domingo, 31 de maio de 2009

Uma Época de Sonho em 4 Capítulos

1. Os Resultados Impressionantes

6-2 ao Real Madrid, 3-0 e 4-0 ao Sevilla, 4-1 e 6-0 ao Málaga, 4-1 ao Numancia, 5-0 ao Deportivo, 4-0 ao Valencia, 6-0 ao Valladolid, 5-0 ao Almeria, 6-1 ao Atlético de Madrid e 6-1 Sporting Gijon. Foram estas as goleadas do Barcelona na Liga Espanhola. Já nem vou falar do Sporting, do Basileia, do Lyon ou do Bayern de Munique, para a Liga dos Campeões. Só no campeonato, foram 12. Das 8 primeiras equipas da Liga Espanhola, só o Villareal se pode gabar de não ter sido goleado pelo campeão. É obra. Johan Cruyff, no seu artigo desta semana, dedica o último ponto da crónica àqueles que precisavam de que este Barcelona ganhasse tudo para acreditarem naquilo que esta equipa propunha. Diz ele o seguinte:

Escribí que no hacía falta ganar esta final para creer en este equipo, para confiar en su propuesta, para elogiar su temporada. No mentí. Pero, para aquellos que solo creen en el resultadismo, en la victoria, este sonoro triunfo, es más necesario que para mi.

Ora bem, a evidência destes resultados esmagadores é também para esses resultadistas, para os quais não bastava que a equipa jogasse o melhor futebol de que há memória. Muito antes da conquista de todos estes títulos e muito antes de haver possibilidade de perceber o quão longe este Barcelona iria na Liga dos Campeões, já o Entre Dez fazia questão de apoiar incondicionalmente a proposta de Guardiola. Para nós, era evidente que este Barcelona não era só mais uma equipa a jogar bem. O que esta equipa propunha era uma revolução no próprio jogo. E essa revolução era precisamente a revolução que o Entre Dez, desde sempre, procurou propor. Daí a afinidade imediata com esta equipa e com este jogar.

2. A Revolução Teórica e o Salto Evolutivo

É exactamente por causa disto que acho que a grande maioria dos que agora aplaudem o Barcelona o fazem apenas por causa dos resultados. É que estes não percebem o quão diferente é o que representa esta equipa. Não se trata só de um conjunto a jogar bonito e a ganhar; não é só um estilo diferente do habitual. É uma lição teórica sobre o jogo. Já tive oportunidade de dissertar sobre isto noutro espaço, mas impõe-se, por esta altura, a repetição de algumas dessas ideias. O Barcelona não é só uma equipa que dá preferência a um pressing alto ou ao passe curto ou ao jogo posicional. É também a própria anulação de predicados ancestrais, a refutação de alguns dos mais antigos dogmas do jogo. É sobre esses dogmas que, de seguida, falarei. 1) Desde sempre se acreditou que qualquer nesga para chutar deveria ser aproveitada e que uma tentativa de alvejar a baliza adversária era sempre de elogiar. O Barcelona de Guardiola vem dizer que não e o próprio treinador disse mesmo que preferia que os seus jogadores, mesmo dentro da área, trocassem a bola até se encontrarem em condições perfeitas para executar o remate. Daí vermos tantas vezes a equipa a entrar pela baliza a dentro em tabelas. Ao contrário, portanto, dessa máxima antiga, defende o Barcelona que o remate deve apenas ser executado em condições ideais. 2) Não serão, também, poucos os treinadores que pedem aos seus laterais para dar preferência a bolas em profundidade ou a lançamentos verticais. Raríssimos são os exemplos de equipas em que a primeira opção do lateral é jogar no meio. Isto porque se achou, desde sempre, que um lateral optar por vir para o meio era muito arriscado e que mais valia jogar pelo seguro assistindo o extremo do seu lado ou jogando comprido. O Barcelona de Guardiola diz que não. O verdadeiro futebol faz-se de riscos e jogar no meio, quando a bola está na linha, é a opção mais adequada para evitar o pressing adversário e manter a posse de bola. 3) Há também quem defenda que só se deve sair a jogar quando é possível sair a jogar. O Barcelona diz que não. Sai-se sempre a jogar, quer o adversário não pressione, quer pressione alto. 4) Um dos maiores dogmas do jogo é aquele que defende que a equipa deve ser sempre objectiva, isto é, deve procurar sempre evoluir com um objectivo delineado. Por outras palavras, atacar pressuporá sempre uma ideia de progressão e jogar para trás só é opção quando em caso de aperto. Este Barcelona diz que isso não é assim. A falta de objectividade em diversas fases de construção do jogo da equipa chega a ser constragedora. Mas isto é a própria essência deste modelo. Antes de privilegiar essa ideia de progressão, essa objectividade, este Barcelona troca inconsequentemente a bola, porque percebe que a objectividade, quando excessiva, se transforma em previsibilidade.

Por tudo isto, esta equipa representa um salto evolutivo no jogo. É um daqueles marcos na evolução das coisas que a História recordará e que modificará tudo o que vier a seguir. Tudo o que se seguir, a partir de agora, terá de ter em conta a imponência demonstrada pela equipa de Guardiola. Qualquer que seja o caminho deste jogo, será em função do que se passou esta época. Quer apareçam cópias do modelo, quer apareçam equipas a aperfeiçoar formas de contrariar o modelo, tudo será feito com este Barcelona em mente. O impacto desta equipa foi demasiado grande para, pura e simplesmente, ser ignorado. Como diz ainda Cruyff, se houve coisa que o Barcelona deixou bem claro foi que é possível ganhar jogando bonito e dando espectáculo:

Este Barça, y de ello me alegro, ha impuesto un estilo de juego que ha provocado millones de elogios en todos los rincones del mundo. Y ha escrito, con letras grandes y de oro, el mensaje de texto más difundido del 2009: se puede ganar jugando bonito, dando espectáculo. Copien esta propuesta. Si se atreven.

