Há muito que, com o agitado mercado de Verão, se passou a ouvir, com frequência, a vontade dos jogadores de sairem dos clubes aos quais estão contratualmente ligados. Desta vez, a coisa só é notícia porque o interveniente é alguém que, apesar do reconhecido valor e da cobiça de que é alvo há já algum tempo, tinha até aqui mantido o silêncio quanto às suas intenções. Se Miguel Veloso não poupou palavras e aproveitou quase todas as entrevistas, desde que apareceu em grande plano, para manifestar o seu desejo de chegar a um grande clube europeu, João Moutinho manteve-se sempre longe das objectivas, neste aspecto. Por isso, é de certa forma de estranhar que, agora, tenha resolvido dizer com clareza que pretende sair. Ainda por cima, para o Everton.
Em primeiro lugar, ninguém conhece a fundo as razões do jogador para querer sair, pelo que não me parece justo assumir que Moutinho pretende o Everton apenas por questões monetárias. Quanto a mim, acho que o jogador poderia almejar muito mais do que um clube do meio da tabela em Inglaterra, mas essa é uma opção do jogador. Em segundo lugar, não se sabem, com exactidão, quais as verdadeiras palavras de Moutinho e em que contexto foram proferidas. Os adeptos do Sporting, sobretudo os mais fervorosos, não pensaram, todavia, duas vezes antes de condenarem o jogador. Assim, aquele que era até então um ídolo e um exemplo de profissionalismo é agora visto como um traidor, um mercenário como tantos outros.
Quando João Pinto assinou pelo Sporting, muitos benfiquistas, ainda que o jogador não tivesse tido qualquer culpa na forma como tinha sido empurrado para fora do clube, apelidaram-no de vira-casacas. Na altura, lembro-me que as palavras mais sábias que ouvi foram as de Paulo Sousa. Segundo o ex-internacional, as transferências de jogadores entre clubes rivais, em Itália, eram uma coisa normalíssima porque o futebol tinha um estatuto profissional que em Portugal, por exemplo, não tinha. Essas palavras, creio, ilustram aquilo que penso acerca do futebol enquanto profissão. Para muitos, o futebol deve ter um estatuto especial e os jogadores, ainda que trabalhadores como outros quaisquer, não devem poder gerir a carreira como faz toda a gente. Não concordo com isto. O futebol, pela mediatização que tem, pela ligação que os trabalhadores de determinado clube (jogadores) estabelecem com os simpatizantes desse clube, constitui-se como uma realidade diferente de uma qualquer empresa. Mas, em abono da verdade, isso é responsabilidade de quem estabelece essa ligação, ou seja, dos adeptos. Um jogador é um trabalhador como outro qualquer, que tem um contrato e que representa, segundo o firmado no contrato, um determinado clube. Se, por acaso, receber uma proposta melhor, tem toda a legitimidade para a querer aceitar, desde que não infrinja o contrato. Se ninguém questiona um contabilista por abandonar a empresa que representou durante alguns anos quando este recebe uma proposta irrecusável de uma multinacional que lhe pagará dez vezes mais, ninguém pode questionar um jogador de futebol por querer melhorar as suas condições financeiras e laborais.
Dir-me-ão, nesta altura, que os jogadores de futebol deveriam ter mais amor à camisola, sobretudo jogadores que nasceram e cresceram para o futebol num determinado clube e que, à primeira oportunidade, lhes viram as costas. Antes de mais, um clube, ao formar um jogador, não tem apenas intenções altruístas; a aposta de um clube num jogador tem sempre em conta um potencial de evolução que poderá render milhões ao clube no futuro, quer através de uma futura transferência, quer através de feitos desportivos. Portanto, creio, assumir que um jogador é ingrato por querer sair é uma estupidez, uma vez que foi para isso, principalmente, que foi formado.
Mas aquilo que me importa esclarecer é a questão do amor à camisola. Achar que Moutinho é ingrato é presumir que Moutinho deve algo, mais do que ao Sporting enquanto entidade patronal, ao Sporting enquanto entidade afectiva. Os adeptos, pelo carinho com que tratam os jogadores, imaginam que estes lhes devem algo em troca, uma espécie de amor fraterno. Mas isso não é verdade. O carinho dos adeptos é já a recompensa pelos feitos do jogador; ao lhes reconhecerem valor estão imediatamente a estipular uma reciprocidade de afectos. Moutinho, à massa adepta, não deve nada, porque o próprio carinho que lhe deram é já a recompensa por aquilo que ele, Moutinho, lhes deu. Neste sentido, um jogador só deve algo à entidade empregadora e essa dívida está negociada desde a assinatura do contrato. Se Moutinho, Quaresma e Miguel Veloso desejam sair, esse é um problema deles. Deles e da entidade empregadora. Nunca dos adeptos. Imaginar que um jogador, ao desejar abandonar um clube, está a atraiçoar esse clube é o mesmo que imaginar que um accionista de uma qualquer empresa tem o direito de se sentir indignado por o contabilista dessa empresa querer abandoná-la porque recebeu uma proposta melhor de outra empresa. E isto é, creio, insensato. Eu sei que o futebol é uma realidade diferente e que há emoções envolvidas que não há no mundo empresarial. Mas, antes de ser objecto de emoções, um jogador é um profissional como outro qualquer. E nenhum adepto respeita um jogador se não respeitar esta hierarquia de estatutos. Isto significa que os adeptos que não respeitam a vontade de um jogador, por mais errada que seja, apenas o acarinham porque defende os interesses do clube de que gosta. Nestas circunstâncias, um adepto que não aceite a vontade de sair de um jogador não gosta do jogador, mas apenas do objecto que ele é enquanto activo do seu clube. Considero, por isso, que a vontade de sair de Moutinho é perfeitamente legítima, conquanto a não compreenda do ponto de vista do progresso da sua carreira desportiva.
