que não falta são exemplos de heróis que desrespeitam divindades, não tem? Os deuses homéricos são caprichosos. Se puniam aqueles que eles achavam que os tinham desrespeitado não era por estes terem ido contra a autoridade e as convenções, mas por capricho, por terem ido contra a vontade deles.”

Irrelevante, sendo os deuses caprichosos ou não. Porque morre, por exemplo, Sarpedon? Que sejam caprichosos, é evidente; que isso seja a motivação que leva a toda a acção divina é falso; desse modo, Sarpedon não morreria.

"Dias e Trabalhos" não sei o que é. O Hesíodo escreveu uma coisa chamado "Os Trabalhos e os Dias".

Irrelevante, mas pronto: Egta kai emerai. Descubra o artigo porque eu não o encontro. Por isso, posso traduzir com o artigo ou sem o artigo. Tem razão na troca da ordem dos termos, o que, mais uma vez, é irrelevante: Dias e Trabalhos e Trabalhos e Dias são proposições equivalentes; podendo alterar, somente, na ordem da narração.

“Hesíodo não é Homero. Eu estava a falar de Homero. A diferença é gigantesca porque as epopeias homéricas se reportam à idade dos heróis, à quarta de cinco idades, segundo Hesíodo. Hesíodo fala das virtudes do trabalho e da honestidade, mas a respeito da quinta idade, não da idade dos heróis. Este argumento, por isso, não faz sentido nenhum.”
Então você acha, que no âmbito da moralidade, as epopeias remetem para a idade dos heróis sem que, com essa referência, procurem modificar ou influenciar a moralidade do séc VII-VIII a. C.? Hesíodo não é Homero, mas os gregos homéricos então quem são? Que tenham aplicações diferentes em virtude da disposição económica etc da Grécia Clássica, não é mentira, agora que existam uns tais de gregos homéricos, não sabia.

António Teixeira disse...

“1) Aquiles nunca gostou de Agamémnon. 2) Aquiles insubordinou-se porque Agamémnon, o líder dos Aqueus, era arrogante e queria que ele combatesse sob as suas ordens. 3) Aquiles desistiu de combater pelos gregos porque Agamémnon lhe ficou com Briseida, depois de ter sido obrigado a devolver a sua concubina ao pai para mitigar a fúria de Apolo. Agamémnon era o líder e Aquiles insubordinou-se, tal como Cardozo se insubordinou, alegadamente, por discordar das decisões de Jesus. Foi exactamente o mesmo.”

Mas claro que sim. Até porque Jesus ficou com os espojos (neste caso, imagino, os prémios de jogo) do Cardozo. E porque Cardozo nunca gostou de Jesus e, também, porque Jesus era arrogante e queria que Cardozo jogasse sob as suas ordens. Isto é tão absurdo que me custa a crer que acredite no que escreveu, e que não esteja a argumentar só para insistir.

“Não há diferença entre os dois estados. A obtenção da arete, para Aquiles, dependia do seu lado selvagem.”
A sério? E já agora, porque motivo não há diferença entre os dois estados? Eu não falei em nada que remetesse para o Cristianismo, nem me ajuizei sobre ser bom ou mau aproximarem-se das bestas. Você é que, novamente, interpretou mal ou está a tentar extrair do meu discurso algo de má fé. Mas já agora, porque se aplica, na analogia, o tal código moral dos gregos e não um código moral Cristão? Porque procura descontextualizar as coisas do momento histórico em que ocorrem?

Sobre o talento no jogador de futebol, não me pronuncio porque, sinceramente, não sei. Não me esqueci dos sofistas, mas como deve ter reparado pelas variações do português ao longo do texto, estou sem tempo.

Cumprimentos,
António Teixeira

Nuno disse...

Pedro diz: "O jogar ou não à bola devia ser irrelevante nesta discussão e espanta-me que uses esse argumento"

Pedro, quem já jogou à bola sabe que este tipo de coisas acontece com muita frequência e quem já jogou à bola sabe que a maior parte destas coisas acontecem de cabeça quente, não são premeditadas, e conduzem a arrependimento. A mim, por exemplo, aconteceu-me várias vezes.

"todos cumprem as regras, excepto os jogadores de futebol."

Pedro, isto é um disparate de todo o tamanho. De todo o tamanho.

Mike diz: "o que é que o ego do cardozo tem que o ego do luisão, por exemplo, não tem? isso só prova a excepcionalidade do acto de cardozo."

