Assisti este Sábado à primeira parte do Roma-Inter e o pensamento de que não me consegui livrar até agora foi: o futebol italiano está vivo! Finalmente, creio que é possível dizer que se respira outra vez em Itália. Terão sido inúmeras as razões, mas a verdade é que o futebol em terras transalpinas está no início de um novo ciclo. Terá sido os muitos anos que a selecção italiana passou sem ganhar nada; terá sido o gradual decréscimo de qualidade do campeonato italiano em comparação com o inglês e com o espanhol; terá sido a escassez de títulos europeus das equipas italianas nos último dez anos; terá sido o desânimo causado pela pobreza do jogo; terá sido um conjunto de reflexões e tomadas de consciência dos quais a conquista do último campeonato do mundo e o escândalo do "Calciocaos" foram a confirmação; terá sido, enfim, a própria evolução normal das coisas, que sempre impõe mudanças.
O que é certo é que o futebol italiano está no início de uma nova vida. Ainda encolhido, começa a desabrochar e os primeiros títulos já apareceram. Carlo Ancelotti terá sido o pioneiro. A aposta que o Milan fez num treinador de uma geração mais nova teve e continua a ter os seus frutos. Livre dos vícios do Catennacio, Ancelotti implementou um 442 losango baseando o seu jogo numa mentalidade mais ofensiva e em transições mais pausadas do que era normal no futebol italiano. Ao contrário do estilo italiano clássico, com dois blocos bem distintos, um composto por 7 ou 8 jogadores, com preocupações meramente defensivas, outro por 2 ou 3 com preocupações meramente ofensivas, Ancelotti construiu uma equipa que joga em bloco, que pressiona altíssimo e que oscila entre um futebol de passe curto e certo, contido, e transições rápidas. A própria filosofia italiana implicava que as equipas não jogassem de outro modo que não num futebol excessivamente directo, tendo o bloco defensivo a missão de recuperar a bola e de lançar o bloco ofensivo o mais rápido e cirurgicamente possível. Perante os tempos modernos, em que as equipas de topo da Europa já defendem e atacam como um todo, um sistema como este, em que uns servem para defender e outros para atacar, só poderia estar caducado. Ancelotti, em Itália, terá sido o primeiro a perceber isso e o esquema táctico que preferiu não deixa de ser revelador. Um 442 losango nunca seria uma táctica para jogar à "italiana". Um esquema como este é sempre um esquema de toque curto. Quem o utiliza, privilegia a segurança no passe, a posse de bola, o ataque pensado e trabalhado, etc. Mesmo quando a equipa precisa de esticar o jogo, não o faz de qualquer maneira. O único jogador que tem ordem para alongar o modo de jogar do Milan é Pirlo. Não se vê nenhum dos defesas a fazer lançamentos para os avançados; não se vêm nenhum dos interiores a procurar passes de ruptura. Isso fica a cargo de Pirlo. É dele a responsabilidade de gerir a velocidade das transições.
Embora no Milan já não se jogue à "italiana" há alguns anos, noutros clubes essa mentalidade manteve-se até há bem pouco tempo. Relembro sem saudades como Capello na Juventus foi eliminado nos quartos-de-final da Liga dos Campeões pelo Liverpool em 2004/2005. Depois de perder em Anfield por 2-1, precisava apenas de marcar um golo e não sofrer. Demasiado preocupado em não modificar os princípios que afinal lhe tinham valido um currículo invejável, apostou num futebol directo, de teor defensivo, que colhe os principais frutos através do aproveitamento dos erros dos adversários. A precisar de ganhar, Capello insistiu num futebol que só pode ser proveitoso se a equipa adversária quiser atacar, coisa que o Liverpool não queria, pois estava em vantagem. Foi sofrível ver o pobre Ibrahimovic a ser solicitado com passes de 50 metros a toda a hora. E nem nos minutos finais Capello mudou a sua forma de jogar. Isso custou-lhe a eliminatória e foi para mim o retrato perfeito daquilo em que o futebol italiano se tinha tornado: uma míriade de princípios inflexíveis completamente obsoletos. Nem a precisar urgentemente de marcar um golo as equipas italianas abdicavam da sua organização defensiva!
O futebol italiano, aquele que tinha por corolário defender e esperar que a sorte lhe sorrisse, só poderia ter os dias contados. Para minha grande satisfação, esse futebol italiano está em declínio e surge agora um novo futebol italiano. Alheio a esse facto não será, certamente, a juventude dos treinadores das principais equipas italianas. À excepção de Claudio Ranieri, os outros são treinadores jovens, da geração de Ancelotti. Luciano Spalletti e Mancini, como Ancelotti, tendo ainda crescido à sombra do Catennacio, estão numa fase ainda de maturação de ideias enquanto treinadores. E desse processo constará evidentemente a necessidade de fugir ao estilo italiano clássico, por tudo o que foi aqui explicado. É a juventude destes treinadores que lhes permite perceber que o futebol em Itália precisa de novo fôlego e que os princípios cimentados nos últimos trinta anos não chegam para fazer frente às necessidades modernas. Como tal, nem o futebol de Mancini, nem o futebol de Spalletti radicam no esquema dos dois blocos bem definidos e com funções distintas. As suas equipas jogam em bloco, atacam de forma organizada e através de um futebol curto, de triangulações, tabelas, etc. Nenhuma destas equipas aposta num futebol directo, a explorar a inspiração dos avançados. Mesmo em contra-ataque, as transições são faseadas. Raramente se vê um passe vertical de 50 metros. Em situações de aperto defensivo, há sempre a preocupação de sair a jogar, de não perder a posse de bola com pontapés disparatados. Apesar de ter havido apenas um golo de penalty, foram os melhores 45 minutos de futebol italiano que vi nos últimos anos.
