segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Quando as coisas correm bem...

Quando as coisas correm bem, e um colectivo relativamente banal consegue somar uma série de vitórias impressionante, muitas delas com goleadas, e sofrendo poucos golos, ninguém repara na absoluta banalidade dos processos colectivos que o fazem parecer forte.

Quando as coisas correm bem, e uma equipa assim recupera muito do atraso que chegou a ter para os principais rivais, reentrando na luta pelo título quando isso já parecia fora de equação, a tendência das pessoas é acreditar que tudo vai bem.

Quando as coisas correm bem, e a equipa consegue vencer quase todos os jogos contra adversários mais fracos, compensando assim as derrotas com adversários do mesmo nível, todos acham razoável que, em muitos momentos desses jogos contra adversários mais fracos, não seja importante assumir a iniciativa do jogo.

Quando as coisas correm bem, e a equipa marca 4 ou 5 golos de forma sistemática e se estabelece como o ataque mais concretizador da prova, ninguém se atreve a pensar que está longe de ser o melhor ataque da prova, ou que as ideias ofensivas continuam a ser muito pobres.

Quando as coisas correm bem, e a equipa atinge registos ofensivos que deslumbram os que se maravilham com as estatísticas, poucos são os que ousam sugerir que a competência ofensiva da equipa depende quase exclusivamente das competências individuais dos seus principais atacantes e da forma como alguns deles conseguem conseguem camuflar a banalidade dessa competência colectiva.

Quando as coisas correm bem, e a equipa sofre poucos golos e concede poucas oportunidades aos adversários, ninguém olha para o espaço entre linhas que a dupla de meio-campo, cujo posicionamento excessivamente rígido é desprezado pelos analistas e o qual só não gera problemas irresolúveis contra adversários mais débeis, concede jogo após jogo.

Quando as coisas correm bem, e um jogador banalíssimo se torna no principal motivo de regozijo dos adeptos, dificilmente se notam as faltas sistemáticas que faz, sempre que disputa um lance, a irresponsabilidade posicional que denota, as dificuldades que tem ao nível do passe, o descontrolo emocional que manifesta em diferentes momentos de jogo, ou, simplesmente, a má leitura que faz das situações de jogo em que se envolve, coisa que, por exemplo, o leva a não compreender que, quando os adversários têm a bola junto a uma linha e o colega de meio-campo corrige o seu posicionamento em função disso, o que deve fazer é corrigir o seu posicionamento em função do comportamento do colega, e não permanecer no meio do terreno, parado, a ver os adversários a trazerem a bola de novo para dentro e a aproveitarem o buraco que se criou entre ele e o colega para empatarem o clássico.

Quando as coisas correm bem, e a equipa consegue controlar a ansiedade, subir os níveis de confiança e enfrentar todo e qualquer adversário com uma intensidade assinalável, poucos são os que se lembram de que a intensidade só serve para alguma coisa enquanto houver tranquilidade e confiança, e que estas, dependendo da contingência dos resultados positivos e não do trabalho diário, tão depressa desaparecem como aparecem.

Quando as coisas correm bem, e as pessoas, não aceitando a possibilidade de estarem a correr bem apenas porque sim, acreditam que há-de haver boas razões para que estejam a correr dessa maneira e não de outra, dificilmente se poderá convencer quem assim pensa de que nenhuma equipa de futebol, nos dias que correm, pode ser bem sucedida a longo prazo com base no facto de as coisas continuarem a correr bem, e dificilmente se poderá convencer quem assim pensa de que, portanto, é apenas uma questão de tempo para que as coisas deixem de correm bem.