terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Lições de Mestre (9)

A pergunta que lanço é: a quem pertence o golo, neste lance? O lance é o do primeiro golo do Bayern de Munique, este fim-de-semana, frente ao Werder Bremen. Contra-ataque, dois para dois, e Ribery a resolver. Terá sido assim? A meu ver, metade do golo, no mínimo, é da responsabilidade de Thomas Müller. E o extraordinário é que o é sem sequer ter tocado na bola, em todo o lance. Exagero meu? Não creio. Sem a movimentação de Müller, e aquela movimentação em particular, tenho sérias dúvidas de que o francês conseguisse solucionar o lance do mesmo modo. É por estas e por outras que os marcadores dos golos recebem excessivos louvores pela introdução da bola na baliza. A acção dos colegas (e nem sempre acções com bola) é determinante para que a jogada acabe no fundo das redes. Sempre! Para meu espanto, a movimentação de Müller foi uma das coisas que o comentador desportivo de serviço enalteceu, após o lance. Não sei se terá, de facto, percebido a influência da mesma no desfecho do lance, mas ter, pelo menos, reparado nela é já algo digno de nota.


szólj hozzá: Bayern Munich 1-0 Werder Breme

A jogada é rápida, e assim que Ribery recebe a bola no centro, Müller, que era o jogador mais adiantado e estava descaído para a direita, espera pelo colega, vem para o centro, e passa-lhe nas costas. Esta movimentação é quase absurda, para muitos. Mas é a coisa mais correcta a fazer, numa jogada deste género. Normalmente, faz-se quando dois jogadores estão lado a lado, e aquele que está sem bola passa por trás do que a conduz. Mas quando o jogador sem bola está mais avançado (e é o único nessa posição favorável), é raro esperar, recuar, e passar por trás do portador da bola. É também por isso que o que Müller fez é tão extraordinário. Depois, foi o que se viu. Ao passar por trás de Ribery, cria um momento de indefinição no defesa, que ficou sem saber se Ribery ia fazer o passe, ou se ia driblar para dentro. É esse momento de hesitação que quem conduz a bola deve tentar aproveitar, e foi isso que Ribery fez. Muitas vezes, acha-se que o portador da bola deve obrigatoriamente respeitar a movimentação de um colega nas costas, e dar-lhe a bola. Discordo disto. A movimentação nas costas não serve para dar uma solução de passe obrigatória; serve para deixar o defesa momentaneamente indeciso. Pode parecer que Ribery se desembaraçou facilmente do defesa que lhe saiu ao caminho, e que finalizou sem oposição porque não foi importunado devidamente. Mas tal não foi o caso. A movimentação de Müller criou um momento de hesitação, um momento em que o defesa teve de tentar adivinhar as intenções do francês, e isso foi-lhe fatal. Ficou imediatamente fora do lance, e não pôde importunar o portador da bola. Sem a movimentação de Müller, o defesa aguardaria a acção de Ribery, esperaria pela iniciativa do francês, e reagiria em conformidade. Talvez desse golo na mesma, mas é certo que não remataria tão à-vontade, nem gozaria da aparente liberdade para concluir o lance de que gozou. Metade do golo, se não mais, é do alemão, mas isso, por mais que se enalteça, jamais entrará nas contas de quem interpreta o rendimento de um jogador sem ter em conta a forma como interage com os companheiros.

13 comentários:

Mike Portugal disse...

Basicamente a movimentação do Muller tirou um dos defesas da frente do Ribery, que ficou com espaço para rematar. Sem duvida que tem mérito por ter enganado o GR e chutado para o lado que ele não esperava.

Mas não te vi falar de outro jogador que teve mérito. O jogador que recupera a bola e consegue, em esforço, fazer o passe bem medido para Ribery.

Nuno disse...

