sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Certezas (12)

Classe. É a palavra que melhor o define. O que não deixa de ser notável, tendo em conta que tem apenas 19 anos. Possuidor de uma técnica absolutamente notável, o que impressiona mais neste miúdo é a maturidade, a frieza, a racionalidade. É, também, a aparente facilidade com que executa cada lance. Alia, portanto, aos atributos técnicos invejáveis uma velocidade de raciocínio ímpar. Ao chegar aos seus pés, a bola já tem um destino, previamente estudado e decidido com uma destreza invulgar. Apesar de muito talentoso, não parece cair nas vaidades de outros e muito menos abusar nos truques e na fantasia improfícua. Sabe, por isso, guardar o seu arsenal de recursos para quando necessita deles, não usando cada bola que lhe chega para demonstrar as coisas extraordinárias de que os seus pés são capazes. Essa é, aliás, uma das características da escola espanhola de que faz parte. Aqui abro um parêntesis. É certo que esta rubrica, até ao momento, se deteve apenas em jogadores portugueses, em jovens promessas do nosso futebol, e que foram escapando a esta distinção alguns jogadores estrangeiros que, inegavelmente, tinham valor para ser referidos. Lembro-me, assim de repente, pelo menos de Bojan Krkic, o fenómeno espanhol, de Carlos Vela, o avançado mexicano que entretanto já vai fazendo alguns jogos pelo Arsenal, e de Stevan Jovetic, o avançado montenegrino que no princípio da presente temporada rumou à Fiorentina. Embora, por razões óbvias, não nos seja possível acompanhar a evolução de jovens menos conhecidos do grande público que não sejam portugueses, queremos contudo, a partir de agora, sempre que faça sentido, referenciar valores oriundos de outros países e que sejam pouco falados. Afinal, é disso que esta rubrica se alimenta. Como tal, começamos, nas nossas "Certezas" internacionais, por apresentar este médio-ofensivo espanhol, formado no Real Madrid. No início desta época, foi emprestado ao Queens Park Rangers (apesar dos esforços, sobretudo do Arsenal, em contratá-lo) e treinado por Paulo Sousa. Ao fim de meio ano, porém, este campeão europeu de sub-19 volta à casa mãe, talvez fruto da inegável capacidade futebolística que possui. Será curioso ver como Juande Ramos conseguirá gerir um meio-campo com tantas unidades de ataque de grande qualidade como sejam os holandeses Van der Vaart e Sneijder e os espanhóis Ruben de la Red, Guti e este miúdo, sendo que, à partida, não terá regressado a Espanha a meio da temporada apenas para fazer número. Será, por isso, interessante, acompanhar nos próximos meses a evolução de Daniel Parejo...

domingo, 21 de dezembro de 2008

Hulk, o Sistema de Jesualdo e a Zona do Porto

Sobre Hulk haveria bastante a dizer. Reconheço-lhe enormes capacidades individuais. Tecnicamente, é um dos jogadores mais dotados da Liga Sagres. Atleticamente é soberbo. Tem um remate extraordinário. E é velocíssimo. Falta-lhe, contudo, aquilo que considero mais importante num jogador de futebol: as capacidades colectivas. Falta-lhe a capacidade de perceber quando é que as suas características podem servir a equipa; falta-lhe saber esperar pela bola junto a uma linha, para ter espaço para explorar o um para um; falta-lhe ter por prioridade os colegas e não a finta; etc. Nesse sentido, sendo um jogador que tem por vocação o drible, sendo um jogador que, ao receber a bola de costas para a baliza, nunca dá de frente, procurando sempre virar-se para rematar ou para fintar, a sua posição deveria ser extremo. É esta a principal razão pela qual não consigo apreciar o brasileiro. O extremo é aquele jogador que, no meu entender, dentro de uma equipa, maior liberdade pode ter para experimentar lances individuais. Um avançado, entre outras coisas, deve ser capaz de servir de apoio vertical, deve ser capaz de jogar de costas para a baliza, deve saber tabelar, de modo a permitir um jogo curto em zonas centrais, deve servir de referência para a equipa progredir com a bola controlada no terreno. Hulk não tem essa capacidade. É por isso que, como avançado, não lhe auguro um grande futuro. Já como extremo a conversa talvez fosse outra. Isto porque, como é óbvio, tudo aquilo que disse que um avançado deveria ter, um extremo não tem obrigatoriamente que ter. Um extremo raramente recebe a bola de costas e a capacidade de segurar a bola junto à linha não constitui um ganho significativo para uma equipa.

Acontece, porém, que Hulk não joga numa equipa qualquer. Joga no Porto. E no Porto de Jesualdo. O Porto de Jesualdo, bem como o seu Braga, é uma equipa extraordinariamente objectiva, arrumada atrás e promovendo transições rápidas. Não sabe jogar de outra maneira. É uma equipa que aproveita bem os espaços em transição, mas que não é tão boa a encontrar soluções em ataque organizado, com o adversário bem fechado lá atrás. Uma das coisas que considero essenciais (cada vez mais essenciais), numa equipa que jogue em ataque organizado contra equipas bem fechadas, é a capacidade de fazer passes verticais. Por passes verticais entendo passes rasteiros, não muito longos, que quebrem linhas defensivas, passes entre dois adversários, solicitando um colega que recua para, jogando de costas, saltar etapas de construção. Em equipas que defendem bem, sobretudo em largura, a verticalidade, neste sentido, é essencial. Nas últimas fases de construção, então, é obrigatória. Este tipo de passes pode parecer trivial, mas além de constituir um ganho enorme para qualquer equipa, não são de execução nada fácil, nem para quem o executa (que tem de ter em conta muitas coisas, sobretudo os apoios que terá o colega que vai receber a bola), nem para quem recebe. Ora, o Porto de Jesualdo é uma equipa que ignora esta necessidade. O ano passado, no entanto, soube contrariar esta negligência de duas formas. Primeiro, porque Lisandro tem essa capacidade e o seu entendimento com Lucho resultava, muitas vezes, em passes verticais do último a solicitar o primeiro que, recebendo de costas, conseguia entregar num colega que entretanto se desmarcara. Segundo, porque tinha a arma de Bosingwa. Muitas vezes, o ataque organizado do Porto obrigava o adversário a concentrar os seus números do lado esquerdo e depois, saindo rapidamente da zona de pressão à esquerda, a equipa lançava Bosingwa, que subia pela direita e recebia a bola com possibilidades de apostar, invariavelmente, no um para um. Este ano, sem essas possibilidades, uma vez que não há Bosingwa nem Lisandro tem jogado ao meio, o Porto tem-se ressentido.

Ora bem, é aqui que pretendo chegar. Uma vez que Jesualdo não define como prioritário, no ataque, a formação de apoios verticais, os seus avançados não necessitam de ter as características que identifiquei como essenciais. Como o Porto joga sistematicamente em velocidade, os seus avançados querem-se velozes e individualmente dotados. Nos últimos jogos, tem jogado Rodriguez, Lisandro e Hulk, com o último no centro apenas no desenho, uma vez que há liberdade para todos eles se movimentarem ao longo de toda a linha da frente. O Porto não utiliza um avançado de referência, mas sim três jogadores de quem se espera muita espontaneidade e desequilíbrios. Se é verdade que, em transição, a equipa pode estar melhor apetrechada (ainda que não pareça existir, como no passado, uma referência como era Quaresma, sempre encostado à linha para dar início à transição), os problemas que vêm das épocas anteriores têm tendência a agravar-se. O jogo com o Shalke 04, da segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões da época transacta ilustra bem a incapacidade que o Porto de Jesualdo tem para jogar contra equipas bem fechadas lá atrás. Essa incapacidade advém, essencialmente, de a equipa não ter, em muitas ocasiões, uma referência que possa servir de apoio vertical nas imediações da área. Com Lisandro ainda mais longe do centro do terreno, maiores dificuldades terá o Porto nesses jogos.

Resumindo, vejo em Hulk muito mais um jogador de linha ou um segundo avançado, para jogar solto ao lado de um avançado mais fixo, do que um ponta-de-lança. Como avançado num 433, não penso que seja uma boa opção. Apesar de tudo, e porque Jesualdo privilegia, nos seus homens da frente, a profundidade e a capacidade de acelerar o jogo, Hulk pode ser o avançado do seu 433. Agora, não se espere que o Porto seja uma equipa competente a jogar contra equipas bem organizadas lá atrás e que seja capaz, sem recorrer à inspiração individual dos seus atletas (esse argumento tão incerto), de resolver partidas difíceis.

Antes de terminar, gostaria ainda de falar do modo como o Porto de Jesualdo defende. Há que dar mérito a quem merece e Jesualdo, não sendo um treinador que aprecio em demasia, soube evoluir. Instruiu-se e melhorou bastante os seus conhecimentos ao longo da sua carreira. Ainda que o seu Porto seja um pouco autista e só saiba jogar de uma forma, tem competências extraordinárias. Uma delas é a forma como efectua a sua pressão, assente em princípios zonais. Neste momento, com Rodriguez, Hulk e Lisandro, é bem visível como o Porto inicia o seu processo defensivo. Os três atacantes reúnem-se em zonas centrais, pressionando em profundidade, o que obriga os adversários a procurarem as linhas. Ao acontecer isto, a equipa efectua uma pressão à zona quase perfeita, procurando asfixiar o portador da bola contra a linha lateral. Nenhuma equipa, em Portugal, o faz melhor que o Porto. Os seus adversários são, não raro, obrigados a jogar longo ou para trás, de modo a iniciar o processo ofensivo. A ocupação das zonas é do melhor que se vê em Portugal e tem sido, para mim, um dos segredos da capacidade competitiva desta equipa ao longo dos últimos anos. Aliás, creio, tem sido talvez a característica que melhor distingue a regularidade do Porto de Jesualdo da irregularidade do Sporting de Paulo Bento, que não é, nem por sombras, capaz de uma pressão tão alta e tão eficaz quanto a dos campeões nacionais.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Sondagens (10)

À pergunta "Quem vai ser o campeão europeu esta época?", responderam 48 votantes. Para surpresa minha, a votação deteve-se quase em exclusivo em duas equipas, o que, numa prova a eliminar, com pelo menos 10 equipas de nível semelhante, não deixa de ser estranho. Assim, o Barcelona reuniu 16 votos e o Inter 15. Para mim, são as duas equipas que mais gostaria de ver ganhar a prova e as duas que, a meu ver, têm melhores argumentos para se degladiarem com Manchester United, Chelsea e Liverpool. O Liverpool foi precisamente a terceira equipa mais votada, com 3 votos, enquanto que, no Arsenal e no Atlético de Madrid, votaram duas vezes. Chelsea, Roma, Bayern e Juventus tiveram 1 voto. Surpreendentemente, ninguém votou no Manchester United. Houve ainda 5 votos noutros candidatos. Tentando pensar em possíveis outros candidatos, será o Lyon? O Villareal? Fica a dúvida. De qualquer modo, penso que o maniqueísmo que esta votação ilustra não se reflectirá na prova e há que contar com outros candidatos além do Inter de Mourinho e deste Barcelona fantástico de Guardiola. Em Junho se verá...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O "problema" de Quique...

Quique Flores (treinador a quem reconheço qualidades e cuja filosofia de jogo, baseada em pressupostos ofensivos, me agrada bastante), na sequência da ausência de Ruben Amorim, optou por alterar o sistema de jogo com o qual vinha trabalhando. O treinador espanhol afirmou que, sem Amorim, era complicado apresentar um sistema equilibrado, optando então pelo losango, sob o pretexto de que este sistema lhe "permitia ter mais bola".

O 442 "clássico" é um sistema favorável a ataques rápidos. A sua estrutura permite-nos fazer "campo grande" de forma célere e sem grande dificuldade (com dois médios-alas, concedendo largura, e dois avançados, proporcionando profundidade). Este facto, aliado à capacidade de colocar muitos homens na parte final do processo ofensivo, permite que o conjunto de Quique alterne momentos em que consegue colocar o adversário sob grande pressão, através de um vendaval de futebol ofensivo, com outros em que os desequilíbrios inerentes à estrutura do próprio sistema saltam à vista. Por outras palavras, não é fácil encontrar meio-termo neste Benfica.

Este aspecto só não ganha mais destaque devido à (grande) qualidade dos jogadores à disposição do treinador espanhol. No processo ofensivo, por exemplo, é notória a necessidade de os jogadores (principalmente os alas e os avançados) resolverem através de iniciativas individuais, problemas que (supostamente) são do foro colectivo. São "espremidos" até à última gota jogadores como Reyes, Aimar, Suazo, etc (isto só para citar os casos mais gritantes).