Há, nesta altura, a necessidade de referir casos especiais em que os jogadores trocam os clubes onde são muito apreciados por clubes rivais. O caso de Christian Rodriguez é o exemplo mais recente, mas o mais mediático de sempre será, provavelmente, o de Luís Figo, quando se transferiu do Barcelona para o Real Madrid. Os dois casos têm semelhanças, se bem que no caso do uruguaio haja a suspeita de que as negociações com o Porto já decorriam há muito tempo. Tanto num caso como noutro, os clubes de origem (Benfica e Barcelona) tiveram hipóteses de satisfazer as pretensões dos jogadores antes de os perderem. Se o Benfica sabia, à partida, que não conseguindo chegar a acordo com o jogador, o perdia (ainda que não fosse facilmente presumível que um clube rival o aproveitaria), já o Barcelona confiou na sorte, imaginando que ninguém fosse louco o suficiente para vencer a cláusula de rescisão de Figo, e rejeitou negociar um contrato mais proveitoso para o português (na altura, Figo recebia sensivelmente metade do que recebia Rivaldo e as suas pretensões não visavam receber mais do que o brasileiro, portanto, não era nada que o Barcelona não pudesse dispender pelo seu capitão de equipa e jogador mais influente). Ao se transferirem para o Porto e para o Real Madrid, Rodriguez e Figo foram apelidados de mercenários. Mas a verdade é que qualquer jogador de futebol e qualquer profissional de qualquer área é, neste sentido, mercenário. E tem legitimidade para o ser, porque não está em causa uma simples troca de camisolas, mas melhores condições profissionais.
Nada disto seria relevante se não existisse essa coisa abstracta que une adeptos a clubes: o clubismo. O clubismo, como qualquer espécie de paixão, é irracional por natureza; as suas origens estão na educação, nas primeiras simpatias da infância, na partilha de valores, no sentimento de pertença colectiva. É um sentimento com o qual se aprende a viver, um modo de estar na vida, como uma religião. É adquirido como são adquiridas as paixões das crianças: gosta-se de um clube porque foi o primeiro de que se aprendeu a gostar ou porque as pessoas que nos rodeavam gostavam desse clube. Não tem, por isso, qualquer fundamento racional. Por isso, enquanto sentimento irracional, facilmente gera amores e ódios. Nesse sentido, o clubismo promove comportamentos tendenciosos: há a tendência para valorizar, num jogador, o seu estatuto de elemento do clube com o qual se simpatiza e para desvalorizar o seu estatuto de indivíduo, com necessidades e responsabilidades. À luz do clubismo, um jogador do clube de que se gosta é um cruzado, alguém que tem de estar ao serviço da causa do clube. Rejeitar esta causa é, deste ponto de vista, uma heresia. Considero, por isso, que o clubismo, por causa da sua irracionalidade, ignora o estatuto de trabalhador livre que o jogador tem de possuir. Antes de servir a causa do clube cujas cores defende, um jogador é um profissional como outro qualquer, com responsabilidades e necessidades profissionais individuais, que lhe dizem respeito apenas a ele. Antes de dever respeito ao clube, um jogador deve respeito a si próprio. O clubismo ignora ou inverte esta relação e considera que qualquer jogador que olhe para o seu umbigo antes de olhar para os interesses do clube está a incorrer numa atitude condenável. Mas essa é uma forma irracional de se ver as coisas. Racionalmente, não há qualquer compromisso mais importante que aquele que o jogador tem para consigo.
Este argumento leva-me para aquilo que de mais importante queria dizer e que está relacionado com o conceito de "amor à camisola". Serei, desde logo, muito claro: para mim, não existe nem nunca existiu aquilo a que se chama amor à camisola. Nem tem de existir. Hoje em dia, muita gente diz que já nenhum jogador tem amor à camisola. Não concordo com isto porque não concordo que algum dia tenha havido uma coisa como essa. Ainda assim, percebo perfeitamente o sentimento que motiva este desabafo. Antigamente, os jogadores faziam carreira quase sem trocar de clubes, o que ajudava a criar laços com a massa adepta, laços esses que, hoje em dia, dificilmente existem. Esses laços, contudo, eram resultado do mercado e não um valor moral que entretanto desapareceu. Se o futebol fosse, nessa altura, o fenómeno que é hoje, esses laços teriam tanta dificuldade em se revelarem como agora. A isto dir-me-iam que os jogadores só se interessam pelo dinheiro. A isto responderia que os jogadores são profissionais e, se há mercado disposto a pagar-lhes mais pelo que eles fazem, seria ridículo não o aproveitar. Neste ponto da discussão, alguém se levantaria, com certeza, e diria que o problema é haver tanto dinheiro envolvido no futebol e que, antigamente, como o futebol não era um negócio ou uma profissão, mas muito mais uma actividade recreativa, os jogadores jogavam nos clubes onde se sentiam bem e não onde lhes pagavam mais. Concordo com isto. Mas o problema não é o dinheiro, como parecem pensar. O dinheiro só torna mais fácil o que antigamente já existia: os jogadores respondem e responderam sempre a necessidades individuais e não um pretenso amor ao clube; se ficavam muitos anos num clube era por se sentirem bem, em primeiro lugar, com os colegas, com os treinadores, com as pessoas próximas com quem conviviam. Nenhum jogador, por mais amor ao clube que tivesse, insistiria em permanecer num clube apenas por gostar muito desse clube. Ou seja, o que pretendo dizer é que o emblema não é nem nunca foi a causa pela qual os jogadores resistiam a sair para outros clubes; as causas foram, essas sim, o comodismo, a amizade dos colegas, etc. Jamais o respeito pelo clube.
