domingo, 23 de outubro de 2011

De quem é a Responsabilidade?

O lance é o do segundo golo do Braga no jogo que opôs a equipa comandada por Leonardo Jardim ao Feirense, este Domingo, e o exercício que proponho é a análise da perda de bola que origina o golo. Trago o lance à discussão precisamente porque a esmagadora maioria das pessoas, em lances deste tipo, nem pensa duas vezes: se aquele que transporta a bola a perde, seja por uma má decisão, seja por um mau passe, seja por que razão for, a responsabilidade deve ser-lhe imputada. Discordo, obviamente, desse tipo de generalizações, e há lances em que as responsabilidades não podem nem devem ser tão facilmente atribuídas. Este é um deles.



Começo por explicar a jogada, pois o vídeo não a mostra na sua totalidade. Diogo Rosado recebe um passe à queima, e acaba por se conseguir desenvencilhar da alhada em que o meteram, mas o pior estava ainda para vir. Obrigado a flectir para a esquerda, no meio de vários jogadores bracarenses, devia ter recebido apoios e linhas de passe imediatamente. Mas tal não sucedeu. No momento em que o vídeo começa, parece que Diogo Rosado teria tido tempo para jogar na frente, entre os dois médios do Braga, mas ao se libertar anteriormente (coisa que o vídeo não mostra) perdeu espaço de execução, e quando voltou a tocar na bola já só podia fazer um passe recuado ou lateralizado. Perante isto, o único apoio que tinha perto, o médio-defensivo Varela, inicia subitamente um movimento vertical, passando à frente de Diogo Rosado e forçando-o a ficar com a bola (é neste momento que o vídeo começa). Não sei o que passou pela cabeça de Varela, até porque a sua posição em campo implica o fornecimento de constantes coberturas e apoios recuados aos médios mais ofensivos, mas esse movimento absurdo foi decisivo não só para a perda de bola como depois para o deficiente posicionamento da equipa na resposta à perda. Mas há mais. Impossibilitado de jogar curto no colega que lhe deveria ter dado um apoio recuado, Diogo Rosado ficou apenas com uma opção de passe: precisamente a do lateral-esquerdo. Agora veja-se o que fez Stopira. Vendo terreno livre à sua frente, desatou a correr pelo flanco, e ignorou o mais básico dos princípios de um jogador sem bola: dar uma linha de passe. Em vez de oferecer um apoio lateral, permitindo que a bola entrasse no flanco, foi-se "esconder" no espaço em que a bola jamais entraria, pois a posição de Alan assim o inviabilizava. Diogo Rosado, obrigado a decidir rapidamente, acabou por respeitar o movimento inadequado do colega, e a bola embateu em Alan. Entre esse momento e o remate vitorioso do brasileiro pouco mais havia a fazer.

Como comecei por dizer, pouca gente hesitará na hora de atribuir responsabilidades. Diogo Rosado perdeu a bola, logo a responsabilidade foi dele. Quim Machado não o disse, mas referiu-se ao lance como uma "infelicidade nossa", e tenho quase a certeza que sei quem vai pagar as favas por essa infelicidade. Para os que gostam de fazer continhas e acham que o futebol é matemática, este é um lance como tantos outros. A Diogo Rosado atribui-se uma perda de bola, a responsabilidade por um desequilíbrio defensivo, e a Varela e a Stopira não se atribui nada, porque não tiveram participação na jogada. Até por isto, este é um bom lance para demonstrar a fragilidade das continhas de matemática. Na minha perspectiva, qualquer análise séria ao lance não pode deixar de perceber o erro grosseiro quer de Varela, quer sobretudo de Stopira. Talvez Diogo Rosado pudesse ter sido mais rápido a decidir, não sei. A jogada começou embrulhada e ele acabou por ter de reinterpretar tudo após sair do meio de dois adversários. Não era fácil ter sido mais rápido. O que não pode acontecer é a infantilidade que se seguiu, até porque ele não se precipitou e fez o melhor para a equipa, tentando manter a bola controlada. O primeiro colega passa-lhe à frente, em vez de ter ficado quietinho. Por alguma razão se ensina a miúdos de 6 ou 7 anos que nunca se deve passar à frente do portador da bola. Neste caso, não só Diogo Rosado deixou de ter atrás de si alguém a quem, em último caso, podia recorrer, como terá, com toda a naturalidade, ficado momentaneamente baralhado. Mas o pior de tudo, a meu ver, é o movimento do lateral. É que o jogo está a vir para a esquerda e é evidente que a bola vai ser endossada ao lateral. Mas este, em vez de esperar o passe, inicia uma corrida sem nexo e deixa o portador da bola sem outra solução que não improvisar. Não podendo fazer o passe lateralizado, que deixaria a bola nas costas do lateral, que já arrancara, Diogo Rosado tentou a última coisa que poderia ter tentado: fazer a bola passar por baixo de Alan, com todos os riscos implicados. O resultado foi o que se viu.