3. O Resto do Mundo, a Incompreensão e o Medo

Antes de terminar, gostaria de deixar, também eu, uma pequena referência àqueles que necessitaram de que o Barcelona ganhasse tudo para aceitarem a sua qualidade. No dia da segunda mão da meia-final contra o Chelsea, antes da partida, o Gonçalo previa que o encontro daquela noite ia ser o Barcelona e o Entre Dez contra o resto do mundo. Na altura, achei exagerado, até porque não eram poucos os que, já então, torciam pela vitória do Barcelona. Mas a verdade é que isso não andou muito longe da verdade. Um jogo menos bom, pontuado por uma passagem à final bastante polémica, foi o suficiente para que metade do mundo esquecesse uma época inteira de estrondosas revoluções. Era o sintoma evidente de que o futebol do Barça, ainda que apreciado, não era compreendido. Para muitos, era o sinal de que aquela equipa e aquele modo de jogar não eram assim tão eficazes. Como prognosticara o Gonçalo, o resto do mundo, à mínima falha, aproveitaria para papaguear sobre as supostas lacunas de tal projecto.

Tal comportamento denota claramente uma incerteza quanto à proposta desta equipa. A meu ver, essa incerteza é resultado de uma óbvia incompreensão do que é este Barcelona. O "resto do mundo" é capaz de apreciar o futebol catalão porque tem a capacidade de identificar nele uma componente estética interessante. Mas não consegue compreender de onde vem essa componente, por que razões joga a equipa como joga. Não percebendo isto, só poderia aplaudir essa qualidade quando a ela se sobrepusessem resultados positivos. Como se não bastasse tudo o que estava para trás. O Barcelona esteve em campo contra o resto do mundo, porque era contra o resto do mundo, contra aquilo em que o resto do mundo acreditava e contra a incompreensão do resto do mundo, que esta filosofia de jogo se debatia. E debateu-se até ao fim. E venceu. E agora nem os resultados podem servir de argumentação aos que não a compreendem.

As manifestações contra a passagem do Barcelona à final, além de incrivelmente absurdas, são resultado dessa incompreensão. A azia exagerada que se desnovelou após esse desafio, ilustrada por um comportamento panfletário e arrivista que teve o seu ponto culminante na total falta de ética profissional com que a própria Sporttv lidou com o assunto, optando por não transmitir os dois jogos seguintes da equipa blaugrana, um deles a final da Taça do Rei (uma das mais aliciantes das últimas décadas), foi uma coisa impressionante. Por trás de todo o barulho que se fez, de toda a campanha nazi, está um fundo irracional que importa expor. A voz colectiva que gritava contra a injustiça não gritava contra a injustiça, apesar de pensar que era isso que fazia. Gritava contra a incompreensão. Aqueles que não compreendem determinada coisa têm tendência a desvalorizá-la, de forma a sentirem-se confortáveis consigo mesmos. Só assim conseguem conviver com aquilo que não compreendem. Maior parte das pessoas tem de se defender do irracional, do que não compreende. Este Barcelona produzia uma coisa tão perfeita que os adeptos de futebol tendiam a desconfiar dela. E preferiam apoiar os que não eram capazes de fazer aquilo só para que "aquilo" não saísse vencedor e os deixasse à mercê da sua própria incompreensão e da sua própria pequenez. Olhar na direcção do Barcelona, para muita gente, é um olhar de impotência, um olhar de formiga. E as pessoas, nos tempos que correm, gostam de se imaginar senhoras de si mesmas, racionais, capazes de conduzir a sua vida e de tomar as suas decisões independentemente dos caprichos do destino. Para estes, considerar possível a existência de algo que não compreendiam constituía uma submissão ao desconhecido, ao imprevisível, ao incontrolável. Era por isso que preferiam que o "monstro" fosse eliminado e extinto. As reacções hiperbólicas daqueles que não conseguiram ver que o Barcelona, no conjunto das duas mãos, foi muito mais equipa que o Chelsea e que não foi mais beneficiado do que prejudicado foram reacções de medo, de incompreensão e de mesquinhez. Foi a alma tacanha, miudinha, que prefere ficar do lado dos coitadinhos a compreender os génios, e que define as suas preferências por um ideal anti-darwinista de aproximação progressiva dos mais fracos aos mais fortes. Esses não gostam verdadeiramente de futebol; gostam é que o futebol reproduza o seu ideal marxista de vida, segundo o qual as oportunidades devem ser repartidas por todos, sem olhar a méritos.

Ainda hoje, depois de o Barcelona ter ganho tudo, depois de se ter sagrado a primeira equipa espanhola a ganhar, no mesmo ano, o Campeonato, a Taça do Rei e a Liga dos Campeões, e sobretudo depois de ter ganho tudo isto da maneira categórica como o ganhou, há quem tenha ainda o atrevimento de não reconhecer especial valor a esta equipa. Serão certamente poucos, é verdade, mas serão estes poucos assim tão diferentes daqueles que, embora reconheçam a esta equipa todo o mérito, depressa modificariam a sua opinião caso os resultados tivessem sido outros? O ponto de convergência destes dois tipos de pessoas é precisamente o não compreenderem de onde vem o valor desta equipa e desta proposta. Todo aquele que não achou necessário destacar o tremendo êxito desportivo desta equipa nesta temporada, todo aquele que imagina que a virtude dos catalães residiu no conjunto de jogadores à disposição do treinador, todo aquele que imagina que a força desta equipa se esgota na perfeita comunhão entre as individualidades e o projecto colectivo, todo aquele que, no fundo, não percebe o carácter revolucionário intrínseco a este modelo de jogo, não pode compreender tudo o que significou esta época. Estes não aplaudiram o Barcelona; aplaudiram os resultados do Barcelona. E são precisamente estes os mesmos que, à primeira escorregadela, estarão na fila da frente para caluniar o que antes tão hipocritamente louvaram. O Entre Dez, pelas razões apresentadas, exclui-se automaticamente e desde logo deste grupo singular.

