terça-feira, 29 de junho de 2010

A Criatividade de Müller

A palavra "criatividade", no que diz respeito a futebol, tem frequentemente usos errados. Presume-se que um criativo é um jogador capaz de inventar maneiras requintadas de fintar os adversários, um jogador capaz de fazer passes de ruptura, um jogador, em suma, capaz de coisas que parecem difíceis. Isso não faz qualquer sentido. A criatividade não tem nada a ver com truques, malabarismos, recursos técnicos e artifícios excêntricos. A criatividade é um atributo mental, um atributo que permite solucionar problemas difíceis de maneiras inesperadas. O jogador criativo é aquele que descobre soluções inovadoras, que interpreta os dados de um lance de uma maneira imprevisível e que consegue ser mais espontâneo, mais rápido a pensar e mais eficiente a contornar os problemas que lhe são impostos.

Esse uso errado da palavra "criatividade" ocorre muitas vezes quando se pretende classificar um extremo. Raramente um extremo é um jogador criativo. Por norma, o extremo que as pessoas acham que é criativo é um jogador muito hábil, do ponto de vista técnico, e muito rápido. Só. Por exemplo, a criatividade de Cristiano Ronaldo é, quando comparada com outros jogadores, uma coisa quase ridícula. O mesmo se passa com Di Maria e Hulk, ou, noutra dimensão, com Robinho. São jogadores que, tecnicamente, possuem recursos muito interessantes, mas não são jogadores que, perante dificuldades imprevistas, saibam solucionar os seus problemas. É por isso que, em espaços curtos, não são jogadores extraordinários ou, pelo menos, não conseguem sê-lo de um modo regular. O paradigma do jogador criativo, na acepção de palavra que estou a defender, é o típico jogador espanhol da actualidade: Iniesta, Fabregas, David Silva, Mata, Bojan, etc. Tratam-se de jogadores que interpretam os lances de um modo mais abrangente, que conseguem, perante problemas difíceis, encontrar invariavelmente a melhor solução e que conseguem descobrir soluções inesperadas. São por isso mais imprevisíveis e, por conseguinte, mais difíceis de entender, por parte dos adversários. O jogador criativo é, por isso, aquele que percebe com mais facilidade para onde é que a bola deve seguir, aquele que percebe mais rapidamente se deve fazer um compasso de espera ou se deve jogar de primeira e aquele que, mesmo sem recursos técnicos assinaláveis, é capaz de se livrar individualmente de adversários directos, enganando-os com um drible, com uma simulação de passe, com uma tabela ou uma desmarcação no momento certo.

Uma das razões pelas quais Mesut Özil tem sido amplamente elogiado e Thomas Müller ignorado prende-se precisamente com o facto de as pessoas terem tendência a reter com mais facilidade os atributos técnicos de um atleta do que os seus atributos intelectuais. Özil é tecnicamente mais vistoso que Müller e terá melhores capacidades a esse nível. Mas não é mais criativo que o jogador do Bayern. Isto porque criatividade não tem nada a ver com capacidade técnica. Aliás, uma das razões pelas quais o momento ofensivo da selecção alemã parece tão fluido tem a ver com a liberdade que Müller tem para vir para o meio, permutando com Özil, onde a sua capacidade de decisão e a sua criatividade têm mais influência no desempenho do colectivo. Se Müller ficasse amarrado ao flanco, como do outro lado acontece com Podolski, cujos movimentos são essencialmente verticais, a Alemanha seria muito mais estéril do ponto de vista ofensivo, pois a criatividade de Müller não estaria tanto em jogo. A jogada que - creio - melhor exemplifica as qualidades que estou a querer reconhecer em Müller é a jogada do segundo golo frente à Inglaterra.