O ano passado, aquando do mundial de rugby, muita gente se lembrou de tirar partido daquilo que "Os Lobos" fizeram e de afirmar que o patriotismo daquela selecção era exemplar: sem receberem dinheiro, sem condições para treinar, tinham ultrapassado todas as dificuldades e estavam, em nome de Portugal, a disputar um campeonato do mundo. E quiseram comparar o seu comportamento com o dos jogadores de futebol em geral, dizendo que aos segundos faltava aquilo que nos primeiros abundava: amor à camisola. Isto é um absurdo! E é um absurdo porque antes de estarem ali a defender o nome de Portugal, estavam ali por eles próprios, pelo orgulho individual de disputar um mundial. Se cantaram o hino da maneira que cantaram, não é por sentirem o país com mais ferocidade; é, isso sim, porque tinham conseguido algo de muito importante para eles próprios. Não havia ali nenhum amor à camisola; havia, isso sim, orgulho, um orgulho forte, porque talvez estivesse ali em jogo a oportunidade de uma vida. Pensar que um jogador de rugby tem mais patriotismo porque ganha menos dinheiro é absurdo. Um jogador de rugby tem o mesmo tipo de respeito para com aquilo que faz que um jogador de futebol e esse respeito é univocamente direccionado para si. O conceito de "amor à camisola" é uma fantochada criada por quem considera que o dinheiro veio corromper os valores morais de antigamente. Mas esses valores morais já então não existiam. Só não havia era como pô-los à prova. Muito mais do que a um clube, do que a uma massa associativa, do que a um emblema, do que a uma camisola, um jogador deve respeito a si próprio. É muito mais forte o sentimento egoísta de realização pessoal do que o sentimento humilde de servir uma causa. Neste sentido, o amor à camisola de que falam não é amor à camisola, mas amor-próprio.
Em primeiro lugar, ninguém conhece a fundo as razões do jogador para querer sair, pelo que não me parece justo assumir que Moutinho pretende o Everton apenas por questões monetárias. Quanto a mim, acho que o jogador poderia almejar muito mais do que um clube do meio da tabela em Inglaterra, mas essa é uma opção do jogador. Em segundo lugar, não se sabem, com exactidão, quais as verdadeiras palavras de Moutinho e em que contexto foram proferidas. Os adeptos do Sporting, sobretudo os mais fervorosos, não pensaram, todavia, duas vezes antes de condenarem o jogador. Assim, aquele que era até então um ídolo e um exemplo de profissionalismo é agora visto como um traidor, um mercenário como tantos outros.
Quando João Pinto assinou pelo Sporting, muitos benfiquistas, ainda que o jogador não tivesse tido qualquer culpa na forma como tinha sido empurrado para fora do clube, apelidaram-no de vira-casacas. Na altura, lembro-me que as palavras mais sábias que ouvi foram as de Paulo Sousa. Segundo o ex-internacional, as transferências de jogadores entre clubes rivais, em Itália, eram uma coisa normalíssima porque o futebol tinha um estatuto profissional que em Portugal, por exemplo, não tinha. Essas palavras, creio, ilustram aquilo que penso acerca do futebol enquanto profissão. Para muitos, o futebol deve ter um estatuto especial e os jogadores, ainda que trabalhadores como outros quaisquer, não devem poder gerir a carreira como faz toda a gente. Não concordo com isto. O futebol, pela mediatização que tem, pela ligação que os trabalhadores de determinado clube (jogadores) estabelecem com os simpatizantes desse clube, constitui-se como uma realidade diferente de uma qualquer empresa. Mas, em abono da verdade, isso é responsabilidade de quem estabelece essa ligação, ou seja, dos adeptos. Um jogador é um trabalhador como outro qualquer, que tem um contrato e que representa, segundo o firmado no contrato, um determinado clube. Se, por acaso, receber uma proposta melhor, tem toda a legitimidade para a querer aceitar, desde que não infrinja o contrato. Se ninguém questiona um contabilista por abandonar a empresa que representou durante alguns anos quando este recebe uma proposta irrecusável de uma multinacional que lhe pagará dez vezes mais, ninguém pode questionar um jogador de futebol por querer melhorar as suas condições financeiras e laborais.
Dir-me-ão, nesta altura, que os jogadores de futebol deveriam ter mais amor à camisola, sobretudo jogadores que nasceram e cresceram para o futebol num determinado clube e que, à primeira oportunidade, lhes viram as costas. Antes de mais, um clube, ao formar um jogador, não tem apenas intenções altruístas; a aposta de um clube num jogador tem sempre em conta um potencial de evolução que poderá render milhões ao clube no futuro, quer através de uma futura transferência, quer através de feitos desportivos. Portanto, creio, assumir que um jogador é ingrato por querer sair é uma estupidez, uma vez que foi para isso, principalmente, que foi formado.
Mas aquilo que me importa esclarecer é a questão do amor à camisola. Achar que Moutinho é ingrato é presumir que Moutinho deve algo, mais do que ao Sporting enquanto entidade patronal, ao Sporting enquanto entidade afectiva. Os adeptos, pelo carinho com que tratam os jogadores, imaginam que estes lhes devem algo em troca, uma espécie de amor fraterno. Mas isso não é verdade. O carinho dos adeptos é já a recompensa pelos feitos do jogador; ao lhes reconhecerem valor estão imediatamente a estipular uma reciprocidade de afectos. Moutinho, à massa adepta, não deve nada, porque o próprio carinho que lhe deram é já a recompensa por aquilo que ele, Moutinho, lhes deu. Neste sentido, um jogador só deve algo à entidade empregadora e essa dívida está negociada desde a assinatura do contrato. Se Moutinho, Quaresma e Miguel Veloso desejam sair, esse é um problema deles. Deles e da entidade empregadora. Nunca dos adeptos. Imaginar que um jogador, ao desejar abandonar um clube, está a atraiçoar esse clube é o mesmo que imaginar que um accionista de uma qualquer empresa tem o direito de se sentir indignado por o contabilista dessa empresa querer abandoná-la porque recebeu uma proposta melhor de outra empresa. E isto é, creio, insensato. Eu sei que o futebol é uma realidade diferente e que há emoções envolvidas que não há no mundo empresarial. Mas, antes de ser objecto de emoções, um jogador é um profissional como outro qualquer. E nenhum adepto respeita um jogador se não respeitar esta hierarquia de estatutos. Isto significa que os adeptos que não respeitam a vontade de um jogador, por mais errada que seja, apenas o acarinham porque defende os interesses do clube de que gosta. Nestas circunstâncias, um adepto que não aceite a vontade de sair de um jogador não gosta do jogador, mas apenas do objecto que ele é enquanto activo do seu clube. Considero, por isso, que a vontade de sair de Moutinho é perfeitamente legítima, conquanto a não compreenda do ponto de vista do progresso da sua carreira desportiva.
