Para o Entre Dez, o trabalho de Marcelo Bielsa em Bilbao não é necessariamente motivo de surpresa. Quem se habituou a seguir este blogue, sabe que não é de agora a admiração pelo treinador argentino. Com ou sem resultados, as equipas de Marcelo Bielsa sempre impressionaram. E essa impressão, não os resultados obtidos, é que deve ser o critério decisivo para se aferir a qualidade de um treinador. No início da época, estive para escrever sobre o campeonato espanhol em geral, sobre a crescente qualidade de algumas equipas de segunda linha, e sobre os treinadores responsáveis por essa qualidade. Acabei por não o fazer, e houve coisas que ficaram por dizer sobre treinadores como Unai Emery, ou Mauricio Pochettino. Não são os únicos, mas são os que talvez mais me agradam, de todas aquelas equipas que lutam por um lugar europeu. À excepção de Marcelo Bielsa, claro, que é de outro campeonato.
Na antevisão do jogo de hoje, Ricardo Sá Pinto colocou-o ao nível de Guardiola e de Mourinho. É difícil fazê-lo unicamente porque não tem o palmarés, a nível de títulos, dos outros. Mas as suas equipas raramente desiludem. E, tendo em conta que oferecem sempre um futebol de qualidade, eu diria que o trabalho dele merecia outra atenção. Disse dele, recentemente, Guardiola que se tratava do melhor treinador do mundo. Exagerava, talvez, mas homenageava um dos seus principais mentores. Para mim, que tenho uma ideia de futebol muito específica, e acho que os grandes treinadores da História do jogo são, não aqueles que conquistaram mais coisas, mas sim aqueles que fizeram evoluir a concepção do jogo e deixaram maior legado em termos teóricos, Marcelo Bielsa tem necessariamente de ser colocado ao lado dos principais treinadores, de César Luis Menotti, de Rinus Michels, de Johan Cruyff, de Arrigo Sacchi, e, sim, de José Mourinho e Pep Guardiola. É esta a estima que tenho por Bielsa, estima essa que o futebol do Athletic de Bilbao, esta época, não tem de maneira nenhuma decepcionado.
Como todas as ideias revolucionárias, as ideias de Bielsa requerem tempo para serem implementadas. Os jogadores bascos terão demorado a interiorizar tudo o que deles passou a ser exigido, com Bielsa, mas, agora que a época se aproxima do fim, este Bilbao - e este é o melhor elogio que se lhe pode fazer - é a equipa que vi jogar que mais se aproxima do Barcelona de Guardiola. Em Old Trafford, frente a um todo-poderoso Manchester United, sem estratégias de gente pequena, assumiu o jogo, pegou na bola, e fez com que os ingleses andassem a correr atrás dela. O golo de Óscar de Marcos é um excelente exemplo daquilo que, ofensivamente, esta equipa sabe fazer, mas houve, durante o jogo, vários momentos ainda mais brilhantes. Ferguson ficou deslumbrado e reconheceu, no final da eliminatória, que era um regalo poder ver o Athletic de Bilbao a jogar futebol. De uma equipa que se encolhia, como todas as equipas de nível médio-baixo, perante adversários todos poderosos, o Bilbao de Bielsa transformou-se numa equipa que controla qualquer adversário. Isso só é possível de uma maneira: querendo sempre a bola. É esse o principal traço fisionómico desta equipa: ter bola. Falta-lhe, é certo, muito para fazer com a bola o que os jogadores catalães fazem, mas tem, pelo menos, a consciência de que, para o jogo que pretende, um jogo em que é o adversário que tem de se adaptar a si e não o contrário, ter a bola é o mais importante princípio de jogo.
Montado em 433, o Bilbao de Bielsa joga sempre em função da bola, e obriga os adversários a jogar sempre em função deles. Ofensivamente, é uma equipa poderosíssima precisamente porque é das melhores do mundo a trocar a bola, a arranjar espaços de penetração centrais. O trabalho de desmarcação, a preocupação com os apoios interiores, a dinâmica sem bola do ataque, tudo isso oferece ao portador da bola mais soluções do que normalmente se tem. Aos seus pupilos ensinou Marcelo Bielsa a importância do papel da decisão. Aprenderam a tabelar, a devolver o passe, a jogar curto, a sair de zonas de pressão em posse, deixando presos ao relvado três ou quatro adversários. Por vezes, quando se intranquilizam, esquecem tudo isto. Mas, se, porventura, estiverem concentrados, conscientes do que têm de fazer, é muito difícil superar-lhes o jogo.
