O Professor Jorge Castelo, que nos intervalos de pôr os alunos a fazer pesquisas para os seus novos livros vai à televisão despejar banalidades, sugeriu esta semana, enquanto jogava o Benfica, que Nico Gaitán, por conseguir meter a bola onde quer, tinha um pé que parecia uma colher. Ora, eu consigo perceber a metáfora que consiste em dizer que alguém rematou "em colher", mas um pé em forma de colher é outra coisa. Ainda para mais quando, alegadamente, a razão pela qual um pé se parece com uma colher é a precisão com que o jogador a quem pertence o pé-colher põe a bola onde quer. Não consigo muito bem perceber como é que uma colher é um instrumento de precisão, mas se calhar sondar a mente de Jorge Castelo também não é a melhor maneira de ficar a sabê-lo. Enfim, colheradas à parte, aborreceu-se às tantas Jorge Castelo com um ataque mal conduzido pelo Benfica, segundo a sua opinião. O aborrecimento de Jorge Castelo deveu-se ao não aproveitamento do espaço disponível, e à pouca velocidade imprimida no lance. Segundo este extraordinário professor, todos os lances em que se recupera a bola devem ser conduzidos o mais velozmente possível. Ora bem, é aqui que me parece interessante parar um pouco, pois é uma opinião que me parece cada vez mais consensual, e absolutamente mal fundamentada.
A famigerada "transição", isto é, a passagem de uma situação ofensiva para uma situação defensiva, ou vice-versa, está, nos dias que correm, excessivamente valorizada. Não são poucos os treinadores e os opinadores que concordarão com a ideia-base de Jorge Castelo de que, havendo a possibilidade de partir rapidamente para o ataque, é isso que uma equipa deve fazer. Como já se deve ter percebido, não concordo particularmente com a ideia. Sim, uma transição rápida permite aproveitar os espaços que a equipa que perdeu a bola concede enquanto não recupera posicionalmente. Mas às custas de quê? A meu ver, os fanáticos da transição (e são muitos) raramente são capazes de calcular os custos de um comportamento que prime pelo aproveitamento dos momentos de transição. Acham que há uma vantagem grande em aproveitar os desequilíbrios defensivos que se originam nesses momentos, e acham também que não há vantagem nenhuma em não aproveitá-los. Não penso assim. A meu ver, ter por princípio imprimir velocidade sempre que se recupera a bola é um disparate. Há ocasiões em que, naturalmente, a melhor opção é fazê-lo, e há outras em que não, havendo para isso que ter em conta várias coisas. Por exemplo, apesar de o adversário estar desorganizado, será útil à equipa que recupera a bola utilizar uma transição rápida numa situação em que coloca apenas dois jogadores no lance contra quatro defesas? Será vantajoso procurar uma transição rápida que implique que o jogador que receba o passe mais longo o receba junto a uma linha, com um defesa por perto, e sem apoios próximos? Será de todo aconselhável passar de um momento defensivo a um momento ofensivo só com um ou dois passes, implicando isso lances de ataque de definição rápida, e consequente conclusão ou perda de bola? Uma equipa que, por definição, utilize transições rápidas, fica usualmente refém do que conseguir fazer nesses lances, ou seja, refém da inspiração dos jogadores que colocar nessa acção. Lances de transição são, por norma, lances com mais espaço, lances em que quem defende o faz com menos jogadores, em menos linhas, e com menos capacidade de cobertura, mas são também lances em que quem ataca tem menos referências ofensivas e menos apoios recuados consolidados. Se oferecem a vantagem a quem ataca de o fazer com mais espaço do que se o adversário estivesse arrumado posicionalmente, possuem a desvantagem de consistir em lances em que se privilegiam as capacidades individuais de dois ou três atacantes em detrimento de competências colectivas.