Há, nesta altura, a necessidade de referir casos especiais em que os jogadores trocam os clubes onde são muito apreciados por clubes rivais. O caso de Christian Rodriguez é o exemplo mais recente, mas o mais mediático de sempre será, provavelmente, o de Luís Figo, quando se transferiu do Barcelona para o Real Madrid. Os dois casos têm semelhanças, se bem que no caso do uruguaio haja a suspeita de que as negociações com o Porto já decorriam há muito tempo. Tanto num caso como noutro, os clubes de origem (Benfica e Barcelona) tiveram hipóteses de satisfazer as pretensões dos jogadores antes de os perderem. Se o Benfica sabia, à partida, que não conseguindo chegar a acordo com o jogador, o perdia (ainda que não fosse facilmente presumível que um clube rival o aproveitaria), já o Barcelona confiou na sorte, imaginando que ninguém fosse louco o suficiente para vencer a cláusula de rescisão de Figo, e rejeitou negociar um contrato mais proveitoso para o português (na altura, Figo recebia sensivelmente metade do que recebia Rivaldo e as suas pretensões não visavam receber mais do que o brasileiro, portanto, não era nada que o Barcelona não pudesse dispender pelo seu capitão de equipa e jogador mais influente). Ao se transferirem para o Porto e para o Real Madrid, Rodriguez e Figo foram apelidados de mercenários. Mas a verdade é que qualquer jogador de futebol e qualquer profissional de qualquer área é, neste sentido, mercenário. E tem legitimidade para o ser, porque não está em causa uma simples troca de camisolas, mas melhores condições profissionais.
Nada disto seria relevante se não existisse essa coisa abstracta que une adeptos a clubes: o clubismo. O clubismo, como qualquer espécie de paixão, é irracional por natureza; as suas origens estão na educação, nas primeiras simpatias da infância, na partilha de valores, no sentimento de pertença colectiva. É um sentimento com o qual se aprende a viver, um modo de estar na vida, como uma religião. É adquirido como são adquiridas as paixões das crianças: gosta-se de um clube porque foi o primeiro de que se aprendeu a gostar ou porque as pessoas que nos rodeavam gostavam desse clube. Não tem, por isso, qualquer fundamento racional. Por isso, enquanto sentimento irracional, facilmente gera amores e ódios. Nesse sentido, o clubismo promove comportamentos tendenciosos: há a tendência para valorizar, num jogador, o seu estatuto de elemento do clube com o qual se simpatiza e para desvalorizar o seu estatuto de indivíduo, com necessidades e responsabilidades. À luz do clubismo, um jogador do clube de que se gosta é um cruzado, alguém que tem de estar ao serviço da causa do clube. Rejeitar esta causa é, deste ponto de vista, uma heresia. Considero, por isso, que o clubismo, por causa da sua irracionalidade, ignora o estatuto de trabalhador livre que o jogador tem de possuir. Antes de servir a causa do clube cujas cores defende, um jogador é um profissional como outro qualquer, com responsabilidades e necessidades profissionais individuais, que lhe dizem respeito apenas a ele. Antes de dever respeito ao clube, um jogador deve respeito a si próprio. O clubismo ignora ou inverte esta relação e considera que qualquer jogador que olhe para o seu umbigo antes de olhar para os interesses do clube está a incorrer numa atitude condenável. Mas essa é uma forma irracional de se ver as coisas. Racionalmente, não há qualquer compromisso mais importante que aquele que o jogador tem para consigo.
Este argumento leva-me para aquilo que de mais importante queria dizer e que está relacionado com o conceito de "amor à camisola". Serei, desde logo, muito claro: para mim, não existe nem nunca existiu aquilo a que se chama amor à camisola. Nem tem de existir. Hoje em dia, muita gente diz que já nenhum jogador tem amor à camisola. Não concordo com isto porque não concordo que algum dia tenha havido uma coisa como essa. Ainda assim, percebo perfeitamente o sentimento que motiva este desabafo. Antigamente, os jogadores faziam carreira quase sem trocar de clubes, o que ajudava a criar laços com a massa adepta, laços esses que, hoje em dia, dificilmente existem. Esses laços, contudo, eram resultado do mercado e não um valor moral que entretanto desapareceu. Se o futebol fosse, nessa altura, o fenómeno que é hoje, esses laços teriam tanta dificuldade em se revelarem como agora. A isto dir-me-iam que os jogadores só se interessam pelo dinheiro. A isto responderia que os jogadores são profissionais e, se há mercado disposto a pagar-lhes mais pelo que eles fazem, seria ridículo não o aproveitar. Neste ponto da discussão, alguém se levantaria, com certeza, e diria que o problema é haver tanto dinheiro envolvido no futebol e que, antigamente, como o futebol não era um negócio ou uma profissão, mas muito mais uma actividade recreativa, os jogadores jogavam nos clubes onde se sentiam bem e não onde lhes pagavam mais. Concordo com isto. Mas o problema não é o dinheiro, como parecem pensar. O dinheiro só torna mais fácil o que antigamente já existia: os jogadores respondem e responderam sempre a necessidades individuais e não um pretenso amor ao clube; se ficavam muitos anos num clube era por se sentirem bem, em primeiro lugar, com os colegas, com os treinadores, com as pessoas próximas com quem conviviam. Nenhum jogador, por mais amor ao clube que tivesse, insistiria em permanecer num clube apenas por gostar muito desse clube. Ou seja, o que pretendo dizer é que o emblema não é nem nunca foi a causa pela qual os jogadores resistiam a sair para outros clubes; as causas foram, essas sim, o comodismo, a amizade dos colegas, etc. Jamais o respeito pelo clube.