Mike, o que prova a excepcionalidade do caso do Cardozo foi ele ter feito o que fez. O que estou a dizer é que aquilo qualquer um, seja qual for o seu carácter, poderia ter feito. Este tipo de coisas faz parte de ser jogador de futebol. E já era tempo de se perceber isso.

"se assim fosse, caramba, estávamos tramados. olha que os políticos tinham aqui uma forma de se desculparem eternamente."

Mike, eu não estou a desculpar o Cardozo. Esse é um dos problemas de quem não percebeu este post. Estou a dizer que aquilo que fez foi normalíssimo, não que não mereça punição. Merece, embora mereça um punição pequena, porque a gravidade daquilo é pequena.

"o que teria acontecido ao benfica se, naquele momento, todos os jogadores do plantel se tivessem deixado levar pelos seus "egos"?"

Mike, mas quem te diz que não se deixaram levar pelos egos? Canalizaram-nos foi de maneira diferente. O Cardozo achou que o Jesus tinha culpas no cartório, e não impediu que a frustração que sentia o mostrasse. Foi só isso. Outros não terão achado a mesma coisa que o Cardozo. Pronto.

"não percebo de onde vem esta ideia. o problema de cardozo, naquele momento específico, era exactamente o mesmo problema de jesus. cardozo perdeu tanto como jesus. não sei como é que fostes buscar esse exemplo de uma pessoa a morrer de cancro e de outra a dizer que isso não é problema nenhum. acho-o até um pouco macabro e de gosto duvidoso."

O exemplo é, pelo contrário, bem feliz. Tu achas que o Cardozo deveria ter posto a frustração colectiva à frente da frustração individual, que deveria ter tido esse cuidado. É exactamente o mesmo que pedir a alguém que está a morrer de cancro que pense nos problemas gerais da Humanidade.

Daniel Santos diz: "È com esta base que defendes a atitude de cardozo?"

Daniel, ninguém defendeu a atitude do Cardozo. Aquilo que disse é que é uma atitude normalíssima num jogador de futebol. E tentei demonstrar em que é que o jogador de futebol é diferente dos restantes profissionais. E é por ser diferente que as suas atitudes devem ser compreendidas de maneira diferente. Ignorância e hipocrisia é assumir que todos somos iguais e que, portanto, os deveres são iguais para todos. Pois não são.

Nuno disse...

António Teixeira diz: "apenas quis referir que, hipoteticamente, essa equipa pode ser mais frágil que aqueloutra onde esses comportamentos não se verificam; igualmente, é possível que seja mais forte."

Claro. PODE. A palavra-chave é PODE. Pode ficar mais frágil, como pode ficar mais forte. O que eu contrariei foi a ideia feita de que protestar contra um líder torna NECESSARIAMENTE o conjunto mais fraco. Se não torna necessariamente a equipa mais fraca, a premissa de que aquilo é mau para o grupo é falsa.

"Logo, a premissa de que esta decisão influencia negativamente o colectivo, não podendo ser um juízo universal é, de algum modo, verdadeira em alguns contextos e, portanto, possível."

Isto é um raciocínio esquisito. De uma premissa não-universal não se pode concluir nada. Qualquer raciocínio verdadeiro depende de ter, pelo menos, uma premissa universal. O raciocínio que estou a combater é este: Premissa 1) Todo o protesto influencia negativamente a equipa; Premissa 2) Cardozo protestou; 3) Cardozo influenciou negativamente a equipa. Este raciocínio só é possível porque a premissa 1 é universal. Se a premissa 1 deixa de ter universalidade, que foi o argumento que fiz, o raciocínio deixa de ser verdadeiro. De 1) Alguns protestos influenciam negativamente a equipa e 2) Cardozo protestou, não se segue a conclusão de que 3) Cardozo influenciou negativamente a equipa. Foi só isto que fiz, mostrar que a premissa 1 era falsa.

"Não se segue de uma premissa errada. A não ser que se esteja a referir ao argumento anterior que, ainda que não seja errado, poderá ter sido avaliado dessa maneira pelo Nuno."

Como ficou demonstrado imediatamente acima em termos lógicos, segue-se de uma premissa errada.

"Contudo, parece-me que está a fazer confusão entre o que é e o que deve ser."

Não creio. Estamos no século XXI. Se a autoridade de algumas pessoas continua a ser imposta pela hierarquia e não pelas ideias, está errada. Não perceber que o jogador de futebol, hoje em dia, é diferente do que era há 30 ou 40 anos e que, portanto, o tipo de liderança deve ser diferente, é estar errado.