Como já se deve ter percebido, não só não concordo com a ideia de que a responsabilidade da perda de bola é unicamente de Diogo Rosado, como não acho que ela deva sequer ser repartida entre Diogo Rosado e os colegas que não lhe deram os devidos apoios. A responsabilidade é toda de quem falhou o fornecimento de apoios e ignorou as linhas de passe. Quem tem a bola tem a responsabilidade de decidir o melhor possível, claro. Agora, se os colegas impossibilitarem uma boa decisão, a responsabilidade de uma eventual má decisão é toda dos colegas. Se um jogador fica sem possibilidade para fazer um passe, se todos os colegas negligenciam aquilo que devem fazer quando estão sem bola, ou seja, fornecer linhas de passe, a responsabilidade nunca é do portador da bola. Quem vê futebol com pouca atenção, é natural que veja na acção de um passe apenas a decisão do jogador que faz o passe. Eu não penso assim. Um bom passe depende de uma boa decisão, de uma boa execução, mas evidentemente também das linhas de passe e das desmarcações dos colegas. Como levo bastante a sério a questão dos apoios e este é um assunto que me é bastante caro, não tenho quaisquer dúvidas em dizer o que vou dizer de seguida: com colegas idiotas, que não percebem sequer a absoluta necessidade de uma linha de passe, dificilmente um grande jogador adquire o reconhecimento que lhe é devido. Neste caso específico, o que o lance demonstra, para além de tudo o que já disse, é que o futebol não é um jogo assim tão simples de interpretar, e que muitas vezes aquilo que é mais evidente é, na realidade, totalmente falso. É por estas e por outras que as pessoas têm tantas opiniões equivocadas acerca do jogo, e é também por coisas deste tipo que métodos científicos de aferição de rendimentos individuais são ou muitíssimo imperfeitos, ou francamente desonestos.

8 comentários:

MM disse...

Podia e devia ter metido a bola no Varela. Entre os 00:00 e 02:00 do video. 2 segundos, que nesse lance e muito tempo: uma vez que vem de tras. O Diogo Rosado ja vem sintonizado com a "jogada”. Em “conducao”, como dizem.

Contudo, tudo o que o post diz e verdadeiro. O Rosado podia ter metido a bola no Varela mas, a afirmacao so faz sentido atendendo as caracteristicas do jogador. Para outro jogador qualquer o natural teria sido jogar com o lateral, ou eventualmente ter despachado a bola pelo ar. Para jogar com o lateral, de forma segura, como diz o post, deveria esse lateral nao ter arriscado como arriscou: subindo adivinhando que ia recebe-la mais a frente.
Apesar do que o Rosado podia (e devia) ter feito de diferente, as culpas nao sao obviamente suas.
Em ultima analise - e ja fora do lance, mas dentro da jogada porque em sua sequencia, a culpa foi do Alan, autor de uma extraordinaria conclusao. O lance so teria sido mais bonito se tivesse batido na trave e nao tivesse entrado. Mas o golo tambem se “aceita” - adepto.

PS, o facto do Rosado conduzir a bola no momento em que a perde para o Alan faz toda a diferenca na avaliacao do lance. Ou seja, quando um jogador recebe a bola parado e “arranca” para a accao – qualquer que seja – 2 segundos, nao e nada, porque o contacto com a bola e um universo de “adaptacao”. Isto serve para qualquer jogador, ou quase todos, talentosos ou menos talentosos. E e por isso que a envolvencia deve existir sempre que possivel: os jogadores trocarem a bola em movimento, e assim sendo – havendo envolvencia - o passe nao e feito para o pe, e tudo acontece de forma mais fluida e perigosa para o adversario: porque inesperado e rapido. Nesta perspectiva, o movimento do lateral ate pode ser desculpado. O Alan teve merito em “roubar” a bola. O lateral adivinhou que seria possivel recebe-la em movimento, e dai ter partido do sitio onde estava. Adivinhou mal, mas apenas adivinhou mal porque o Alan adivinhou bem. Tivesse a bola passado pelo Alan, e teria sido uma bela jogada: Rosado desembrulha-se de 2 adversarios (diz o post, o video nao mostra), conduz a bola uns metros, e coloca-a no lateral que vem de tras e recebe-a mais a frente.
Teria sido uma boa jogada. Nao aconteceu assim, claro.
Mas o post tem razao. A culpa nao e do Rosado, claro que nao.