O ano passado, aquando do mundial de rugby, muita gente se lembrou de tirar partido daquilo que "Os Lobos" fizeram e de afirmar que o patriotismo daquela selecção era exemplar: sem receberem dinheiro, sem condições para treinar, tinham ultrapassado todas as dificuldades e estavam, em nome de Portugal, a disputar um campeonato do mundo. E quiseram comparar o seu comportamento com o dos jogadores de futebol em geral, dizendo que aos segundos faltava aquilo que nos primeiros abundava: amor à camisola. Isto é um absurdo! E é um absurdo porque antes de estarem ali a defender o nome de Portugal, estavam ali por eles próprios, pelo orgulho individual de disputar um mundial. Se cantaram o hino da maneira que cantaram, não é por sentirem o país com mais ferocidade; é, isso sim, porque tinham conseguido algo de muito importante para eles próprios. Não havia ali nenhum amor à camisola; havia, isso sim, orgulho, um orgulho forte, porque talvez estivesse ali em jogo a oportunidade de uma vida. Pensar que um jogador de rugby tem mais patriotismo porque ganha menos dinheiro é absurdo. Um jogador de rugby tem o mesmo tipo de respeito para com aquilo que faz que um jogador de futebol e esse respeito é univocamente direccionado para si. O conceito de "amor à camisola" é uma fantochada criada por quem considera que o dinheiro veio corromper os valores morais de antigamente. Mas esses valores morais já então não existiam. Só não havia era como pô-los à prova. Muito mais do que a um clube, do que a uma massa associativa, do que a um emblema, do que a uma camisola, um jogador deve respeito a si próprio. É muito mais forte o sentimento egoísta de realização pessoal do que o sentimento humilde de servir uma causa. Neste sentido, o amor à camisola de que falam não é amor à camisola, mas amor-próprio.
19 comentários:
olha, eu aprecio muito os teus textos, mas não posso concordar com este.
O que está em causa aqui , não é o Moutinho não ter direito a sair, nem a procurar condições mais vantajosas e negociar um contrato melhor. O problema aqui, é a forma desrespeitusa com que falou na comunicação social. Porque não podia tratar disso internamente? Ainda por cima ele é o capitão de equipa, com toda a carga simbólica que essa posição tem.
Depois, acho que está a sobrepõr os valores do mercado, aos valores morais. É óbvio que é o mercado que faz mover o mundo, e é isso que nos paga todos os bens materiais, segundo devem sempre estar assentes numa base de moralismo e de valores, e condutas. E sem isso não aceito. Tu não acreditas nem segues quaisquer valores morais, quer no trabalho, quer na vida? Ou moves-te pura e simplesmente pelo dinheiro? Eu acho que uma não pode (ou pelo menos não deve ) existir sem a outra. Mas se calhar não pensas assim...
josé, em relação ao Moutinho, plenamente de acordo. Não foquei a forma como ele agiu, mas apenas a sua vontade de sair. E não o fiz porque não sei como foram realmente as suas palavras, não sei se não haverá exagero dos jornais, se aquilo que ele disse foi um desabafo ou não. Já li palavras dele em que ele é muito correcto e, embora deixe transparecer a sua vontade de sair, não o faz de forma intransigente. Por isso, não sei. Se é como parece, a sua conduta foi desnecessária, embora a vontade de sair seja dele e só dele.
Quanto aos valores morais, é evidente que prezo pessoas que conseguem conciliar as duas coisas. Mas não sou ninguém para ajuizar isso. Se um jogador deseja ganhar mais e, para isso, tem de parecer moralmente mal, não tenho nada a ver com isso. Isso é com ele e eu só tenho de respeitar. O conteúdo do meu texto só consiste em dizer que a vontade de sair do Moutinho ou de qualquer outro jogador não é uma forma de desrespeito pelo clube. Se a sua reputação fica abalada, é outra coisa. Mas o clube e os adeptos, para mim, não têm nada a ver com o facto de ele querer sair.
"Tu não acreditas nem segues quaisquer valores morais, quer no trabalho, quer na vida?"
Seguir valores morais no trabalho é respeitar o contrato. Mais nada. É o contrato profissional que estipula os valores. Se o Moutinho quer quebrar o compromisso contratual que assinou, acho que não tem razaõ. Agora, ter o desejo de sair não implica que ele não respeite o contrato que assinou. Logo, moralmente, no trabalho, não está a falhar.
Abraço!
es como o manuel serrão:
Um parlapatão!
Pois... Nuno, sabes que penso de maneira diferente. Para já não posso comparar esta profissão, futebolista, à maioria das outras. Em portugal pelo menos, já que há outros paises em que os jogadores são, por exemplo, obrigados a cumprir as 7 horas laborais, diariamente. E isto é so um exemplo.
Por ai, ao considerares o futebolista um jogador como outro profissional qlq, não poderias admitir que estes se queixassem quando são injustiçados, quer pela massa associativa, quer pelo treinador, quer pela táctica do mister, que não se coaduna com as caracteristicas do jogador...
Isto para dizer que cada profissão está dependente, e relacionada com as suas idiossincrasias.
No futebol é esse compromisso das emoções, desses sentimentos. Porque para os futebolistas serem renumerados, tem de existir esse compromisso, esse afecto dos adeptos pelos clubes e respectivos jogadore, que sustentam, directa, ou indirectamente, o modo de vida dos futebolista.
Os futebolistas, não produzem, nem proporcionam serviços, apenas se exibem para os adeptos. Como tal terão de ter outras "obrigações" que outros não as terão.
Qt ao amor à camisola, pensamos de maneira diferente, e por isso aceito que não o sintas, sem que isso faça de ti um gajo sem valor ou moral.
Gd abraço
Gonçalo, é bom que discordemos de vez em quando, até para calar alguns palermas que vêm para aqui dizer que temos pensamentos decalcados um do outro...