Ganharia o meu respeito o treinador que um dia viesse à televisão dizer que a estratégia da sua equipa passava essencialmente pelo melhor aproveitamento possível de transições lentas. A lentidão parece hoje, a muita gente, um defeito que tem de se erradicar de uma equipa. Mas há virtudes na lentidão. Uma transição que abdique de ser feita em rapidez assegura que o portador da bola fica com mais gente perto de si, que a posse de bola se mantém do lado de quem acabou de recuperá-la, que é o adversário quem vai ter de se desgastar para voltar a ter bola. Sim, abdicar de atacar em transição implica atacar mais vezes com o adversário organizado defensivamente. Mas isso não é necessariamente mau. Para além de considerarem que o risco é menor, as pessoas que preferem atacar em transição acham invariavelmente que é mais fácil atacar quando o adversário tem menos jogadores atrás da linha da bola e ainda não se organizou defensivamente. Ora, o equívoco está precisamente em presumir que é mais difícil criar situações de golo em organização do que em transição. Subjazem a este equívoco dois juízos errados: 1) quanto menos jogadores envolvidos numa jogada, mais espaço para um atacante se desmarcar há, logo é preferível uma situação de 3 para 3 do que uma situação de 6 para 6; e 2) que um passe, uma recepção e uma finalização em situação de transição são exactamente iguais a um passe, a uma recepção, e a uma finalização em organização. Deixem-me refutar estes dois juízos no parágrafo seguinte.
Em relação ao primeiro dos juízos, devo começar por dizer que, a menos que haja uma movimentação extraordinariamente bem feita da parte dos atacantes (e são raríssimas as equipas no mundo que o conseguem fazer sistematicamente), dificilmente uma situação de superioridade numérica de, por exemplo, 4 para 3 se traduz uma situação de perigo. Num 2 para 1, ou num 3 para 2, é diferente, mas numa situação de 4 para 3 já há defesas suficientes para congelar maior parte das intenções atacantes do adversário. O que quero com isto dizer é que a capacidade de desmarcação de um conjunto de atacantes não depende do espaço de que dispõem nem da quantidade de defesas que cobrem esse espaço. O erro está, obviamente, em presumir que sim. Numa situação de 6 para 6, dir-se-ia, há mais defesas e menos espaço, logo há menos sítios para onde os avançados se podem movimentar a fim de receber uma bola. Isso não é verdade. Há mais defesas e há menos espaço, mas há também mais avançados envolvidos no lance. Logo, a situação é mais complexa. E o truque é saber utilizar essa complexidade a seu favor. Quem defende que é mais fácil atacar em transição, está apenas a considerar a menor complexidade do lance para os seus avançados. Mas o lance também é menos complexo para os defesas. E é isso que é negligenciado. Em ataque organizado, o que uma equipa que tem a bola deve fazer é criar sistematicamente situações de superioridade numérica na zona da bola. Com isso, terá melhores condições para continuar a ter a bola, evitará mais facilmente a pressão defensiva do adversário, e arrastará defensores para onde lhe convier. Fazendo isto bem, abrir-se-ão naturalmente os espaços certos para que os atacantes se possam desmarcar. E tudo isto sem a vertigem, a incerteza e o risco de perda de bola que envolve uma situação de transição. Sim, por norma, o público exalta-se sempre que assiste a uma transição com 3 para 3. Mas o público não é um bom barómetro. É claro que, numa situação de 3 para 3, um passe pode chegar para criar uma situação de golo, ao passo que, numa situação de 6 para 6, um passe normalmente não é suficiente. E é isso que o público interpreta. O que o público não interpreta é que, por norma, o sucesso desse único passe que basta para criar uma oportunidade de golo, numa situação de 3 para 3, é muito mais incerto do que o sucesso de qualquer passe num lance de ataque organizado. O que estou a defender é que o público não interpreta que o lance é mais fácil de resolver, mas sim que pode ser resolvido mais depressa. A exaltação nas bancadas não mede possibilidades de êxito, mas sim a iminência do golo. E uma coisa não está necessariamente relacionada com a outra. O equívoco do segundo juízo é mais fácil de explicar. Numa situação de transição, a jogada é mais rápida, os passes são normalmente mais longos, a precisão que se exige é maior, etc. Todo o passe ou recepção que não seja óptimo compromete imediatamente o lance, coisa que não acontece numa situação de ataque organizado, que permite sempre a possibilidade de recomeçar a jogada. Numa situação de transição, portanto, apesar de haver mais espaço, há também uma menor margem de erro, quer seja em cada um dos passes, em cada recepção, ou mesmo em cada finalização efectuada. São lances que mais rapidamente originam uma ocasião de golo, mas não necessariamente lances de maior probabilidade de êxito. A excelência técnica requerida é superior e, naturalmente, o sucesso da jogada é mais incerto.