Simão | Vídeo do MySpace

O lance começa na direita, com Kedhira a servir Müller, junto à linha, com Ashley Cole atrás dele. Sem preparação, de primeira, de modo a não permitir a aproximação dos defesas ingleses, Müller reenvia a bola para o meio, para o apoio de Mesut Özil ao centro. É nesta opção, invulgar na maior parte dos jogadores que jogam junto às linhas, que está a primeira e a mais decisiva acção do lance. Depois de soltar em Özil, Mülller desmarca-se de imediato. Özil joga de primeira em Klose, que está junto à linha, e este, também de primeira, faz a bola entrar nas costas da defesa inglesa, num espaço que Müller, ao desmarcar-se, atacara. O desequilíbrio está causado e Müller, com espaço para rematar, opta antes por servir Podolski, que fica sozinho porque Müller arrastou todas atenções para si. A capacidade de decisão de Müller, tanto no passe para Podolski, mas sobretudo no primeiro momento, quando joga no apoio e se desmarca de imediato, é que é aqui preciso notar. É que, embora pareça um movimento simples, isto denota uma capacidade criativa invulgar. Em primeiro lugar, Müller percebe a opção que tem ao meio de um modo notável e percebe também que, para fazer uso dessa opção, deve executar de primeira. Qualquer recepção tornaria inválido o apoio de Özil. Müller pôde usar a opção porque pensou rapidamente e a descobriu antes de receber a bola. Pouquíssimos jogadores têm esta capacidade. Depois disto, percebe rapidamente que, com Özil na posição em que estava e Klose à esquerda, o lateral-esquerdo e os dois centrais haviam sido puxados para ali e a defesa inglesa estava, portanto desorganizada. Como tal, imediatamente a seguir ao passe de primeira, desmarca-se e aproveita essa desorganização. Foi a criatividade de Müller, a sua capacidade de visualizar rapidamente o que rodeava e de perceber rapidamente os dividendos que poderia tirar dessa conjuntura, que permitiram que fosse criado tamanho desequílibrio. Depois, porque o seu pensamento exigia o passe de primeira e a desmarcação célere, tratou de pôr em prática aquilo que a sua mente idealizou com facilidade. É esta capacidade intelectual de antecipar com tanta precisão tudo aquilo que uma simples acção ou um simples movimento implica, assim como a capacidade de extrair dessa capacidade primeira todo o lucro possível, que faz de Müller um jogador extraordinariamente criativo. A criatividade é isto, é o atributo que permite ao jogador antecipar mais correctamente o futuro imediato.

Grande parte dos jogadores, mesmo os muito dotados tecnicamente, agem essencialmente por reacção e não são capazes de antecipar, quais xadrezistas vulgares, senão os milésimos de segundo que se seguem à sua acção. O jogador verdadeiramente criativo é aquele que consegue desenhar na sua cabeça toda a jogada, que consegue perceber, com um grau de precisão muito elevado, tudo o que vai acontecer em seguida. Esse, porque tem essa capacidade, está sempre um passo à frente dos outros, mesmo que não possua argumentos técnicos e físicos tão elevados como os melhores. É por isso que a criatividade, ainda que dependa sempre da acção dos outros para se fazer valer, é um atributo tão importante. Numa equipa que jogue como equipa, que se faça valer mais da relação entre os diferentes elementos da equipa do que das individualidades que a compõem, a criatividade é, portanto, o atributo mais importante num jogador. Müller é mais criativo que Özil porque tem esta capacidade de ler as jogadas muito mais apurada que o jogador do Werder Bremen, ainda que não seja tão evoluído, do ponto de vista técnico, quanto o seu compatriota, nem seja tão competente quando entregue a duelos individuais. Como tal, só quem entende o futebol como um jogo de individualidades é que pode ficar mais entusiasmado com Özil do que com Müller. Estas pessoas acham igualmente que o primeiro é mais criativo porque nem sequer concebem a existência de atributos essencialmente colectivos, que só têm real valor se o jogo for entendido para além desse choque entre onze indivíduos de cada lado. Para esses, Özil é mais influente na equipa porque as qualidades da equipa são apenas a soma das qualidades individuais de cada elemento que forma a equipa. Ignoram, porque incapazes de não ignorar, que as qualidades da equipa são, isso sim, muito mais do que essa soma, a soma das relações que cada individualidade tem com as outras individualidades, e que, portanto, é mais influente aquele cujas capacidades de se relacionar com os outros é melhor. No fundo, Müller é mais influente porque a sua relação com os outros e com o colectivo em geral é mais valiosa, independentemente de, quando entregue a si, não ter tanta facilidade para resolver problemas quanto tem Özil.