Entre várias revoluções, fez Marcelo Bielsa de Javi Martinez um central. Quando tantos adaptam defesas a médios-defensivos, adaptar um médio-defensivo (ainda por cima um dos principais esteios da equipa e um dos maiores valores do futebol espanhol na sua posição de origem) a central diz mais de um treinador do que qualquer linha de currículo. Como fez Guardiola com Mascherano, ao perceber que não tinha qualidade para jogar no meio-campo catalão, Bielsa transformou um médio-defensivo de combate num defesa central competente. E, para a posição de médio-defensivo, escolheu um jogador muito diferente de Javi Martinez, Ander Iturraspe, um jogador inteligente, bom de bola, capaz de se posicionar, mas franzino e pouco dado ao choque. Para além de Javi Martinez e de Iturraspe, destaco, no que diz respeito ao sector recuado, o lateral-direito Iraola. Depois, do meio para a frente, não há um único jogador que não me pareça francamente dotado. Ander Herrera chegou esta época a Bilbao, mas a sua competência a meio-campo é inegável. É o cérebro desta equipa, e espera-se muito da sua evolução. Ao seu lado joga normalmente Óscar de Marcos. Embora os seus movimentos sejam muito diferentes dos de Ander Herrera, a sua posição de base é no meio-campo. Partindo daí, invade normalmente espaços verticais, aproveitando os abaixamentos e os movimentos interiores quer do ponta-de-lança, quer dos extremos. Raramente é ele quem aparece entre linhas, e é a ele que, normalmente, é mais difícil atribuir um lugar no esquema de Bielsa. Depois, o trio da frente, com Susaeta e Muniain nas alas. Não podiam ser jogadores mais diferentes, mas igualmente competentes. Susaeta é, para mim, a principal revelação desta equipa. Não sendo um prodígio em termos de técnica, é porém inteligentíssimo. É um exemplo extraordinariamente feliz de como um extremo não precisa de ter argumentos individuais notáveis para ser um grande extremo.
Quanto a Iker Muniain, é simplesmente a maior esperança do futebol basco. Com apenas 19 anos, é ele quem assume, muitas vezes, as rédeas do jogo basco. Quando apareceu, com 17 anos, era um jogador vertical, um jogador de drible, sempre preparado para enfrentar o seu opositor directo na linha. Hoje em dia, sobretudo pelo que Bielsa fez dele, é um jogador muito diferente. Partindo da linha, raramente aposta no um para um. Vem para dentro, procura espaços interiores, e só força o drible como recurso. Muito por causa dessa evolução intelectual, Marcelo Bielsa costuma também apostar nele no meio, nas costas do avançado, no lugar de De Marcos, quando as coisas exigem alteração. Quando assim é, costuma entrar para a ala esquerda outro jogador que me parece bastante habilidoso: Ibai Gomez. Finalmente, na frente, Fernando Llorente. De Llorente, o melhor que posso dizer é que gosto dele ainda ele não era conhecido. Numa selecção espanhola de sub-20 que, em 2005, não chegou mais longe porque Lionel Messi, sozinho, não permitiu, em onde pontificava Cesc Fabregas, havia dois jogadores muito subvalorizados que me impressionaram desde logo: um deles, que nem sequer era titular nessa selecção, era David Silva; o outro, o avançado Fernando Llorente. Desde então, Llorente tem confirmado tudo o que esperava dele. É o protótipo daquilo que deve ser um avançado grande, alguém que sabe jogar de costas para a baliza, que se sabe movimentar, que percebe as movimentações dos colegas, etc.. Quando se fala em Llorente, fala-se normalmente na sua temível capacidade no jogo aéreo, ou nos seus dotes de finalizador. Para ser sincero, esses são os seus atributos menos importantes.