A velocidade que caracteriza as várias fases do processo ofensivo, associada ao facto de apenas existirem dois jogadores no centro do terreno (médios-centros), deixa demasiadas vezes os jogadores sem "rede"(apoios), não lhes deixando outra solução para além da iniciativa individual.

Transições

É nestes dois momentos (defesa/ataque e ataque/defesa, mas principalmente nesta última) que são evidenciadas as várias debilidades do sistema benfiquista.

Se na transição defesa/ataque os perigos de jogar demasiado aberto e com poucos jogadores na zona da bola (o que impossibilita a saída de zonas de pressão de forma apoiada e segura), são dissimulados com a qualidade individual dos seus jogadores, na transição ataque/defesa a história é diferente.

O deficiente povoamento central, aliado à escassez de linhas, torna o conjunto da luz demasiado permeável, quer a passes verticais, quer a movimentações entre linhas. Por outro lado, o facto de apresentar poucas linhas "obriga" a um grande deslocamento posicional dos seus jogadores. Na sequência do processo ofensivo, os jogadores (os dois médios-centro), no intento de criar apoios, desposicionam-se, (através de movimentos verticais, que geralmente leva a que cubram grandes distâncias) resultando desta evidência uma grande vulnerabilidade às transições ataque/defesa.

É importante, a meu ver, que uma equipa se apresente equilibrada em todos os momentos do jogo, e não me parece que o conjunto de Quique o consiga, pelo menos neste sistema - um sistema que dá demasiado ênfase à largura, quando o centro do jogo se determina em função da bola e não só na intenção de colocar mais dificuldades ao adversário portador da bola. Uma equipa que privilegie o lado "forte" do jogo poderá não ter a hipótese de conseguir uma variação de flanco tão rápida, por exemplo, mas ganha em segurança no seu processo ofensivo, assim como em capacidade de reacção sobre o esférico, assim que este é recuperado pelo adversário.

Tudo isto dá origem aos seguintes sintomas:

- Dificuldade em controlar o jogo sem sofrer: o conjunto benfiquista experimenta grandes dificuldades quando não consegue encostar a equipa adversária ao seu último reduto.

- Demasiada permeabilidade frente a equipas que apresentem uma boa posse e circulação de bola.

- Grandes dificuldades para jogar em ataque continuado contra equipas que sejam organizadas e que não assumam uma postura demasiado submissa.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Coisas da Semana

1. O Sporting venceu. Liedson marcou. Rochemback assistiu. Se o futebol fosse matemática da primeira classe, estes dois seriam as estrelas do encontro. Como não é, embora 99,9% das pessoas que o vêem o reduzam a isso, não foram. Nem são.

2. Por falar em não saber ver futebol, o que dizer de quem está apaixonado por Hulk? O rapaz tem força, tem técnica, tem velocidade. Só não é é jogador de futebol.

3. Num fim-de-semana de gente burra, Quaresma foi considerado a maior desilusão do Calcio. Tendo em conta o que este tipo de votações diz de quem vota, este resultado é um espelho da incompetência da generalidade do público que vê futebol.

4. Por falar em prémios, Ronaldo recebeu finalmente a Bola de Ouro. Justo prémio, numa época em que não deu hipóteses à concorrência. Não considero que tenha sido injustiçado na época passada, uma vez que Kaká fora claramente melhor, mas seria muito injusto se não ganhasse este ano, pois quer a nível individual, quer a nível colectivo, ninguém esteve tão em foco como ele. Ainda assim, não é, para mim, em termos absolutos, o melhor jogador do mundo. E muito menos o melhor jogador português de todos os tempos.

5. José Mota perdeu a liderança. Vejamos o que perderá mais, nas próximas jornadas.

6. O Benfica ganhou por 6 ao Marítimo e toda a gente achou que se tratou de um resultado muito bom e de uma prestação muito boa. Não foi. O resultado não pode ser dissociado do lance que ditou a expulsão de Marcos e que acabaria por ditar o primeiro golo benfiquista. Antes disso, apenas uma oportunidade de golo, com Suazo a aproveitar um lançamento de Reyes para se isolar. Mas até ao segundo golo só deu Marítimo. Quem tiver visto o jogo com atenção, viu um Benfica frágil, incapaz de tomar conta do jogo, com a sorte de ter ficado desde muito cedo a jogar contra dez e com unidades que resolvem a qualquer momento. Mas, colectivamente, foi mais uma má exibição. Acho que o jogo, depois do segundo golo, não pode servir de exemplo. Ainda assim, é talvez importante referir que os primeiros três golos são de bola parada e que, em lances de bola corrida, o Benfica criou apenas uma oportunidade de golo, a tal acima citada. Assim, até ao segundo golo, o Marítimo mandou no jogo, trocando a bola a seu bel-prazer no meio-campo encarnado, aproveitando o muito espaço entre sectores. Mesmo com menos um jogador, o Marítimo foi sempre mais autoritário, dominou sempre a partida, sendo que o pressing encarnado raramente foi eficaz. Com bola, igualmente, o Benfica foi patético, caindo quase sempre no erro de lançar Suazo em profundidade ou de procurar Reyes na esquerda, para que este resolvesse individualmente. Passes verticais, progressão com bola, foi coisa que não se viu. Daí Aimar ter estado fora da partida. Nunca foi bem servido porque o Benfica não procura a não ser passes em profundidade, quer seja para as costas da defesa, quer seja para a velocidade dos alas. É muito pouco. O 6-0 foi apenas o corolário de um aproveitamento quase 100% eficaz, coisa em que o Benfica, este ano, parece estar bastante forte. Mas não ilustra, de maneira nenhuma, a superioridade encarnada. É um resultado mentiroso...

7. Em Itália, o Inter de Mourinho começa a distanciar-se. 6 pontos de avanço, para já, sobre os rivais, deixa antever boas coisas.

8. Em Espanha, o Barcelona de Guardiola é como o Inter de Mourinho: no início, auguraram-lhe mau desempenho, os primeiros resultados deixaram em pulgas os seus opositores, mas agora também já têm 6 pontos de avanço sobre a concorrência. Neste fim-de-semana, dois resultados semelhantes: o Barcelona venceu por 4 um adversário difícil, assim como o Inter, por 3. São, talvez, as duas equipas que melhor oposição poderão oferecer aos grandes de Inglaterra, no que toca à vitória final na Liga dos Campeões.

9. Schuster já não é treinador do Real. O seu sucessor, Juande Ramos, poderá fazer um trabalho interessante e ainda ir a tempo de conseguir alguma coisa este ano. A ver vamos.

10. Referência ainda para o Braga de Jorge Jesus que, num grupo complicado, conseguiu o apuramento para a fase seguinte da Taça UEFA. Já o Benfica de Quique deverá ficar vergonhosamente pelo caminho. Em termos de plantel, se exceptuarmos as equipas que virão da Liga dos Campeões, provavelmente só o Milan teria melhores jogadores. Ficar por aqui, ainda por cima num grupo claramente acessível e ocupando o último lugar do mesmo à partida para a última jornada, não pode ser esquecido só porque, no campeonato, a equipa lidera.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Carlos Martins: um estudo

O jogo foi o Benfica-Vitória de Setúbal, do passado fim-de-semana; o espécime em estudo, Carlos Martins. Antes da descrição dos lances e das conclusões, dizer que terá sido dos jogos menos positivos de Carlos Martins, o que em parte se deveu à falta de apoios perto de si.

1 minuto: Mau passe. (Saída de jogo para o Benfica e Martins, como consequência de um lance estudado, tenta lançar em profundidade um dos avançados do Benfica; o passe é interceptado.)

1 minuto: Boa opção. (Sofre falta no grande círculo a tentar proteger a bola.)

1 minuto: Boa opção. (Apertado, roda e joga de frente no apoio.)

2 minutos: Boa opção. (Passe curto a solicitar Jorge Ribeiro)

2 minutos: Boa opção. (No seguimento da jogada, entrega a bola, num passe curto, para Reyes e este cruza.)

2 minutos: Boa opção. (A bola sobra novamente para Martins, que por sua vez faz um passe vertical para Cardozo, que se encontra a entrada da área.)

3 minutos: Recuperação de bola. (Recupera a posse de bola.)

4 minutos: Bate canto. (Canto tenso, ao segundo poste; Cardozo por pouco não consegue cabecear.)

5 minutos: Recuperação de bola. (Recupera a posse de bola.)

6 minutos: Boa opção, embora arriscada. (Passe vertical para Reyes (opção arriscada).)

7 minutos: Mau passe. (Lançamento em profundidade a solicitar Suazo. A opção (tentava apanhar desprevenida a equipa do Vitória de Setúbal, visto que esta estava em transição ofensiva quando perdeu a possse de bola) era correcta, mas o passe saiu demasiado longo.)

8 minutos: Lance dividido. (Perde uma disputa pela bola.)

10 minutos: Boa opção. (Passe de primeira para o jogador que lhe estava a dar cobertura (apoio).)

10 minutos: Boa opção. (Tabela com Reyes e falta sofrida no seguimento da mesma jogada.)

11 minutos: Bate livre. (Bate livre curto, a meio do meio-campo ofensivo.)

14 minutos: Lance dividido. (Perde lance em bola dividida.)

14 minutos: Mau passe. (Passe transviado para Maxi Pereira.)

15 minutos: Mau passe. (Passe transviado.)

15 minutos: Participação na recuperação de bola. (Participa de forma decisiva na recuperação da posse de bola, pressiona o adversário de forma a que a bola sobre para Reyes.)

16 minutos: Bate livre. (Livre directo frontal de meia-distância; obriga Pedro Alves a defesa apertada.)

17 minutos: Bate canto. (Deste canto resulta jogada de perigo para a baliza sadina.)

20 minutos: Boa opção. (Passe vertical para Suazo.)

21 minutos: Boa opção. (Passe lateral a solicitar Katsouranis.)

23 minutos: Faz falta. (Falta cometida a meio-campo, com o intuito de parar o contra-ataque adversário.)

23 minutos: Mau passe. (Boa opção no passe para Suazo, mas este é interceptado.)

24 minutos: Remate. (Remate à entrada da area, defesa apertada de Pedro alves.)

26 minutos: Boa opção. (Passe atrasado para Miguel Vítor.)

27 minutos: Boa opção. (Passe lateral a solicitar Maxi Pereira.)

29 minutos: Recuperação de bola. (Recupera a bola.,)

29 minutos: Boa opção. (Dribla adversário e faz passe vertical para Cardozo.)

30 minutos: Bate livre. (Livre lateral, batido de forma tensa; obriga Perdo Alves a socar a bola.)

31 minutos: Bate canto. (A defesa sadina corta sem dificuldade.)

32 minutos: Boa opção. (Envolvimento com Amorim. No seguimento da jogada proporciona cruzamento a Amorim com um toque de calcanhar.)

33 minutos: Boa opção. (Passe lateral para Maxi Pereira.)

33 minutos: Mau passe. (Passe transviado.)

34 minutos: Mau passe. (Passe precipitado, sem olhar. No entanto não possuia apoios e a bola vinha pelo ar, pelo que se torna injusto crucificá-lo por não ter arriscado ficar com ela.)

40 minutos: Perda de bola. (Tentou desenvencilhar-se de um adversário, mas não conseguiu.)

43 minutos: Recuperação de bola. (Recupera a bola.)

43 minutos: Má opção. (Apesar de ter acabado de recuperar a bola, precipita-se e perde-a novamente.)

45 minutos: Remate. (Remate à entrada da àrea, bate num adversário, e ganha canto.)

46 minutos: Bate canto. (Sem perigo.)

Primeira parte em que o benfica demonstrou grandes dificuldades, quer no processo ofensivo (vivendo sobretudo de movimentos individuais dos seus jogadores). No processo defensivo, revelaram dificuldades, consentindo muito espaço entre linhas.

46 minutos: Boa opção. (Passe lateral para Maxi Pereira.)

47 minutos: Boa opção. (Passe atrasado para Miguel Vitor.)

48 minutos: Boa opção. (Passe lateral para Jorge Ribeiro.)

49 minutos: Boa opção. (Tabela com Maxi; no seguimento deste lance, o uruguaio sofre falta.)

49 minutos: Bate livre. (Bate tenso ao primeiro poste; Katsouranis não consegue desviar com sucesso.)

54 minutos: Perda de bola. (Perde a posse de bola ao tentar desembaraçar-se de um adversário.)

54 minutos: Recuperação de bola. (Recupera a bola e entrega curto.)

56 minutos: Boa opção. (Passe lateral para Jorge Ribeiro.)

56 minutos: Boa opção. (Na sequênca da jogada, tabela com Reyes.)

56 minutos: Boa opção. (Passe atrasado para Miguel Vítor.)

57 minutos: Cruzamento. (Cruzamento interceptado por defesa sadino.)

58 minutos: Sofre falta. (Sofre falta na zona de meio-campo.)