Concluo assim afirmando que uma equipa que ataca preferencialmente em transição, ataca com mais espaço, arrisca menos ao não integrar tantos homens no processo ofensivo, mas, em contrapartida, não só perde a bola com mais frequência, como também não promove situações de complexidade elevada, não cria necessariamente situações de golo mais favoráveis, e fica mais dependente da inspiração dos seus atacantes e do rigor e da precisão com que estes executarem os lances de que dispuserem. Utilizar transições rápidas por princípio parece-me, por isso, um fundamentalismo sem sentido, assente em premissas erradas. Em meu entender, numa equipa inteligente, numa equipa que se preocupe em depender o menos possível de factores incontroláveis, como a sorte, o erro do adversário, ou a inspiração, a transição rápida deve ser um recurso e não um princípio; deve ser utilizada criteriosamente, em condições adequadas, e não necessariamente com a finalidade de criar situações de golo. Além de, como argumentei, me parecer que não são situações que criem oportunidades de golo mais favoráveis (têm apenas a potencialidade de criar situações de golo mais depressa), não deviam sequer ser encaradas apenas tendo em vista a proximidade (em termos de quantidade de passes) com o golo. O objectivo do jogo, como há muito defendo, não é o golo, mas jogar bem a cada instante. Se assim é, aproveitar o espaço que existe no momento de transição só é uma boa opção se permitir que o portador da bola, no momento seguinte, continue a possuir condições para jogar bem. E a menos que seja uma situação de superioridade numérica clara, sobretudo de 2 para 1 ou de 3 para 2, ou uma situação de 3 para 3 ou de 4 para 3 conduzida pelo corredor central, dificilmente a situação promoverá uma oportunidade de golo interessante. Utilizar a transição rápida como recurso implica por isso uma competência colectiva normalmente negligenciada: mais importante do que saber fazer transições rápidas, uma boa equipa deve saber identificar situações em que é útil fazer uso de uma transição rápida. E, já agora, por que não utilizá-la com outros fins, meramente para obrigar o adversário a deslocar-se e a desgastar-se, esperando depois pelos apoios para iniciar uma situação de ataque organizado? Veja-se de que modo o Barcelona de Guardiola utiliza os momentos de transição, por exemplo, e como raramente se preocupa em chegar rapidamente a uma situação de golo, mesmo quando tem espaço à sua frente para o fazer. O Barcelona "trava" muitas das suas transições não apenas porque se sente mais confortável em ataque organizado, mas sobretudo porque identifica com relativa facilidade todas as desvantagens de tentar aproveitar essas situações. Atacar desenfreadamente assim que se recupera a bola, apenas porque nesse momento o adversário não está organizado e há mais espaço, é por isso um erro teórico cuja correcção só está ao alcance de alguns. No futebol actual, poucos são os treinadores, e poucas as equipas, que enjeitem deliberadamente esse momento do jogo. Os que o fazem e, sobretudo, os que o fazem percebendo por que o fazem, estão porém mais perto de conseguirem construir uma equipa verdadeiramente adulta, uma equipa que percebe que, quanto mais complexidade puser na partida, mais as diferenças de competência em relação ao adversário se tornam evidentes.
