quinta-feira, 10 de julho de 2008

Clássicos: (Espanha 82 - Itália vs Brasil)

Na segunda fase de grupos do mundial espanhol, o sorteio ditou que o grupo C fosse composto por Brasil, Argentina e Itália, três candidatas à vitória final. Deste grupo, apenas uma destas equipas seguiria em frente, pelo que era necessário vencer dois opositores fortíssimos. A Argentina de Maradona não aguentou e perdeu os dois encontros, não obstante o anti-jogo de Gentile que, às leis actuais, teria sido expulso várias vezes (bateu um recorde ao fazer 23 faltas sobre o mesmo jogador num só jogo, isto fora as que não foram assinaladas). Por isso, tudo se decidia entre Itália e Brasil. De referir, ainda, que a Itália chegara a esta fase sem vencer qualquer jogo, com três empates e apenas beneficiando do facto de ter marcado mais um golo que o adversário em igualdade pontual.

Os brasileiros apresentaram-se num 352, com Valdir Peres na baliza, Leandro na direita, Luisinho na esquerda e Óscar no meio, Cerezo e Falcão como médios-defensivos, Sócrates, Júnior e Éder à frente destes, com liberdade, e Zico e Serginho na frente. Do lado da Itália, a mesma estratégia do jogo contra a Argentina: Gentile a marcar em cima Zico. Os italianos jogaram, portanto, em 541, com Zoff na baliza, Oriali à direita, Cabrini à esquerda, Scirea, Colovatti e Gentile no meio, Tardelli e Antognoni no meio-campo, Conti à direita, Graziani à esquerda, e Rossi na frente. Apesar do esquema aparentemente defensivo, a Itália nunca deixou de procurar o ataque e, na primeira parte, o jogo foi mesmo bastante equilibrado. Logo aos 5 minutos, um cruzamento do meio da rua encontrou Rossi na área que, de cabeça, concluiu sem dificuldades. Vítima do pouco rigor defensivo, o Brasil arrancava a perder. Entretanto, já Zico levara cacetada suficiente para que Gentile estivesse a ver o jogo pela televisão. Cartões, nem vê-los. Ou melhor, viu-o, sim, mas por protestos após mais uma falta. Aliás, os cartões naquela época serviam mais para que os jogadores estivessem calados do que para proteger os artistas e o espectáculo. Antes do golo do empate, destaque ainda para um falhanço inacreditável de um avançado inacreditável. Zico recupera uma bola e vai-se a isolar; para azar seu, Serginho, um matacão sem técnica, sem velocidade, sem agilidade e sem cérebro, chega primeiro à bola e finaliza de qualquer maneira; o resultado foi um pontapé estúpido, com a bola a sair francamente ao lado e aos trambolhões, digno de um troglodita. O golo do empate nasce de novo lance de Zico, que se liberta por momentos de Gentile e efectua um passe do outro mundo a isolar Sócrates, que não perdoou. E quando o Brasil tinha tudo para ir para cima dos italianos, eis mais um erro imperdoável. Ao estilo de Secretário para Acosta, Cerezo isola Paolo Rossi que, com um remate à entrada da área, não perdoa. Até final da primeira parte, o jogo foi repartido.

Na segunda parte, o Brasil surgiu mais determinado, com Júnior e Éder, principalmente, a tentarem pegar no jogo da equipa. Depois de muito tentarem e de Zoff ter negado tudo e mais alguma coisa, eis que Falcão, com todo o tempo do mundo à entrada da área, empata a partida com um remate potente. Com este resultado, era o Brasil quem seguia em frente. Faltando menos de 20 minutos para o final, havia que fazer alguma coisa. Mas Enzo Bearzot não mexeu na equipa. Quase do nada, num pontapé de canto que sobra para a entrada da área, um remate de primeira encontra Paolo Rossi, que desvia para o terceiro golo. A partir daqui, sim, a Itália remeteu-se à defesa e ofereceu toda a iniciativa de jogo aos comandados de Telê Santana, apostando apenas no contra-ataque. Mas a falta de inspiração dos brasileiros e a segurança de Zoff haveriam de estipular que o marcador não mais se alterasse.

A Itália seguia assim para as meias-finais da prova depois de ter passado a primeira fase de grupos sem conseguir vencer adversários como os Camarões, o Perú e a Polónia. Apesar da exibição paupérrima no início do torneio, conseguia - à custa de muita sorte e favorecimento, é certo - ultrapassar um grupo complicadíssimo e ia agora ter pela frente novamente a Polónia. Como até nem tinha tido muita sorte até aqui, Boniek, a estrela polaca, não pôde jogar. A Itália venceu e seguiu para a final, sagrando-se campeã frente à Alemanha. Ilustrativo do que foi a campanha italiana foi o facto de Paolo Rossi, o melhor marcador da prova, só ter marcado golos nos últimos três jogos do torneio, três ao Brasil, dois à Polónia e um à Alemanha. De entre os destaques individuais, há a realçar, do lado da Itália, Zoff (simplesmente imperial), Tardelli e Antognoni (excelentes a pautar o jogo italiano) e Rossi, com uma mobilidade refrescante e um sentido de baliza bastante apurado. No Brasil, Cerezo (com os seus movimentos verticais, a aparecer constantemente na área a finalizar), Júnior, Éder e Sócrates (pela responsabilidade de pôr a jogar toda a equipa) e Zico (o pequeno génio, de drible curto, rápido a pensar e a executar), criminosamente anulado nesta partida por um dos mais facínoras defesas de todos os tempos.