61 minutos: Faz Falta. (Falta inteligente.)

64 minutos: Recuperação de bola. (Recupera a bola.)

64 minutos: Má opção. (Na sequência da jogada, perde a bola.)


Coloquei em negrito aquilo que de negativo Carlos Martins fez. Vamos às conclusões:

1) 55 acções durante o tempo em que esteve em campo; 44 acções positivas; 80% de acções positivas.
2) Em 35 lances com a bola nos pés e com condições para fazer algo (exclui-se, portanto, os lances de bola parada ou as disputas de bola, ou os lances em que procura recuperar a bola, ou os lances em que não tem a bola totalmente dominada), teve 25 boas acções contra 10 más acções; 71% de boas acções.
3) Destas 10 más acções, só 4 foram resultado de más opções, sendo que as restantes 6 foram más execuções.
4) Embora destas 4 más opções tenham resultado 4 perdas de bola, Carlos Martins recuperou 6 bolas e participou activamente, pelo menos, em mais uma, que acabou por sobrar para Reyes. Se o índice de perdas de bola não é tão baixo quanto desejável, já as recuperações confirmam, de certo modo, além da entrega ao jogo (também confirmada pelas estatísticas oficiais, segundo as quais foi dos jogadores que mais correu) uma clara capacidade de se integrar em processos defensivos, desmentindo outra coisa que também, muitas vezes, lhe é apontada.
5) Efectuou 21 passes correctos contra 9 passes errados; 70% de passes acertados. Tem sido dito que Carlos Martins não lateraliza e não joga para trás, com segurança, preferindo invariavelmente solicitar os companheiros da frente e querendo sistematicamente fazer o último passe, mas a verdade é que, destes 30 passes, 22 foram para trás, para o lado, ou passes curtos, quer em tabelas, quer de segurança relativamente alta, e só 8 foram passes em progressão, sendo que 5 deles foram passes verticais, rasteiros, cujo grau de risco é pouco elevado. Ainda assim, contando apenas os primeiros, temos que Carlos Martins fez 73% de passes de baixo risco, o que invalida, de certo modo, a teoria de que perde demasiadas bolas tentando fazer coisas que não são para ele, assim como prejudica os ataques da equipa querendo saltar etapas.
6) Raramente recorreu ao drible, usando-o, ainda assim, só em último caso, tendo sido bem sucedido 1 vez e mal sucedido 2 vezes.
7) Sofreu 3 faltas e cometeu 2.
8) Fez 3 remates, sendo que um deles foi de livre.
9) Foi dos jogadores que mais se preocupou em dar apoios perto dos seus colegas, respeitando não só o colega que tinha a bola como o princípio da posse de bola como nenhum outro, tentando ao máximo atenuar a falta de ligação entre sectores, bem como a distância larga entre elementos. Esteve muito bem, neste aspecto, revelando uma cultura táctica e uma noção das necessidades ofensivas da sua equipa bem acima da média.
10) Dizer ainda que, apesar de não possuir dados estatísticos que o comprovem, leva-me a intuição a afirmar que Ruben Amorim, o tal jogador que tem sido tão elogiado (e com razão) pela forma como equilibra a equipa à direita, perdeu, neste encontro, mais bolas que Carlos Martins, tomando igualmente mais vezes a opção errada. Tendo em conta que a distinção que tem sido feita entre os dois é que Ruben Amorim, ao contrário de Carlos Martins, confere mais segurança aos processos da equipa e não arrisca tanto, este dado não deixa de ser curioso.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O Misterioso Problema do Sporting e os Indiscutíveis

Como muitos dos textos que escrevo, este é uma resposta imediata a uma determinada opinião generalizada entre quem fala de futebol. Muito se escreveu, ao longo da época passada, sobretudo quando o Sporting começava a ficar afastado do título, sobre o que ia mal para os lados de Alvalade. A teoria que então surgiu, e sobre a qual não me pronunciei até hoje, é de que o compromisso que o Sporting tem para com a banca, que o impossibilita de gastar tanto como os rivais, está directamente relacionado com o mau desempenho desportivo recente e é mesmo a principal causa do mesmo. Não concordo nem nunca concordei com isto.

Segundo esta teoria, que entretanto parece ter caído novamente em desuso (provavelmente porque depois o Sporting ainda conseguiu ficar em segundo lugar e arrecadar novamente a Taça de Portugal), o Sporting caminha para um processo de "belenensização", segundo palavras de um certo sábio. Ou seja, com o compromisso para com a banca, o Sporting não pode investir na melhoria do plantel; não o fazendo, perde gradualmente valor, o que faz com que conquiste cada vez menos coisas; conquistando menos coisas, os jovens jogadores formados na Academia valorizam-se cada vez menos; sendo a venda de activos do clube a maior fonte de receitas do mesmo, essa valorização cada vez menor implica receitas cada vez menores e, por conseguinte, cada vez menos capacidade para investir. Segundo esta teoria, o Sporting do ano passado, arredado da luta pelo título logo muito cedo, manifestou já um decréscimo de qualidade evidente e foi o prenúncio dessa gradual perda de capacidade de investir. Ou seja, para certos iluminados, os resultados menos positivos de uma época foram suficientes para provar uma teoria que só poderia ficar provada ao fim de muitas épocas. Se esta teoria estivesse correcta, como explicar a boa campanha da equipa de Paulo Bento no ano imediatamente anterior? Há dois anos, o Sporting fora uma equipa forte, ficando em segundo e lutando pelo título até ao fim, além de ter ganho a Taça de Portugal. De repente, já era uma equipa fraca? Não faz sentido.

O insucesso da época anterior, sobretudo na prova de resistência (uma vez que venceu a Taça, foi eliminado da Taça UEFA pelo finalista vencido e chegou à final da Taça da Liga), tem outras explicações. Antes de me deter nelas, gostaria de dizer que a teoria anterior não tem pés nem cabeça. A estratégia desportiva do Sporting é diferente da dos seus rivais e passa por uma contenção financeira muito maior. Em contrapartida, a aposta na prata da casa acaba por, de certo modo, compensar o menor investimento e tem sido, ao longo dos últimos anos, suficiente para manter o Sporting a um nível idêntico ao do Benfica e ao do Porto. Ao contrário dos rivais, que investem muito e esperam obter retorno desse investimento com a valorização desportiva dos jogadores em que investem, o Sporting investe consideravelmente menos e aposta de forma mais clara na valorização de jovens formados no clube. Em termos financeiros, não se pode dizer que tem sido uma má política, uma vez que, à excepção deste último defeso, o Sporting tem conseguido encaixar sempre algum dinheiro. Mas a teoria não rejeita isto. O que diz é que o problema do Sporting é a nível desportivo. Apostando em jovens que acabam por valorizar, pode ser capaz de vendê-los mais tarde, mas vai subsistindo com uma equipa constantemente formada por jogadores inexperientes, o que em termos desportivos pode ser prejudicial. A minha discordância com esta teoria não tem a ver com isto, embora considere falso o facto de o Sporting ser desportivamente menos competitivo que os rivais por causa desta estratégia. Aquilo de que discordo veementente é da consequência disto. É que, segundo esta teoria, uma equipa formada deste modo não só não é desportivamente competitiva como, por causa de não o ser, também não será, a longo prazo, financeiramente competitiva. Segundo os defensores desta teoria, o Sporting, por causa desta estratégia, ganhará cada vez menos coisas, será cada vez mais fraco a nível desportivo, o que fará com os seus jogadores sejam cada vez menos valiosos, o que, por sua vez, implica menos encaixe financeiro e, gradualmente, menos capacidade para se apetrechar com bons jogadores. Como tem sido visível, a estratégia continua a dar alguns frutos, logo a especulação em torno dela não parece plausível. O Sporting, gastando perto de três vezes menos que os seus rivais (se não for mais), continua a ser uma equipa competitiva; foi a equipa que mais coisas ganhou nos últimos anos e que melhor réplica conseguiu dar ao Porto, que ainda continua a usufruir das conquistas de Mourinho e de toda a valorização que essas conquistas possibilitaram. A estratégia do Sporting não só não tem revelado um decréscimo de qualidade desportiva, como não implica uma capacidade de investimento cada vez mais inferior, como ficou comprovado por este defeso, em que se gastou mais e não se recebeu nada. Os defensores desta teoria continuam a não ter qualquer testemunho substancial que a ateste.

Isto leva-nos para outra questão: se o problema do Sporting não é a capacidade cada vez menor para investir, qual é? Por que razão correu tão mal a época passada? A minha resposta é: por questões meramente desportivas. Não considero, como muita gente, que o Sporting tivesse um plantel mais fraco que o Porto. Considero, isso sim, que as opções iniciais de Paulo Bento eram inferiores às de Jesualdo. Mas nisto há também muita culpa do treinador leonino. Os erros de Paulo Bento não são circunstanciais. Isto é, Paulo Bento não é um treinador que umas vezes acerta, mas outras erra. Não. Paulo Bento tem boas coisas, enquanto treinador, mas tem certos caprichos, certas ideias predeterminadas que têm sido e continuam a ser, ao fim de três anos, a fonte maior dos seus erros. Isto faz com que as coisas corram, certas vezes, bem, outras vezes mal. Daí os problemas acentuarem-se numa prova de regularidade e ficarem disfarçados em provas a eliminar. É, portanto, dos erros de Paulo Bento que irei falar em seguida.

Há essencialmente dois tipos de erros: os erros tácticos, que afectam o colectivo, enquanto colectivo, e erros de apreciação e selecção de elementos do colectivo. Do primeiro tipo, consigo apontar essencialmente dois erros graves a Paulo Bento: a preferência constante (foi assim em todos os três anos) por um pressing menos alto do que seria desejável, tendo em conta as características do nosso campeonato, e a cada vez mais frequente opção pelo jogo directo (o futebol da sua equipa foi sendo cada vez mais objectivo, perdendo com isso lucidez, capacidade de mandar no jogo, de ter a bola, etc.). No que toca, porém, a jogadores e a opções técnicas - e é aqui que considero importante chegar - é que considero que reside o maior problema de Paulo Bento. Desde a opção, quase sempre falhada, de utilizar um avançado como vértice ofensivo do losango (principalmente Djaló), à insistência em certas pedras que, a dada altura, se percebia que eram nocivas ao desempenho da equipa, muitos têm sido os erros de Paulo Bento. É neles que me vou deter em seguida.

Começo por Romagnoli. Depois de uns primeiros bons seis meses, Romagnoli começou a época 2006/2007 em grande, mas quando a equipa começou a produzir pouco, foi imediatamente feito bode expiatório. O que Paulo Bento não percebeu foi que a equipa não produziu pouco porque Romagnoli produziu pouco, mas sim que Romagnoli produziu pouco porque a equipa produziu pouco. A relação causal existiu, mas Paulo Bento percebeu-a ao contrário. Aliás, a pouca produção individual de Romagnoli é quase sempre sinal de que a equipa está mal. Romagnoli precisa, não raro, de que a equipa seja capaz de ter bola, de circulá-la com segurança até que ela chegue a si. Paulo Bento não percebeu isto. Aliás, continua a não perceber: sempre que a equipa está mal, sacrifica o argentino. O que é certo é que Romagnoli esteve então algum tempo afastado da equipa, altura em que o Sporting perdeu o comboio do título. Quando se percebeu que o argentino era fundamental na equipa, já era tarde de mais. A presença de Romagnoli no onze esteve ligada à recuperação da segunda volta e veio provar que o pequeno craque tinha, obrigatoriamente, de jogar.