A famigerada "transição", isto é, a passagem de uma situação ofensiva para uma situação defensiva, ou vice-versa, está, nos dias que correm, excessivamente valorizada. Não são poucos os treinadores e os opinadores que concordarão com a ideia-base de Jorge Castelo de que, havendo a possibilidade de partir rapidamente para o ataque, é isso que uma equipa deve fazer. Como já se deve ter percebido, não concordo particularmente com a ideia. Sim, uma transição rápida permite aproveitar os espaços que a equipa que perdeu a bola concede enquanto não recupera posicionalmente. Mas às custas de quê? A meu ver, os fanáticos da transição (e são muitos) raramente são capazes de calcular os custos de um comportamento que prime pelo aproveitamento dos momentos de transição. Acham que há uma vantagem grande em aproveitar os desequilíbrios defensivos que se originam nesses momentos, e acham também que não há vantagem nenhuma em não aproveitá-los. Não penso assim. A meu ver, ter por princípio imprimir velocidade sempre que se recupera a bola é um disparate. Há ocasiões em que, naturalmente, a melhor opção é fazê-lo, e há outras em que não, havendo para isso que ter em conta várias coisas. Por exemplo, apesar de o adversário estar desorganizado, será útil à equipa que recupera a bola utilizar uma transição rápida numa situação em que coloca apenas dois jogadores no lance contra quatro defesas? Será vantajoso procurar uma transição rápida que implique que o jogador que receba o passe mais longo o receba junto a uma linha, com um defesa por perto, e sem apoios próximos? Será de todo aconselhável passar de um momento defensivo a um momento ofensivo só com um ou dois passes, implicando isso lances de ataque de definição rápida, e consequente conclusão ou perda de bola? Uma equipa que, por definição, utilize transições rápidas, fica usualmente refém do que conseguir fazer nesses lances, ou seja, refém da inspiração dos jogadores que colocar nessa acção. Lances de transição são, por norma, lances com mais espaço, lances em que quem defende o faz com menos jogadores, em menos linhas, e com menos capacidade de cobertura, mas são também lances em que quem ataca tem menos referências ofensivas e menos apoios recuados consolidados. Se oferecem a vantagem a quem ataca de o fazer com mais espaço do que se o adversário estivesse arrumado posicionalmente, possuem a desvantagem de consistir em lances em que se privilegiam as capacidades individuais de dois ou três atacantes em detrimento de competências colectivas.
Ganharia o meu respeito o treinador que um dia viesse à televisão dizer que a estratégia da sua equipa passava essencialmente pelo melhor aproveitamento possível de transições lentas. A lentidão parece hoje, a muita gente, um defeito que tem de se erradicar de uma equipa. Mas há virtudes na lentidão. Uma transição que abdique de ser feita em rapidez assegura que o portador da bola fica com mais gente perto de si, que a posse de bola se mantém do lado de quem acabou de recuperá-la, que é o adversário quem vai ter de se desgastar para voltar a ter bola. Sim, abdicar de atacar em transição implica atacar mais vezes com o adversário organizado defensivamente. Mas isso não é necessariamente mau. Para além de considerarem que o risco é menor, as pessoas que preferem atacar em transição acham invariavelmente que é mais fácil atacar quando o adversário tem menos jogadores atrás da linha da bola e ainda não se organizou defensivamente. Ora, o equívoco está precisamente em presumir que é mais difícil criar situações de golo em organização do que em transição. Subjazem a este equívoco dois juízos errados: 1) quanto menos jogadores envolvidos numa jogada, mais espaço para um atacante se desmarcar há, logo é preferível uma situação de 3 para 3 do que uma situação de 6 para 6; e 2) que um passe, uma recepção e uma finalização em situação de transição são exactamente iguais a um passe, a uma recepção, e a uma finalização em organização. Deixem-me refutar estes dois juízos no parágrafo seguinte.
Em relação ao primeiro dos juízos, devo começar por dizer que, a menos que haja uma movimentação extraordinariamente bem feita da parte dos atacantes (e são raríssimas as equipas no mundo que o conseguem fazer sistematicamente), dificilmente uma situação de superioridade numérica de, por exemplo, 4 para 3 se traduz uma situação de perigo. Num 2 para 1, ou num 3 para 2, é diferente, mas numa situação de 4 para 3 já há defesas suficientes para congelar maior parte das intenções atacantes do adversário. O que quero com isto dizer é que a capacidade de desmarcação de um conjunto de atacantes não depende do espaço de que dispõem nem da quantidade de defesas que cobrem esse espaço. O erro está, obviamente, em presumir que sim. Numa situação de 6 para 6, dir-se-ia, há mais defesas e menos espaço, logo há menos sítios para onde os avançados se podem movimentar a fim de receber uma bola. Isso não é verdade. Há mais defesas e há menos espaço, mas há também mais avançados envolvidos no lance. Logo, a situação é mais complexa. E o truque é saber utilizar essa complexidade a seu favor. Quem defende que é mais fácil atacar em transição, está apenas a considerar a menor complexidade do lance para os seus avançados. Mas o lance também é menos complexo para os defesas. E é isso que é negligenciado. Em ataque organizado, o que uma equipa que tem a bola deve fazer é criar sistematicamente