Quando pensamos em jogadores imprevisíveis, partimos do princípio que o são devido à sua natureza, ou seja, que é algo inato. Nada mais errado. A imprevisibilidade é algo que se adquire, é algo que se forma através da aquisição de determinados padrões de jogo.
Grande parte dos jogadores que temos como imprevisíveis, desenvolveram essa característica em jogos de rua, entre amigos, onde acima de tudo são obrigados a melhorar competências individuais. Concluímos assim que esta noção de imprevisibilidade se adquire através da necessidade de ultrapassar as dificuldades que vamos encontrando. Somos obrigados a procurar soluções que possam surpreender os nossos adversários, as mesmas que, por sua vez, não só são influenciadas pelos nossos heróis, aqueles com os quais nos identificamos mais, mas também pelas limitações físicas que possuímos.
Por outras palavras, até uma certa altura da formação de um atleta, a imprevisibilidade é algo que pode ser desenvolvido só a partir de premissas individuais: as nossas influências, a nossa fisionomia, tudo isto é importante e perfeitamente legítimo na nossa formação. Daqui deduzimos que a espontaneidade não é aleatória, responde à maneira como a diferente informação que recebemos é processada por cada um de nós.
Todavia, assim que começamos a interiorizar os conceitos colectivos do jogo, a necessidade de adaptarmos as nossas características aos requisitos que o jogo impõe obriga a que se altere a nossa forma de jogar. E é aqui que entram em campo as competências dos técnicos que vamos encontrando. Neste caso, vou sobretudo debruçar-me sobre técnicos que trabalhem com jogadores já formados e que, como tal, têm sobretudo a preocupação de formar uma equipa cada vez mais forte. A questão será principalmente esta: como tornar a imprevisibilidade dos seus jogadores um factor positivo para a equipa? Como retirar tudo o que esta característica pode oferecer, sem sofrer o reverso da medalha, os desequilíbrios que estas movimentações aparentemente aleatórias podem provocar?
Uma questão importante na imprevisibilidade das várias partes do todo está relacionada com a concordância entre as mesmas. E muitas vezes atinge-se este ideal de uma forma quase fortuita. Muito por isto se encontram treinadores que, defendendo as mesmas ideias, por vezes nos mesmos clubes, acabam na maioria das vezes por apresentar equipas tão diferentes entre si, ainda que em alguns casos nem um ano de intervalo exista entre elas. Em Portugal, o caso mais paradigmático do que acabei de defender é o Sporting, na época 2006/2007. Bento, na altura, até conseguiu criar a ilusão de que poderia estar ali um enorme treinador. O acaso proporcionou a Bento um lote de jogadores que, na sua maioria, eram criativos e dotados de imprevisibilidade suficiente para tornar complicada a acção defensiva dos seus adversários, sem que com isso o colectivo actuasse de forma desagregada. Nesse ano uma das coisas que mais me agradava era a maneira como a equipa jogava com os sectores muito próximos, com enorme posse de bola, e sempre com bastante equilíbrio, independentemente do adversário que defrontavam. Foi, muito provavelmente, o melhor Sporting da última década. Jogadores como Romagnoli, Nani, Veloso, Custódio, Martins, Deivid, Moutinho, Tello, Farnerud, etc., apesar de criativos e imprevisíveis, relacionavam-se de forma positiva dentro de campo. As suas acções individuais respondiam a uma visão do jogo semelhante entre eles. Se efectuássemos uma abordagem holística ao Sporting, facilmente conseguiríamos encontrar um padrão no seu jogo. Era previsível que eles jogassem de uma certa forma, curto, através da criação de inúmeros apoios ao portador da bola, mas era muito complicado perceber de que forma é que esse estilo de jogo se manifestaria. Seria através de uma combinação directa simples, ou seria através de uma combinação indirecta envolvendo um terceiro elemento? Era portanto, uma equipa que a cada momento sugeria aleatoriedade, mas que, quando observávamos uma porção maior do jogo, existia a sugestão de um comportamento colectivo premeditado. Nada mais errado. O padrão não era consciente, a intuição não era treinada para deliberadamente padronizar a criatividade, enfim, a movimentação colectiva estava despida de um significado consciente. O resultado foi o que se viu: a destruição e descaracterização do colectivo. Este foi um caso claro em que as ideias do treinador foram prejudiciais para o colectivo, pois destruiu o padrão que a co-habitação daquele grupo de jogadores, por si só, garantia. Bento teve a sorte de, sem qualquer tipo de critério, conseguir juntar uma equipa com um elevado padrão de qualidade porque as características dos seus jogadores eram concordantes.