O segundo nome que pretendo frisar é o do inevitável Liedson. O brasileiro é e continuará a ser nocivo ao colectivo. Não é coincidência que o Sporting tenha começado a jogar menos à bola desde que Liedson voltou aos relvados. A produção ofensiva do Sporting liga-se, em grande medida, ao tipo de avançados que tem na frente. Com Liedson, o Sporting está claramente mais fraco, tem menos bola em zonas ofensivas, tem um avançado a menos a servir de apoio vertical e, como tal, está obrigado a um jogo muito menos pausado, a um jogo mais rápido, mais rectilíneo, com solicitações recorrentemente para as costas da defesa. Com Liedson, o futebol do Sporting é muito mais previsível e, contra equipas que defendem com um bloco muito baixo, menos eficaz. Em Portugal e em qualquer jogo em que o adversário defende muito fechado, os avançados têm de saber tabelar, têm de saber baixar para dar um apoio vertical; não podem ser só baratas tontas que se mexem erraticamente. Liedson faz do Sporting uma equipa pequena. É o típico jogador que, porque é rápido, ágil, e sabe aproveitar os espaços nas costas da defesa e dentro da área, serve os interesses de uma equipa que joga em contra-ataque ou com um futebol simples, de jogo mais directo. Para uma equipa grande, que precisa que um avançado seja alguém capaz de aparecer entre linhas a tabelar uma bola e capaz de intervir em várias das fases de construção de jogo, Liedson não serve. E poderão até alegar que, nos últimos jogos, o Sporting ganhou invariavelmente pela margem mínima e que o golo foi marcado por Liedson. A minha resposta a isso é igualmente factual. Sem Liedson, se exceptuarmos os jogos com Barcelona, Benfica e Porto, que são sempre jogos especiais, o Sporting tinha três vitórias no campeonato em outros tantos jogos e uma vitória na Liga dos Campeões num único jogo. Ou seja, sem Liedson, o Sporting ganhara sempre os jogos que tinha obrigação de ganhar. Em termos de golos, Postiga, Djaló e Derlei tinham, até à altura, dado conta do recado. Com Liedson, o Sporting tem produzido claramente menos e perdido pontos que não deveria perder. Coincidência? Não me parece. O facto de marcar alguns golos não pode fazer presumir que, sem Liedson, esses golos não existiriam, já que, sem Liedson, havia golos. O que se pode presumir, isso sim, é que com Liedson, o Sporting joga menos à bola. A quantidade de ataques que a falta de inteligência dele destrói é enorme. Ora bem, Paulo Bento é apaixonado por Liedson. Esse é outro dos problemas, um dos mais graves, a meu ver. A equipa produz claramente pouco com o Levezinho em campo e, numa prova de regularidade, isso é determinante. Há quem diga que Liedson é o abono de família do Sporting. Eu atrevo-me a dizer que, com Liedson, o Sporting só ganhará um campeonato se Porto e Benfica facilitarem.

Se pensarmos, então, na forma como Liedson entrou na equipa agora, ao voltar de lesão, podemos então perceber muita coisa sobre os erros de Paulo Bento e sobre a má gestão desportiva do treinador do Sporting. Djaló, Postiga e Derlei, sobretudo os dois primeiros, estavam em momentos de forma muito bons e, assim que Liedson pôde jogar, Paulo Bento não hesitou em relegá-los para o banco. Ou seja, dos dois lugares para avançados, um deles está reservado. Ora, que espécie de motivação é que um jogador que sabe que tem que lutar com três companheiros por um lugar no onze pode ter, quando um outro tem o seu cantinho reservado, ainda por cima sem o justificar? Djaló terá mesmo, a dada altura, perdido a paciência e ficou fora de uma convocatória. Há quem considere que Paulo Bento tem razão e que o jogador tem que acatar a decisão do treinador. Mas isso é falso. Djaló não tem que acatar coisíssima nenhuma. E não tem que acatar porque não há razão para tal. Ele merecia jogar e um amor imbecil do treinador por um jogador não é justificação para não jogar. Djaló só teria que aceitar esta situação se por acaso o jogador em causa entrasse e justificasse (não é com um golo por jogo que se justifica nada) essa entrada. Tal não aconteceu. O Sporting era muito mais equipa com Djaló do que com Liedson. E o mesmo se passará com Postiga. Postiga ainda não perdeu as estribeiras, mas tem toda a legitimidade para perdê-las, quando for o caso. E isto por uma razão simples. Porque a indiscutibilidade de um jogador justifica-se em campo e nos treinos. O problema é que, para Paulo Bento, há indiscutíveis por haver, porque lhe apetece que haja.

Está, finalmente, lançado o segundo tema deste texto: os indiscutíveis. Um dos grandes problemas de Paulo Bento é o ter indiscutíveis. E tê-los à priori, isto é, sem basear essa indiscutibilidade na justificação da mesma. Este tema prende-se com a forma de liderar de Paulo Bento e com o porquê de jogadores mais temperamentais acabarem por ser proscritos pelo técnico leonino. Liderar não é só mandar. Aquele que é liderado deve sentir que tem tantos direitos e deveres quanto o colega. Por isso, um bom líder não pode ter indiscutíveis. Mas Paulo Bento tem-nos. Tem Polga, tem Moutinho, tem Liedson e tem Rochemback, agora. Nenhum destes, por pior que esteja, sai da equipa. Isto é um erro. E é um erro porque confere a estes um estatuto de intocável que faz com que os outros saibam que todo o esforço para os substituir é inglório. Se Djaló não aguentou a injustiça de Liedson voltar à equipa sem qualquer espécie de justificação, Miguel Veloso também não aguentou o facto de, de um momento para o outro, Rochemback passar a ter de jogar no seu lugar, relegando-o para a posição de lateral-esquerdo. E, tal como Liedson, Rochemback ainda não justificou a sua utilização. Mas, entretanto, continua a jogar. Paulo Bento cria fetiches com determinados jogadores e imagina que, por pior que eles estejam, devem continuar a jogar. Liedson e Rochemback não só não têm dado nada à equipa como, por terem o estatuto que têm, têm ajudado a dividir um grupo que deveria estar coeso. Ao ter indiscutíveis, Paulo Bento passa uma mensagem negativa ao seu grupo. Daí à desmotivação vai um pequeno passo e os primeiros a quebrar são precisamente os mais temperamentais, aqueles que se apercebem da injustiça e que não são capazes de continuar a ser humilhados, enquanto outros vivem como lordes, gordos e apaparicados. Vukcevic foi só o caso mais grave.

Diz Mourinho, sobre a forma de motivar o jogador latino, o seguinte:

"O jogador latino não é especialmente obediente à hierarquia. É obediente à competência. Não sou obediente porque tu és treinador; sou obediente porque sabes mais disto que eu, porque és bom, porque treinas bem, porque tens razão." (Luís Lourenço e Fernando Ilharco, Liderança: As Lições de Mourinho, pp.186)

Ora, Vukcevic, assim como Veloso e Djaló, em menor escala, perceberam e insurgiram-se contra a incoerência de tratamentos dentro do balneário leonino. Enquanto Moutinho pode dizer o que quiser, que não sai da equipa, para outros uma palavra despropositada é logo motivo de processo disciplinar. Enquanto Rochemback e Liedson, estando aptos a jogar, jogam, para outros todo o esforço do mundo é insuficiente. Assim, não valerá a pena. Vukcevic terá, por certo, consciência de que tem mais valor que Rochemback e Liedson e que pode ajudar a equipa muito mais do que estes dois. Percebendo que, por mais que fizesse, nunca atingiria o estatuto destes dois, perdeu a cabeça, desmotivou-se. Nada mais normal. Como diz Mourinho, precisava de ter visto em Paulo Bento competência, mas viu apenas um superior hierárquico, caprichoso, intolerante, intransigente e incoerente. Percebeu que Paulo Bento tinha indiscutíveis por ter, porque lhe apetecia tê-los; percebeu que Paulo Bento não justificava a existência desses indiscutíveis com competência, mas sim por capricho. Um jogador talentoso, cheio de vontade de mostrar o seu valor, consciente da sua qualidade, jamais poderá acatar uma liderança tão inábil quanto a de Paulo Bento. Para Bento, há intocáveis porque ele decidiu haver; para um treinador competente, esse estatuto ganha-se. Vukcevic tem toda a razão para ter agido como agiu: nunca foi respeitado como outros o são, muitos deles sem o merecerem. Quem faltou primeiro ao respeito nesta história toda foi o treinador, ao não tratar todos da mesma maneira. O resto é conversa...

P.S. Queria pedir desculpa pela extensão exagerada do texto. Juntei dois assuntos que há muito queria abordar e acabou por ficar deste tamanho estúpido. Mas estava mesmo na hora de falar disto tudo...

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"A arte e beleza expulsam todo o mal do mundo"

Não consigo confirmar se esta frase é da escritora Agustina Bessa Luis, mas a verdade é que podíamos aplicar a mesma à peregrinação de Del Piero pelo campeonato Italiano.

A verdade é que, nos tempos que correm, ter o privilégio de ver actuar um jogador como Del Piero é um verdadeiro luxo. Não só pela classe que demonstra em cada lance, mas pela qualidade que coloca em cada decisão e movimento.

A inteligência do "Pinturicchio" não se manifesta só na qualidade das decisões que toma, mas na maneira como com consegue "comprar" espaço e tempo no futebol actual. Valendo-se "apenas" de uma técnica sublime, sem ser poderoso fisicamente ou velocista, o número dez da Juve não só consegue criar espaço para o seu futebol como ainda tem o desplante de cobrir os seus movimentos com a ilusão de que tudo o que faz é de uma naturalidade e com uma serenidade que ofende. Dá a ideia que ele ouve Beethoven enquanto joga - será Für Elise? - enquanto que o resto anda entretido a ouvir The Prodigy.

No entanto, o que mais supreende é a maneira como um jogador, por si só, consegue esconder e defender um sistema táctico tão desequilibrado como o da Juve (se bem que com a nova epidemia deste sistema as coisas fiquem mais fáceis).

Há muito que venho criticando este sistema. Apesar de não ser um assunto isento de polémica, a minha opinião sobre este assunto não se tem alterado, não porque tenha mantido uma atitude autista em relaçao ao mesmo, mas porque quanto mais informação absorvo e cruzo, mais perto fico da conclusão que é uma táctica que coloca grandes dificuldades à proliferção, com sucesso, do modelo de jogo que idealizo. Todavia, Del Piero consegue, através do seu talento, "mascarar" as debilidades da equipa de Turim, de tal forma que muitos apelidam-na de inteligente. Nada mais errado. A equipa apresenta um futebol "primitivo", com os vários momentos do jogo bem separados, com transições simples e um bloco (muito) baixo. A opção por este modelo de jogo poderia comprometer de forma irremediável os objectivos de uma equipa como a Juve. Poderia, não fosse o número 10.

Com os seus golos (e a maneira como os alcança), a forma como compra tempo e espaço para o seu jogo, acrescentando tempo ao onze de Ranieri. Tempo de qualidade, através da magia de Del Piero, que intimida, e inspira. Porque na bola há de tudo: os que jogam; os que jogam e ensinam, etc. Mas Del Piero inspira. Obrigado.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Andar de Carroça

O Tottenham, desde que Juande Ramos foi despedido e Redknapp assumiu as rédeas da equipa, tem ganho quase sempre. Para muitos, está melhor. Para mim, não. A principal diferença é que, antes, a equipa tinha um automóvel topo de gama, mas os jogadores não sabiam conduzi-lo. Agora, tem uma carroça que vai, de socalco em socalco, vencendo os obstáculos que lhe aparecem pela frente. Mas isto apenas até ficar atascada numa poça de lama. Os jogadores, acostumados ao que aprenderam, habituados às leis em que foram formados, só sabem jogar de uma maneira. Estão formatados para jogar à inglesa e, qualquer que seja a alteração, reagem mal. Talvez Juande Ramos não tenha sido suficientemente competente para ensinar os seus pupilos a conduzir um automóvel tão bom, mas a verdade é que, assim que lhes facilitaram as coisas, assim que chegou um treinador inglês, igual a todos os outros treinadores ingleses, começaram a ter resultados. E começaram a tê-los porque voltaram a jogar do mesmo modo que jogaram toda a vida, de um modo fácil que, por estarem habituados, lhes permite pôr o seu valor individual em destaque.

Mas, deste modo, o futebol do Tottenham nunca passará disto, nunca será mais do que essas individualidades. No fundo, a saída de Juande Ramos, embora tenha feito com que os resultados começassem a surgir, representa a estagnação evolutiva da equipa. A partir de agora, o Tottenham será só isto. É verdade que tem valores fantásticos, mas como colectivo jamais chegará onde poderia chegar com o treinador espanhol. Em Inglaterra, prefere-se andar de carroça. Quando se pega num automóvel, não se sabe conduzi-lo. A máquina que Juande Ramos poderia criar era claramente superior à que Redknapp algum dia poderá vir a construir, mas os jogadores, acostumados a conceitos simples e a jogar essencialmente com o coração, não souberam fazer parte dela. Provavelmente, estarão até mais felizes agora, que começaram a ganhar. Infelizmente, estar feliz significa, por norma, não ter consciência do quão pequeno se é. Estes jogadores, ainda que sorridentes pelas vitórias recentes, não têm consciência do que perderam. Com Juande Ramos, o potencial a que cada um deles poderia chegar seria, por certo, muito maior do que alguma vez virá a ser. Lá está, é o hábito de andar de carroça, o hábito de ser pequeno.

domingo, 9 de novembro de 2008

Professor...

No futebol actual, são cada vez menos os jogadores que nos apaixonam. Menos ainda são aqueles que nos "ensinam" futebol.

Aimar é um desses (poucos) exemplos.

O número 10 benfiquista tem-nos presenteado com verdadeiras lições de futebol, tanto a nível interpretativo como no aspecto técnico.