4. Uma Ideologia Controversa em Sintonia com uma Época de Sonho

O Entre Dez não nega o prazer que estas conquistas causaram. É possível até confessar que o regozijo subsequente terá suplantado qualquer outro sentimento até hoje motivado por este desporto. Afinal, trata-se de uma confirmação; trata-se de ter passado a existir uma coisa palpável e de eficácia irrefutável com a qual este projecto se pode identificar plenamente. Esta, mais do que uma vitória emocional, como são todas as vitórias dos adeptos, foi uma vitória ideológica. As ideias controversas deste espaço passam agora a ter um representante real, e um representante que não só deixou boquiaberto o mundo, como ganhou tudo o que poderia ganhar, sem espinhas, de modo a impossibilitar contra-argumentações falaciosas. As vitórias são do Barcelona, dos jogadores do Barcelona e do treinador do Barcelona. Mas essas vitórias, por estarem em absoluta sintonia com aquilo que se defendeu, desde sempre, neste espaço, e que tanta confusão fez a tanta gente, são também vitórias do Entre Dez.

Para finalizar, na brevidade possível, fica um pequeno resumo daquilo que importa reter neste texto e daquilo que, no fundo, é o verdadeiro legado deste Barcelona para a posteridade.

Três provas em disputa; três títulos. A melhor equipa espanhola e a melhor equipa europeia... Em exibições e em títulos. Vencer tudo, vencer tudo jogando sempre bem, vencer tudo marcando 105 golos no campeonato, vencer tudo perfazendo 12 goleadas em 38 jogos no campeonato (quase um terço dos jogos), vencer tudo a cilindrar os adversários mais directos, vencer tudo passando a fase de grupos, os oitavos-de-final e os quartos-de-final da Liga dos Campeões com goleadas atrás de goleadas, vencer tudo jogando a final da Taça do Rei e a final da Liga dos Campeões com uma perna atrás das costas e em ritmo de passeio... Não poderia ser mais categórico. Dificilmente, aliás, terá havido outra equipa na História do jogo que tenha feito uma época tão categórica. 2008/2009 ficará para sempre na História do Futebol. Por tudo isto, foi uma época de sonho para o Futebol, para o Barcelona e, claro, muito particularmente, para o Entre Dez.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O que é isto???

Chama-se jogar à bola...

terça-feira, 26 de maio de 2009

David e Golias

"[...] Saiu do acampamento dos filisteus um guerreiro chamado Golias, de Gat, cuja estatura era de seis côncavos e um palmo. Cobria-lhe a cabeça um capacete de bronze, e o corpo, uma couraça de escamas, cujo peso era de cinco mil siclos de bronze. Tinha perneiras de bronze, e um escudo de bronze defendia os seus ombros. O cabo da lança era como um cilindro de tear, e a ponta pesava seiscentos siclos de ferro. Precedia-o um escudeiro. Apresentou-se diante dos filhos de Israel e gritou-lhes: «Por que é que vos colocastes em ordem de batalha? Não sou eu filisteu e vós servos de Saul? Escolhei entre vós um homem que combata comigo, em duelo. Se me vencer e me matar, seremos vossos escravos; mas se eu o vencer e o matar, então vós sereis nossos escravos e servir-nos-eis.» [...] O filisteu apresentava-se pela manhã e pela tarde, e isto durante quarenta dias. Um dia, Jessé disse ao seu filho David: «Toma para os teus irmãos um efá de grão torrado e estes dez pães e leva-os sem demora ao acampamento. Entrega estes dez queijos ao comandante e pergunta se os teus irmãos vão bem ou se têm necessidade de alguma coisa.» Eles estavam com Saul, juntamente com todos os homens de Israel, no vale do Terebinto, em guerra com os filisteus. [...] eis que o guerreiro filisteu Golias, de Gat, avançou das fileiras do seu exército, proferindo os mesmos insultos que nos dias precedentes. E David ouviu-os. Todo o Israel, à vista de Golias, fugiu, tremendo de medo. E diziam: «Vedes esse homem que avança? Ele vem insultar Israel. O rei cumulará de grandes riquezas aquele que o matar, dar-lhe-á a sua filha e há-de isentar de impostos, em Israel, a casa de seu pai. [...] David disse a Saul: «Ninguém desanime por causa desse filisteu! O teu servo irá combatê-lo.» Disse-lhe Saul: «Não poderás ir lutar contra esse filisteu. Não passas de uma criança, e ele é um homem de guerra desde a sua mocidade.» [...] O rei revestiu David com a sua armadura, pôs-lhe na cabeça um capacete de bronze e armou-o de uma couraça. Cingiu-o com a sua espada sobre a armadura. David tentou ver se podia andar com aquelas armas, às quais não estava habituado, e disse a Saul: «Não posso caminhar com esta armadura, pois não estou habituado!» E tirou a armadura. Tomou o seu cajado e escolheu no regato cinco pedras lisas, pondo-as no alforge de pastor que lhe servia de bolsa. Depois, com a funda na mão, avançou contra o filisteu. Este, precedido do escudeiro, aproximou-se de David, mediu-o com os olhos e, vendo que era jovem, louro e de aspecto delicado, desprezou-o. Disse-lhe: «Sou eu, porventura, um cão, para vires contra mim de pau na mão?» [...] Levantou-se o filisteu e avançou contra David. Este também correu para as linhas inimigas ao encontro do filisteu. Meteu a mão no alforge, tomou uma pedra e arremessou-a com a funda, ferindo o filisteu na fronte. A pedra penetrou-lhe na cabeça, e o gigante tombou com o rosto por terra. Assim venceu David o filisteu, ferindo-o de morte com uma funda e uma pedra. [...]" (1 Sm 17)