18 comentários:

MB disse...

Não penso que as pessoas têm ignorado Muller. A questão é que o Muller era já bem mais conhecido do que o Ozil, também por isso os focos estão mais centrados neste, que tem sido a revelação do Mundial. O Muller revelou-se na champions deste ano, por isso não é novidade.

Por outro lado, a questão estética no futebol não pode ser deixada de lado, afinal futebol sem jogadores habilidosos e bons no "um para um" teria muito menos piada. E é também por isso que o o Ozil tem tido tantos elogios.

A popularidade do futebol deve-se muito aos Garrinchas, Maradonas e Bests desta vida. Se as pessoas se emocionassem ao ver grandes demonstrações de inteligência, o xadrez teria muito mais adeptos do que o futebol, e penso que nem mesmo tu preferes o xadrez ao futebol.

Dito isto não percebi uma coisa no texto. Dizes que um passe de ruptura não é um sinal de criatividade? Ora penso exactamente o contrário. Ver passes que mais ninguém vê, é claramente um sinal de criatividade. Os passes que o Rui Costa fazia e a facilidade com que os fazia, para mim são criatividade pura.

MB disse...

Para evitar confusões, onde se lê "facilidade" deverá ler-se "frequência". Podia parecer que estava a referir-me à capacidade técnica de fazer o passe.

Luis disse...

MB,

O que o Nuno defende ao longo do texto é o essencial da criatividade e nisso Müller é um belo exemplo. As qualidades técnicas individuais que Özil possui são um complemento à criatividade. Este complemento poderá em diversas situações ser de grande utilidade. No golo que o post apresenta em vídeo poderiamos supor que uma melhor técnica individual de Müller no passe em "lob" poderia ter dado melhores condições de finalização a Podolski. No entanto, o essencial foi feito, de forma aparentemente simples.
Se o Müller evoluir ainda mais a técnica individual, nos longos anos que ainda tem para dar ao futebol, estaremos perante um dos melhores jogadores de todos os tempos, sem sobra de dúvida.
O golo que é dado como exemplo neste texto é genial, e saliento também a importância dos colegas (Özil e Klose) na definição do lance. Esta Alemanha de Läw joga bem, demonstrando uma grande evolução nas ideias do seleccionador alemão comparativamente com o Euro2008.
Relativamente a Özil o seu principal defeito é abusar dos malabarismos, seja em dribles ou passes. No entanto, contra a Inglaterra Özil demonstrou qualidades que não revelara noutros momentos deste Mundial. No golo do 2-1 esteve muito bem ao temporizar após receber o passe de Müller permitindo dar tempo para a desmarcação deste, ao mesmo tempo que se deslocava permitindo manter aberta a linha de passe para Klöse e ao mesmo tempo também arrastou Terry consigo (desculpa a correcção Nuno, mas referes no texto que Özil joga de primeira em Klöse e tal não aconteceu, entendo mesmo que o facto de não ter sido de primeira foi essencial para o sucesso da jogada).
No 3-1 a sua desmarcação para esquerda e para frente (mesmo ficando em fora-de-jogo) foi importante para Schweinsteiger poder endossar a bola para o Müller com mais segurança perante a ameaça de uma eventual subida da linha defensiva da Inglaterra deixando o avançado alemão em fora de jogo. Johnson foi claramente "arrastado" pela movimentação de Özil. No 4-1, para além das capacidades atléticas ao nível da velocidade foi inteligente ao esperar pela chegada de Müller, em vez de tentar resolver sozinho no um para um com o guarda-redes.

Mr.Science disse...