É difícil falar da qualidade desta equipa sem uma maior contextualização de imagens, pois as suas principais virtudes estão na dinâmica, sobretudo com bola, que consegue imprimir. Ainda assim, penso, é importante perceber que é uma equipa capaz de arranjar espaços onde eles não existem, uma equipa que assume sempre o jogo, e uma equipa não entrega o destino à inspiração individual nem ao acaso. O seu principal ponto fraco é a nível defensivo. Desde que conheço Bielsa que sei que não gosta de treinar defensivamente. É um partidário da criatividade, e preferiu sempre perder tempo com a parte criativa do jogo, entregando o trabalho defensivo ao esforço individual dos seus jogadores. Há quem ache que o Bilbao de Bielsa defende ao homem, com referências individuais claras. Baseiam-se estes iluminados em vídeos que encontraram que o confirmam. Acontece que esses vídeos dizem respeito a um jogo específico, um jogo de características únicas e que não se voltou a repetir. Foi o jogo em San Mamés, com o Barça. Nesse jogo, sim, a estratégia defensiva basca pareceu passar por perseguir individualmente os jogadores catalães. Não sendo perfeita a forma como o Athletic de Bilbao defende, não é, contudo, assim tão primitiva. O que se passa é que Bielsa, ao contrário do que parece ser agora consensual, opta por não colocar em fora-de-jogo os adversários. Assim, o Bilbao não defende numa linha de quatro, com os jogadores alinhados uns pelos outros, e vai-se afundando no campo à medida que a bola se aproxima da baliza. Acontece também que o Bilbao, ao contrário de muitas outras equipas, não utiliza uma zona defensiva expectante. Esteja a bola onde estiver, quando está no meio-campo defensivo, o comportamento do Bilbao é sempre feito numa zona pressionante. O que isto significa é que não há nunca momentos de expectativa, momentos de organização zonal; há sempre reacção. Assim, é natural que vejam os iluminados jogadores sistematicamente atrás de jogadores adversários, emparelhados. O Bilbao defende sempre em reacção, sempre em zona pressionante, e isso parece-lhes, a eles, sempre desorganização. Os únicos problemas, a meu ver, nisto tudo, são o facto de abdicarem de uma linha defensiva que lhes permitisse jogar com o fora-de-jogo, e a forma como a equipa activa essa zona pressionante, muito mais preocupada em estar em cima de cada adversário do que em cortar linhas de passe. Ainda assim, diria que podia ser bem pior. O facto de defender sempre em zona pressionante acaba por compensar os defeitos posicionais, e os espaços que inevitavelmente concedem.
De resto, a campanha basca fala por si. As meias-finais da Liga Europa, sobretudo se tivermos em conta que eliminaram equipas como o Manchester United, o Shalke 04, ou mesmo o PSG, são qualquer coisa de inédito, mas é preciso não esquecer que vão disputar a final da Taça do Rey com o Barcelona, e que, no campeonato, estão na luta por um lugar de acesso à Liga dos Campeões do ano que vem. Trata-se de um ano brilhante para o clube, algo que dificilmente aconteceria se Bielsa não estivesse ao comando desta equipa. Há quem ache que a força da equipa está, acima de tudo, na mentalidade competitiva. Essas pessoas estão, obviamente, enganadas. A mentalidade sempre foi a grande arma do clube basco, mas, sem mais nada, nunca passou de um clube de terceira dimensão, que umas vezes lutava pela Europa e outras para não descer. A mentalidade sempre lhes permitiu ser uma equipa difícil de ultrapassar. Mas foi a competência de Bielsa que lhes deu o empurrão decisivo. Com Bielsa, deixaram de ser essa equipa que tudo o que podia fazer era cerrar os dentes, disputar cada lance como se fosse o mais importante da vida, e esperar que o suor chegasse para vencer, e passaram a ser a equipa que troca a bola, que controla o jogo, que obriga o adversário a correr. Com Bielsa, adquiriram faculdades que nunca tinham tido, faculdades que, associando-se à mentalidade que sempre tiveram, permitem sonhar com títulos e deslumbram meio mundo.