Mike, em primeiro lugar, esse jogador aparecerá nas estatísticas de jogo: foi dele a assistência. Claro que tem mérito, e merece algum reconhecimento. Mas o que o Müller fez é mais difícil de ver e mais raro. E também mais decisivo, neste lance. Foi por isso que falei disso. Recuperar bolas, e iniciar contra-ataques qualquer cepo pode fazer, diria. O meu papel, aqui, era demonstrar que, sem a inteligência do Müller (e aqui é estritamente de inteligência que se fala), este lance de contra-ataque estaria certamente condenado ao insucesso. Ou, pelo menos, as probabilidades de êxito seriam muito menores. O Müller inventou uma oportunidade de golo clara sem tocar na bola. Isso é digno de nota, nem que seja por ser algo em que, por norma, se esquece de falar.

El 8 disse...

Desculpa discordar caro Nuno, mas quem criou a oportunidade de golo foi o médio do Bayern que alem de recuperar a bola, faz um passe que está ao alcance de todos, mas que nem todos o fazem bem (no momento certo e à medida, o que torna a jogada toda diferente).

Quanto ao Muller, claro grande trabalho dele, que proporcionou que a oportunidade de golo ainda fosse mais clara. Aliás um dos meus jogadores preferidos na actualidade. Com um talento imenso, em tudo o que faz e fá-lo sempre para ajudar a equipa sem egocentrimos!

Só conheci o blog agr, e que grande blog, parabens!

Abr

Manuel Nascimento disse...

Era giro que alguém reparasse que para o Ribery receber a bola tão à vontade, é porque o Muller, assim que o Bayern recupera a bola, faz a diagonal para a direita que resulta em duas coisas: um apoio frontal mais fácil ao portador da bola naquele momento (que se recebesse o Muller ali o passe e aguentasse na recepção, podia esperar e dar de novo ao colega com muito mais campo aberto) e, ao mesmo tempo, tira do meio do campo a defesa adversária, facilitando (e muito, muito mesmo) a assistencia em diagonal para o Ribery.

Essa movimentação, ainda antes da que é mencionada no post (que é soberba, inclusivamente havendo uma mudança de velocidade), é importantíssima e muito inteligente x2.

LMGM disse...

Tens um bom exemplo nacional - o primeiro golo do Sporting contra o Belenenses - a entrada de Capel no meio dos centrais cria o espaço para Wolfswinkel rematar liberto de marcação.

Nuno disse...

nunok, obrigado pelo elogio ao blogue. O Müller também é dos jogadores que mais me entusiasma, actualmente, pois além de todas as qualidades que tem, é extraordinariamente inteligente, e isso parece cada vez mais raro. Aliás, não terá sido por acaso que o Villas Boas o tenha querido levar para o Chelsea.

Quanto ao lance, como é óbvio, o jogador que faz o passe tem mérito. Mas parece-me relativamente mais fácil fazer um passe naquelas condições, com muito espaço e tendo o Müller levado os defesas para longe do Ribery, do que perceber que, passando nas costas do portador da bola, um lance de 2 para 2 se transforma num lance de 3 para 2, que foi o que o Müller fez.

Manuel Nascimento, totalmente de acordo. Com a única ressalva de que me parece que essa primeira movimentação era mais óbvia. Na segunda, o normal de um avançado que quer marcar golos é abrir, ou correr a direito. O Müller alheou-se disso e percebeu que, dando dois passos atrás e passando nas costas do Ribery, ainda por cima quando tinha o Gomez a aparecer, o que condicionava o outro defesa, transformava uma situação de 2 para 2 numa situação de 3 para 2. Essa movimentação não era tão óbvia e, aliás, é raríssima. A minha chamada de atenção é precisamente para isso, para como algo que parece pouco importante é tão decisivo. Porque acho, cada vez mais, que as grandes equipas são aquelas em que os jogadores sem bola melhor se mexem, e porque acho, cada vez mais, que os melhores jogadores só o podem ser se jogarem ao lado de jogadores que se mexem bem. O trabalho sem bola continua a ser muitíssimo negligenciado, mas é para mim o que melhor define as grandes equipas e os grandes jogadores.