Independentemente da qualidade indiscutível de Oezil e Muller, e da selecção germânica em geral, o jogo com a Inglaterra não deve ser exemplo. isto porque os 4 golos contêm erros defensivos tremendos e inaceitáveis.
Independentemente disso, bom post.

MB disse...

Luis

Eu percebi o texto, só não entendo é porque é que um "passe de ruptura" não entra na definição de criatividade. Afinal "O jogador criativo é, por isso, aquele que percebe com mais facilidade para onde é que a bola deve seguir".

Nuno disse...

MB diz: "Dizes que um passe de ruptura não é um sinal de criatividade? Ora penso exactamente o contrário. Ver passes que mais ninguém vê, é claramente um sinal de criatividade. Os passes que o Rui Costa fazia e a facilidade com que os fazia, para mim são criatividade pura."

Não digo que fazer passes de ruptura não possa denotar criatividade. O que digo é que, só por si, não o denota. Do mesmo modo, porém, que um drible pode ser resultado de criatividade ou não, um passe de ruptura pode sê-lo ou não. Depende. Por exemplo, o passe do Robinho para o Elano, no primeiro jogo do Brasil, frente à Coreia do Norte, não é, do ponto de vista criativo, muito exigente. Ele está de frente para o lance, vê o Elano a passar nas costas da defesa, a defesa está suficientemente desorganizada para que o passe não seja difícil e eçe mete a bola entre os defesas para o colega aparecer. Era a solução mais óbvia. E é um passe de ruptura. Há outros, porém, que denotam muita criatividade, sobretudo porque não são tão óbvios.

Luis, tens razão, o Özil não fez o passe de primeira. E também tens razão quando dizes que isso foi importante.

Mr. Science, é verdade que sim, sobretudo o primeiro e o último. O terceiro também acaba por ser uma perda de bola proíbida, mas mais por uma má recepção do que por uma má opção. Já no segundo, creio, o erro é sobretudo potenciado pela movimentação e pela capacidade de decisão dos alemães.

MB disse...

Ok Nuno, já percebi melhor o que querias dizer.

Mas é que nesta frase "Presume-se que um criativo é um jogador capaz de inventar maneiras requintadas de fintar os adversários, um jogador capaz de fazer passes de ruptura, um jogador, em suma, capaz de coisas que parecem difíceis", dava a entender que os passes de ruptura que estavas a falar eram os dificeis, não os óbvios, como o exemplo que deste do Robinho. Daí a minha dúvida inicial.

Fernando disse...

Boas Nuno,

Não concordo com o teu conceito de "criatividade". Parece-me que lhe dás um significado demasiado abrangente que engloba outras características mentais tais como visão de jogo ou capacidade de decisão com e sem bola.
Não é um conceito assim tão fácil de definir mas dás a entender que um jogador criativo é aquele que melhor capacidade de decisão tem...

Cumprimentos.

Luis disse...

Fernando,

Discordo da tua interpretação do texto do Nuno. E isso é evidente quando se lê: «A criatividade é um atributo mental, um atributo que permite solucionar problemas difíceis de maneiras inesperadas. O jogador criativo é aquele que descobre soluções inovadoras, que interpreta os dados de um lance de uma maneira imprevisível e que consegue ser mais espontâneo, mais rápido a pensar e mais eficiente a contornar os problemas que lhe são impostos».
Mais do que ter visão de jogo e boa capacidade de decisão com ou sem bola, o conceito de criatividade apresentado no texto sublinha a importância da "imprevisibilidade", "espontaneidade", "inovação".
Os jogadores criativos conseguem desmontar adversários que mesmo sendo excelentes tacticamente, posicionalmente e na leitura do jogo, são incapazes de conseguir prever jogadas como o golo do vídeo do texto. Desde que Müller recebe o passe de Khedira até ao momento em que Podolski toca na bola passam 8 segundos, e Müller imaginou toda a jogada na sua cabeça numa fracção de segundo. Isso é ser criativo, é conseguir imaginar tudo isto tão rapidamente de forma invulgar e imprevisível. No caso de Klöse, por exemplo, notam-se as características mentais que referes Fernando, a visão de jogo (pois vê o espaço vazio e a desmarcação de Müller), a capacidade de decisão com bola (ao tocar de primeira para a entrada de Müller) e a capacidade de decisão sem bola (ao cair no flanco direito para descompensar as marcações da defesa inglesa e eventualmente criar espaço para outro colega, tal como acabou por acontecer). Mas isto não faz de Klöse um jogador criativo, faz dele um avançado competente, que domina conceitos importantes de trabalho de equipa. Müller é o omnipotente, que prevê tudo, que com dois toques de primeira e uma desmarcação de quase 40 metros(!) desmonta a defesa toda da Inglaterra e isso sim é absolutamente fantástico. Uma autêntica obra de arte em forma de golo.