Pelo comportamento recente das duas equipas, espera-se no jogo de hoje uma equipa a atacar e a outra, com um bloco baixo e numa atitude expectante, a defender muito perto da sua baliza. Ontem, num jogo de características semelhantes às que espero hoje, a equipa que mais fez por ganhar acabou por perder. O futebol tem destas coisas, e muitas vezes a História escreve-se por quem menos faz para a escrever. Acontece. O que não pode ficar por dizer é que, tal como ontem, a única razão para que a equipa que defendeu (e que não defendeu sequer muito bem) ter superado a equipa que atacou (e que atacou bem) foi o factor "sorte". Hoje até pode acontecer o mesmo, porque todos, mesmo aqueles que esperam que as vitórias caiam do céu, se arriscam a vencer desde que estejam em campo. Mas os que merecem o Olimpo não são os que ganham; são os que fazem o que é certo para ganhar. Como o Barcelona de Guardiola ontem fez, acredito que o Bilbao de Bielsa hoje o fará.
Na antevisão do jogo de hoje, Ricardo Sá Pinto colocou-o ao nível de Guardiola e de Mourinho. É difícil fazê-lo unicamente porque não tem o palmarés, a nível de títulos, dos outros. Mas as suas equipas raramente desiludem. E, tendo em conta que oferecem sempre um futebol de qualidade, eu diria que o trabalho dele merecia outra atenção. Disse dele, recentemente, Guardiola que se tratava do melhor treinador do mundo. Exagerava, talvez, mas homenageava um dos seus principais mentores. Para mim, que tenho uma ideia de futebol muito específica, e acho que os grandes treinadores da História do jogo são, não aqueles que conquistaram mais coisas, mas sim aqueles que fizeram evoluir a concepção do jogo e deixaram maior legado em termos teóricos, Marcelo Bielsa tem necessariamente de ser colocado ao lado dos principais treinadores, de César Luis Menotti, de Rinus Michels, de Johan Cruyff, de Arrigo Sacchi, e, sim, de José Mourinho e Pep Guardiola. É esta a estima que tenho por Bielsa, estima essa que o futebol do Athletic de Bilbao, esta época, não tem de maneira nenhuma decepcionado.
Como todas as ideias revolucionárias, as ideias de Bielsa requerem tempo para serem implementadas. Os jogadores bascos terão demorado a interiorizar tudo o que deles passou a ser exigido, com Bielsa, mas, agora que a época se aproxima do fim, este Bilbao - e este é o melhor elogio que se lhe pode fazer - é a equipa que vi jogar que mais se aproxima do Barcelona de Guardiola. Em Old Trafford, frente a um todo-poderoso Manchester United, sem estratégias de gente pequena, assumiu o jogo, pegou na bola, e fez com que os ingleses andassem a correr atrás dela. O golo de Óscar de Marcos é um excelente exemplo daquilo que, ofensivamente, esta equipa sabe fazer, mas houve, durante o jogo, vários momentos ainda mais brilhantes. Ferguson ficou deslumbrado e reconheceu, no final da eliminatória, que era um regalo poder ver o Athletic de Bilbao a jogar futebol. De uma equipa que se encolhia, como todas as equipas de nível médio-baixo, perante adversários todos poderosos, o Bilbao de Bielsa transformou-se numa equipa que controla qualquer adversário. Isso só é possível de uma maneira: querendo sempre a bola. É esse o principal traço fisionómico desta equipa: ter bola. Falta-lhe, é certo, muito para fazer com a bola o que os jogadores catalães fazem, mas tem, pelo menos, a consciência de que, para o jogo que pretende, um jogo em que é o adversário que tem de se adaptar a si e não o contrário, ter a bola é o mais importante princípio de jogo.
Montado em 433, o Bilbao de Bielsa joga sempre em função da bola, e obriga os adversários a jogar sempre em função deles. Ofensivamente, é uma equipa poderosíssima precisamente porque é das melhores do mundo a trocar a bola, a arranjar espaços de penetração centrais. O trabalho de desmarcação, a preocupação com os apoios interiores, a dinâmica sem bola do ataque, tudo isso oferece ao portador da bola mais soluções do que normalmente se tem. Aos seus pupilos ensinou Marcelo Bielsa a importância do papel da decisão. Aprenderam a tabelar, a devolver o passe, a jogar curto, a sair de zonas de pressão em posse, deixando presos ao relvado três ou quatro adversários. Por vezes, quando se intranquilizam, esquecem tudo isto. Mas, se, porventura, estiverem concentrados, conscientes do que têm de fazer, é muito difícil superar-lhes o jogo.