Na memória de todos ainda está aquela pequena maravilhosa "rabona" do argentino. A dificuldade, neste caso, consiste em determinar o maior mérito: se o do gesto técnico, se o da leitura rápida e correcta do lance. Porque estes movimentos, muitas vezes, funcionam apenas como artifícios e, como tal, seriam à partida dispensáveis. Direi mesmo que serão contrários à essência do futebol enquanto jogo. Porque muitas vezes são executados à margem de qualquer estratégia de jogo, em que cada movimento encerra sobre si mesmo a própria finalidade. Aimar, no entanto, utiliza a sua capacidade de execução como desbloqueador de situações complexas. As exibições de Pablito confundem-se entre os truques e a inteligência do seu futebol.
Digo "confunde-se" porque manda a razão que se jogue futebol de forma simples, que se coloque em campo os meios e esforços necessários para o sucesso da nossa forma de jogar (enquanto equipa), e que evitemos as palhaçadas frívolas.

A essência do futebol de Aimar não tem nada a ver com qualquer gesto técnico vistoso. A substância presente em cada movimento de Aimar, do mais complexo ao mais banal, é em função do que o jogo lhe requisita em dado momento para alcançar um objectivo que encerra muito mais do que esse simples momento. Ou seja, os seus movimentos não são desconectados entre si. Daí ele perceber quando deve lançar um jogador para um contra-ataque mortífero, ou por outro lado, quando é que deve entregar a bola a um colega que não se encontra a mais de um/dois metros de distância. A qualidade do futebol revelada em ambos os momentos é a mesma. A sua manifestação, porém, é que é diferente. Mas a presença activa do argentino no jogo e a importância deste jogador para a equipa alcançar os objectivos do jogar a que se propõe não oscila em função da estética dos seus movimentos.

A faculdade de Aimar conseguir concretizar o seu Futebol através de execuções fantásticas não seria suficiente para fazer dele um jogador de eleição... ou um Artista. Não se o Futebol dele, a essência do mesmo, não fosse por si só extraordinária. Aimar, o futebolista, não precisaria de recorrer a gestos técnicos deslumbrantes para ser um fantástico jogador porque o futebol que "nasce" dentro do argentino é soberbo. O facto de o argentino conseguir materializar essa interpretação e entendimento do jogo através de uma (a do próprio) visão estética, coloca-o no mesmo pedestal dos Artistas. Daqueles a sério.

E é aqui que Aimar assume, de forma inconsciente, um papel determinante para as gerações de futebolistas num futuro próximo. Com as suas pequenas lições, vai ensinando, entre meia-dúzia de truques, o que é jogar BOM FUTEBOL.
Porque na incapacidade de se perceber, por si só, algo tão profundo como o jogar bem, de forma racional (grande parte dos jovens jogadores apenas atribui importância a aspectos técnicos, descurando a sua interpretação do jogo), é importante que as gerações mais jovens cresçam a admirar um jogador que trata tão bem o jogo, ainda que o admirem por tratar bem a bola.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Pouca coisa...

1. Aimar não presta. Passes de letra são coisas para gajos que vieram passar férias a Portugal, de certeza.

2. Nuno Assis é outro que não vale nada. O facto de ter sido o jogador vimaranense mais esclarecido em campo foi coincidência.

3. Andrezinho, esse sim, é um jogador e tanto. Aquela assistência para Aimar, que permitiu ao argentino solicitar a corrida de Suazo, é de uma classe extraordinária. Melhor, só o pontapé no queixo do hondurenho ou aquela dança esquisita à frente de Reyes, durante quase um minuto, sem sair do mesmo sítio.

4. No golo do Guimarães, pode falar-se em erros de Maxi Pereira, que deveria estar mais metido para dentro, ou de Luisão, que não deveria ter tentado interceptar a bola, mantendo-se na corrida com Douglas, mas o lance só acontece porque o sistema do Benfica a isso convida. Com apenas dois passes rasteiros, o Guimarães ultrapassou 8 jogadores do Benfica. Roberto veio buscar a bola ao espaço vazio e o passe do médio minhoto para ele ultrapassou toda a linha do meio-campo do Benfica. A partir desse momento, está criado o desequilíbrio. O resto é mais ou menos fácil. A chave do lance é esse passe e não os erros posicionais dos defesas. É por estas e por outras razões que não consigo perceber como é que o 442 clássico continua a ser o modelo táctico mais utilizado. E não me venham falar de dinâmicas. Aquilo acontece com qualquer equipa que jogue com uma linha de 4 homens no meio-campo. Não há dinâmicas que o impeçam.

5. Muitos afirmam que Aimar não foi atropelado por Danilo dentro da área e que, portanto, não haveria lugar à marcação de um penalty que, para mim, foi claríssimo. O argumento é que já ia em queda quando se dá o contacto. Se um camião TIR vier direito a mim, de certeza que também não vou ficar quietinho à espera que ele me acerte. Aimar encolheu-se, prevendo o choque. Mas nada disso importa. Deixando-se ou não cair, a verdade é que há um contacto evidente que derruba o argentino.

6. Liedson continua a facturar, dizem alguns. O que eu gostava mesmo de saber era quanto é que Liedson paga aos defesas adversários para que estes façam disparates e o deixem isolado. Ou então, quando é que Liedson volta a marcar um golo cujo mérito seja mesmo dele. Aposto que vai vir muito palerma dizer que há mérito na forma como ele pressiona. Sinceramente, isso dá-lhe quase tanto mérito como a mim, que, sentado no meu sofá, estava a torcer para que aquele defesa dominasse mal a bola e depois inventasse daquela forma.

7. O Porto perdeu novamente e fala-se em crise. O que é certo é que Jesualdo, em 2 anos, não conseguiu lançar na equipa principal do Porto praticamente nenhum jogador de relevo. Foi vivendo daquilo que já vinha de trás e quase todas as suas contratações foram fracassos: Kazmierczak, Bollatti, Guarín, Farías, Lino, Stepanov, Benitez, etc. Agora que escasseia a qualidade trazida em tempos, a qualidade do plantel portista já não disfarça a pouca qualidade de Jesualdo nesse âmbito. A palavra "qualidade", três vezes referida na frase anterior, parece-me aquela que, pela sua ausência, melhor define o que se está a passar no Dragão.

8. Bruno Alves deu mais um beliscão num adversário, desta vez Davide. Beliscar com o cotovelo não é uma arte para qualquer um, mas Bruno Alves também não é qualquer um. Continuo é sem perceber por que é que os tipos que ele belisca fazem fita para tentar expulsá-lo, quando é evidente que esse tipo de truques mesquinhos não resulta.

9. José Mota lidera. No campeonato e nas loas que os estultos lhe tecem.

10. Lá fora, o Barça continua sem ganhar... por diferenças pequenas.

11. Em Itália, grande campeonato. 3 pontos separam os 5 primeiros; 6 pontos separam os 9 primeiros. Só para comparar, em Inglaterra, os primeiros 5 já estão separados por 6 pontos e os primeiros 9 por 12.

12. Del Piero marcou mais um golo espantoso. Quero distingui-lo com dois prémios. 1) É o melhor marcador de livres de que me recordo, à excepção de David Beckham; 2) É, para mim, provavelmente, o melhor jogador de sempre que nunca ganhou o prémio de melhor do mundo.

domingo, 26 de outubro de 2008

Sistema táctico: para além do mito das dinâmicas...

Este é, porventura, um dos maiores sofismas que o futebol contém: "Não interessa o sistema táctico, o que conta são as dinâmicas".

À partida, isto pode parecer verdadeiro, mas a realidade é bem diferente.

Podemos definir as dinâmicas de uma equipa como o padrão dos movimentos que a mesma concerta entre os seus sectores e, por consequência, entre os seus jogadores. Muita gente defende que são os jogadores que definem as características das dinâmicas (se um jogador tem tendência para procurar a bola em zonas mais interiores, se ele se sente mais à vontade em zonas laterais, entrelinhas, etc.)

Não é assim que eu vejo este assunto. Devemos respeitar a individualidade, e tudo o que de bom vem deste "pormenor" de cada jogador, mas apenas em função do plano de jogo da equipa. Tudo aquilo que cada jogador empresta è equipa deve ser sempre enquadrado pelo jogador e restantes companheiros nas necessidades da equipa, e não o contrário. Ou seja, é o individuo ao serviço da equipa, independentemente das características desse jogador.

As dinâmicas, como movimentos que o nosso modelo de jogo pretende que sejam efectuadas, estão directamente relacionadas com o posicionamento dos jogadores, portanto, na distribuição dos onze jogadores no relvado.

Assim, as características das dinâmicas são directamente influenciadas pelo posicionamento das peças na estrutura da equipa. O alinhamento de cada posição dentro do sistema táctico (cada parte do todo), enquadrado com o posicionamento das outras peças, é fundamental na legitimação e pertinência nas dinâmicas das partes em função do todo pretendido (ideia/filosofia de jogo). Porque é isto que se deseja: que cada movimento de cada jogador seja SEMPRE em função dos princípios de jogo que sustentam toda a actividade colectiva.

Desta forma, as dinâmicas desenvolvem-se e relacionam-se dentro de uma determinada estrutura. Dentro dessas estruturas existirão umas que permitirão um melhor desenvolvimento e optimização de um tipo específico de dinâmicas. Rinus Michels defende isto ao proferir as seguintes frases: "(...) the 4:3:3 is not as suitable to counter attack football(...) when choosing to play the 4:3:3 system you are assuming as a coach that you will carry the play as much as possible."(in Rinus Michels, Teambuilding: The Road to Success)

Como é óbvio, o sistema táctico por si só não garante que a nossa equipa jogue bem, de forma apoiada, com uma boa posse e circulação de bola, etc. Admito que para muitos não passe de um pormenor, mas são estes detalhes que fazem toda a diferença: o método de treino; a capacidade de liderar e interpretar os vários elementos (com as mais distintas personalidades) do grupo; a qualidade dos jogadores; a ideia colectiva de jogo que se pretende (e a taxa de sucesso da implementação da mesma), tudo isto são pormenores quando nos focamos no geral (o todo que é a equipa).

O posicionamento de cada posição relativa à estrutura do sistema táctico funciona como o ponto de partida e de chegada. As constantes do nosso jogar são formuladas a partir do desenho da estrutura da nossa equipa. É importante que o nosso sistema táctico nos ofereça a possibilidade de articular de forma harmoniosa os quatro momentos do jogo.

Assim, esperamos que cada sistema táctico favoreça a nossa filosofia de jogo. Mas sem que os jogadores tenham de o fazer em (demasiado) esforço, nem em prejuízo das suas faculdades. Van Gaal defendeu qualquer coisa como isto: "no seu modelo de jogo, o ideal seria que cada jogador corresse o menos possível". E isto não me parece possível com um qualquer sistema táctico.

Sondagens (9)

À pergunta "Quem é, actualmente, o melhor treinador do mundo?", responderam 54 votantes. 30 deles, ou seja, mais de 50% afirmaram que o melhor do mundo era o Zé. A vitória de Mourinho, por maioria absoluta, não surpreende. Seria, por isso, talvez mais interessante ter perguntado quem era o segundo melhor treinador do mundo, pelo que os restantes 24 votos podem ajudar a perceber que outros treinadores são muito apreciados. Em segundo lugar, aparece Arséne Wenger, com 7 votos, e, em terceiro, Sir Alex Ferguson, com 5. Além de Mourinho, estes dois parecem ser os que maior consenso reúnem. Devo dizer, aqui, que aprecio muito a filosofia de jogo de Wenger e que acho que Alex Ferguson não é melhor que maior parte dos treinadores ingleses que treinam equipas da Premier League. Não acho que os resultados possam influir, de maneira convicta, na qualidade de um treinador. Em Manchester, até o José Mota era campeão da Europa. Seguindo para os menos votados, temos então 3 votos para Marcelo Lippi, 2 para Hiddink, Capello e Trapattoni. Aqui, a minha apreciação também se divide. Se concedo a Lippi e a Hiddink um lugar de destaque entre os bons treinadores actuais, o mesmo não acontece com os outros dois. De destacar ainda 1 voto para Rafael Benitez e 2 para outro treinador além destes. Pergunto-me quem mais poderia estar entre este elenco. Scolari? Aragonés? Del Bosque? Manuel José? Van Gaal? Destaque ainda para os 0 votos de Ancelotti, Pekerman, Queiroz e Rijkaard.