Guilherme disse...

absolutamente genial é que quando ele faz o passe para o ozil começa a correr de imediato para se desmarcar. ele ensaiou mentalmente a jogada e com um simples passe e uma simples movimentação desfez toda a defesa da inglaterra. já não me lembro qual o jogador (creio que foi o Valdano) que disse que os melhores são aqueles que vêm os espaços antes deles existirem e os aproveitam efectivamente.
o passe do klose tb é mto importante: não são todos os avançados daquele tipo que conseguem fazer aquilo (hugo almeida cough cough).

Fernando disse...

Luis,

Essa citação em que pegaste demonstra o que também entendo por criatividade. O problema é que o texto também refere isto: "Tratam-se de jogadores que interpretam os lances de um modo mais abrangente, que conseguem, perante problemas difíceis, encontrar invariavelmente a melhor solução e que conseguem descobrir soluções inesperadas", "O jogador criativo é, por isso, aquele que percebe com mais facilidade para onde é que a bola deve seguir, aquele que percebe mais rapidamente se deve fazer um compasso de espera ou se deve jogar de primeira e aquele que, mesmo sem recursos técnicos assinaláveis, é capaz de se livrar individualmente de adversários directos, enganando-os com um drible, com uma simulação de passe, com uma tabela ou uma desmarcação no momento certo".
Muito do que aqui está referido na minha opinião denomina-se boa capacidade de decisão (misturada com criatividade ainda assim), porque um jogador criativo não é forçosamente excelente a decidir. Um exemplo, numa comparação entre o Ronaldinho e o Xavi. Acho o Ronaldinho um dos jogadores mais criativos que alguma vez vi jogar, no entanto, acho que o Xavi tem uma melhor capacidade de decisão.

Anónimo disse...

Nuno,

Não sei se já te referiste aqui anteriormente à adaptação do Schweinsteiger ao interior do meio campo. Gostava de saber a tua opinião sobre isso.
Sinceramente, é o jogador que mais me dá gozo ver jogar nesta Alemanha e, provavelmente, no CM em geral. Sempre que o vejo penso: que jogador inteligente e que facilidade em adaptar-se a este sistema e a uma posição diferente daquela em que o costumávamos ver. E na qual não era propriamente um fora de série, talvez pela irregularidade.
Aliás, acho que seria a contratação ideal para o Real do Mourinho, não só pela inteligência nos movimentos, como também pelas suas características físicas, que fazem falta àquele plantel.
Abraço

Nuno disse...

Fernando, antes de mais, peço desculpa por só responder agora. A minha noção de "criatividade" é diferente da tua. Eu estou a separar "criatividade" de "fantasia". Acho que o Ronaldinho tem muita fantasia, mas não é muito criativo. Isto é, lembra-se de coisas incríveis, mas muitas vezes sem efeitos práticos; é capaz de números artísticos formidáveis e é capaz de fazer coisas com a bola de que poucos se lembrariam, mas é capaz disso sem propriamente se preocupar com as consequências do que faz. O que quero dizer é que o Ronaldinho é um jogador que tem capacidade para inventar coisas novas, mas não lhes mede o efeito. O criativo é sempre um inovador, mas um inovador que pesa os prós e os contras da inovação. Um criativo é, por assim dizer, um jogador inovador, imprevisível, mas com boa capacidade de decisão, também. Posto isto, o Xavi é muito mais criativo que o Ronaldinho.