Entre várias revoluções, fez Marcelo Bielsa de Javi Martinez um central. Quando tantos adaptam defesas a médios-defensivos, adaptar um médio-defensivo (ainda por cima um dos principais esteios da equipa e um dos maiores valores do futebol espanhol na sua posição de origem) a central diz mais de um treinador do que qualquer linha de currículo. Como fez Guardiola com Mascherano, ao perceber que não tinha qualidade para jogar no meio-campo catalão, Bielsa transformou um médio-defensivo de combate num defesa central competente. E, para a posição de médio-defensivo, escolheu um jogador muito diferente de Javi Martinez, Ander Iturraspe, um jogador inteligente, bom de bola, capaz de se posicionar, mas franzino e pouco dado ao choque. Para além de Javi Martinez e de Iturraspe, destaco, no que diz respeito ao sector recuado, o lateral-direito Iraola. Depois, do meio para a frente, não há um único jogador que não me pareça francamente dotado. Ander Herrera chegou esta época a Bilbao, mas a sua competência a meio-campo é inegável. É o cérebro desta equipa, e espera-se muito da sua evolução. Ao seu lado joga normalmente Óscar de Marcos. Embora os seus movimentos sejam muito diferentes dos de Ander Herrera, a sua posição de base é no meio-campo. Partindo daí, invade normalmente espaços verticais, aproveitando os abaixamentos e os movimentos interiores quer do ponta-de-lança, quer dos extremos. Raramente é ele quem aparece entre linhas, e é a ele que, normalmente, é mais difícil atribuir um lugar no esquema de Bielsa. Depois, o trio da frente, com Susaeta e Muniain nas alas. Não podiam ser jogadores mais diferentes, mas igualmente competentes. Susaeta é, para mim, a principal revelação desta equipa. Não sendo um prodígio em termos de técnica, é porém inteligentíssimo. É um exemplo extraordinariamente feliz de como um extremo não precisa de ter argumentos individuais notáveis para ser um grande extremo.
Quanto a Iker Muniain, é simplesmente a maior esperança do futebol basco. Com apenas 19 anos, é ele quem assume, muitas vezes, as rédeas do jogo basco. Quando apareceu, com 17 anos, era um jogador vertical, um jogador de drible, sempre preparado para enfrentar o seu opositor directo na linha. Hoje em dia, sobretudo pelo que Bielsa fez dele, é um jogador muito diferente. Partindo da linha, raramente aposta no um para um. Vem para dentro, procura espaços interiores, e só força o drible como recurso. Muito por causa dessa evolução intelectual, Marcelo Bielsa costuma também apostar nele no meio, nas costas do avançado, no lugar de De Marcos, quando as coisas exigem alteração. Quando assim é, costuma entrar para a ala esquerda outro jogador que me parece bastante habilidoso: Ibai Gomez. Finalmente, na frente, Fernando Llorente. De Llorente, o melhor que posso dizer é que gosto dele ainda ele não era conhecido. Numa selecção espanhola de sub-20 que, em 2005, não chegou mais longe porque Lionel Messi, sozinho, não permitiu, em onde pontificava Cesc Fabregas, havia dois jogadores muito subvalorizados que me impressionaram desde logo: um deles, que nem sequer era titular nessa selecção, era David Silva; o outro, o avançado Fernando Llorente. Desde então, Llorente tem confirmado tudo o que esperava dele. É o protótipo daquilo que deve ser um avançado grande, alguém que sabe jogar de costas para a baliza, que se sabe movimentar, que percebe as movimentações dos colegas, etc.. Quando se fala em Llorente, fala-se normalmente na sua temível capacidade no jogo aéreo, ou nos seus dotes de finalizador. Para ser sincero, esses são os seus atributos menos importantes.