Confesso que ainda não vi a selecção de Donadoni a jogar, mas o facto de se tratar de outro treinador da mesma geração deixa-me confiante. O futebol italiano está assim numa primeira fase de reconstrução. É importante, nesta fase, perceber principalmente quais as necessidades do mesmo. Spalletti e Mancini, como Ancelotti primeiro, parecem já tê-las percebido e sintoma disso é a filosofia de jogo das suas equipas. Apesar de tudo, e porque afinal foram educados à "italiana", estes treinadores ainda guardam vícios residuais. As preocupações defensivas ainda são excessivas e enquanto o forem o espectáculo, conquanto melhor, nunca será óptimo. Tanto Spaletti como Mancini não abdicam de uma dupla de médios defensivos, deixando a cargo apenas de um homem o meio-campo ofensivo. No caso de Spalletti, a coisa é ainda mais gritante: ainda que a sua filosofia seja mais condizente com o futebol actual, as suas opções são por jogadores que lhe dêem garantias defensivas. No meio-campo, o organizador de jogo é Perrotta, um médio de características mais defensivas. O avançado é Totti, que por natureza é um médio ofensivo. Spalletti, como Mancini, não abdica de alguma segurança defensiva em excesso, o que, em abono da verdade, é contraditório com a filosofia atacante que perceberam necessária. Mesmo Ancelotti, apesar de utilizar apenas um médio defensivo, opta por dois médios interiores que lhe garantam sobretudo uma correcta ocupação de espaços defensivos e muita dedicação na recuperação da bola, o que acaba por impedir que o Milan, em muitas fases do jogo, e sobretudo se pressionado, tenha qualidade para sair correctamente para o ataque.
Diga-se, pois, como conclusão, que o futebol italiano está no início de uma nova era. Não é alheio a esse facto a jovem geração de treinadores que comanda as equipas de topo em Itália. Mas esta é ainda uma primeira vaga. Espera-se que esta evolução não fique por aqui e que a próxima geração de treinadores tenha ainda mais coragem do que esta. Há todo um caminho ainda a percorrer e só ainda foram dados os primeiros passos. É necessário continuar a acreditar que o que nos foi ensinado ao longo da vida não é certo e que há que experimentar novas propostas. O futebol agradece!
O que é certo é que o futebol italiano está no início de uma nova vida. Ainda encolhido, começa a desabrochar e os primeiros títulos já apareceram. Carlo Ancelotti terá sido o pioneiro. A aposta que o Milan fez num treinador de uma geração mais nova teve e continua a ter os seus frutos. Livre dos vícios do Catennacio, Ancelotti implementou um 442 losango baseando o seu jogo numa mentalidade mais ofensiva e em transições mais pausadas do que era normal no futebol italiano. Ao contrário do estilo italiano clássico, com dois blocos bem distintos, um composto por 7 ou 8 jogadores, com preocupações meramente defensivas, outro por 2 ou 3 com preocupações meramente ofensivas, Ancelotti construiu uma equipa que joga em bloco, que pressiona altíssimo e que oscila entre um futebol de passe curto e certo, contido, e transições rápidas. A própria filosofia italiana implicava que as equipas não jogassem de outro modo que não num futebol excessivamente directo, tendo o bloco defensivo a missão de recuperar a bola e de lançar o bloco ofensivo o mais rápido e cirurgicamente possível. Perante os tempos modernos, em que as equipas de topo da Europa já defendem e atacam como um todo, um sistema como este, em que uns servem para defender e outros para atacar, só poderia estar caducado. Ancelotti, em Itália, terá sido o primeiro a perceber isso e o esquema táctico que preferiu não deixa de ser revelador. Um 442 losango nunca seria uma táctica para jogar à "italiana". Um esquema como este é sempre um esquema de toque curto. Quem o utiliza, privilegia a segurança no passe, a posse de bola, o ataque pensado e trabalhado, etc. Mesmo quando a equipa precisa de esticar o jogo, não o faz de qualquer maneira. O único jogador que tem ordem para alongar o modo de jogar do Milan é Pirlo. Não se vê nenhum dos defesas a fazer lançamentos para os avançados; não se vêm nenhum dos interiores a procurar passes de ruptura. Isso fica a cargo de Pirlo. É dele a responsabilidade de gerir a velocidade das transições.