situações de superioridade numérica na zona da bola. Com isso, terá melhores condições para continuar a ter a bola, evitará mais facilmente a pressão defensiva do adversário, e arrastará defensores para onde lhe convier. Fazendo isto bem, abrir-se-ão naturalmente os espaços certos para que os atacantes se possam desmarcar. E tudo isto sem a vertigem, a incerteza e o risco de perda de bola que envolve uma situação de transição. Sim, por norma, o público exalta-se sempre que assiste a uma transição com 3 para 3. Mas o público não é um bom barómetro. É claro que, numa situação de 3 para 3, um passe pode chegar para criar uma situação de golo, ao passo que, numa situação de 6 para 6, um passe normalmente não é suficiente. E é isso que o público interpreta. O que o público não interpreta é que, por norma, o sucesso desse único passe que basta para criar uma oportunidade de golo, numa situação de 3 para 3, é muito mais incerto do que o sucesso de qualquer passe num lance de ataque organizado. O que estou a defender é que o público não interpreta que o lance é mais fácil de resolver, mas sim que pode ser resolvido mais depressa. A exaltação nas bancadas não mede possibilidades de êxito, mas sim a iminência do golo. E uma coisa não está necessariamente relacionada com a outra. O equívoco do segundo juízo é mais fácil de explicar. Numa situação de transição, a jogada é mais rápida, os passes são normalmente mais longos, a precisão que se exige é maior, etc. Todo o passe ou recepção que não seja óptimo compromete imediatamente o lance, coisa que não acontece numa situação de ataque organizado, que permite sempre a possibilidade de recomeçar a jogada. Numa situação de transição, portanto, apesar de haver mais espaço, há também uma menor margem de erro, quer seja em cada um dos passes, em cada recepção, ou mesmo em cada finalização efectuada. São lances que mais rapidamente originam uma ocasião de golo, mas não necessariamente lances de maior probabilidade de êxito. A excelência técnica requerida é superior e, naturalmente, o sucesso da jogada é mais incerto.
Concluo assim afirmando que uma equipa que ataca preferencialmente em transição, ataca com mais espaço, arrisca menos ao não integrar tantos homens no processo ofensivo, mas, em contrapartida, não só perde a bola com mais frequência, como também não promove situações de complexidade elevada, não cria necessariamente situações de golo mais favoráveis, e fica mais dependente da inspiração dos seus atacantes e do rigor e da precisão com que estes executarem os lances de que dispuserem. Utilizar transições rápidas por princípio parece-me, por isso, um fundamentalismo sem sentido, assente em premissas erradas. Em meu entender, numa equipa inteligente, numa equipa que se preocupe em depender o menos possível de factores incontroláveis, como a sorte, o erro do adversário, ou a inspiração, a transição rápida deve ser um recurso e não um princípio; deve ser utilizada criteriosamente, em condições adequadas, e não necessariamente com a finalidade de criar situações de golo. Além de, como argumentei, me parecer que não são situações que criem oportunidades de golo mais favoráveis (têm apenas a potencialidade de criar situações de golo mais depressa), não deviam sequer ser encaradas apenas tendo em vista a proximidade (em termos de quantidade de passes) com o golo. O objectivo do jogo, como há muito defendo, não é o golo, mas jogar bem a cada instante. Se assim é, aproveitar o espaço que existe no momento de transição só é uma boa opção se permitir que o portador da bola, no momento seguinte, continue a possuir condições para jogar bem. E a menos que seja uma situação de superioridade numérica clara, sobretudo de 2 para 1 ou de 3 para 2, ou uma situação de 3 para 3 ou de 4 para 3 conduzida pelo corredor central, dificilmente a situação promoverá uma oportunidade de golo interessante. Utilizar a transição rápida como recurso implica por isso uma competência colectiva normalmente negligenciada: mais importante do que saber fazer transições rápidas, uma boa equipa deve saber identificar situações em que é útil fazer uso de uma transição rápida. E, já agora, por que não utilizá-la com outros fins, meramente para obrigar o adversário a deslocar-se e a desgastar-se, esperando depois pelos apoios para iniciar uma situação de ataque organizado? Veja-se de que modo o Barcelona de Guardiola utiliza os momentos de transição, por exemplo, e como raramente se preocupa em chegar rapidamente a uma situação de golo, mesmo quando tem espaço à sua frente para o fazer. O Barcelona "trava" muitas das suas transições não apenas porque se sente mais confortável em ataque organizado, mas sobretudo porque identifica com relativa facilidade todas as desvantagens de tentar aproveitar essas situações. Atacar desenfreadamente assim que se recupera a bola, apenas porque nesse momento o adversário não está organizado e há mais espaço, é por isso um erro teórico cuja correcção só está ao alcance de alguns. No futebol actual, poucos são os treinadores, e poucas as equipas, que enjeitem deliberadamente esse momento do jogo. Os que o fazem e, sobretudo, os que o fazem percebendo por que o fazem, estão porém mais perto de conseguirem construir uma equipa verdadeiramente adulta, uma equipa que percebe que, quanto mais complexidade puser na partida, mais as diferenças de competência em relação ao adversário se tornam evidentes.