É difícil falar da qualidade desta equipa sem uma maior contextualização de imagens, pois as suas principais virtudes estão na dinâmica, sobretudo com bola, que consegue imprimir. Ainda assim, penso, é importante perceber que é uma equipa capaz de arranjar espaços onde eles não existem, uma equipa que assume sempre o jogo, e uma equipa não entrega o destino à inspiração individual nem ao acaso. O seu principal ponto fraco é a nível defensivo. Desde que conheço Bielsa que sei que não gosta de treinar defensivamente. É um partidário da criatividade, e preferiu sempre perder tempo com a parte criativa do jogo, entregando o trabalho defensivo ao esforço individual dos seus jogadores. Há quem ache que o Bilbao de Bielsa defende ao homem, com referências individuais claras. Baseiam-se estes iluminados em vídeos que encontraram que o confirmam. Acontece que esses vídeos dizem respeito a um jogo específico, um jogo de características únicas e que não se voltou a repetir. Foi o jogo em San Mamés, com o Barça. Nesse jogo, sim, a estratégia defensiva basca pareceu passar por perseguir individualmente os jogadores catalães. Não sendo perfeita a forma como o Athletic de Bilbao defende, não é, contudo, assim tão primitiva. O que se passa é que Bielsa, ao contrário do que parece ser agora consensual, opta por não colocar em fora-de-jogo os adversários. Assim, o Bilbao não defende numa linha de quatro, com os jogadores alinhados uns pelos outros, e vai-se afundando no campo à medida que a bola se aproxima da baliza. Acontece também que o Bilbao, ao contrário de muitas outras equipas, não utiliza uma zona defensiva expectante. Esteja a bola onde estiver, quando está no meio-campo defensivo, o comportamento do Bilbao é sempre feito numa zona pressionante. O que isto significa é que não há nunca momentos de expectativa, momentos de organização zonal; há sempre reacção. Assim, é natural que vejam os iluminados jogadores sistematicamente atrás de jogadores adversários, emparelhados. O Bilbao defende sempre em reacção, sempre em zona pressionante, e isso parece-lhes, a eles, sempre desorganização. Os únicos problemas, a meu ver, nisto tudo, são o facto de abdicarem de uma linha defensiva que lhes permitisse jogar com o fora-de-jogo, e a forma como a equipa activa essa zona pressionante, muito mais preocupada em estar em cima de cada adversário do que em cortar linhas de passe. Ainda assim, diria que podia ser bem pior. O facto de defender sempre em zona pressionante acaba por compensar os defeitos posicionais, e os espaços que inevitavelmente concedem.
De resto, a campanha basca fala por si. As meias-finais da Liga Europa, sobretudo se tivermos em conta que eliminaram equipas como o Manchester United, o Shalke 04, ou mesmo o PSG, são qualquer coisa de inédito, mas é preciso não esquecer que vão disputar a final da Taça do Rey com o Barcelona, e que, no campeonato, estão na luta por um lugar de acesso à Liga dos Campeões do ano que vem. Trata-se de um ano brilhante para o clube, algo que dificilmente aconteceria se Bielsa não estivesse ao comando desta equipa. Há quem ache que a força da equipa está, acima de tudo, na mentalidade competitiva. Essas pessoas estão, obviamente, enganadas. A mentalidade sempre foi a grande arma do clube basco, mas, sem mais nada, nunca passou de um clube de terceira dimensão, que umas vezes lutava pela Europa e outras para não descer. A mentalidade sempre lhes permitiu ser uma equipa difícil de ultrapassar. Mas foi a competência de Bielsa que lhes deu o empurrão decisivo. Com Bielsa, deixaram de ser essa equipa que tudo o que podia fazer era cerrar os dentes, disputar cada lance como se fosse o mais importante da vida, e esperar que o suor chegasse para vencer, e passaram a ser a equipa que troca a bola, que controla o jogo, que obriga o adversário a correr. Com Bielsa, adquiriram faculdades que nunca tinham tido, faculdades que, associando-se à mentalidade que sempre tiveram, permitem sonhar com títulos e deslumbram meio mundo.