Embora no Milan já não se jogue à "italiana" há alguns anos, noutros clubes essa mentalidade manteve-se até há bem pouco tempo. Relembro sem saudades como Capello na Juventus foi eliminado nos quartos-de-final da Liga dos Campeões pelo Liverpool em 2004/2005. Depois de perder em Anfield por 2-1, precisava apenas de marcar um golo e não sofrer. Demasiado preocupado em não modificar os princípios que afinal lhe tinham valido um currículo invejável, apostou num futebol directo, de teor defensivo, que colhe os principais frutos através do aproveitamento dos erros dos adversários. A precisar de ganhar, Capello insistiu num futebol que só pode ser proveitoso se a equipa adversária quiser atacar, coisa que o Liverpool não queria, pois estava em vantagem. Foi sofrível ver o pobre Ibrahimovic a ser solicitado com passes de 50 metros a toda a hora. E nem nos minutos finais Capello mudou a sua forma de jogar. Isso custou-lhe a eliminatória e foi para mim o retrato perfeito daquilo em que o futebol italiano se tinha tornado: uma míriade de princípios inflexíveis completamente obsoletos. Nem a precisar urgentemente de marcar um golo as equipas italianas abdicavam da sua organização defensiva!
O futebol italiano, aquele que tinha por corolário defender e esperar que a sorte lhe sorrisse, só poderia ter os dias contados. Para minha grande satisfação, esse futebol italiano está em declínio e surge agora um novo futebol italiano. Alheio a esse facto não será, certamente, a juventude dos treinadores das principais equipas italianas. À excepção de Claudio Ranieri, os outros são treinadores jovens, da geração de Ancelotti. Luciano Spalletti e Mancini, como Ancelotti, tendo ainda crescido à sombra do Catennacio, estão numa fase ainda de maturação de ideias enquanto treinadores. E desse processo constará evidentemente a necessidade de fugir ao estilo italiano clássico, por tudo o que foi aqui explicado. É a juventude destes treinadores que lhes permite perceber que o futebol em Itália precisa de novo fôlego e que os princípios cimentados nos últimos trinta anos não chegam para fazer frente às necessidades modernas. Como tal, nem o futebol de Mancini, nem o futebol de Spalletti radicam no esquema dos dois blocos bem definidos e com funções distintas. As suas equipas jogam em bloco, atacam de forma organizada e através de um futebol curto, de triangulações, tabelas, etc. Nenhuma destas equipas aposta num futebol directo, a explorar a inspiração dos avançados. Mesmo em contra-ataque, as transições são faseadas. Raramente se vê um passe vertical de 50 metros. Em situações de aperto defensivo, há sempre a preocupação de sair a jogar, de não perder a posse de bola com pontapés disparatados. Apesar de ter havido apenas um golo de penalty, foram os melhores 45 minutos de futebol italiano que vi nos últimos anos.
Confesso que ainda não vi a selecção de Donadoni a jogar, mas o facto de se tratar de outro treinador da mesma geração deixa-me confiante. O futebol italiano está assim numa primeira fase de reconstrução. É importante, nesta fase, perceber principalmente quais as necessidades do mesmo. Spalletti e Mancini, como Ancelotti primeiro, parecem já tê-las percebido e sintoma disso é a filosofia de jogo das suas equipas. Apesar de tudo, e porque afinal foram educados à "italiana", estes treinadores ainda guardam vícios residuais. As preocupações defensivas ainda são excessivas e enquanto o forem o espectáculo, conquanto melhor, nunca será óptimo. Tanto Spaletti como Mancini não abdicam de uma dupla de médios defensivos, deixando a cargo apenas de um homem o meio-campo ofensivo. No caso de Spalletti, a coisa é ainda mais gritante: ainda que a sua filosofia seja mais condizente com o futebol actual, as suas opções são por jogadores que lhe dêem garantias defensivas. No meio-campo, o organizador de jogo é Perrotta, um médio de características mais defensivas. O avançado é Totti, que por natureza é um médio ofensivo. Spalletti, como Mancini, não abdica de alguma segurança defensiva em excesso, o que, em abono da verdade, é contraditório com a filosofia atacante que perceberam necessária. Mesmo Ancelotti, apesar de utilizar apenas um médio defensivo, opta por dois médios interiores que lhe garantam sobretudo uma correcta ocupação de espaços defensivos e muita dedicação na recuperação da bola, o que acaba por impedir que o Milan, em muitas fases do jogo, e sobretudo se pressionado, tenha qualidade para sair correctamente para o ataque.
Diga-se, pois, como conclusão, que o futebol italiano está no início de uma nova era. Não é alheio a esse facto a jovem geração de treinadores que comanda as equipas de topo em Itália. Mas esta é ainda uma primeira vaga. Espera-se que esta evolução não fique por aqui e que a próxima geração de treinadores tenha ainda mais coragem do que esta. Há todo um caminho ainda a percorrer e só ainda foram dados os primeiros passos. É necessário continuar a acreditar que o que nos foi ensinado ao longo da vida não é certo e que há que experimentar novas propostas. O futebol agradece!
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