Nuno disse...

"Explique-me então os princípios políticos do Estado Novo e, seguidamente, o que compreende pelo “respeitinho é bonito”. E depois explique-me porque motivos esses princípios e essa asserção estão errados. O exemplo é irrelevante: posso exemplificar o inverso, e você pode, também, verifica-lo."

António, está claramente a bater numa tecla só por bater. Vou-lhe dar um exemplo: médicos. Para a geração dos meus pais, a profissão de médico (não é a única) é distinta das outras. O que um médico diz, para essa geração, normalmente é sagrado e indiscutível. Eu já não penso assim, porque acho que os vícios salazarentos já não me apanharam, e estou certo de que há médicos bem menos inteligentes que alguns analfabetos. Para mim, a credibilidade não vem da profissão, do estatuto social, da aparência ou de um curso superior. Vem dos argumentos. Se, por hipótese, vai um economista reputado à televisão dizer qualquer coisa, as pessoas nem ouvem, nem tentam perceber se o que diz faz sentido. Se lhe garantem a reputação do homem, então é porque deve ter razão. E o que não falta por aí são economistas reputados que ou estão completamente enganados, ou são completamente estúpidos, ou estão a dizer aquilo porque têm uma agenda qualquer. O vício salazarento que estou a criticar, associando-o ao antigo regime, consiste nesta forma vertical de as pessoas se relacionarem com outras, neste reconhecimento de mérito a outros pelo rótulo que lhes é colado. Há algum tempo, escrevi um texto em que distinguia o "respeitinho, que é bonito!" de "respeito". Por "respeitinho" entendo esta forma vertical de dar crédito a outros. É uma forma puramente arbitrária, que consiste no facto de a pessoa a quem se dar crédito ter uma determinada profissão e uma determinada posição numa determinada hierarquia. Por "respeito" entendo aquilo que se conquista horizontalmente, pela explicação, pelos argumentos, pelas ideias. Não acredite, por isso, que sou contra a falta de respeito. Acontece é que não respeito os outros arbitrariamente, só porque sim. Respeito aqueles que merecem respeito. E os que merecem respeito aqueles que fazem por isso.

"Existem exemplos em que a insubordinação é o pior: veja-se a questão do rebanho de Apolo na Odisseia. Por isso, ainda não consegui entender onde quer chegar com o exemplo, já que posso sustentar o oposto e exemplificar o oposto."

Ouça, ou não sabe o que é uma analogia, ou está só a ser teimoso. Exemplos literários de insubordinação há-os aos pontapés. Escolhi este, e não só a escolha é minha como duvido que pudesse escolher um mais adequado. A analogia é quase perfeito, pois trata-se de um líder e de um subordinado que se desentendem e de um colectivo que fica mais fraco sem o subordinado que se desentendeu com o líder. É só isto.

"Mas espere, você primeiro diz que eu não percebi o que fez, e diz que o conflito da Ilíada não é trivial; contudo, umas linhas abaixo afirma que Agamémnon e Aquiles levaram demasiado a peito uma trivialidade? Você está a procurar estabelecer uma identidade entre dois eventos que, no que lhe interessa, são desiguais e inconciliáveis."

Os seus problemas interpretativos começam a ser um problema. O conflito é importantíssima para o desenrolar da acção. Ou seja, é-o em termos diegéticos. Isso não me impede de dizer que as personagens que o protagonizam agem por capricho, por embirração, e com orgulho a mais, reagindo a uma trivialidade como se fosse a maior ofensa do mundo. Claro que, sem essa birra, não haveria Ilíada, mas não deixa de ser uma birra.

"Do ponto de vista literário, é ou não o rapto que desperta a guerra? Está a tentar deslocar o plano da discussão quando isso não tem sentido."

Do ponto de vista literário?? Como assim? Do ponto de vista da Ilíada, isso nem se põe, pois a acção começa já a guerra começara há muito. Por isso, não estou a deslocar nada. A acção da Ilíada tem pouco a ver com as causas da guerra.

Nuno disse...

"Ademais, você confirma o meu argumento sobre a boa educação nas últimas frases; não estou, pois, a entender o que pretende com o parágrafo inteiro."

Não confirmo nada. Está a ver como não sabe interpretar coisas? Estou a falar de hospitalidade, não de boa educação. E o que lhe disse foi que a hospitalidade era um caso muito específico. Ninguém falou de boa educação, pois bem educados, entendendo boa educação como o que se entende hoje, era coisa que os heróis gregos não eram.