P.S. Esta sondagem não pretende tirar quaisquer conclusões práticas. É apenas um instrumento de curiosidade através do qual se apreciam as tendências dos visitantes deste espaço. Como tal, pede-se àqueles que insistem em achar que isto tem, para os autores, o peso de uma sondagem eleitoral que estejam caladinhos e guardem para si as observações palermas e os comentários sem nexo. Obrigado!

domingo, 19 de outubro de 2008

Centrais altos e espadaúdos

Há quem diga que os atributos físicos dos jogadores têm relevância no que concerne à posição que ocupam em campo. Não me quero delongar em excesso, pelo que queria apenas falar sobre defesas centrais. Estas pessoas acham que, num central, a altura é determinante. As mesmas doutas pessoas advogam que pode haver excessões (como um Cannavaro), mas essas são raras. E numa dupla de centrais, um mais baixo deve ser sempre compensado por um mais alto. Essas pessoas acham, portanto, que os atributos físicos são o mais importante quando se determina a posição de um jogador. Provavelmente, acharão que um extremo tem de ser obrigatoriamente rápido.

O argumento, no que diz respeito aos centrais, é que jogam numa posição em que é determinante ganhar bolas de cabeça e defendem-se dizendo que centrais baixos, como Cannavaro, compensam com uma impulsão extraordinária. Ou seja, essas pessoas creêm que, ou se tem altura, ou se tem impulsão. Isto porque um defesa deve ser capaz de ganhar bolas de cabeça. Queria dar um exemplo que manda isto tudo às favas. O Inter de Mourinho ganhou hoje por 4-0 à Roma. Jogaram a central Chivu e Córdoba, uma dupla de centrais com uma média de altura claramente inferior a 1,80 metros. Como médio-defensivo, numa posição onde, para muitos, sobretudo contra equipas que jogam um futebol mais directo, se deve dar importância à altura, Mourinho apresentou Cambiasso, um jogador também abaixo dos 1,80 metros. Ou seja, o Inter jogou com três jogadores relativamente baixos nas posições onde, por norma, se diz que é importante haver altura. E ganhou. E goleou. E não teve problemas por causa disso. E é primeiro no campeonato. Chama-se "jogar futebol", para quem não souber.

Onde outros precisam da altura de Meira para jogar contra Suécias, Mourinho precisa de jogadores que se saibam posicionar e que ofereçam qualidade suficiente no processo ofensivo. A altura não é um atributo fundamental num defesa. Há muitos e bons defesas que foram ou são relativamente baixos: Baresi, Cannavaro, Córdoba, Chivu, Ricardo Carvalho, Daniel Carriço, etc. E isto porque ganhar bolas de cabeça é francamente menos importante que um bom jogo posicional colectivo que permita ganhar as segundas bolas. Mourinho continua a dar lições, mas poucos lhe prestam atenção. Continua a achar-se, por exemplo, que contra equipas que têm jogadores altos na frente e jogam um futebol directo para eles, é necessário ter altura. Mas a altura não se combate com altura. Combate-se com bom posicionamento, com velocidade de reacção, com jogadores capazes de preencher os espaços nos quais vão cair as segundas bolas. É por isso que seria perfeitamente possível ter dois Moutinhos a central, isto é, dois jogadores com a envergadura de Moutinho. Não é a altura que faz um central, como não é a velocidade que faz um extremo. São as disposições intelectuais, as rotinas de jogo, a desenvoltura própria da habituação à posição, etc.

Para terminar, uma pequena referência à forma de trabalhar de Mourinho. Para muitos, Mourinho dá importância aos atributos físicos. Mas o exemplo dos centrais, bem como do médio-defensivo, vem desmentir tudo isso. Ou seja, se nas equipas de Mourinho há jogadores de boa estampa física, ou jogadores altos, ou jogadores rápidos, ou jogadores fortes, ou jogadores agressivos, ou jogadores muito dotados tecnicamente, é coincidência. Aquilo que não há é jogadores burros. E os que há são despachados em negócios que envolvem a transferência de outros atletas. O primeiro critério na escolha dos jogadores de Mourinho são as disposições intelectuais. Jogar com Córdoba, Chivu e Cambiasso evidencia isso. Aquilo que importa em Muntari não é a força; a força é apenas um acrescento. E um acrescento que uma equipa com dinheiro pode dar ao luxo de adquirir. O que não pode faltar é inteligência, é capacidade de perceber o jogo. O que importa em Ibrahimovic não é a altura nem a capacidade técnica; o que importa em Drogba não é a força; o que importa em Essien não é o pulmão. Isso são acrescentos. O que importa é a saúde mental, são as boas decisões, a qualidade das opções, etc. Tirando os extremos, Mourinho pretende jogadores essencialmente inteligentes. E prefere-os mesmo que eles não possuam os atributos físicos ou técnicos que melhor os potenciem.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O que sobra da derrota...

Mais importante que o resultado ou a exibição da renovada selecção dos sub-21, é conferir o desempenho dos jogadores que actuaram na partida contra a Ucrânia.

Começando pelos guarda-redes: tarde descansada para Patrício, o que já não se aplica a Ventura. O guardião formado nas camadas jovens do Porto, apesar do golo sofrido, revelou tranquilidade e segurança sempre que foi chamado a intervir.

Centrais: Carriço esteve ao seu nível, o que significa que foi dono e senhor de quase todos os lances que disputou. Miguel Vítor foi outro que esteve à altura das expectativas que temos, ou seja: uma exibição esforçada, mas com pouca lucidez. Já André Pinto demonstrou algumas dificuldades no posicionamento, assim como alguma lentidão nos processos.

Laterais: João Gonçalves foi o que se exibiu ao melhor nível. Algumas culpas no lance do golo (o adversário que cruzou para o golo foi mais forte que ele no "choque") não ensombram uma bela exibição, principalmente a atacar. Tiago Pinto esteve desastrado no passe, revelando demasiada ansiedade. Ruben Pinto exibiu-se a um nível superior, pecando apenas por exagerar nos lançamentos longos (no lance do golo não acompanhou o jogador que fez a diagonal e concretizou a jogada).

Médios: Stélvio Cruz, um Pelé, mas em mau. Castro e Rui Pedro (jogam em posições diferentes, bem sei) são um pouco a antítese um do outro: Castro joga bem, mas em esforço e sem ponta de estilo. Rui Pedro, estilo tem; o problema é que revela pouca imaginação, assim como pouca segurança no passe. O futebol de Pereirinha continua igual a si próprio: tão correcto e inteligente, que até parece simples. Mas não é. Romeu Ribeiro, nos poucos minutos que esteve em campo, fez-me questionar o que se passa com o Miguel Rosa (apesar deste ser mais novo).

Extremos (bem sei que Portugal apresentou, no início, um 442. Mas a verdade é que Candeias funcionou mais como extremo do que como interior): o extremo portista é forte nos duelos individuais, misturando técnica e velocidade em boas doses. O problema é que dá ideia que não sabe fazer mais nada que fintar e rematar. E rematar de qualquer forma, e de qualquer sítio, não me parece uma solução muito inteligente. Ukra mostrou muito pouco nos minutos que entrou. Já o vi actuar noutras ocasiões e, apesar de não o achar nada de extraordinário, não é tão mau quanto pareceu. Paim teve ainda menos tempo. Mostrou bom toque de bola, mas de forma inconsequente. Pareceu demasiado individualista.

Avançados: Orlando Sá parece-me um jogador a rever. Não é muito evoluído tecnicamente, mas não é mau nos apoios, e movimenta-se bem na área. Pena não jogar mais vezes no Braga. Seria interessante ver a sua evolução. Yazalde pareceu mais forte no 1x1 que o Orlando; nos poucos minutos que jogou demonstrou isso, fazendo uso da sua velocidade e força. No entanto, é outro jogador que jogou poucos minutos. Daí ser complicado dizer muito mais.

Sendo cedo para tirar conclusões, há no entanto meia-dúzia de jogadores interessantes que merecem um acompanhamento mais próximo, assim como mais oportunidades nos respectivos clubes. Outros... Nem tanto...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Curtas em atraso

1. Bruno Alves já bate livres. Ao menos assim bate em algo que não respira...

2. Fernando tem sido uma das grandes revelações deste início de temporada. Cheira-me que Pelé se transferiu do banco do Inter para o banco do Porto.

3. Os dois melhores jogadores deste início de temporada no Sporting têm sido Izmailov e Romagnoli. O russo, já se sabia, não podia jogar contra o Porto. Talvez para facilitar a vida ao adversário, Paulo Bento deixou também de fora o argentino.

4. O 442 clássico de Quique é tão errático que tanto dá para demonstrar força, como contra Sporting e Nápoles, como para sofrer até ao fim em Paços de Ferreira ou perder pontos estúpidos em Matosinhos. É capaz de ter a ver com o facto de a equipa, nesse sistema, não ser capaz de controlar os ritmos de jogo e de conceder muitos espaços entre linhas.

5. José Mota e o Leixões seguem em posição privilegiada no campeonato. Não tarda, começam a dizer que o homem percebe de bola.

6. Quando o Barcelona venceu o Sporting em Camp Nou, levantaram-se vozes dizendo que o Sporting fora esmagado por uma equipa em crise. Logo após esse jogo, o Barcelona espetou 6 ao Gijon. Este fim-de-semana deu mais 6 ao Atlético de Madrid. É uma crise um bocado esquisita...

7. Jaime Pacheco no Belenenses? Haja fé... Será Mior do que com Casimiro?

domingo, 5 de outubro de 2008

Fenix...

Há pouco mais de um ano, quando saiu pela "porta pequena" de Alvalade, poucos(nenhuns!?) eram aqueles que admitiam que Martins conseguisse inverter o rumo que a sua carreira estava a tomar.

Em Espanha, recuperou a confiança e a alegria de jogar, facto a que o Benfica não se mostrou indiferente. Veio ao "preço da chuva" e, neste momento, é dos elementos mais influentes do plantel benfiquista.

Aqui entra, de forma decisiva, o mérito de Quique. Admito que, apesar de o espanhol privilegiar uma táctica que não me agrada muito, guardo uma grande admiração por Flores. O discurso, a filosofia, a minuciosidade do seu trabalho, aliada à forma isenta como avalia os que trabalham consigo, faz com que consiga retirar o que de melhor tem os seus jogadores. E neles se incluem Martins. Para delírio da massa associativa do Benfica.

Martins foi, durante muito tempo, de alguma forma "punido" pelo talento e exuberância que demonstra em cada acção. Porque jogadores que demonstram, como ele, uma grande qualidade técnica aliada a uma boa dose de imprevisibilidade são muitas vezes associados, de forma unilateral, a uma parca disponibilidade para tarefas defensivas ou mesmo para se sacrificar em prol do "grupo". Nada mais errado. Uma coisa não implica a outra. Depois, foi-lhe associado as inúmeras lesões às "noitadas", aos excessos que todos os jogadores, ou quase todos, tinham, mas que só manifestavam os seus efeitos "colaterais" nele. Nem mesmo quando ele justificou, mais tarde, a causa das lesões, lhe foi permitido escapar a essa etiqueta de "puto irresponsável". Felizmente, para ele e para o Benfica, Quique não "emprenha" pelos ouvidos, analisa o desempenho dos atletas treino a treino, jogo a jogo.

Agradecem os adeptos do "Glorioso" e os adeptos do Bom Futebol. Obrigado.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A Entrega

É usual referir-se, a propósito da prestação de determinado jogador em determinado desafio, a sua entrega ao jogo. Muitas vezes, é até o critério usado para distinguir uma boa exibição de uma má exibição. Dois erros subjazem a tais apreciações: 1) o de achar que aquele jogador que demonstra maior disponibilidade física, que luta mais, que vai mais vezes ao choque, que procura remar contra a maré usando a agressividade, tem mais vontade de ganhar do que os restantes colegas e 2), por arrasto, imaginar que a entrega ao jogo se evidencia pelo empenho físico, pela presença no centro de jogo, pela discussão de todas as bolas.

Entregar-se ao jogo é tudo menos uma questão física. Pelo contrário, "dar o litro", usar todas as energias ao seu dispor para impedir o adversário directo de agir, correr mais que os colegas são, por norma, sinais de falta de entrega. Isto porque a "entrega" não é, ou não deveria ser, uma coisa física. O futebol, apesar de 99,9% dos jogadores, treinadores, comentadores e adeptos não o saberem, é um jogo essencialmente intelectual. Se há coisa, portanto, que um jogador deve entregar de si, é o intelecto. Entregar-se ao jogo significa ceder às exigências tácticas do treinador, ceder àquilo que se lhe pede; significa convencer-se das suas limitações e não as aceitar, jogando sempre, ainda que isso lhe seja complicado, de modo a melhorar-se. Por entrega entende-se então a predisposição para agir em conformidade com o que é contrário à sua natureza, com o que é contrário ao que é fácil de fazer. Um jogador que se entrega é aquele que arrisca sair a jogar quando o fácil seria dar um pontapé para a frente; é aquele que, apertado, tenta dominar a bola e pô-la junto à relva para dar seguimento à jogada; é aquele que tenta desarmar o mais lealmente possível pois, não recorrendo à falta, é obrigado a desenvolver outras competências; é aquele que está o mais possível concentrado, de modo a cumprir o melhor possível o seu papel; é aquele que procura a melhor solução, ainda que seja a mais difícil. Estes são os únicos que põem os interesses colectivos à frente dos seus. Aliviar quando não é estritamente necessário, apenas para se salvaguardar de um erro, jogar o mais longe possível para que um eventual erro não aconteça perto de si, cabecear para longe quando poderia dominar e jogar para o lado, correr feito maluco para desarmar um adversário sem ter atenção ao posicionamento dos colegas e de toda a sua equipa, desarmar com agressividade excessiva, correndo o risco de cometer faltas escusadas, jogar num companheiro que, embora tenha condições de receber a bola, vai ficar sem apoios, apenas porque essa era a sua opção mais fácil, são acções de quem não se entrega ao jogo.