Tudo bem, podemos distinguir a profissão de futebolista de outras profissões e inclui-la, pela exposição pública que acarreta, junto de profissões artísticas, que visam um público. Mas se o compararmos a qualquer outro artista, temos o mesmo problema. Ninguém se pode queixar se um cantor decidir ir fazer carreira no estrangeiro, por exemplo. Ninguém se pode queixar de o Joaquim de Almeida ter ido para os Estados Unidos e debilitado assim o cinema português. E não se faz isso porque, apesar de haver reconhecimento e carinho por parte do público, não há, entre artista e público, a mediação do clube. O problema é que, no futebol, o amor ao clube se sobrepõe ao amor aos jogadores desse clube. E é isto que eu considero que não é justo. Porquê? Porque se o jogador é apreciado, deve ser apreciado enquanto tal e não enquanto jogador de um clube. Se se opta por se amar o clube incondicionalmente, não se pode amar os jogadores, logo não faz sentido criticá-los porque outros virão fazer o seu papel.
Consideras que no futebol há um compromisso dos jogadores com as emoções. Eu, sinceramente, não o acho. Os jogadores, enquanto representantes de um clube, tem a prioridade de trabalhar para resultados práticos. E é a conquista desses resultados práticos que, por consequência, acarreta emoções. Ou seja, o jogador não está ali para garantir emoções, mas em prol de um objectivo prático. Esse objectivo prático é que, depois, pode resultar em emoções. Ou seja, os futebolistas são remunerados para atingir objectivos práticos e não para estabelecer emoções com um público que os sustenta com a sua presença. Se assim fosse, o futebol era circo. No circo, o espectáculo tem de ser o mais aliciante possível para que o público se interesse e pague o espectáculo. No futebol, há resultados práticos que se sobrepõem ao aliciamento de público. O futebolista é pago para atingir esses resultados práticos e não para aliciar o público. Esse aliciamento será consigo a posteriori, pelos resultados práticos. Desse modo, discordo do facto de os futebolistas não proporcionarem serviços e apenas se exibirem para os adeptos. Acho que proporcionam serviços e que não têm outras obrigações para além desses serviços. E nisto até acho que concordas comigo. Sei que repudias, tanto quanto eu, as pessoas que se regozijam com números de jogadores completamente inconsequentes. Nesse sentido, aquilo que um jogador deve exibir é sempre um serviço, algo consequente, ou seja, um serviço. Não têm obrigação, por si só, de cativar o público através da sua habilidade. A sua única obrigação é pôr esse habilidade ao serviço dos interesses da equipa.
Quanto ao amor à camisola, eu não digo que não posso existir. Mas nunca existe sozinho, nunca é algo puramente altruísta. Um jogador que veste a camisola do seu clube não se sente agradecido por jogar no clube do coração; sente-se orgulhoso. O amor à camisola não existe independentemente. Existe sempre em conjunto com um orgulho pessoal que lhe é muito superior. E nenhum jogador consciente poderá ser altruísta o suficiente para amar o clube ao ponto de rejeitar os seus interesses pessoais. Por mais benfiquismo que o Rui Costa tenha, ele nunca jogou melhor ou pior por causa dessa paixão, ele nunca hipotecou a sua carreira profissional por esse amor. O amor à camisola pode existir, mas nunca é superior ao orgulho pessoal. Nem tem de ser. Quem representa um clube, por mais amor que tenha ao clube, não o representa como um missionário representa um credo. O missionário acredita que é um peão a agir sob o comando de um Deus; o jogador, por mais que ame o clube, está em primeiro lugar a representar-se a si e a agir sob o comando do seu orgulho pessoal e só depois sob o comando dos interesses do seu clube.
Abraço!
Numa só palavra: ética...
O que é isso, anónimo?
Percebo perfeitamente o que o Nuno quer dizer, apesar da minha opinião se aproximar mais da do Gonçalo.
O problema aqui, a meu ver, é que o Futebol é uma actividade tão diferente de tudo o resto, que não se pode comparar nem a um emprego emrpesarial, nem a uma actividade artística; e até, provavelemente, nem a outro desporto qualquer.
Considero que existe esse tal de "amor à camisola", mas tal como o Nuno, acho que isso não provém do afecto do jogador pelo clube em si; ou seja, um jogador com "amor à camisola" não é como um adepto.
Por exemplo, um Rui Costa nunca voltaria ao Benfica se a massa associativa não tivesse tamanho apreço por ele. Não voltaria ao Benfica se não estivesse em final de carreira. Não voltaria ao Benfica se não fosse um grande jogador, até. No entanto, e apesar disso, apesar de ter ido para a Fiore e para o Milan, será que foi um mercenário por causa disso?
O Maldini nunca teria ficado a carreira toda no Milan se não fosse amado, se não fosse bom jogador, até se não fosse italiano, quem sabe.
Dois exemplos simples que mostram que, apesar de o "amor à camisola" de um jogador por um clube ser, na minha opinião, uma coisa que pode perfeitamente existir, essa coisa não existe apenas porque esse jogador quando era pequenino era adepto desse clube.
abraço
Dou razão ao Nuno na parte em que frisa que não conhecemos os moldes das declarações de Moutinho. E tudo o que vou referir em seguida é salvaguardando que no caso de Moutinho possa não saber a verdade toda.
De resto não concordo muito com a opinião dele. Quanto a mim um jogador de futebol não é um trabalhador como outro qualquer, primeiro porque não é pago como outro qualquer, depois porque os outros não passam a vida a ter aumentos de ordenados de milhares de € ano a ano, ou de 2 em 2 e a receber chorudos prémios de assinatura. Mas mais importante por causa do que as suas acções acarretam em termos de sociedade.
Podem dizer que um jogador não tem obrigações para com a sociedade, mas tem, todos temos, uns mais que outros dependendo da nossa "dimensão", e se quando lhes interessa eles sabem usar isso, têm também o dever de usar esse responsabilidade quando não lhes convém.
Os jogadores sabem pedir ordenados maiores pelo peso que têm em termos de massa associativa, em termos de Marketing, de equipa, sabem pedir mais € cada vez que fazem um anuncio porque a imagem deles vale muito €, então quando é ao contrario moralmente deveriam também fazer-se valer da sua imagem e aprender a ter a atitude certa. Se Moutinho, e “CRonaldos” e todos estes gajos sabem que querem trocar de clube porque é que mesmo assim assinam contratos chorudos meses antes, onde recebem geralmente bons prémios de assinatura e vêm o ordenado ser aumentado até que possam mudar de clube?? A isto chamo falta de carácter!! Atitudes como esta e do “escravo” mais bem pago da história para mim mostram o que realmente as pessoas são, e por mais que digam que ele anda a treinar, e que só disse que queria sair, o que eles estão a tentar é arranjar maneira de ficarem com o mínimo de condições possível a fim de o clube ser “obrigado” a vende-los.