A final da Liga dos Campeões deste ano está aí e o episódio bíblico que serve de tema a este texto é aquilo que, a meu ver, melhor espelha o confronto que se aproxima. De um lado, com uma "estatura de seis côncavos e um palmo", com armas e armaduras pomposas, teremos um Golias inglês, o maior guerreiro entre o seu povo, campeão em título e representante de um futebol em que o músculo e a transpiração são os emblemas maiores. Do outro lado das fileiras, ao contrário do guerreiro filisteu, armado até aos dentes, arrogante e invencível, teremos um David minúsculo e semi-nu, "jovem, louro e de aspecto delicado", sem armadura porque não é seu hábito vesti-la e armado apenas com uma funda e uma pedra. Um gigante se precipitará contra um infante; a força bruta contra o intelecto. Nada mais a propósito. E a diferença acentua-se, se pensarmos nas ausências de Dani Alves, Abidal, Rafa Márquez e ainda na possibilidade das ausências de Henry e Iniesta. Amanhã veremos se haverá razões para Donatello e Michelangelo esculpirem novas obras-primas.

sábado, 16 de maio de 2009

Barcelona: para além da superfície

O assunto já vai longe - bem sei - mas o tempo é escasso e não me permitiu abordar o tema na altura devida.

Luís Freitas Lobo, na sua crónica n'A Bola, diferenciava o futebol mais "táctico" do Chelsea do futebol mais intuitivo do Barça. Não escondo a irritação que o texto despoletou em mim. Em que medida uma equipa que apenas consegue contemplar uma parte do jogo é mais forte "tacticamente" que uma outra que no seu jogo contempla de forma clara e una todos os momentos do jogo? O mesmo é dizer que uma pessoa que seja saudável e atraente não pode ser muito interessante. A sensação que fica é que o futebol do Barcelona, a essência do mesmo, está condenado a uma subavaliação aviltante devido à forma brilhante com que é interpretado. O clube catalão apresenta um modelo de jogo cujos alicerces vão muito para lá do que as primeiras impressões do mais "superficial" adepto consegue apreender.

Guardiola é provavelmente dos treinadores mais calculistas e "frios" que o futebol jamais conheceu. É um treinador que não arrisca nada, ou seja, é um treinador que não entrega nenhuma variável do jogo à sorte. Por isso, no modelo de jogo dele, a posse de bola é elemento fundamental. É a única maneira de garantir que o jogo decorre sob os nosso desígnios. Não é fruto do acaso, ou da qualidade individual, a superioridade que a equipa do Barcelona demonstra neste "pormenor estatístico". E não me venham dizer que uma grande percentagem neste campo, relativamente ao adversário, não significa nada. Significa tudo. Significa uma maior probabilidade de atingir o golo e, por consequência, uma menor probabilidade de o adversário obter o golo. Conseguem fazer golos sem ter bola?

É a melhor maneira (a mais eficaz) de gerir os ritmos do jogo e de impedir que o adversário imponha o ritmo que mais lhe convém. Por isso, irrita-me este "desprezo" que a maioria dos adeptos revela por este factor. A posse da bola é a "rainha das virtudes" do melhor futebol do mundo. E agora?

Ao perceber que o jogo e os seus momentos não são separáveis, o conjunto da Catalunha consegue um posicionamento ímpar no terreno, independentemente do momento do jogo. E isso inclui um conhecimento profundo do jogo, significa compreender que a melhor maneira de controlá-lo é fazê-lo da maneira mais segura, ou seja, com a bola. E a bola assume o centro de todo o jogo do Barcelona. O posicionamento da equipa, a maneira como todo o conjunto se movimenta, tudo isto é acerca da bola. Agora digam lá que não é irónico que, com tanta (suposta) evolução no jogo, a maior evolução consista em explorar um dos mais antigos, se não mesmo o mais antigo elemento deste jogo. É uma questão de re-inventar o próprio jogo... Cada vez que ouço treinadores a referir que sabem tudo sobre a equipa adversária, não deixo de pensar para mim próprio: "Porreiro, e da tua equipa? Sabes tudo? E mais importante, os teus jogadores sabem todos o que fazer em cada momento, em função da movimentação do colega que tem a bola? E o da bola sabe o que fazer em função dos restantes?" Muitas equipas, com a obsessão de compreender a "personalidade" da equipa adversária, não conseguem vislumbrar a sua própria esquizofrenia.

A diferença do Barcelona para as restantes equipas é que os seus jogadores não são funções (sim, já sei que já estão fartos de ler isto por estas bandas). A equipa assume todas as funções e o facto de não existir um jogador para organizar, outro para equilibrar, outro para acelerar, etc., liberta todos os jogadores para jogarem em função das necessidades da equipa a cada momento. Mas, por outro lado, isto apenas é possivel com uma equipa que saiba o que faz e, acima de tudo, perceba por que é que o faz. Só com a compreensão total da filosofia de jogo, por parte de todos, é que é possivel uma interpretação sincronizada entre todos os elementos, acerca dos vários momentos do jogo, o que por sua vez vai permitir ao todo "moldar-se" à movimentação individual de uma das partes, e o que por sua vez se movimenta sob o "jugo" da identidade da própria equipa, permitindo uma assimilção recíproca entre o individual e o colectivo.

Nietzsche defendia que o trabalho deve ser feito não por grandes ideias, ou para se ficar na História, mas sim porque é bom (tem qualidade) e porque se gosta de fazê-lo. Dá-me a ideia que o filósofo alemão não defendeu esta ideia a pensar em algo tão frívolo como um jogo de futebol, mas a verdade é que podemos aplicá-lo ao mesmo. O facto de o futebol praticado pelo conjunto catalão ser o MELHOR concede o estímulo necessário aos seus jogadores para se envolverem no projecto em que estão inseridos. Isto, aliado ao prazer que os seus elementos retiram do jogo, permite aos mesmos evoluirem, tornando-se portanto melhores jogadores porque estão inseridos nesta equipa, com estas ideias, com este treinador. Cruyff disse: "There are more coaches who can break people than there are coaches who make footballers play better football."