Pelo comportamento recente das duas equipas, espera-se no jogo de hoje uma equipa a atacar e a outra, com um bloco baixo e numa atitude expectante, a defender muito perto da sua baliza. Ontem, num jogo de características semelhantes às que espero hoje, a equipa que mais fez por ganhar acabou por perder. O futebol tem destas coisas, e muitas vezes a História escreve-se por quem menos faz para a escrever. Acontece. O que não pode ficar por dizer é que, tal como ontem, a única razão para que a equipa que defendeu (e que não defendeu sequer muito bem) ter superado a equipa que atacou (e que atacou bem) foi o factor "sorte". Hoje até pode acontecer o mesmo, porque todos, mesmo aqueles que esperam que as vitórias caiam do céu, se arriscam a vencer desde que estejam em campo. Mas os que merecem o Olimpo não são os que ganham; são os que fazem o que é certo para ganhar. Como o Barcelona de Guardiola ontem fez, acredito que o Bilbao de Bielsa hoje o fará.
14 comentários:
Gostei bastante.
Sempre admirei o Bielsa, penso que foi Aimar que disse que tinha sido o melhor treinador que teve. Partindo de quem parte, é sinónimo de valor.
Acho um pouco esticado dizeres que lutam por um lugar na CL, estão a 6 pontos do 4º lugar.
Hoje vai ser mais difícil que o City, apenas porque o Atlético ao contrário da equipa de Manchester não depende somente das individualidades para resolver os jogos.
Aliás o jogo do Man City deste fim-de-semana espelhou isso mesmo. 6-1 devido somente à inspiração de Tevez e Aguero.
Nuno,
Subscrevo cada palavra escrita sobre este monstro do futebol. O Bilbao é a equipa, nesta temporada, que melhor futebol tem jogado e só não está em melhor posição na liga porque só têm jogado, como é habitual com Bielsa, 14 ou 15 jogadores a enormidade de jogos que levam nas pernas.
Viva!
Estamos a iniciar um novo projecto e gostávamos de saber se estão interessados numa troca de links.
O nosso blog é o http://9x10.blogspot.pt/.
Passem por lá e se gostarem e estiverem interessados teremos todo o gosto em também adicionar o vosso.
Um abraço,
90 minutos
O problema é mesmo esse, as equipas quando não ganham tendem a ser desvalorizadas e, até ver o Bilbao ainda não ganhou títulos (tem a final da taça do Rei e está nas meias da uefa, mas pode acabar de mãos a abanar). Hoje recordam-se dela por estar nas decisões (não falo de ti obviamente) mas caso não ganhe muitos farão pouco caso de futuro.
Pergunto-te o que achas da forma de jogar do Benfica, com todas as deficiências defensivas que apresenta, mas com um jogar também ele muito atraente previlegiando a posse e circulação da bola.
Viva Nuno,
Gostava saber a tua opinião do que já viste das ideias do Sá Pinto...
Quanto ao Bielsa enorme...
Vi apenas o jogo do Bilbau contra o Barça e fiquei com essa opinião da marcação HH, de facto nesso jogo foi isso que aconeteceu e quase resultava, recordo que messi marcou depois da hora o golo do empate.
Vamos ver se será o Bilbao sempre a atacar e o SCP sempre a defender. O Sá Pinto é capaz de te surpreender.
Boas!
Grande análise ao futebol do Bilbao do Bielsa.
Deixo só 2 perguntas:
1. Não achas que o Susaeta está para o Bilbao como o Pedro está para o Barcelona? Ao vê-lo jogar dá-me muito essa sensação.
2. Quanto à marcação, não achas que é uma situação mista? Têm muita coisa de zona pressionante, mas também têm alguns pormenores de marcação a homem.
Já agora, já viste o Swansea a jogar? Também privilegiam a posse (são a 4a equipa inglesa com mais percentagem de posse de bola na Premier League).
Cumprimentos,
Luís Santos
Nuno,
É com grande alegria que posso dizer que estavas completamente errado, pois o SCP foi a única equipa a querer jogar futebol, a única equipa que jogou futebol e o Bilbao marcou devido a um lance de sorte.
O jogo da 2ª mão será mais dificil pois eles em casa jogam mais, mas esta equipa está perfeitamente ao alcance do SCP. Acabou o mito do monstro papão chamado Bilbao.
Mike, assino por baixo! Se o Bilbao é tudo isso -- e é de facto muito boa equipa -- hoje o Sporting, mais uma vez, como tantas recentes, foi Enorme! Somos Melhores, vamos lá carimbar!!