Mike Portugal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mike Portugal disse...

Esta tua frase define o porquê de eu pensar que é 80% culpa do Rosado:

"Talvez Diogo Rosado pudesse ter sido mais rápido a decidir, não sei."

Se estivessemos a falar de outro jogador mais banal eu não lhe exigiría velocidade de decisão, mas o Rosado pela sua grande qualidade tinha essa obrigação.

Como disse o MM e bem, ele tem 2s (desde que o vídeo começa) em que está em linha vertical com os seus 2 colegas (1 deles o Varela) e poderia ter feito imediatamente o passe para eles. Poderia também ao segundo zero do vídeo ter feito logo o passe para o lateral esquerdo que já vinha em corrida de trás.

Mas não fez, esperou e isso foi fatal. E agora vem os 20% que não são sua culpa. Se calhar os colegas viram que era ele que tinha a bola e pensaram "Ah é o Rosado, ele consegue meter a bola onde quer, bora lá avançar no terreno". Sem duvida uma má decisão do lateral esquerdo em avançar tanto no terreno e deveria ter percebido que o colega estava demasiado apertado no meio-campo para fazer um passe bom.

PS: Assim o texto, com espaços entre paragrafos, já se torna mais facil de ler ;)

Miguel Nunes disse...

Tive a ver o lance completo na TV. A verdade é que ele tem ali um momento em que tem uma linha de passe clara para o avançado (q tb podia ter pedido a bola, em x de continuar a fugir...)

Mas, depois desse momento em que ele n dá a bola, fica sem opções, e a culpa é dos colegas.

Teve azar tb. Perder a bola por um mau passe na grande maioria das x (desde q n seja um passe p trás ou lateralizado) não é tão perigoso como perde-la a fazer um drible, pq não ficamos batidos. A bola acabou por sobrar para o avançado por pura sorte.

Anónimo disse...

Nuno, naquilo que é o entendimento geral do texto dou-te razão.
Mesmo não tendo visto o lance todo, acho que Diogo podia ter sido mais rápido a passar a bola, ou no defesa, ou entre os médios ou mesmo no central.

Agora há aqui mais factos que não falas. Diogo é o tipo de médio que causa sempre desequilibro no passe. A grande qualidade técnica que tem, permite deixar aproximar os defesas e seguir o jogo contra o sentido da pressão, é isso que os melhores fazem, e ele, também o sabe.

Esse factor, faz com que sinta mais facilidade jogando em zonas povoadas, onde percebe como "descomplicar a pressão", que em espaço mais recuados, onde a pressão é menor e o jogo (supostamente) é mais fácil de interpretar (não para Stopira e o outro médio). Diogo sempre foi assim e dificilmente mudará.

Com isto quero dizer que o o Rosado pedia aqui uma combinação com o lateral. Mas tal como a maioria deles, este também só percebeu soluções perto da linha, nunca aproximando ao centro. Perspectiva a jogada nesse sentido, imagina o defesa a oferecer linha de passe pelo meio, e combinar com o Diogo, que sairia da pressão facilmente, visto que pedia a bola mais a frente, conseguindo fazer o que queria... atrair, para soltar!

Depois o outro médio que está alinhado com estes dois, mal posicionado por duas razões. Não dá cobertura, e fica longe da acção caso Diogo tem tentado circular pelos centrais.

Stopira, não percebeu. Nem sequer percebeu o momento em que Diogo trás a bola um pouco mais para trás (quase) a pedir o seu apoio.

Certamente o treinador é tão culpado como qualquer jogador aqui, pelas (estúpidas) circulações tácticas que faz, sem oposição, que obrigam o lateral a jogar perto da linha com bola, em vez de interpretar o momento em que se encontra.

Resumindo, com a bola no meio, há um principio que se deve respeitar. Alternância entre movimentos de apoio, e de criação de espaços de progressão. Movimentos de apoio, nem vê-los!

Repito, podia ter sido mais rápido a decidir, ou ter recuado jogo (pois estava muita gente atrás da linha da bola), mas esta acção de Stopira é burra até dizer chega.

Por isso sempre prefiro chamar de defesa esquerdo, que lateral esquerdo. Dá aquela noção de comboio num sentido vertical!

Abraço, Jorge D.

Nuno disse...