Este ano, os casos mais flagrantes de jogadores imprevisíveis que retiram proveito da concordância da sua interpretação pessoal do jogo jogam de águia ao peito: Aimar e Saviola. No entanto, só uma estrutura muito sólida, com um modelo de muita qualidade, é que pode sustentar um jogador imprevisível como Di Maria. E escolho estes jogadores porque fazem parte da melhor equipa a actuar em Portugal. A diferença é que a imprevisibilidade de Aimar e Saviola permite à equipa ficar mais forte nos processos ofensivos sem que, com isso, a estabilidade da equipa seja colocada em causa, enquanto, no caso de Di Maria, é o argentino que se serve da estabilidade da equipa para seu benefício. Neste caso, a imprevisibilidade deste jogador apenas serve as movimentações individuais do mesmo, funcionando muitas vezes como um bloqueio ao desempenho colectivo da sua equipa.
Nesta época, o melhor Porto foi o que defrontou o Sporting para a Taça de Portugal. E isso está relacionado com os jogadores que Jesualdo resolveu utilizar nesse encontro. Mais uma vez, o facto de utilizar 4/5 jogadores que se enquadram no mesmo paradigma, que “obedecem” a determinado estilo futebolístico. Jogadores como Mariano, Belluschi, Falcao, Fucile, Fernando, ou até mesmo Ruben Micael, apresentam e emprestam à equipa mais qualidade quando jogam juntos, ou com jogadores que respondam às várias circunstâncias de forma semelhante à deles, do que quando jogam com Meireles, Hulk, e companhia limitada. Nesse jogo, a equipa portista aliou imaginação colectiva a um equilíbrio impressionante, permitindo-lhe cilindrar por completo o conjunto de Carvalhal. E isto só é possível quando os jogadores da própria equipa não são surpreendidos pela movimentação dos seus colegas. Evitar os equívocos inerentes aos próprios jogadores da mesma equipa é meio caminho para um equilíbrio fundamental para o desenvolvimento do futebol de cada equipa. Há uma necessidade imperial de que os jogadores conheçam e compreendam o futebol, e as suas razões, de cada colega. Só assim poderão prever e incorporar nos seus movimentos as movimentações do colega que conduz a bola. Se isto pode ser trabalhado de forma a aumentar, à medida do pretendido pelo treinador, a concordância entre jogadores? Pode, mas isso fica para um outro post.
segunda-feira, 15 de março de 2010
Improvisação e Aleatoriedade
Escrito por Gonçalo às 20:13:00
Etiquetas: Benfica, Paulo Bento, Porto, Raciocínios Tácticos, Sporting
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17 comentários:
Já que isto tem tantos treinadores de bancada, alguém quer ir treinar o Futebol Benfica? É só dizerem... e todas estas teorias vão por agua a baixo neste tipo de clubes LOL
Bom texto. So nao consigo perceber como e que DiMaria pode ser visto como um jogador imprevisivel... e um jogador com muita velocidade, boa finta, capacidade de "colar a bola ao pe", mas de imprevisivel nao tem nada, as suas jogadas sao sempre muito previsiveis... O facto de que muitas vezes os adversarios nao o conseguirem parar tem a ver com a sua qualidade e a falta de jeito dos adversarios... Eles sabem o que ele vai fazer so que nao tem velocidade ou tecnica para o parar...
estas são as ideias muito interessantes que tu tens e que valem a pena serem discutidas ;) sem entrarmos no campo do insulto lol
Associar Farnerud a criativo e imprevisivel deixa-me sem palavras...
Pedro, compreendo e concordo em parte com o que dizes. Quando eu me refiro a Di Maria como imprevisÍvel, sentido da sua capacidade de drible. Sendo um jogador de vastos recursos técnicos, muitas vezes consegue surpreender o seu adversário com fintas mais complexas. O problema é que a sua imprevisibilidade apenas orientada para os confrontos individuais.
Francis,no texto "Criatividade e Acaso", eu explico pq é que defini Farnerud, e outros como ele, como criativo. Se quiseres ler o mesmo texto e depois discuti-lo, estou disponível para isso.
Um abraço.
Farnerud era o ídolo do Zidane :)
Essa insistência no Farnerud :(
Por onde é que ele andará ??
Bom post, contudo, além do já citado exemplo do Pontus, tenho que referir que em 2006/07 Deivid só fez um jogo. O primeiro.
http://aoutravisao.wordpress.com/
Boas, Nuno e Gonçalo
Excelente texto, dos melhores que já li aqui no Entredez. Concordo sobretudo com a pertinência dos exemplos dados.