Entregar-se ao jogo não tem nada a ver com transpirar, com quilómetros corridos ou com demonstrações de virilidade. Entregar-se ao jogo é aceitar os seus defeitos e procurar melhorá-los, é reconhecer que o futebol é um jogo complexo e que a simplicidade não leva a lado nenhum. Isto, para muita gente, será complicado de perceber, mas corresponde à mais pura das verdades. Muitas vezes, diz-se que os jogadores complicam o que é simples e que, quanto mais simples os processos, mais eficazes. Isso não é verdade. O futebol não é um jogo simples. É até muitíssimo complexo. Se há equipas cujos processos parecem simples, é porque os jogadores têm a capacidade de tornar o que é complexo em simples. Nada mais. O futebol é complexo e exige muito do intelecto dos jogadores. Aqueles que mais se entregam são aqueles que procuram não simplificar as coisas, só porque lhes é mais fácil. Muitas vezes, estes jogadores são acusados de inventar, de não jogarem simples e até de falta de vontade. Isto é errado. Não raro, estes jogadores têm uma consciência mais apurada que todos os outros e sabem que, em certas situações, é preciso inventar, é preciso complicar, ainda que, a título individual, isso possa trazer-lhes complicações. Ao colocarem os interesses colectivos à frente dos seus, arriscam-se a serem condenados pela percepção errada que os outros têm das coisas.

Resumindo, a entrega ao jogo, esse mito urbano, é algo que só faz sentido a nível intelectual. Aqueles jogadores que referem, no final dos jogos, que apesar de não terem ganho, deram tudo o que tinham, raramente estão correctos. Dar tudo o que se tem não é dar toda a disponibilidade física que possuem, não é despender todas as energias ao seu dispor; é, isso sim, fazê-lo de uma maneira correcta, pensando sempre se cada pingo de suor está a ser empregue de forma inteligente e pensando sempre que, por mais difícil e custosa que seja cada acção, se deve tentar ser capaz de coisas cada vez mais difíceis. Entregar-se ao jogo tem, pois, muito pouco a ver com aquilo que Liedson ou Bynia fazem, só para dar alguns exemplos. Aqueles que mais se entregam são, normalmente, muito mais discretos do ponto de vista da agressividade. Mas o povo quer é empenho físico, quer é choques em contramão, quer é sangue, suor e lágrimas. É compreensível: afinal, se uma divindade descesse ao mundo dos homens, facilmente passaria por intrujão. A bitola do povo, por norma, está ao nível das suas competências intelectuais. Pedir a um público essencialmente analfabeto para ver num jogo mais do que aquilo que o seu intelecto estaria disposto a dar, caso fossem jogadores, seria como pedir a São Francisco de Assis que se tornasse materialista.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Brolin

"O poeta é igual ao príncipe das nuvens
que se ri do arqueiro e afronta a tempestade;
exilado na terra e no meio dos apupos,
as asas de gigante impedem-no de andar."

Charles Baudelaire, "O Albatroz"

Este poderia ser um texto sobre a carreira de um grande jogador, uma homenagem aos êxitos de um dos maiores jogadores da sua geração e uma forma de recordar, com prazer, o futebol alegre de Tomas Brolin. Não será nada disso. O que Maradona disse dele ilustra quase tudo o que ele foi: "um sueco com habilidade sul-americana. Pena foi que se tivesse lesionado e não tenha podido dar tudo o que tinha". Com efeito, Brolin foi uma aberração, um nórdico com pés e imaginação de sul-americano que foi uma lufada de ar fresco no seu país, que encantou o mundo do futebol até ao momento em que partiu a perna. Para muitos, esta lesão afastou-o do trilho certo e foi a principal responsável pelo seu declínio enquanto jogador. Não concordo com isto. Voltei a vê-lo jogar depois disso e ainda havia nele a antiga chama de campeão. O problema terá sido mais mental que físico.

Quem se lembra dele, lembra-se de alegria, de fantasia, de pura habilidade e, sobretudo, de uma paixão avassaladora por este desporto. Brolin não era só mais um jogador talentoso; era muito mais que isso. Ainda assim, o seu talento foi ímpar naquele país, não obstante Henrik Larsson ter sido eleito, há poucos anos, o melhor jogador sueco de todos os tempos. Aliás, lembrar que Larsson ficará na História à frente de Brolin é até a maneira mais adequada de iniciar um texto sobre o prodígio nórdico. É que, se há alguém a quem o futebol traiu, esse alguém é Tomas Brolin. Larsson é apenas dois anos mais novo que Brolin e jogou na mesma altura que ele, sem nunca atingir o patamar de excelência do primeiro. Compará-los, além de ser impossível, pois o talento de um foi inegavelmente superior ao do outro, chega até a ser sacrílego.

Disse que Brolin não foi apenas um jogador porque tinha, como poucos, uma paixão enorme pelo jogo. Isso via-se na forma alegre, jovial, pueril e desinibida com que jogava. Nenhum sueco para além dele - arrisco dizê-lo - manifestou tamanha alegria a jogar futebol. Os seus dribles, a facilidade de passe, a magia, a classe, foram únicos. Chegou a ser eleito o quarto melhor jogador de 1994 e, depois do brilhante Mundial de 94, o Barcelona pensou recrutá-lo. Tal não aconteceu e a carreira de Brolin teria uma viragem abrupta. Vítima de um desporto aviltante, da incompetência de treinadores e da estupidez vigente, Brolin não voltaria a ser o mesmo. O seu futebol, para sobreviver, precisava de se alimentar daquela paixão que sempre manifestara - essa era a sua motivação. E foi isso que Brolin perdeu.

Ao ingressar no Leeds United, Brolin encontrou um futebol onde o músculo se sobrepõe à técnica, onde o jogo estava castrado e era apenas um pretexto para medir capacidades atléticas. Em Inglaterra, a magia, a paixão, o prazer não existiam. O futebol, e tudo o que o envolvia, era em terras de Sua Majestade uma luta, um confronto, e não um jogo. Se Brolin quisesse evidenciar-se pelo seu poderio físico, teria sido pugilista. Se escolheu o futebol, foi porque o futebol é muito mais do que uma desculpa para se pôr em combate dois pares de hormonas. Em Inglaterra, encontrou uma cultura primitiva, bárbara no sentido lato de bárbaro, uma cultura para quem o futebol servia de estímulo a um espírito animalesco. Em Inglaterra, não se jogava futebol; mediam-se vontades, músculos e graus de irracionalidade. Sendo o futebol, para Brolin, precisamente o oposto, depressa se tornou desnecessário. A desmotivação foi causa e consequência do pouco uso que passou a ter. Ao mesmo tempo que ia deixando de ser opção, ia perdendo o amor que tinha ao jogo. A inteligência, a classe, e o prazer abandonaram-no, mas apenas porque o futebol, como ele o via, o abandonara primeiro.

Aos 28 anos, após mais alguns anos de pouca valia, agastado com a relação com o jogo, Brolin decidiu desistir. Não desistiu, como tantos outros, porque uma lesão o tinha incapacitado, mas sim porque o futebol o tinha enganado. Tornara-se de tal forma inteligente, de tal forma diferente daquilo que a esmagadora maioria que anda no futebol é, que não era compreendido. Sem capacidade para contrariar a incompreensão de que foi vítima, refém num mundo mesquinho, pequeno, desambicioso e estúpido, não tinha outra saída. Foi perdendo a paixão pelo jogo de forma gradual até que ela se extinguiu por completo. A 12 de Agosto de 1998, tornou oficial a decisão. Eis o canto do cisne:

"Estou aqui para dizer se vou ou não continuar a jogar futebol. Decidi desistir. Já andava a pensar desistir há muito tempo; pensava em desistir antes de assinar pelo Crystal Palace, mas eles convenceram-me a não o fazer. Estou muito contente por o Crystal Palace me ter dado a oportunidade de jogar futebol. Mas, depois da época terminar, estava ainda mais convencido a desistir. Gostaria de permanecer no Crystal Palace, mas não tinha qualquer motivação. Tentei assistir a alguns jogos do Campeonato do Mundo de França, mas não ajudou. Preferia, em vez disso, jogar golfe. Não tenho motivação para continuar a este nível."

Este foi, pois, muito mais que um texto de homenagem, um lamento. O futebol, infelizmente, continua a ser um desporto preferencialmente para selvagens e para bestas. Em futebol, ser civilizado, possuir uma inteligência acima da média, ser cordato, educado, puro, não é importante. E não o é porque, salvo raras excepções, é um desporto de gente sem escrúpulos, para incultos, para fanáticos, para cobardes, para hipócritas, um desporto que serve para libertar o ser irracional que há dentro de cada um. Dificilmente os génios teriam lugar no meio de tanto lixo...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Coragem...

"Não é obrigatório que só por ver como as características da equipa não favorecerem uma cultura de posse (indo assim passar a maior parte do jogo sem bola) que o treinador deva optar logo por um jogo mais directo, abdicando do que seria o seu modelo, afinal as ideias de jogo que considera a melhor forma de jogar bom futebol."

Luis Freitas Lobo, in "Porque «jogar bem» é específico".


Da mesma maneira que não é fácil educar bem uma criança, colocar uma equipa a jogar futebol de qualidade é uma tarefa que envolve alguma complexidade. Requer tempo, perseverança, disciplina, metodologia, discernimento e coragem, muita coragem. A coragem necessária para impor o modelo que preconizamos, assim como a interpretação do mesmo.

Para alguém que nunca andou em nenhum dos dois, será sempre mais complicado conduzir bem um automóvel que uma parelha de cavalos; no entanto, os benefícios de optar pelo primeiro sobre o segundo (salvo raras excepções) é evidente .

Não é fácil impor um modelo que, por ser mais exigente, vai encontrar mais resistência por parte de uma significativa fatia dos jogadores. Aqui importa realçar a concepção de "exigente": normalmente, quando se fala em exigência e entrega, pondera-se apenas factores físicos, coisa de que discordo totalmente. A exigência não se pode resumir a esforço físico, como se de um cavalo de corrida se tratasse. A exigência terá de passar por uma interpretação correcta, de cada jogador, do que o modelo de jogo escolhido requer. Ou seja, é importante que da parte dos jogadores haja disponibilidade intelectual para compreender o modelo de jogo.

Assim, quanto mais exigente for o nosso modelo, maior será a resistência encontrada pelo treinador. A verdade é esta: é muito mais fácil optar por um estilo directo, que separe sectores, que parta o jogo em dois momentos, que escolha a marcação individual etc., do que escolher um modelo de jogo que, apesar de lhe permitir ser mais forte como equipa, vai dar mais trabalho a criar automatismos.

Uma filosofia de jogo que passe por ter um bom jogo posicional, com uma boa posse e circulação de bola, com as transições defesa/ataque e ataque/defesa bem definidas, que defenda à zona, etc., é algo que requer algum tempo até se atingir os objectivos que se pretendem. Todavia, um modelo desta natureza apresenta um potencial e uma capacidade evolutiva que um modelo como o que foi citado anteriormente não possui. E isto está relacionado com a exigência que um e outro apresentam.

E aqui a obrigação do treinador passa por arranjar estímulos para que os seus "pupilos" interpretem bem o que lhes é pedido. A partir de situações que lhes facilitem a compreensão de todas as virtudes do modelo proposto pelo seu técnico, os jogadores terão de compreender que, apesar de mais exigente, aquela filosofia é a melhor. E não o contrário. Ou seja, não é admissível que a incapacidade inicial de uma parte (seja ela grande ou não) do plantel obrigue o treinador a optar por um modelo mais "pobre", só porque este é mais fácil de interiorizar. Até porque esta opção acaba por ser penalizadora para os jogadores que demonstram competência para colocar o modelo de jogo pretendido em acção. O nivelamento quer-se por cima, nunca por baixo.