MM diz: "Podia e devia ter metido a bola no Varela. Entre os 00:00 e 02:00 do video. 2 segundos, que nesse lance e muito tempo: uma vez que vem de tras."

MM, não era assim tão simples. Admito que o vídeo dê essa ilusão, mas a verdade é que o Varela passa-lhe à frente e o passe teria que ser feito para a frente dele, entre 2 adversários. A meu ver, não é um passe nada fácil de fazer, porque tem de ser preciso e não pode levar nem um pouco de força a mais. Acho que ele fez bem em não fazer o passe, até porque tinha em mente a opção do lateral.

Mike Portugal, não percebo muito bem como é que, apesar de reconheceres que os colegas estiveram mal, ele ainda tem 80% da responsabilidade. A meu ver, ele pensou bem, fez o que era mais acertado, esperando que os colegas mantivessem as linhas de passe que não mantiveram. E isso determinou o insucesso do lance. Só isso. Claro que se tivesse optado por largar a bola mais cedo, talvez tivesse sido bem sucedido, mas a melhor opção foi a que tomou: tirar a bola da zona de pressão em segurança, procurando a solução de passe mais eficaz e segura. Se tomou a melhor decisão, não concordo que tenha quaisquer responsabilidades.

PB, é verdade que teve algum espaço para procurar um movimento vertical. Mas repara, se conseguiste ver o lance todo, a acção dele é a mais recomendada: tirar da zona de pressão e procurar o flanco livre. Um passe lateralizado é sempre menos arriscado do que um vertical, e o Braga tinha superioridade numérica atrás da linha de meio-campo. Não creio que ganhasse muito em fazer um passe vertical para o avançado não podendo a equipa subir rapidamente e dar os apoios convenientes. Depois, sim, concordo, teve azar. Primeiro porque o Stopira fez uma asneira e depois porque a bola, ao bater no Alan, sobrou para o Lima.

Jorge, referes uma coisa importante que me parece o melhor argumento contra a ideia de que devia ter soltado mais cedo: o "atrair para soltar". Era mesmo disso que ele estava à espera. Conduziu a bola na direcção do corredor lateral, sempre com a solução do lateral para não arriscar a perda, e esperou que o defensor bracarense viesse a ele para soltar. Isso era de longe a melhor decisão. O problema é que ele fez isso e ninguém, como o referes, lhe deu a opção da combinação curta, nem o Varela, nem o central. E, para cúmulo, a opção de recurso que era o lateral ainda se escondeu e o deixou sem linhas de passe. Também concordo que o Stopira podia ter oferecido um apoio mais próximo, mas o mínimo que se lhe exigia é que não deixasse o Rosado sem rede. O Stopira era o "porto seguro" do lance e não o percebeu, indo-se embora. De resto, concordo contigo, o que melhor se manifestou neste lance foi a incrível ausência de quaisquer movimentos de apoio. Parecia um jogo de snooker a abrir, com os jogadores a espalharem-se pelo campo, o mais longe possível do portador da bola. Assim é difícil um jogador com o talento do Diogo Rosado mostrar toda a sua qualidade.

Cumprimentos

Mike Portugal disse...

Eu considero 80% de responsabilidade dele porque devia ter passado logo a bola. Não passando, colocou-se numa situação de ficar apertado e ter que decidir mais rapido e depois os 20% em que os colegas não ajudaram.

Unknown disse...

Tem culpa do lance a 100 por 2 motivos: 1- como tecnicista acha que pode ir fuçangando com a bola em vez de jogar simples (passe no varela ou passe para trás visto ter ficado sem a linha para o lateral) 2-depois de perder a bola, em vez de procurar seguir o alan, vai a correr feito barata tonta atrás da bola e não do jogador contra quem esbarrou, independentemente do lima ter 2 defesas à frente, como consequência o central vai atrás do lima e como o rosado não acompanhou o alan este fica com espaço para decidir após bom passe do lima
Se um jogador é tecnicamente e tacticamente superior é a ele que se têm que pedir mais responsabilidades e menos a um tosco defesa que apenas se limita a subir e a descer no terreno conforme o espaço ou a posse de bola, era como se pedisses a mesma responsabilidade por boas decisões ao aimar que ao emerson, além de melhor técnica, maior capacidade de execução em curtos espaços tem também maior leitura táctica e portanto não é aceitável que se agarre à bola como lapa e depois se queixe que ficou sem linhas de passe, foda-se na pior das hipóteses recuava com a bola e atrasava para os defesas ou para o guarda-redes. Se fosse meu jogador, saía no minuto seguinte