LMGM, os lances são completamente diferentes e não concordo minimamente que a entrada do Capel ali tenha dado espaço ao Wolfswinkel. Aliás, ao contrário é que talvez fosse verdade. Se o Wolfswinkel atacasse aquele espaço e o Capel fizesse a diagonal para as costas do último defesa é que podia baralhar alguma coisa. Assim, correram a direito os dois. O Wolfswinkel goza de espaço para finalizar porque a defesa do Belenenses não se comportou bem. Só isso.

Anónimo disse...

Boas Nuno,

Haja alguém que profira tais frases como: "Muitas vezes, acha-se que o portador da bola deve obrigatoriamente respeitar a movimentação de um colega nas costas, e dar-lhe a bola. Discordo disto". Já escrevi sobre isto, aliás é um texto até parecido.

E quando Muller, antes de passar a linha de meio campo olha para a sua esquerda, quase a pedir o passe para lá? Brutal!

Depois a desmarcação circular é básica para quem pensa no jogo. Ele executou-a pelos motivos que disseste, mas o suporte disso tudo é algo que só os mais dotados pensam, dar soluções aos dois lados do ataque para que a acção do portador não se torne previsível. Sem sequer tocar na bola conseguiu arrastar o mesmo DC duas vezes, lindo! Um dia gostava de te contar como descobriram Muller... ias rir-te de certeza.

Abraço, Jorge D.

Nuno disse...

Conta, conta.

É verdade, aquele defesa parecia uma marioneta, coitado.

Abraço!

Unknown disse...

Estranho que não falas do terceiro avançado que vendo o movimento do muller, abre para o lado contrário provocando que o 2.º defesa faça um "s" a defender e dê mais espaço ao ribery, obviamente que o muller afastou um dos defesas, mas se o outro avançado não tem criado a hesitação com a abertura da segunda linha de passe, provavelmente o segundo defesa tinha avançado logo para o ribery.
Independentemente disso, sem capacidade concretizadora, ou seja sem jogadores matadores (que não sejam postigas), dificilmente se marcam golos por muito boas movimentações que a equipa tenha

Pedro disse...

Se o Ribery falha o golo teríamos este post?

Nuno disse...

Bcool973,

Sim, é verdade. O Gomez entra por ali, embora acompanhado por um terceiro defesa. E sim, sem essa movimentação, a movimentação do Müller não teria criado uma situação de 3 para 2 momentânea, mas ainda assim teria sido a movimentação certa. Criaria na mesma indecisão neste defesa, embora o outro estivesse naturalmente mais perto.

Quanto à restante alegação, não me parece que faça muito sentido. O pormenor está na facilidade com que o Ribery arranjou espaço para finalizar. A finalização é relativamente fácil e qualquer avançado, com aquele espaço, faria golo na maioria das ocasiões.

Pedro, talvez não tivéssemos porque, como não vi o jogo, só o resumo, não apanharia o lance. Mas, tirando isso, o pormenor do lance não tem a ver com o sucesso do mesmo. A movimentação do Müller foi decisiva para que se originasse uma oportunidade de golo de um lance de 2 para 2. Marcando ou falhando, a oportunidade de golo já tinha sido originada. E é isso que interessa.

TAG disse...

O que o Muller fez é o basico do basico do futebol, ensina-se aos miudos nos infantis... o passe do Alaba é brutal, e o defesa é enganado pela simulação de passe do Ribery, que faz com que ele dê um passo em direcção ao Muller, passo esse que foi o suficiente para o Ribery ter espaço para marcar o golo

Postiga disse...

O Muller tem realmente dois movimentos excelentes: numa 1ºfase arrasta o defesa que está a marcar o Ribery pena o passe ter saído um pouco curto senão o Ribery ficaria automaticamente isolado. E depois o que é explicado. No entanto há um pormenor que ninguém foca que é o aparecimento do Gomez resultando num 3x2 daí também o 2ºmovimento do Muller: dá linha de passe ao Ribery e arrasta o defesa que esta com ele, sai da zona onde o Gomez vai aparecer e o movimento do Gomez permite levar o outro e o Ribery fica com a baliza á mercê do seu pé direito em zona frontal.
Mas obviamente que isto foi tudo feito em milésimos de segundos e é aí que se mede a inteligência dos jogadores...