O Barcelona não é a máquina que é porque tem Iniesta, Messi, Henry, Etoo, Xavi, Piqué, etc. Não! O conjunto de Guardiola é o que é porque aqueles jogadores jogam nesta equipa, com este treinador. Daí que me sinta dividido. Por um lado, soa-me a uma injustiça tremenda qualquer possibilidade de Iniesta falhar a final, mas, por outro, a (forte) possibilidade de o Barcelona vencer a final da Champions, mesmo sem Henry, Iniesta e Daniel Alves, talvez servisse para "abrir" os olhos ao mundo e demonstrar que uma grande equipa se faz com GRANDE FUTEBOL, independentemente das individualidades.

Certezas (13)

Já não será novidade falar neste fantástico jogador, mas o simples facto de a sua ascensão ter sido tão meteórica faz com que ainda haja quem não o conheça, ou quem questione o seu real valor, ou quem ponha em causa a continuidade da brilhante época que está a realizar. Devo confessar que, como grande parte dos portugueses, desconhecia este jogador até ao início desta temporada. O facto de ter ido muito novo para Inglaterra terá travado o seu reconhecimento público, ficando vítima da desconfiança que grande parte dos treinadores têm em relação à juventude e de um tipo de futebol em que dificilmente se destacaria. Felizmente, o seu potencial era do conhecimento de quem o vira crescer e, no início da temporada, discretamente, regressou à casa-mãe. No início da época, entre tantas contratações sonantes, o seu nome pouco ou nada era falado. Vinha, segundo muitos, como uma opção de banco, tendo a virtude de conhecer os cantos à casa e de estar familiarizado com a filosofia do clube. O que poucos esperavam é que ganhasse o protagonismo que ganhou. Hoje, é titular indiscutível. Da sua equipa e da selecção do seu país. Admito que a altura que possui possa ser uma mais-valia com que contar, em equipas de estatura baixa, como são aquelas em que joga, mas os seus principais atributos são outros. Não sendo veloz e sendo até pouco ágil, muito por culpa do seu tamanho, é um defesa central que tem a virtude de ser extraordinariamente inteligente. Embora diferente, sobretudo no que concerne a características físicas, consigo encontrar pontos de contacto evidentes com o jovem central do Sporting, Daniel Carriço. O seu jogo posicional é praticamente perfeito e a sua abordagem aos lances francamente acima da média. Sabe ler aquilo que cada lance exige dele e denota, por isso, uma segurança invulgar. Não o vemos, certamente, a ganhar tantos lances em antecipação como outros centrais, não dando por isso tanto nas vistas. Mas isso, por si só, não significa nada. O melhor defesa central não é aquele que ganha mais bolas, mas aquele que percebe melhor o sentido colectivo da palavra "defender". Não é espalhafatoso como outros, não é "brigão", não precisa de ser demasiado agressivo para ser eficaz, e ainda assim é excelente. Tem a ver com inteligência, com superioridade. E, depois, com bola, é formidável. Um defesa, no futebol de hoje, não pode ser só um jogador de lances defensivos. Tem de conseguir conciliar as capacidades defensivas com uma capacidade ofensiva minimamente aceitável. A dele é soberba. A capacidade de passe à distância é muito boa, mas a sua principal característica é a ausência de medo em colocar a bola curta. Raramente entrega mal uma bola, raramente dificulta a recepção a um colega. Procura sair sempre a jogar, como é apanágio do futebol da sua equipa, e fá-lo com elevado êxito. Chega a ser impressionante a forma descontraída como sai de lá de trás em progressão e como entrega a bola em zonas povoadas com total descontracção. Um dos seus movimentos mais típicos é progredir com a bola, gradualmente, ameaçando um passe longo para a direita, mas puxando a bola para a esquerda e continuando a progredir, entrando assim aos poucos nas linhas do adversário, com a bola controlada, à espera de uma tabela ou do espaço necessário para um passe vertical. A importância que tem tido, numa equipa que precisa de ter defesas que saibam sair a jogar na perfeição, espelhará a qualidade que possui. Não é qualquer um que, com 22 anos, se impõe numa das melhores equipas do mundo, e em tão pouco tempo. Por isso, parte do espectáculo que é uma partida de futebol em que uma das equipas é o Barcelona deve-se também à presença em campo de tão astuto jogador. Apesar de ainda ser muito novo e de ter aparecido há tão pouco tempo (o que legitima a sua presença nesta rubrica que tem por objectivo destacar jogadores pouco conhecidos que possuam um potencial fora do comum), encheu-me de tal forma as medidas que, neste momento, Gerard Piqué está já para mim entre os dez melhores na sua posição...

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Semana de Decisões

1. O Porto sagrou-se campeão nacional pela quarta vez consecutiva. E foi outra vez um justo vencedor. Apesar das dificuldades, dos contratempos, foi o conjunto mais conjunto, por assim dizer. E isso é o suficiente, quando os rivais se revelam tão fracos. Para mim, Jesualdo só não merecia ter sido campeão no seu primeiro ano. De lá para cá, tem sido capaz de construir uma equipa competitiva, assente numa ideia colectiva clara. A defender, os seus processos estão ao nível dos melhores da Europa e nem sequer tem comparação com o que se faz cá dentro. A atacar, tem algumas limitações, necessitando e muito da capacidade de explosão dos seus jogadores mais ofensivos e, no fundo, das individualidades que um clube grande consegue colocar ao seu dispor. Não sendo perfeito a esse nível, esteve uma vez mais melhor que os treinadores rivais e pode mesmo gabar-se de ser campeão tendo um plantel inferior ao do Benfica e ao do Sporting.