A competência de um treinador terá de compreender, sempre, vários elementos: astúcia táctica, capacidade de análise do jogo e dos próprios jogadores, liderança, metodologia de treino, disciplina, carácter e coragem. Mais uma vez, coragem. Coragem para não ser apenas mais um, coragem para não se vender, para não cair no erro de ser mais uma "puta" no futebol, procurando os resultados no imediato a qualquer custo. Porque o futebol, a evolução do mesmo, merece melhor.

domingo, 14 de setembro de 2008

Certezas...(11)

Agora que se extinguiu a euforia inicial, depois de todas as patetices ditas, após um drible mais vistoso, após se negligenciar o que o realmente o distingue de tantos outros, ele começa a aparecer. Tímido nos modos, mas exuberante no seu jogo, joga com todo o tempo do mundo, porque já decidiu(quase sempre bem!) num segundo, o que outros, com o dobro do tamanho, nem com todo o tempo do mundo compreendem.

Corpo de miúdo, mas joga, corre, recupera, pensa e executa como poucos homens. Este, realmente, não engana. Se o quiserem encontrar, é só procurar pelo... Rabiu

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Subir a marcar

Soube deste conceito e ainda hoje ando a pensar nele: subir a marcar! A ideia é fazer com que a equipa suba no terreno de jogo, ou seja, em posse de bola, sempre com as referências de marcação por perto. Pressupõe então que, enquanto os avançados se divertem à procura da bola que foi pontapeada de qualquer maneira para a frente, os defesas e os médios encurtem o espaço e subam no terreno acompanhando os adversários directos, que devem marcar em todo o campo. O energúmeno que disse isto é treinador. Gritou-o para dentro de campo, exigindo aos seus jogadores que cumprissem esse desígnio. "Subam a marcar!" - disse, com toda a convicção. Subir a marcar é, sem dúvida alguma, um conceito espectacular. Numa equipa que jogue com este conceito em mente, um jogador que se desmarque está obrigatoriamente a infringi-lo. Numa equipa assim, não há desmarcações. O que é imperativo é que nunca se largue o adversário, mesmo quando a equipa tem a posse de bola, mesmo quando está a subir no terreno. Isto é fabuloso. Uma equipa assim não é formada por jogadores, mas por sombras; os jogadores são parasitas e o seu único jogo advém do erro do adversário. Numa equipa assim, os jogadores têm meio toque para chutar para onde estiverem virados. As suas acções, defensivas e ofensivas, resumem-se a maltratar a bola e a fazerem de autocolante. Subir a marcar é mesmo um conceito fascinante. Haver treinadores assim é dos maiores atentados que me lembro ao progresso da humanidade. Jaime Pacheco continua a fazer escola...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sondagens (8)

À pergunta "Quem vai ser o campeão nacional 2008/2009?" responderam 24 pessoas. O Sporting, talvez fruto da evolução sustentada do plantel, obteve tantos votos quantos o Porto, ou seja, 9. O Benfica obteve 6 votos, o que revela que as expectativas, para boa parte das pessoas, estão em baixo. Entretanto, o campeonato começou e a tendência parece inclinar-se nesse sentido. Apesar de tudo, a votação equilibrada evidencia a opinião geral de que este campeonato será bem mais competitivo do que o anterior e que, à partida, não há uma equipa mais preparada que outra. O Benfica parece partir mais atrás, também fruto da revolução que o plantel e o modo de trabalhar sofreram. Na supertaça, o Sporting voltou a mostrar que é o mais forte em duelos entre rivais, mas o campeonato ganha-se contra os pequenos e durante 30 jogos. Nesse particular, cresce em mim a curiosidade de ver em acção, durante uma prova de regularidade, 3 sistemas bastante distintos e potenciados quase ao máximo (Jesualdo, Paulo Bento e Quique são treinadores competentes, dentro daquilo que defendem). Mais do que o confronto entre emblemas, este campeonato vai também ser, portanto, um confronto de ideologias. E, neste nosso campeonatozinho, poder-se-ão tirar boas ilações quanto à utilidade das mesmas em provas de resistência e regularidade.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Criatividade e acaso...

"Nenhuma outra actividade é tão continuamente e universalmente influenciada pelo acaso. E por intermédio do acaso, o acidental e a sorte desempenham um papel da maior importância na guerra." (in Clausewitz, On War, Liv.1, Cap.1, p.85)

Não direi que Clausewitz tenha sido o primeiro pensador estratégico a conferir ao acaso e à incerteza a devida importância. No entanto, podemos afirmar que ele conseguiu com enorme discernimento perceber a importância das vertentes não-lineares que caracterizam os sistemas complexos, como é o caso da doutrina a que ele se entregou (a guerra), mas que se pode a aplicar a outros exemplos que terão mais afinidade com esse objecto do que se poderia julgar à partida (pelo menos, para alguns).

E é a partir da sua interpretação da arte da guerra, e das variantes que a condicionam, que vamos defender à importância dos factores intelectuais na abordagem ao processo de combate, ficando ao nosso encargo a analogia com o futebol.

"A arte da guerra lida com forças vivas e morais. Por consequência, nunca pode atingir o absoluto, ou a certeza; restará sempre uma margem para a incerteza, tanto nas coisas grandes como nas mais pequenas"
(in Clausewitz, On War, Liv.1, Cap.1, p.86)


A constante evolução no futebol, mormente no que toca a factores relacionados com as abordagens feitas ao jogo pelos mais variados técnicos, tem como objectivo o maior controlo possível sobre as inúmeras variáveis que compõem um jogo de futebol. Procura-se “fabricar” um ambiente que seja familiar à equipa e que vá de encontro a um formato que lhes permita retirar o máximo rendimento possível das características da mesma.

Através das mais avançadas metodologias e abordagens ao jogo, juntamente com uma vasta panóplia de informações, poderemos conceber um quadro de previsões e expectativas bem conseguido. Todavia, estamos sempre sujeitos aos caprichos do acaso e da incerteza. Ralf Dahrendorf definiu esta tentativa de controlar algo tão complexo, neste caso um jogo de futebol, como "uma marcha activa para o desconhecido".

Ter a consciência das nossas características, das nossas qualidades e dos nossos defeitos, relacioná-las com as características dos nossos adversários, para conseguirmos reproduzir da forma mais fiel possível o cenário em que irá decorrer o jogo, é uma das chaves para o sucesso de uma equipa. A partir daqui, poderemos trabalhar, com base nas probabilidades que esse cenários nos concedem, a melhor maneira de nos impormos ao adversário. Atenção, não quero dizer com isto que vamos abdicar do nosso modelo de jogo; é precisamente o oposto, pretende-se criar condições para que seja mais fácil implementar a nossa ideia de jogo.

Acções recíprocas a vários níveis, quer entre colegas de equipa, quer entre adversários, tornam complicado controlar o embate entre adversários. Por muito "apurados" que sejam os nossos princípios de jogo e apesar da importância dos mesmos para implementação da nossa filosofia e organização, estes são insuficientes para dar resposta ou compreender as situações que surgem pela fricção entre duas forças antagónicas. Ou seja, a estratégia delineada para cada jogo não passa de um ideal que se pretende. Como tal, dificilmente os moldes desejados se proporcionarão como pretendemos.

A vulnerabilidade de um jogo de futebol a perturbações causadas por pequenos incidentes, leva a que as equipas sejam constantemente colocadas perante situações de conhecimento imperfeito, ou seja, situações em que o trabalho desenvolvido nos "bastidores" não as pode prever ou trabalhar.

Clausewitz defendia que na guerra, apesar de toda a táctica e estratégia implícita na execução da mesma, existe um sem-número de situações que leva a um conhecimento imperfeito da situação.

"..., é porque o acto de guerra não é um puro cálculo matemático, mas uma actividade actividade conduzida no seio das trevas, ou quando muito numa fraca penumbra..."
(in Clausewitz, On War, Liv.VII, Cap.XV, P.665)

A única maneira de escaparmos à incognoscibilidade do futuro estará no “coup d’oeil”, ou seja, na capacidade de descobrir num labirinto de incertezas a solução que, apesar de ser a melhor, e mais eficaz, nem sempre é visível aos olhos de todos. Um futebolista, muitas vezes, encontra-se na mesma situação.


É neste ponto que encontramos a importância de contar com jogadores de grande criatividade, pois são estes que mais facilmente conseguem tirar partido do improviso. É a criatividade que melhor resposta consegue dar aos problemas imprevisíveis. No entanto, temos tendência para confundir criatividade com números de circo, o que leva a que consideremos jogadores sem qualquer tipo de engenho como criativos.

Criatividade nem sempre é sinónimo de uma grande qualidade técnica, aliás, um jogador por não ser tão evoluído tecnicamente até poderá ser mais criativo devido a esse handicap: a necessidade de contornar os problemas que vão surgindo, com algo que não seja a capacidade técnica, ou atributos físicos, impõe que estes jogadores sejam obrigados a encontrar mais soluções do que as que estão ao alcance de todos os outros. Obviamente que isto não se aplica a todos os jogadores que são limitados tecnicamente, ou seja, só por serem limitados tecnicamente não vão ser criativos, mas os jogadores que possuam um pensamento divergente, facilmente encontrarão nesta dificuldade intrínseca uma fonte de estimulo à sua criatividade.

Mas o que é a criatividade num jogador de futebol? Como a reconhecemos? Será que apenas os jogadores que ocupem posições mais ofensivas poderão ser denominados como tal? Eu estou completamente em desacordo com este sofisma. Criatividade não é uma característica exclusiva de uma função, ou de uma fracção do nosso jogar. Não tem de ser obrigatoriamente exuberante. Às vezes a maneira mais criativa é a mais discreta. Por exemplo, muitas vezes um passe que só é simples depois de ter sido executado é muito mais engenhoso que um passe de 40 metros. Temos tendência para dar mais ênfase a este último exemplo porque resulta de situações mais vistosas, mesmo que destas nem sempre venham mais benefícios do que situações em que os resultados não são tão instantâneos como aqueles, da mesma forma como se corta uma linha de passe, ou se desarma um adversário. Em muitos casos, os jogadores têm de recorrer a soluções criativas para resolver situações em que se encontram perante imprevisibilidades e para as quais, como tal, não poderiam estar preparados. O mesmo se aplica a dribles vistosos, mas que no entanto são "pré-fabricados", não é o acaso que leva a que os utilizemos, mas somos nós que conduzimos o jogo de forma a utilizá-los. Estas acções são engraçadas, excelentes para o ego; todavia, são menos úteis que os dribles que, apesar de aparentemente mais simples, são mais complicados, pois surgem como uma forma de contornar um problema inesperado e, como tal, os jogadores não dispuseram de tempo/espaço para preparar a sua execução. E a criatividade, apesar de se manifestar de forma individual, deve ser utilizada em prol do colectivo, não para beneficio próprio e efémero, colocando em risco a estratégia do colectivo. Não! Deve ser utilizada para se conseguir exactamente o oposto. Por outras palavras, deve utilizar-se este atributo como uma arma para contornar todos os problemas que inviabilizem a estratégia do nosso grupo. Isto sim, é criatividade.


Guilford e Godefroid definem a criatividade como algo que se sustenta em três aspectos essenciais: a fluidez, que permite ao criador encontrar um grande número de soluções, onde a maior parte dos jogadores só encontra algumas; a flexibilidade, que permite vislumbrar várias perspectivas sobre os problemas em questão; e a originalidade, que se caracteriza pela pela descoberta de novas formas de resolução para os vários problemas e situações.

Como é óbvio, a convivência com este tipo de jogadores não é fácil, pois estes são mais resistentes aos valores de grupo, se por acaso estes não coadunam com os deles, e dão preferência a soluções mais estéticas do que os jogadores comuns, o que por vezes poderá colocar em causa a eficácia das suas acções. Porém, não nos devemos sentir intimidados com este tipo de personalidades, antes pelo contrário; devemos perceber o estímulo que advém da necessidade de conseguir que este tipo de jogadores se identifique com o nosso modelo de jogo.

Para concluir, deixo-vos aqui uma lista de "crenças" que, na minha opinião, são equívocas, assim como uma lista de jogadores que se apresentam como criativos sem, no entanto, o serem e vice-versa:
- O jogador criativo só pode manifestar a sua criatividade na posse da bola.
- O jogador criativo terá de ser obrigatoriamente evoluído tecnicamente.
- O jogador criativo é, necessariamente, individualista.
- Confunde-se com um criativo qualquer jogador que seja forte no 1x1, apesar de muitos destes jogadores não oferecerem nenhuma solução para além do drible.

Jogadores Pseudo-Criativos: Cristiano Ronaldo, Vieirinha, Dominguez, Anderson, Bruno Gama, Denílson.

Jogadores Realmente Criativos: Farnerud, Mikel, Romagnoli, Aimar, Carlos Martins, Nuno Assis, Ricardo Carvalho, Delfim.

Está aberto o debate.