3 comentários:
Boas Nuno,
A tua ideia é tão clara quanto certa. Agir em transição é um meio para chegar a um fim, penso que apesar de saberes isso, pois está implícito no texto, o que é mau pensado é forçar a todo o instante esse momento agindo só perante ele, mesmo quando nada disso se pede, não percebendo também que a mesma pode ser utilizada para desorganizar o adversário (porque como passaste, e bem, nem em todas as transições rápidas adversário está desorganizado)!
Só mais uma pequena coisa. Já reparaste a quantidade de comentadores desportivos que falam da transição e nem sequer percebem o que é? Ou para que serve? Ou como pode ou não ser benéfica? Isso é que é mais triste. A transição agora é tudo no futebol, tudo é transição, a palavra fica gira dita ao vivo, mas há que perceber a sua definição!
Discordo apenas de uma coisa neste texto. Não que estejas totalmente errado. O objectivo não pode ser só o golo ou só jogar bem. É o jogar bem porque facilita o golo... no fundo é o que dizes mas explicito de outra forma. Embora a forma de o procurar possa depender de diferentes objectivos em diferentes momentos!
Quanto ao J. Castelo, duvido que ele deixe sequer os alunos participar em pesquisas, as pesquisas ele próprios as faz... lol
Abraço, Jorge D.
Jorge, desculpa antes de mais demorar tanto a responder. Sim, é verdade, os comentadores adquirem um certo jargão sem saberem muito bem o que quer dizer e acabam por parecer papagaios.
Sim, em relação ao objectivo do jogo não é jogar bem num sentido estético. Por "bem" entendo o que é melhor na altura. Pode ser o golo, mas pode ser também simplesmente a gestão do tempo. A principal diferença, na minha teoria acerca do objectivo do jogo, e que já explicitei em vários outros textos, é que não acho que exista um objectivo geral, seja o golo, seja o marcar mais que o adversário, seja "ganhar". Só entendo que haja objectivos circunstanciais, mensuráveis a cada instante, e que, quando alcançados em cadeia dão lugar, em algum momento, a um objectivo circunstancial que é "marcar golo". Isto, aliás, não me parece que seja assim apenas no futebol, mas em qualquer jogo. No xadrez, por exemplo, o objectivo a cada jogada não é o xeque-mate, mas jogar o melhor possível para que, não sei quantas jogadas depois, o xeque-mate possa ser concretizado. O sacrifício de uma rainha só pode ser "bem jogado" entendido deste modo. Enfim, isto levaria para uma conversa longa. É provável que volte ao tema um dia destes.
Quanto ao Jorge Castelo, acho que parte do método de trabalho dele consiste mesmo em pôr outros a fazer a parte aborrecida da coisa. Assim fica com mais tempo para vir para a televisão dizer palermices.
Só entendo que haja objectivos circunstanciais, mensuráveis a cada instante, e que, quando alcançados em cadeia dão lugar, em algum momento, a um objectivo circunstancial que é "marcar golo".
Claro, a 200% contigo nessa afirmação. Sei que foi isso que quiseste dizer, tal como referi no outro comentário, foi só para não ficar mal percebido!
Mas o Castelo também pesquisa, quem sabe até demais! Depois, por vezes, mete os pés pelas mãos lol
Abraço, Jorge D.
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