"Ainda assim, poderia atentar no canto primeiro da Odisseia para perceber se Homero censura ou não censura. Aliás, acha que o discurso directo nos poemas serve para quê? Como mero instrumento literário separado do plano moral?"

1) Que parte do canto primeiro?? 2) Discurso directo?? Está a falar de quê? O discurso directo, quando muito, ocorre quando as personagens falam. É disso que está a falar? Ou está a falar da voz do poeta épico que narra os acontecimentos? 3) A respeito de moralidade, devo dizer que a literatura em geral tem pouco a ver com moralidade e costumes. Dizendo melhor, raramente tem a pretensão de criticar ou corrigir morais e costumes. No caso particular de Homero, não tem NADA a ver com isso. Repito: NADA. Aliás, como é que se pode pensar sequer o contrário, se Sócrates, pensando no que deveria ser o sistema educativo da República perfeita, rejeitava as duas épicas de Homero na íntegra, precisamente por elas estabelecerem padrões morais indesejáveis?

"Irrelevante, sendo os deuses caprichosos ou não. Porque morre, por exemplo, Sarpedon? Que sejam caprichosos, é evidente; que isso seja a motivação que leva a toda a acção divina é falso; desse modo, Sarpedon não morreria."

Tem de ser mais específico. Podia apontar várias razões. Porque Pátroclo o vence, porque Zeus decide obedecer a Hera, pelo capricho de Hera, porque estava destinado a morrer ali. Nenhuma dessas razões implica, porém, que os deuses não se movam por capricho. Por capricho, entenda-se, falo de vontade individual e arbitrária. Sarpédon morre, mas Zeus tem a oportunidade de salvá-lo. Se não o faz, é porque Hera o convence a não fazer. Ou seja, porque a vontade de Hera se cumpre. Evidentemente, acima dos deuses está o Fado, e é possível que a acção divina apenas pudesse adiar esse fado. Nada disso é relevante para o que estava a sugerir, que era o facto de os deuses punirem os mortais por capricho e não por dever moral. Neste exemplo, se Sarpédon foi punido por alguém foi por Hera. E a punição foi tudo menos moral. Se a houve, foi o capricho de Hera, que estava a favor dos gregos e percebeu que a morte de Sarpédon magoaria Zeus, que a causou.

"Irrelevante, mas pronto: Egta kai emerai. Descubra o artigo porque eu não o encontro. Por isso, posso traduzir com o artigo ou sem o artigo."

Não estava a referir-me ao artigo, embora me pareça parvo, em português, traduzir sem o artigo.

"Tem razão na troca da ordem dos termos, o que, mais uma vez, é irrelevante: Dias e Trabalhos e Trabalhos e Dias são proposições equivalentes; podendo alterar, somente, na ordem da narração."

Pois, vamos esquecer que toda a gente traduz por "Trabalhos e Dias" e vamos começar a dizer o contrário. Aliás, por que não estender essa ideia a outros textos? Começamos todos agora a falar em "Sagrada Bíblia", em "Comédia Divina", em "Furioso Orlando", em "Libertada Jerusalém", em "Perdido Paraíso" e em "Cleópatra e António". Só para ser diferente. O ponto aqui não era a troca dos termos, por si só. Era o facto de você vir para aqui citar Hesíodo, quando a conversa não tinha nada a ver com Hesíodo, e citar mal.

Nuno disse...

"Então você acha, que no âmbito da moralidade, as epopeias remetem para a idade dos heróis sem que, com essa referência, procurem modificar ou influenciar a moralidade do séc VII-VIII a. C.?"

No âmbito da moralidade é uma expressão espectacular. Não é no âmbito da moralidade que as epopeias remetem para a idade dos heróis; é em tudo. A acção passa-se na idade dos grandes heróis aristocráticos. Aliás, passa-se já no final dessa idade, para ser mais preciso. Aquilo é sobre um tempo que já não existe. De resto, quanto a moralidade, já lhe respondi acima. Não há nenhuma. Não é essa a pretensão do texto. O texto não procura modificar NADA, nem influenciar NADA. Deixe-me, aliás, dizer-lhe que achar que os textos literários pretendem modificar ou influenciar alguma coisa é, de todo, uma parvoíce. Mas, mesmo assumindo que textos podem influenciar pessoas, se os textos homéricos influenciassem alguma coisa era negativamente, como bem explicou Sócrates.

