segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Marcação Individual

A marcação individual foi um dos temas dominantes há umas semanas, sobretudo nos dias que antecederam a recepção do Sporting ao Barcelona e porque Lionel Messi estava numa forma impressionante. Para muitos, a genialidade do argentino é tanta que a maneira mais eficaz de tirá-lo do jogo é destacar alguém para o vigiar os 90 minutos, vá ele para onde for. Um dos problemas desta opção é, desde logo, o de não garantir que o alvo da marcação não vá conseguir livrar-se dessa marcação vezes suficientes para fazer a diferença. Outro, ainda mais relevante, é o de tornar cada lance em que o conseguir num lance de potencial perigo. Quando o alvo da marcação se consegue livrar do marcado directo, não fica propriamente com o espaço que teria, se não tivesse qualquer marcação, pois a equipa que defende terá sempre se de reajustar em função disso, e com um jogador a menos, que é aquele que está destacado para a marcação a esse jogador.

O problema principal da marcação individual não é, todavia, nenhum destes. Imaginando que essa marcação pudesse ser eficaz ao longo dos 90 minutos, e que o adversário que se achou importante marcar em cima não fosse capaz de escapar a essa marcação e de ter bola para fazer a diferença, a simples preocupação em seguir um adversário por todo o terreno é uma vantagem tremenda para a equipa adversária. Isto porque a equipa do jogador sobre o qual recai a marcação passa a poder levar um elemento adversário para onde lhe aprouver e, portanto, a poder induzir uma determinada desorganização defensiva nesse adversário. Imagine-se que os dois laterais de uma equipa estão destacados para marcar individualmente os dois extremos adversários (quem tiver pouca imaginação e achar que isso já não se usa assim, pode sempre ver alguns jogos do Manchester United de José Mourinho o ano passado). Se o treinador adversário quiser, pode simplesmente pedir aos seus extremos que passem a frequentar espaços centrais, levando consigo os marcadores directos, e aos restantes jogadores da equipa que façam a bola entrar no espaço que passa a ficar livre em cada flanco.


Há um lance do jogo de Alvalade que opôs o Sporting ao Barcelona que ajudar a ilustrar tudo isto. Trata-se da primeira grande ocasião de perigo criada pelos catalães, e é essencialmente causada pela ausência de gente entre os dois médios (Bruno Fernandes e William) e os dois defesas centrais do Sporting. No início da jogada, que se desenrola pela esquerda, Battaglia está mais perto de Acuña do que propriamente da zona que deveria povoar se estivesse preocupado com a cobertura aos seus médios. A missão de perseguir Messi, mesmo que apenas quando este entrava na sua zona de jurisdição (Battaglia não ia atrás do argentino quando este baixava em demasia nem quando este procurava as zonas do ponta de lança, limitando a mover a marcação individual apenas quando Messi aparecia entre linhas), fez de Battaglia um jogador a menos, do ponto de vista colectivo. Não havendo sintonia entre as referências dos colegas (a bola, o espaço e a posição relativa dos colegas) e a referência de Battaglia (o posicionamento de Messi), era natural que este tipo de coisas acontecesse. É impossível articular o comportamento de um colectivo se o comportamento de um dos elementos desse colectivo for ditado pelo adversário. No que diz respeito a este lance, ter ido atrás do argentino para uma zona tão afastada fez com que se abrisse um buraco entre a linha média e a linha defensiva, e Sergi Roberto aproveitou para invadir essa zona, recebendo sozinho e em condições de se enquadrar para a baliza, apenas com a linha defensiva pela frente. Bastou um movimento sem bola e um passe para o espaço criado por esse movimento para se originarem as condições de perigo ideais.

É verdade que do facto de ser assim tão fácil criar as condições de ataque ideais não se segue que todos os jogadores a quem é movida uma marcação individual se movimentem propositadamente para que isto se suceda. É aliás raro que um jogador o faça deliberadamente, ou que um treinador, perante uma situação destas, perceba a vantagem de que dispõe e saiba explicar ao seu atleta para onde e de que modo deve conduzir o seu marcador directo. Mas, mesmo que o adversário não compreenda essa vantagem e não saiba tirar proveito dela, a marcação individual continua a ser uma opção perigosa. Mesmo que involuntariamente, como aliás parece ter sido aqui o caso, é natural que o avançado a quem é movida a marcação acabe por arrastar o seu marcador directo para zonas potencialmente desvantajosas para quem defende e que a equipa que ataca acabe por usufruir do espaço que se cria na sequência disso. Messi é excepcional e merece considerações excepcionais, concordo. Mas hipotecar a organização defensiva na esperança de que Messi tenha menos influência no jogo parece-me estúpido. Entre apostar na organização para tentar vencer uma equipa na qual joga Messi e apostar na desorganização para se jogar contra a mesma equipa, mas sem Messi, parece-me óbvio aquilo que se deve escolher. Mesmo que, colectivamente, este Barça de Valverde seja banalíssimo, há uma quantidade de jogadores acima da média que podem facilmente usufruir da desorganização propiciada pela segunda aposta. Messi é excepcional, claro, mas achar que Messi é mais perigoso sozinho contra uma equipa bem organizada do que os restantes dez companheiros contra uma equipa mal organizada não me parece fazer muito sentido.