Repara, o ponto não é que um inventa mais coisas que outro. O que é importante é que o Xavi tem de considerar uma quantidade incrível de limitações que o Ronaldinho, porque dá asas à imaginação sem se preocupar com a exequibilidade da coisa, não considera. É a diferença entre um escritor genial e um escritor que inventa um novo modo de escrever. O primeiro, ainda que escreve de um modo mais convencional, é mais criativo. A criatividade não é um atributo que nos permite fazer coisas inteiramente novas. Dentro da prática, há limitações. O verdadeiro criativo é o que consegue fazer coisas extraordinárias e imprevisíveis tendo em conta essas limitações.

Para ti, criativo é aquele que faz coisas de que ninguém estava à espera. Mas para isso basta ter uma relação extraordinária com a bola e ter imaginação. Para mim, o criativo tem de ter imaginação e uma boa relação com o jogo. A "criatividade" do Ronaldinho é por isso resultado da soma entre a sua capacidade técnica e a sua imaginação. A "criatividade" do Xavi é o resultado da soma entre a sua imaginação e o seu talento (que é a relação dele com o jogo). O Ronaldinho faz coisas imprevisíveis com a bola; o Xavi faz coisas imprevisíveis com o jogo. É por isso que é mais criativo, porque fazer coisas imprevisíveis com o jogo é muito mais difícil do que fazer coisas imprevisíveis com a bola.

Cumprimentos

Nuno disse...

mendes diz: Não sei se já te referiste aqui anteriormente à adaptação do Schweinsteiger ao interior do meio campo. Gostava de saber a tua opinião sobre isso.
Sinceramente, é o jogador que mais me dá gozo ver jogar nesta Alemanha e, provavelmente, no CM em geral. Sempre que o vejo penso: que jogador inteligente e que facilidade em adaptar-se a este sistema e a uma posição diferente daquela em que o costumávamos ver."

mendes, falei disso uns textos abaixo. Não me enche as medidas. Sinceramente, acho que, como médio-centro, lhe falta, por exemplo, imaginação. É um jogador com muitos atributos: técnica, força, agressividade, capacidade de drible, remate, etc. Mas falta-lhe imaginação. É um jogador que pode pautar o jogo da sua equipa, mas que tem imensas dificuldades para encontrar boas soluções de passe quando é obrigado a pensar rápido e quando em espaços curtos. E depois toma muitas vezes más decisões, querendo alongar o jogo quando tal não é necessário. Não o acho, de maneira nenhuma, um fora-de-série naquela posição, embora seja um bom jogador e esteja a fazer um bom campeonato. Acho-o do nível do Ballack, por exemplo. E nunca fui grande apreciador do Ballack.

Pedro disse...

Nuno, o Guardiola está-te a trocar as voltas. Quer despachar o Ibra e o Chygrynskiy ...
:)

Nuno disse...

Pedro, é isso. É o Guardiola que os quer despachar. Não é a imprensa, nem a direcção, claro...

Pedro disse...

É pá...estava-me a meter ctg mas tu às vezes revelas uma ingenuidade enorme...acreditas mesmo q o Guardiola não tem decisão numa questão destas????

Nuno disse...

Pedro, qual decisão? Do Ibrahimovic, só ainda ouvi especulações de imprensa. Do Chygrynski, o presidente veio dizer que tinha sido necessário por causa da liquidação de certas despesas. O Chygrynski diz até que o próprio Guardiola lhe disse que não podia fazer nada contra a decisão da direcção, embora contasse com ele e tivesse intenções de que ele jogasse mais.

Não faz qualquer sentido afirmar que o Guardiola se quis livrar dele, quando fora e continuava a ser uma aposta em que confiava. Só as pessoas que não percebem aquilo que o Guardiola quer é que podem sequer pensar que ele se quis livrar dele. Isso não é verdade. E não há qualquer ingenuidade aqui.