"Hesíodo não é Homero, mas os gregos homéricos então quem são? Que tenham aplicações diferentes em virtude da disposição económica etc da Grécia Clássica, não é mentira, agora que existam uns tais de gregos homéricos, não sabia."

Não sabia? Então talvez devesse ler mais, porque não são poucos os autores que falam em "gregos homéricos". Quando falei em gregos homéricos, referia-me aos gregos retratados por Homero, aos gregos da idade dos heróis.

"Mas claro que sim. Até porque Jesus ficou com os espojos (neste caso, imagino, os prémios de jogo) do Cardozo. E porque Cardozo nunca gostou de Jesus e, também, porque Jesus era arrogante e queria que Cardozo jogasse sob as suas ordens. Isto é tão absurdo que me custa a crer que acredite no que escreveu, e que não esteja a argumentar só para insistir."

António, em primeiro lugar, não sei o que são "espojos". Sei o que são "despojos" e o que são "espólios". "Espojos" parece uma mistura dos dois. Em segundo lugar, repito, você não sabe o que é uma analogia. Para si, só fazia sentido fazer a analogia se, de facto, Cardozo e Jesus se chamassem Aquiles e Agamémnon, se tivessem estado na guerra de Tróia e se, no fundo, tivessem feito exactamente o mesmo que as personagens da Ilíada. Isso já não era uma analogia. Numa analogia, há coisas idênticas e há coisas que não o são. Neste caso, a analogia é legitimada pelas parecenças que apontei no texto. Aliás, é incrivelmente legítima, e não percebo a casmurrice do António.

"Mas já agora, porque se aplica, na analogia, o tal código moral dos gregos e não um código moral Cristão? Porque procura descontextualizar as coisas do momento histórico em que ocorrem?"

António, fazendo uma analogia entre momentos históricos diferentes, é natural que isso acontecesse, ou não? Já vi que, para si, não dá para fazer analogias em que haja coisas diferentes nos dois casos análogos. Fico agora a saber que também não posso fazer analogias com momentos históricos diferentes, porque os contextos são diferentes. O problema do António, percebo-o agora, não é comigo ou com o meu argumento; tem é um problema com analogias. O que eu sugiro é que tenha calma. Analogias são analogias. Não se chateie por elas serem imprecisas. Faz parte do pacote. Analogias precisas não são analogias.

"Não me esqueci dos sofistas, mas como deve ter reparado pelas variações do português ao longo do texto, estou sem tempo."

Fico à espera, então, até porque, pelo que percebi, anda com isso entalado há muito tempo. A julgar pela amostra, está entalado pelas razões erradas, mas disso falaremos então quando lhe apetecer.

António Teixeira disse...

Caro Nuno,

Dou lhe razão em quase tudo. Aliás, os seus conhecimentos do âmbito da lógica são superiores aos meus. Não posso deixar de referir que estamos em concordância no que se refere à modalidade das consequências dos actos do jogador.
Não posso, como já deve ter reparado, continuar com uma troca de comentários mais exigente. Pese embora não lhe possa dar razão no que se refere aos épicos, não vou responder mais. Ainda assim, se quiser, pode escolher um tópico relevante de debate dentro dessa matéria; a partir dai, debatemos em texto, com direito de resposta no blog; entenda que é mais fácil para mim. Se não quiser, fica com a razão em tudo o que referiu.
Sobre os sofistas, parece-me que transmitiu, no seu outro texto, uma imagem um pouco negativa, particularmente do Górgias. Pareceu-me, pelas suas alusões, que se estaria a sustentar no testemunho platónico, o qual pode, e repito, pode, não ser completamente verdadeiro. Debato consigo, se quiser, nos mesmos moldes que acima referi. Caso não esteja interessado, dou-lhe novamente a razão, até porque sou eu que me estou a recusar a debater na caixa de comentários. Espero que compreenda as minhas razões, e estou certo que compreenderá.

Cumprimentos,
António Teixeira

Nuno disse...

Caro António,

Compreendo perfeitamente. Eu também não tenho tido muito tempo. Haverá outras ocasiões para debater coisas destas. Quanto aos sofistas, lembro-me de ter falado das acusações que Sócrates lhes faz. E o que me interessava, na altura, eram precisamente essas acusações e o seu conteúdo. Não falei dos sofistas propriamente ditos, mas daquilo que, para Sócrates, é a actividade dos sofistas, a saber, tagarelar.

Cumprimentos!