10 comentários:

Fernando disse...

Para que os artigos consensuais não fiquem sem comentários, aqui vai um parabéns, bem escrito.

Algumas situações italianas até escusavas de referir, parecem repetir-se desde sempre, casos de só ganharem nos jogos "a sério", fracas exibições, equipas defensivas e a eficácia dos costume. É a Itália típica :)

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Nunca o brasil teve um onze tão bom e, em contraposição, um 'centroavante' tão mau como em 1982.

Nuno disse...

nuno, não seria tão ousado. A equipa de 1970 era, parece-me, mais forte. Assim como a de 2002, creio. Mas sim, o avançado era mau de mais. E contrastando, era de facto uma diferença abismal.

Anónimo disse...

Onze de todos os tempos do Brasil:

Taffarel
Cafú
Mozer
Ricardo Gomes
Roberto Carlos
Dunga
Éder
Zico
Garrincha
Baixinho
Rei Pelé

Suplentes-

Rogério Ceni
Lúcio
Daniel Alves
Djalminha
Aldair
Bebeto
Jardel

- Com um banco de luxo, uma defesa de betão, um meio-campo genial e operário, e o ataque a resolver com Romário e o Rei sem dar hipótese, um Brasil com esta equipa ganharia todos os campeonatos do mundo.
Só precisava de um bom treinador também. Talvez um italiano, para dar a disciplina táctica k falta aos brasileiros

Todos os tempos de Itália:

Buffon
Lapetti
Baresi
Maldini
Costacurta
Pirlo
Donadoni
Roberto Baggio
Del Piero
Vieri
Ravanelli

Suplentes:

Dino Zoff
Panilli
Cannavaro
Antonio Conte
Gianfranco Zola
Totti
Mancini

- Muito rigor táctico só quebrado pela magia de Baggio ou Del Piero, ou a excentricidade de Ravanelli. Uma equipa do mais compacto que há. Esta Itália de 82 foi um exemplo disso. Uma equipa cínica e matreira, que apanha os adversários adormecidos, e dá a provar do seu veneno. É sempre essa a estratégia italiana embora ultimamente menos, pk os outros comecam a tar prevenidos.

Nota:

Julgo que o vencedor do campeonato de 2010, vai sair de uma destas equipas, "Catenaccio" ou "Escrete".

TAG disse...

Ena, fiquei a conhecer uma palavra nova: facínoras

Anónimo disse...

Pois é . embora eles d vez em qnd se passem, o blog ta bom e sempre se aprende qqer coisinha c eles. Essa palavra foi uma delas :P

Anónimo disse...

Nuno, concordo que possa ser discutível o facto de ter dito que a selecção brasileira de 1982 foi a melhor que o país do samba já apresentou... afinal, quer a de 1970, quer a de 2002 conquistaram o mundial e essa não. todavia, o brasil de 1982 era fortíssimo em todos os postos, com a excepção do que era ocupado pelo serginho. eram todos jogadores de craveira mundial e, atenção, estavam praticamente todos no auge. a defesa era excelente, e o meio campo, enfim, absolutamente genial. em relação à selecção de 1970, que fez um jogo fantástico precisamente contra a Itália na final (aquela jogada do golo do lateral Carlos Alberto é qualquer coisa!!), acho que tinham carências quer em termos de construção de jogo, como na defesa. Mas concordo que a de 1970 é talvez a única capaz de rivalizar em teoria com a de 1982. Quanto à de 2002, sinceramente não concordo - aproveito para dizer que é uma das poucas vezes em que estou em desacordo contigo nuno.. a qualificação foi deprimente, a equipa não era tão homogénea quanto isso (daí, parece-me as extremas dificuldades que sentiram na qualificação, por exemplo) e acho que beneficiou muito da acção de 3 ou 4 jogadores notáveis - para além de não ter enfrentado grande concorrência até à final e ainda assim terem sido beneficiados contra a Turquia - e de um Rivaldo absolutamente brilhante.

ps- parabéns pelo blog e pelas ideias que costumam apresentar.. são uma lufada de ar fresco :)

Anónimo disse...

..às vezes dou comigo a imaginar como seria essa equipa de 82 com um avançado como careca, que jogou na de 86, no lugar do serginho :)

Nuno disse...

Quanto à de 2002, referia-me a conjunto de individualidades. Como colectivo, de facto, eram deprimentes, não fosse o treinador quem era. Mas em termos individuais eram fortíssimos: Rivaldo, Ronaldinho, Kaká, Ronaldo, Cafu, Roberto Carlos, etc. E o Romário, que não foi porque o Scolari assim teimou? Mas pronto, como equipa ficavam muito aquém do desejado.

Peyroteo disse...

Faltou referir o 4-2 para a Itália que foi muito muito mal anulado.
Antognoni estava perfeitamente em jogo.

Foi muito perto do final, antes daquela fantástica defesa de Zoff.