Têm todo o direito de querer procurar o melhor para eles, mas se sabem o que querem procedam do modo correcto. Eu se quiser mudar de empresa não vou pedir um aumento na minha, ou se quiser sair e não me estiverem a deixar, não vou arranjar merda dentro da empresa para que seja impossível ficar lá. E não ganho 1/100 do que este gajos ganham!! E não faço isto, e continuo a quer o melhor para mim, vou continuar a lutar por isso, mas com sem faltar ao respeito a ninguém.
Abraço
Que grandes textos...
Acho que há maneiras de fazer as coisas, o Simão sair do Benfica acho que é a maneira correcta de proceder, o Hugo Leal sir do Benfica é a maneira mais errada/irracional de sempre.
Um jogador que sai a custo zero de um clube que o formou não tem qualquer valor moral ou ético...
Ainda há provas de amor á camisola, o caso do Lucarelli do Livorno e do Rui Costa.
Conseguiste resumir tudo em menos de 15.000 caracteres!
Falta enquadrar o Ronaldo nessa tua opinião.
Boa análise, cheia de racionalismo.
No entanto, estou muito mais próximo da opinião do Gonçalo.
Para além disso (do necessário racionalismo), o jogo, sobretudo sob o ponto de vista do adepto, é pura emoção, é apenas assim que o concebo (na perspectiva de adepto de um clube, claro).
Grande abraço Nuno
E mais, não concordo nada com a tua visão pragmática do amor à camisola. Acredito e existem vários exemplos a sustentar a minha crença, que um jogador se ligue emocionalmente a um "emblema".
Entre muitos outros, relembro-te um: Di Livio...
Abraço
Ponto prévio: não digo que não haja jogadores que amem o clube. O que digo é que esse amor à camisola nunca é isolado, está sempre associado a um orgulho pessoal e este é sempre superior ao primeiro.
Cajó diz: "O problema aqui, a meu ver, é que o Futebol é uma actividade tão diferente de tudo o resto, que não se pode comparar nem a um emprego emrpesarial, nem a uma actividade artística; e até, provavelemente, nem a outro desporto qualquer."
Aceito que o futebol é diferente da actividade empresarial porque tem uma exposição pública maior. Aceito que o futebol é diferente da actividade artística porque um jogador, ao contrário de um artista, tem objectivos práticos concretos e não apenas o objectivo de entreter. Mas não aceito que seja diferente de outro desporto qualquer, ainda que seja o desporto mais mediático. Isso seria o mesmo que achar que os futebolistas dos clubes grandes são diferentes dos futebolistas de ligas profissionais secundárias, pois são mais mediáticos e ganham mais. Não concordo com isto. São profissionais como todos os outros, embora ganhem mais e estejam mais expostos.
jp diz: "Quanto a mim um jogador de futebol não é um trabalhador como outro qualquer, primeiro porque não é pago como outro qualquer, depois porque os outros não passam a vida a ter aumentos de ordenados de milhares de € ano a ano, ou de 2 em 2 e a receber chorudos prémios de assinatura. Mas mais importante por causa do que as suas acções acarretam em termos de sociedade."
Não é pago como outro qualquer, mas também não tem a mesma exposição que outro qualquer. Acho que aquilo que um jogador de futebol ganha está directamente relacionado com a exposição que tem e com aquilo que o mercado tem para oferecer. Ou seja, os jogadores de futebol não ganham muito dinheiro porque merecem mais que os outros, mas sim porque existe um mercado que torna possível que ganhem isso. Agora, o facto de ganharem mais ou menos não lhes dá mais ou menos responsabilidades. Quanto aos aumentos de dois em dois anos, tem mais uma vez a ver com o mercado e com a necessidade dos clubes de se precaverem da saída dos jogadores. Ou seja, é o mercado que condiciona isso e não os jogadores. O que eu não percebo é que obrigações sociais é que os jogadores têm a mais do que quem não é jogador. Pelo que percebi, consideras que a dimensão de um jogador (isto é, a sua exposição social) o obriga a coisas a que as outras pessoas não estão obrigadas. Eu não concordo. As obrigações sociais são iguais às dos outros. Aliás, até pagam mais impostos que as pessoas que ganham menos. Se aquilo a que te referes é ao exemplo que devem dar, também não concordo. É verdade que, por serem mediáticos, poderiam ter uma atitude mais exemplar, já que são o paradigma para muita gente. Mas isso, sinceramente, não é da responsabilidade deles. É de quem faz deles exemplos. Acho que uma pessoa, por mais que ganhe e por mais mediática que seja, tem o mesmo tipo de liberdade que as outras desde que não tenha cargos públicos. Se me falares dum primeiro-ministro que fuma num avião, como é óbvio, considero errado, pois ele tem um cargo público e, ao partir para o mesmo, sabe que tem de comportar-se como uma figura exemplar. Já um jogador é como um artista e, desde que cumpra a sua actividade de consciência tranquila, desde que faça o melhor em termos profissionais, não tem que ser mais ou menos correcto moralmente. A mediatização não acarreta, por si só, obrigações éticas.
Agora, se o jogador usar a sua mediatização para forçar a infracção do contrato é outra coisa. Mas, se o Moutinho manifestar a sua vontade em sair, porque a proposta lhe agrada, mas fazer depender a saída do acordo entre Sporting e Everton, acho que não tem que ser julgado por isso. Isto é, desde que continue a ser profissional, a empenhar-se pelo clube a que ainda está vinculado, pode perfeitamente ter o desejo de sair e de tornar público esse desejo.