2. No rescaldo da conquista do campeonato, insiste-se num erro que não faz sentido. Os méritos de Jesualdo são evidentes e a justiça não poderia consagrar outra equipa. Mas se há coisa em que o professor continua a mostrar ser pouco dotado é na apreciação de jogadores. No entanto, a douta sabedoria da populaça afirma com galhardia que Jesualdo sabe, melhor que ninguém, explorar o potencial dos jogadores e fazê-los crescer. Isso não é verdade. As contratações falhadas voltaram a ser bastantes: Sapunaru, Benitez, Pelé e Guarín vieram juntar-se a Kazmierczak, Bollati e Stepanov, de anos anteriores. E para o ano já estão anunciados pelo menos mais dois jogadores que não terão vida fácil no Dragão: Varela e Miguel Lopes. O Porto continua a depender muito de alguns jogadores fulcrais como Helton, Lucho, Meireles e Lisandro. Fala-se em renovação do plantel, mas esquece-se que, à excepção de Hulk, todos os jogadores que entraram este ano na equipa fizeram-no por não haver outras soluções. Rolando e Cissokho são jogadores medianos, ao nível do que há nos rivais, de Tonel e Grimi, de David Luiz e Jorge Ribeiro. Daí até serem uma mais-valia individual vai um bocado. São melhores que as alternativas, mas não foram nunca jogadores determinantes. Fernando veio fazer a pré-época e acabou por agarrar o lugar, não sem antes o professor experimentar várias outras opções. A qualidade de Fernando veio logo ao de cima e a única coisa que foi melhorando ao longo da época foi a sua confiança. Não houve mão de Jesualdo, também aqui. Teve a sorte de lhe aparecer ali aquele fulano e de não ter uma opção para o lugar que reunisse consenso. Quanto a Rodriguez, o seu valor ficara já evidente a época passada. Pelo que resta Hulk, o único em quem Jesualdo apostou continuamente, em que demonstrou depositar uma confiança inexcedível. Resumindo, os jogadores que despontaram neste Porto, à excepção de um ou outro, despontaram não porque Jesualdo tenha olho para a coisa, mas porque alguém tinha de agarrar o lugar. E o que dizer de Tarik, praticamente ostracizado depois de ser uma das peças fundamentais na época passada? E a não aposta deliberada em nenhum jovem da casa, chegando ao cúmulo de mandar vir Hélder Barbosa a época passada para logo o preterir? Jesualdo continua a demonstrar não ser muito competente na hora de escolher jogadores. Os seus méritos existem, são o motivo pelo qual o Porto é um justo vencedor, mas estão noutro lado.

3. No Benfica, antecipa-se o cenário mais lógico: a demissão de Quique. O treinador espanhol tem coisas boas, mas a incapacidade para perceber como é que isso pode ser exponenciado chega a ser bizarra. A persistência num sistema que nunca funcionou e que, aos poucos, todos foram percebendo que não podia dar mais não deixaria antever uma segunda época brilhante. Há quem seja contra trocas constantes de treinadores e que queira dar mais tempo a Quique. O problema, para mim, não está nos resultados. Era admissível, num primeiro ano em Portugal, com uma equipa completamente nova, não se conseguir bons resultados. O que não é admissível é não haver evolução, não haver planos alternativos, não se perceber coisas básicas acerca da forma como se trabalha e, em última instância, não se perceber o que se está a fazer mal para poder melhorar. Perante tudo isto, Quique não pode continuar. Seria prolongar o vínculo com a mediocridade.

4. Por falar em mediocridade, o que dizer do futebol actual do Sporting? A era Paulo Bento terá chegado ao fim. Para bem do Sporting, é o melhor que pode acontecer. O futebol praticado foi perdendo riqueza à medida que a era de Paulo Bento avançava. Nos primeiros tempos, o Sporting jogava de forma fluida e alegre. Hoje, é tudo em esforço, sem imaginação, apelando às individualidades em vez de apelar ao colectivo. Em tempos, cheguei a pensar que Paulo Bento conseguiria impor um futebol suficientemente competente para ser campeão, ainda que com parcos recursos financeiros, quando comparados com os dos rivais. Hoje, repetidos até à exaustão os muitos erros que foi cometendo, já não possuo essa crença. Não perceber que o mal de Romagnoli é causado pelo mal da equipa, não perceber que certos jogadores precisam de certos mimos, não perceber que não pode gerir um balneário com indiscutíveis de qualidade discutível, não perceber que os atributos colectivos dos jogadores devem ser preferidos aos atributos individuais, não perceber que Liedson é nocivo a qualquer estratégia que pretenda dos avançados algo mais do que competência individual, tudo isto são pequenas falhas que, juntas, condicionam a capacidade da equipa. E o futebol ressente-se; e torna-se medíocre.

5. Jaime Pacheco foi finalmente despedido a duas jornadas do fim. O Belenenses está com um pé na segunda divisão e Rui Jorge deverá assumir a liderança do barco. Talvez fosse uma boa aposta para manter na próxima época, aconteça o que acontecer. Rui Jorge é daqueles para com quem o futebol ainda está em dívida.

6. Lá por fora, o Barça empatou mas acrescentou um ponto à diferença para o segundo classificado, o que o deixa ainda mais perto do título. Mas a notícia é mesmo a lesão de Iniesta. A sua ausência da final da Liga dos Campeões é agora uma possibilidade real e pode ser um duro revés nas ambições blaugranas. O médio-espanhol confere à equipa algo que, além dele, só Xavi consegue dar, doses abundantes de imaginação. A sua ausência não torna o Barcelona menos forte em termos atléticos ou técnicos, mas sim mais previsível, menos capaz de furar em espaços curtos. No futebol de toque curto da equipa catalã, Iniesta é o seu melhor intérprete e isso pode ser decisivo.

7. Entretanto, veio a final da Taça do Rei e o Barcelona venceu o primeiro troféu da época. Expressivos 4-1 frente ao Atlético de Bilbao, pelo menos mais 6 ou 7 oportunidades de golo, e uma segunda parte jogada unicamente num dos meios-campos. O futebol do Barça é demolidor e a quantidade de goleadas esta época uma coisa sem par. Falta a Liga dos Campeões para ser uma época inesquecível.