Depois do jogo, ganhou quem melhor jogou?
miguel insan, pois, não vai ser fácil chegar ao 4º lugar, embora me pareça que o calendário do Málaga seja muito difícil, até final, e ache que vá perder mais do que 6 pontos. De qualquer modo, não se pode dizer que o Athletic está fora dessa corrida.
dezazucr, o Bilbao pode até não ganhar nada, mas isso não deveria apagar tudo o que de bom já fez até aqui.
Quanto ao Benfica, acho muito diferente. O Benfica não privilegia a posse e a circulação. Privilegia o ataque, mas não necessariamente através da posse e da circulação.
RG, para já, é difícil dizer alguma coisa do Sá Pinto. Acho que estes jogos não têm sido exactamente aquilo que ele pretende para o Sporting, mas tem optado por isto porque apanhou uma equipa com níveis de confiança muito baixos. Para o ano, acredito, irá preparar a equipa para jogar de modo diferente, e aí, com tempo, acredito que se possa perceber melhor quais são as suas ideias.
Quanto ao jogo com o Barça, foi de facto atípico.
Luis Santos, quanto ao Susaeta, acho que concordo.
Sobre a marcação, aquilo é esquisito. A referência do homem é importante, mas eles não andam a correr feitos parvos atrás do adversário pelo campo todo. Acontece que, quando a equipa pressiona para tentar tirar a bola ao adversário, pressiona o adversário que está mais perto. Ora, como no seu meio-campo o Bilbao actua sempre de forma pressionante, parece que estão sempre a defender homem a homem.
Quanto ao Swansea, acho que nunca vi um jogo deles com atenção.
Mike, não percebi. Esperava que o Sporting defendesse e que o Bilbao atacasse, e isso aconteceu. Não esperava que o Sporting defendesse tão à frente, é certo, mas esperava que concedesse a iniciativa aos bascos, e isso aconteceu, pelo menos, até ao golo. Depois do golo, de facto, as coisas mudaram, mas antes foi o Bilbao a atacar e o Sporting a defender. O que aconteceu foi que o Bilbao não atacou bem, não jogou como já jogou várias vezes esta temporada, e o Sporting, mesmo concedendo a iniciativa, acabou por ter melhores oportunidades do que os bascos. A seguir ao golo, sim, as coisas foram diferentes. O Sporting precisava de marcar, e a estratégia foi outra. O Bilbao nunca se encontrou, e o Sporting conseguiu ter espaço para jogar. A vitória foi justa.
Renato, sim, sem dúvida. Já vi alguns jogos do Bilbao esta época em que simplesmente não conseguem jogar o que sabem, e falei dessa possibilidade no texto. Hoje aconteceu isso. A equipa até se apresentou dinâmica, mas falhou muitos passes, arriscou em demasia, em posse, quando se impunha mais paciência, e houve jogadores (Muniain e Herrera, principalmente) que estiveram muito abaixo do que podem fazer. Quando o Bilbao não consegue atacar como sabe, torna-se depois numa equipa banal. E o Sporting aproveitou isso.
Mas também deves dar mérito ao SCP por não deixar o Bilbao jogar como quer.
Tiveram um dia desinspirado? Sim.
O SCP soube cortar-lhes as linhas de passe no centro? Sim.
De resto, maioritariamente vi muito pontapé para a frente do Bilbao, especialmente depois do 1-1.
Lá em Espanha vai ser mais dificil, mas acredito que o SCP marque um golo, que lhes vai dificultar a vida.
Ah e outra coisa, é certo que o Sá Pinto não teve tempo para colocar todas as suas ideias em prática, mas um treinador que consegue pôr o jogador menos inteligente do SCP (Capel) a fazer aberturas, passes a rasgar, ainda que poucos, não pode ser mau. lol
Considero, no minimo, curioso que passadas 24 ainda ninguém tenha referido que na última s horas emana e meia o scp não fez qualquer jogo enquanto o athletic jogou duas vezes para o campeonato.
Num País em que os comentadores desportivos estão sempre preocupados com os periodos de recuperação das equipas, não deixa de ser interessante e revelador
Enviar um comentário