Bad-Religion, quanto ao Hugo Leal, sempre tive uma posição contrária. O Hugo Leal fora o capitão da equipa campeã do mundo de sub-16, era o jogador mais promissor da sua geração, tinha feito uma época brilhante no Benfica e continuava a ser dos mais mal pagos. Exigiu a negociação de um novo contrato e o Vale e Azevedo recusou. É verdade que rescindiu sem justa causa, mas deu sempre preferência ao Benfica e só saiu porque os seus dirigentes foram forretas. Acho que um jogador tem o direito a ser valorizado quando o merece e o Hugo Leal, naquela altura, merecia-o. Estive sempre do lado do Hugo Leal por causa disto. Quanto ao Paulo Sousa e ao Pacheco, já não...
apenasfutebol diz: "não concordo nada com a tua visão pragmática do amor à camisola. Acredito e existem vários exemplos a sustentar a minha crença, que um jogador se ligue emocionalmente a um "emblema".
Entre muitos outros, relembro-te um: Di Livio..."
Paulo, o Di Livio estava em fim de carreira quando decidiu permanecer na Fiorentina. É um pouco como o Rui Costa. Tudo bem que possa haver amor ao clube, mas também há questões familiares, a necessidade de assentar, de preparar o futuro com tranquilidade, etc. Poderia ter propostas mais tentadoras de outros sítios, mas a Fiorentina dar-lhe-ia a comodidade e a tranquilidade necessárias para o fim de carreira e optou por isso. Continuo a achar que foi tudo menos amor à camisola.
É que o que está aqui em causa não é o haver ou não amor à camisola. É haver jogadores profissionais que joguem por amor à camisola. E isto é um paradoxo. O profissionalismo e o amor à camisola estão necessariamente em conflito. E sendo o futebolista um profissional, tem de organizar a sua carreira como profissional. Nenhum futebolista que eu conheça gosta de um clube mais do que gosta de jogar futebol. E gostar de jogar futebol implica querer jogar onde mais gosta ou com companheiros cada vez melhores, contra adversários cada vez melhores, a ser pago (que equivale a reconhecimento) cada vez melhor? Um jogador de futebol tem mais amor ao futebol em si, ao jogar, do que a qualquer clube. E, nesse sentido, quer sempre o melhor para si. Neste sentido, é impossível que o amor a um clube se sobreponha à sua condição de jogador de futebol que é, por natureza, ambiciosa. A ambição é completamente inconciliável com o amor à camisola. E como acho que um jogador, ao ser profissional, tem todo o direito a ser ambicioso, a ser cada vez melhor profissional, não posso conceber que seja julgado por sê-lo.
Grande Abraço!
Ah, há um exemplo importante para aquilo que defendo que é o caso da malta que se naturaliza para poder jogar nas selecções. Que amor à pátria é que o Deco e o Pepe terão para quererem jogar por Portugal? E o Eduardo da Silva, terá afinidades com a Croácia suficientes para querer jogar por aquele país? Não será uma questão de ambição? Tenho a certeza de que, se a dada altura da carreira, o Giggs pudesse ter optado por jogar por Inglaterra, não hesitaria. Porque está em causa, mais do que um amor ao país que pode existir, um amor-próprio que lhe daria a possibilidade de jogar em competições que, de outra forma, perderia. A passagem das selecções para os clubes é idêntica. Um jogador, por mais patriota que seja e por mais amor ao clube que tenha, quer sempre o melhor para si, se for um profissional ambicioso. Como tal, não deve ser julgado por isso quando isso entra em conflito com um pretenso amor à camisola.
"Mas não aceito que seja diferente de outro desporto qualquer, ainda que seja o desporto mais mediático. Isso seria o mesmo que achar que os futebolistas dos clubes grandes são diferentes dos futebolistas de ligas profissionais secundárias, pois são mais mediáticos e ganham mais."
Não, continuo a dizer que nem é comparavel a outros desportos(talvez excepto os Americanos). Se quiseres seguir o teu exemplo, tens de comparar é talvez uma terceira divisão de futebol com uma terceira divisão, vá, de andebol. E vez que continua a ser diferente.
Só nos Olímpicos é que o Futebol não tem protagonismo sobre os outros desportos, e este ano preparem-se porque se calhar mesmo isso vai mudar.
Nem com a Fórmula 1 ou com o Ténis ou com o Golf? É que há desportos que, como o futebol e como os desportos americanos, têm uma mediatização muito grande.
não digo que não haja jogadores que amem o clube. O que digo é que esse amor à camisola nunca é isolado, está sempre associado a um orgulho pessoal e este é sempre superior ao primeiro
Nao dgo o contrario, mas no entanto isso nao altera o facto de de eles estarem relacionados com as emocoes que emana dos adeptos. Por exemplo, eu este ano admiro principalmente jogadores do benfica( aimar, martins, nuno gomes) todavia, a minha contribuicao(monetaria) vai para o sporting. Como e obvio, nao estou a dizer que se nao comprasse o lugar de epoca, e pagasse as minhas quotas, que eles nao pudessem ser renumerados, mas e o filao dos adeptos, quer directa ou indirectamente,( marketing, etc,) que lhes permite auferir os vencimentos chorudos.
Obviamente eles produzem um servico, mas esse mesmo servico esta naturalmente relacionado com as emocoes.
Se um padre catolico, comecasse a ameacar que se ia virar para islamismo, de certeza que as coisas nao iam correr bem... Neste momento sei que o exemplo parace parvo, e e , definitivamente, exagerado, mas serve para passar a mensagem que pretendo( se nao, olha, a culpa e da retsina:)). No futebol, muitos adeptos, a gd parte dos que paga as quotas, ve o futebol de uma maneira nao muito diferente de uyma religiao.
Nao estou a dizer que essa forma e certa, ou errada, mas e a realidade que existe. Como tal os jogadores deverao ser inteligentes e actuar de forma a conseguir granjear, juntos dos adeptos, a melhor imagem possivel, para desta forma beneficiarem das melhores condicoes possiveis para executar o seu trabalho.
Grande abraco!!
O futebol é como o amor. Umas vezes perdes, outras ganhas
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