8. Depois da polémica meia-final entre Barcelona e Chelsea, a Sporttv não transmitir, em três canais possíveis, a final da Taça do Rei, optando por transmitir, à mesma hora, a interessantíssima final da taça de Itália entre Lazio e Sampdoria, ou um interessantíssimo Wigan vs Manchester United, não cheira nada bem. A mim, em particular, cheira-me a ressabiamento. Ou a malta que tinha apostado bom dinheiro no Chelsea e ficou a ver navios. O que é interessante tentar perceber é o que vai dentro da cabeça de quem escolhe transmitir um jogo do campeonato inglês, e a final da taça de Itália, e também outro jogo do campeonato francês, em vez de uma final da taça que, além de muito aguardada em Espanha, colocaria em campo a melhor equipa da época e o futebol mais espectacular da década. A mim, isto parece-me propaganda nazi. Virada para Cristiano, não para Adolfo, claro está.

9. Por falar em finais, Diego vai estar ausente da final da UEFA. Tudo por causa de um amarelo daqueles que dá vontade de perguntar ao árbitro se ele gosta mesmo de futebol. A UEFA já deveria ter intervindo, há muito, sobre estes casos. A hipótese de os melhores jogadores ficarem excluídos de uma final devido a um amarelo é absurda. Diego carregou literalmente o Bremen às costas e é inequivocamente a figura da edição deste ano da prova. Sem ele, a final nem sequer vale a pena ser vista. Restar-lhe-á o consolo de ter voltado à ribalta do futebol mundial e de lhe ser finalmente reconhecido todo o talento que tem e do qual certas pessoas não foram capazes de se aperceber.

10. De resto, em Itália é praticamente certo que o "scudetto" é de Mourinho, naquela que terá sido a pior época da carreira do técnico português. Em Inglaterra, o Manchester também já poderá encomendar as faixas.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Mentiras sobre o Chelsea - Barcelona

1. Há quem diga que marcar já em tempo de descontos, no único remate certeiro em toda a partida, com apenas dez jogadores em campo, tendo sobrevivido a alguns assaltos à sua baliza, é uma manisfetação inequívoca daquilo a que se chama "estrelinha de campeão". Estão errados. A razão pela qual isto aconteceu confunde-se com a própria essência do Barcelona. Mesmo com dez, foi a única equipa com clarividência em campo, conseguiu evitar zonas de pressão e progredir com a bola no terreno. Mas, mais do que isso, nunca desvirtuou o seu modo de jogar. Mesmo com dez, mesmo estando a fazer um mau jogo, mesmo tendo o melhor do mundo ali pronto para resolver individualmente o que o colectivo não estava a ser capaz de resolver, o Barça manteve-se fiel aos seus princípios. Continuou a circular a bola de um lado para o outro, a tabelar, a tentar furar. E isso deu frutos. Chama-se ter paciência. O simples facto de não ter rematado muito tem a ver com isto. Guardiola já teve oportunidade de dizer que prefere que a sua equipa, dentro da área, troque a bola até arranjar espaço para chutar. Dentro da área. É por isso que se vêem tabelas até quase à linha de golo. Esta equipa só chuta quando a probabilidade de êxito é elevada. Daí o único remate na partida ter dado golo. Não é sorte; é saber.

2. Também há quem diga que o Barcelona pode agradecer ao árbitro a passagem à fase seguinte. Concordo que o Chelsea tem algumas razões de queixa da arbitragem neste jogo, mas não tantas como querem fazer crer. A mão de Piqué é evidente. A de Eto'o não tanto e se uns árbitros marcariam, outros não. A falta sobre Malouda é fora da área. E não há mais nada. Não esquecer ainda que a expulsão de Abidal é forçadíssima. Mas se é verdade que o Chelsea se pode queixar deste jogo, o que dizer do jogo da primeira mão? A expulsão perdoada a Ballack, o penalty não assinalado sobre Henry e o amarelo a Puyol (que o impediu de jogar este jogo), na sequência da mesma jogada, não equivalem ao que se passou neste jogo? Parece-me evidente que sim. Nenhuma das equipas se pode queixar de ter sido mais prejudicada do que a outra.

3. Também há quem sugira que Hiddink deu um banho táctico a Guardiola. Admiro muitíssimo Hiddink, mas defender com uma linha de quatro e outra de cinco à frente da área não é táctica, é respeitinho. A táctica do Chelsea passava por defender o melhor possível o último terço do terreno e depois confiar na sorte. Se se reparar bem, as transições dos ingleses nem sequer eram bem definidas. Avançavam aos trambolhões, mais com o coração do que com ciência. E as oportunidades que tiveram foram quase todas consentidas pelo Barça, que revelou um desacerto defensivo anormal. No cômputo das duas mãos, o Barcelona foi muito melhor equipa, em todos os níveis, do que o Chelsea, embora neste jogo, sobretudo pelos erros defensivos, não tenha conseguido ser superior à equipa inglesa. Fez-se justiça, por isso.

4. Há ainda quem avente que Messi passou uma vez mais ao lado do jogo. Messi mostrou hoje o que é um grande jogador. É evidente que poderia ter tentado agarrar na bola e usar o seu poder de drible para resolver as coisas. Teve várias oportunidades para o fazer, mas nunca o fez. E nunca o fez porque optou por não fazê-lo. Preferiu sempre não desvirtuar o colectivo; preferiu sempre privilegiar a troca sustentada da bola em detrimento dos desequilíbrios individuais. No último lance de ataque da sua equipa, apoderando-se da bola no interior da grande área, poderia ter chutado, poderia ter ido para o drible, poderia até ter tentado cavar o penalty, mas preferiu assistir Iniesta para o golo. Nesta partida, sem fazer uma exibição de gala, Messi mostrou por que é o melhor do mundo. Porque os melhores do mundo também sabem pôr outros a brilhar; porque os melhores do mundo também são aqueles que percebem que o colectivo está acima do individual. Messi esteve apagado? Não. Esteve ao serviço do colectivo. E o colectivo está na final.