O Porto é o melhor exemplo de que, sem qualquer espécie de talento ou criatividade no onze inicial, nenhuma equipa, por muito bem organizada que esteja, sobrevive. Só quando jogam, simultaneamente, o Fernando, o Micael, o Belluschi, o Mariano e o Falcao é que a equipa consegue ter algumas ideias relevantes...
Já agora, como se fala nisso na imprensa desportiva, que acham da contratação do Geromel pelo Sporting? Não sei se o conheçem bem, mas, na minha opinião, seria uma boa aquisição. Melhor, só o Zé Castro :)
Saudações desportivas.
Isto de criar perfis fictícios para vir aqui dizer amén ao que os próprios escrevem vai ter de acabar...
É isso, Filipe Soares...Até porque eu nunca discordei do Entredez nem nada.
Filipe Soares ou Bruno Pinto?
Ahahahahahahah
Nao basta a cara feia q até dói, é burro mesmo LOLLLLLLLL
Filipe Soares ou Bruno Pinto?
Ahahahahahahah
Nao basta a cara feia q até dói, é burro mesmo LOLLLLLLLL
Refutador, qt ao Geromel, acho que é um jogador interessante, todavia preferia o Rodriguez do Braga. Mas a primeira opção seria, sem dúvida, o Zé Castro, seria uma contratação fabulosa.
Um abraço.
Não existe aleatoriedade, ou joadores imprevisíveis, no meio macroscópio, existem sim jogadores que mediante um determinado constrangimento, conseguem efectuar opções correctas num intervalo de tempo reduzido, digo opções correctas quando essas acções ultrapassam os constrangimentos.
O que faz um jogador ultrapassar um constrangimento ou dificuldade é o próprio adversário, que mediante a sua acção faz despoletar no jogador acções, já testadas posteriormente ou a conjungação de acções posteriores de sucesso, com novas acções determinadas pelas debilidades do adversário, para realizar um certo movimento ou tomada de acção.
O que traduz na exploração das fraquezas do adversário e nada mais do que isso.
Certo será afirmar a improvisação pois a improvisação significa testar novas formulas, execuções, mas que estejam dentro das possibilidades do jogador que as executa, sendo que estas opções não são feitas ao acaso, são pensadas antes de serem executadas, a acção é que dá a impressão de ser feita ao acaso, o que se deve ao lapso de tempo que o ser humano tem da realidade.
Como prova:
"E isto só é possível quando os jogadores da própria equipa não são surpreendidos pela movimentação dos seus colegas"
Isto porque cada jogador sabe da limitação e da responsabilidade de cada elemento na acção, logo num modo geral cada elemento da equipa consegue até um certo ponto decifrar qual será o movimento do seu colega mediante a sua posição ou acção face á resposta dos adversários.
O que se traduz em uma não aleatoriedade nas acções dos elementos.
Pois elementos como DiMarias, e players alike, só conseguem "brilhar", se os colegas de equipa conjuntamente lhes possibilitarem essas condições.
Se o mundo é deterministico? Não, não o é.
Podemos afirmar que é imprevisível?
Não também não o é.
Então o que é?
É algo que nos escapa, pois não temos um olhar completo sobre tudo o que há.
Então porque há jogadores que conseguem fintar 5 jogadores e outras proezas idênticas?
Muito simples, os seus oponentes não viram o plano global da jogada.
"Não existe aleatoriedade, ou joadores imprevisíveis, no meio macroscópio, existem sim jogadores que mediante um determinado constrangimento, conseguem efectuar opções correctas num intervalo de tempo reduzido, digo opções correctas quando essas acções ultrapassam os constrangimentos."
Aleatoriedade até posso concordar(se bem que no texto acima tu dizes que os padrões, com o tempo, começam a ficar aleatórios), mas imprevisibilidade? Ou seja a capacidade de o jogador ser capaz de fazer algo que os adversários não eram capazes de prever e antecipar? Não concordo.
De resto acho que não diferimos muito do que foi dito até aqui.
Um abraço.
Existe padrões em tudo o que existe, o caos dá-nos excelentes exemplos de padronização. O ser aleatório, significa algo que eu não consigo prever com exactidão.
Respondendo á última questão, ser imprevisível é uma finta bem sucedida ao qual o adversário não tem capacidade de prever, ou de resposta correcta face ao movimento.
Mas pensando bem até tens razão penso que puxei em demasia o conceito de imprevisibilidade, nem esta eu previ :).
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