P.S. Faltam duas finais para a melhor equipa do ano poder entrar para a História.

P.S.2. Num jogo de nervos, a três minutos do apito final, com a partida a caminhar para o fim e com um resultado que não o satisfazia, ver Guardiola alegremente abraçado a Guus Hiddink, por entre sorrisos, é de homem.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Os erros de Vidic

Nemanja Vidic, o central sérvio do Manchester United, é um jogador muito apreciado por muita gente. Entre esses, não haverá poucos abrangidos pela certeza de que ele é um dos melhores do mundo no seu posto. A minha opinião é completamente diferente e bastante desfavorável em relação ao jogador. As virtudes de Vidic não compensam os seus defeitos e está longe, para mim, dos dez melhores naquela posição. As críticas que lhe faço são as mesmas que faço, por exemplo, ao central luso-brasileiro Pepe: demasiado impetuoso, excessivamente agressivo, incapaz de perceber que nem sempre deve tentar a antecipação, etc. Graças ao seu modo de jogar, chama à atenção. Os cortes no limite, as antecipações, os desarmes arriscados são motivo de aplausos. O problema é que Vidic joga assim em todas as situações e não só naquelas em que o deveria fazer. A diferença entre um grande central e um central espalhafatoso é que o primeiro só faz coisas dessas em último recurso. O seu jogo viril, baseado na velocidade e na agressividade, embora suscite admiração, é o princípio errado pelo qual os erros se acumulam. Não é raro, como acontece com Pepe, que Vidic cometa erros. Muitos deles - é verdade - consegue compensá-los, pela forma como se entrega ao jogo. Mas a categoria de um jogador é directamente proporcional à sua capacidade de evitar meter-se em apuros. E nisso o central sérvio é francamente mau. Apostado em resolver todas as situações através da capacidade atlética, raramente está concentrado em algo mais para além da recuperação de bola. Não percebe, por isso, que muitas vezes deve ficar em contenção; não percebe, por isso, que muitas vezes deve entrar com mais cuidado para não provocar faltas em zonas perigosas. A sua capacidade de interpretação dos lances é reduzidíssima e quando se acabar o vigor físico será um central banal.

Serve este texto, além da exposição desta opinião, para iniciar uma nova rubrica no blogue. A discussão de lances concretos, sobretudo da parte de quem tem uma percepção tão genuína do fenómeno que é o futebol, é das coisas mais interessantes que se pode levar a debate. Até aqui, o Entre Dez rejeitou, por princípio, algo mais além das palavras. Não fazia sentido, num blogue com estas características, haver espaço para imagens ou para vídeos. E não fazia sentido porque o caractér teórico deste espaço foi sempre prioritário. Acontece, porém, que discutir lances concretos sem a ajuda de imagens é um pouco vago e pode dar azo a opiniões ambíguas. Ora bem, iniciando uma nova rubrica que consistirá em debater um ou mais lances concretos, tentando demonstrar um ponto de vista de acordo com factos, com evidências, imagens e vídeos passarão a ter espaço, consoante as necessidades. Assim, e não fugindo ao assunto do texto, gostaria de recuperar o já não tão recente confronto entre Manchester United e Liverpool, para a Liga Inglesa, no qual o defesa sérvio em questão foi a figura decisiva. O Liverpool venceu por 4-1 e Vidic foi o responsável directo pelo primeiro e pelo terceiro golo, lance que lhe valeu também a expulsão. São esses dois lances que destaco no vídeo que se segue.



No primeiro lance, um alívio de um defesa do Liverpool cai na zona de Vidic. Não querendo cabecear a bola de primeira, prefere deixá-la bater. A proximidade de Fernando Torres faz com que o central do Manchester tenha de ser, após esta primeira má decisão, agressivo sobre a bola. Chega primeiro a ela, mas em vez de cabeceá-la para o guarda-redes ou de aliviá-la, terá pensado em contornar o avançado do Liverpool. O excesso de confiança de Vidic acaba por se transformar num erro, com Torres a roubar a bola e a fazer golo. Esta incapacidade para perceber quando deve jogar de forma simples é comum em Vidic porque a confiança nas suas capacidades técnicas excede as mesmas capacidades técnicas. Lances como este não são pontuais, ainda que muitos acabem por não ser fatais como este acabou por ser.

No segundo lance, há um desvio que leva a bola na direcção de Vidic. Com a pressa de se aproximar de Gerrard, não consegue reagir a este desvio e a bola toca-lhe inadvertidamente no peito e depois na coxa, ficando à mercê de Gerrard, que fica isolado. Quando Gerrard está a passar por Vidic, este faz falta, agarrando-o na tentativa de corrigir o erro inicial, e é expulso (o livre consequente acabaria por dar o terceiro golo ao Liverpool). A falha consiste sobretudo na desarticulação com que reage ao lance. A incapacidade de dominar a bola que vem na sua direcção é resultado de uma acção excessivamente impetuosa na tentativa de encurtar, sem necessidade, o espaço para o avançado do Liverpool, quando se recomendaria que ficasse em contenção. A forma agressiva, em constante sobressalto, com que Vidic joga proporciona lances deste tipo, em que um simples desvio torna impossível uma reacção atempada. É graças ao movimento repentino que enceta para marcar ostensivamente Gerrard que depois não consegue estar bem colocado e, sobretudo, concentrado, para dominar a bola. Este lance evidencia, portanto, a principal falha do central sérvio, a incapacidade que ele demonstra em estar concentrado naquilo que importa. Estando essencialmente preocupado em ser rápido, agressivo, combativo, não consegue estar, ao mesmo tempo, bem posicionado, nem consegue ler, correctamente, a abordagem que o lance requer.