segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ballack, Schweinsteiger, Müller e Özil

Começou o mundial e estas são as primeiras notas acerca da competição. Devo adiantar, em primeiro lugar, que o blogue não procurará acompanhar exaustiva e regularmente o campeonato do mundo. Considerações pontuais, como esta, deverão surgir de tempos a tempos, durante a prova, mas análises a jogos, perspectivas mais profundas e considerações mais atentas ficarão para os nossos artigos semanais na Academia de Talentos. Assim, para os mais interessados, após cada uma das três rondas desta primeira fase e após cada eliminatória, será possível ler as nossas considerações acerca da prova no respectivo site.

Antes de passar ao assunto alemão, gostaria de referir que, para já, a prova não tem suscitado grandes surpresas. A França é medíocre, mas ninguém, por mais ingénuo que fosse, poderia esperar muito mais. O principal problema da equipa é a incapacidade para formar apoios próximos. A equipa tenta não jogar comprido, mas os jogadores parecem sempre o mais afastados possível uns dos outros. Gourcuff, coitado, parecia ter peçonha, tal era a separação para o duplo pivot e para os extremos, demasiado agarrados às posições. Dizer ainda que, apesar da qualidade, há jogadores na selecção francesa incrivelmente sobrevalorizados: Toulalan, Anelka e, sobretudo, Govou. É quase criminoso não ter levado Nasri. Da Inglaterra, não se esperava muito mais. Mas é uma das principais favoritas. Isto porque as equipas de Capello são geneticamente assim. Pouco criativas, mal arrumadas em termos ofensivos, incapazes de criar apoios com facilidade, com poucas ideias, mas com argumentos individuais óptimos e uma consistência defensiva suficientemente boa. Contra adversários menos cotados, dão sempre a impressão de não serem capazes de exercer um domínio claro. Mas são difíceis de bater, mesmo pelas principais potências, e têm atletas que podem resolver a qualquer instante. Já a Argentina de Maradona vive de Messi. E cairá quando Messi não chegar para compensar todos os problemas tácticos desta selecção.

Agora, a Alemanha. A primeira goleada da prova dirá muito mais dos australianos do que propriamente dos alemães. Foi um teste demasiado fácil e nenhuma consideração optimista poderá ser mais do que uma precipitação. Ainda assim, não percebo o espanto de grande parte das pessoas. Tirando a Espanha, cujo futebol é de uma qualidade inigualável, os alemães tinham de vir no segundo grupo de favoritos. A qualidade da selecção germânica tem vindo a melhorar gradualmente e este ano, com alguns jovens com um futuro muito promissor, está ainda mais forte. Persistem, porém, os problemas colectivos que Joachim Löw parece não compreender. O espaço entre os dois médios e a defesa, se bem explorado, será uma vulnerabilidade demasiado grande e o sistema táctico, ainda que alimentado por alguns talentos indiscutíveis, é excessivamente rígido. Contra a Austrália, os alemães tiveram sempre espaço para trocar a bola e até para se recriarem, mas contra uma equipa que pressione condignamente terão mais dificuldades, pois não são extraordinariamente competentes a criar apoios ao portador da bola. O calcanhar de Aquiles, contudo, parece-me ser claramente a transição defensiva. Sempre que é necessário baixar rapidamente, aparece espaço para jogar. Os dois médios, já sendo poucos, tornam-se ainda mais vulneráveis por ambos parecerem ter liberdade para aparecer em zonas de finalização, e o meio-campo germânico demora bastante a reorganizar-se sempre que perde a bola.

Quanto a nomes, muito se falou de Ballack e da sua ausência. Discordo de que o carismático capitão faça alguma falta a esta equipa. Aliás, Ballack nunca foi um jogador que apreciasse muito. Trata-se de um jogador cerebral, competente na distribuição de jogo, mas com índices de criatividade banalíssimos. Emprestaria experiência à selecção, mas subtrair-lhe-ia certamente alguma da criatividade que, deste modo, possui. Schweinsteiger é quem aparece ao meio, tal como fez ao longo da época no Bayern. Há quem considere que o irreverente alemão terá encontrado finalmente a vocação certa. No meu entender, como médio, Schweinsteiger é um jogador vulgar. Além de relativamente fraco a nível táctico, com graves problemas em termos posicionais, por exemplo, não é também um jogador imaginativo. Será ele quem substituirá Ballack, nesta competição e, porventura, no futuro, mas não lhe auguro muito melhor que o antigo capitão germânico, tendo até ainda muito que trabalhar para se tornar no jogador cerebral que o médio do Chelsea é. Com Thomas Müller e Mesut Özil a história é outra. O criativo do Werder Bremen não me entusiasma tanto como à generalidade dos adeptos, sobretudo porque precisa de ser mais consistente e um jogo contra um adversário tão insignificante não é um teste suficientemente exigente, mas trata-se de um jogador imaginativo, com excelentes pés e capaz de coisas muito boas. Para muitos, foi o melhor em campo, por tudo o que fez. Mas misturou fintas e assistências interessantes com alguns momentos de irreflexão e má decisão. Müller, embora mais discreto, fez um jogo perfeito. Ainda assim, com estes dois jovens, a selecção germânica deixa de ser aquela selecção apenas forte fisicamente, reputada, com experiência e carisma, mas pouco imaginativa.

Ballack e Schweinsteiger são médios que dão continuidade à tradição alemã: experientes, seguros a distribuir, cerebrais, até, mas pouco imaginativos, pouco capazes de modificar, de súbito, as coordenadas de uma partida, não necessariamente com uma arrancada fulminante, mas com um passe menos previsível, com uma qualquer invenção de génio. Müller e Özil são muito mais talentosos. E embora ainda tenham de crescer, para o confirmar, constituem as principais referências para o futuro. A principal diferença entre um e outro, por sua vez, está essencialmente no facto de Özil ser muito mais espalhafatoso, de apostar muito mais vezes nos lances individuais, de arriscar mais no passe, etc. Por essa razão, nem sempre opta pela melhor decisão. Müller é mais inteligente, percebe melhor as necessidades da equipa a cada momento. E isto sem que signifique que não tem a capacidade adequada para fazer um passe deslumbrante, para descobrir uma solução imprevista. É por isso que a opinião foi tão favorável em relação a Özil. As pessoas não valorizam adequadamente a discrição, atributo que pode dizer muito de um atleta. Contra adversários mais competentes, Müller manterá certamente o nível exibicional. A sua inteligência e a sua maturidade assim o permitem. Já Özil, embora se possam sempre esperar dele rasgos formidáveis, estará muito mais vulnerável a oscilações de exibição e desaparecerá do jogo com muito mais facilidade, sempre que não for capaz de deslumbrar como deslumbrou neste primeiro desafio.

6 comentários:

Bruno Pinto disse...

Inglaterra ou Brasil, uma destas ganhará o Mundial.

Dejan Savićević disse...

Nuno,
Falas em apoios próximos, compreendo essa necessidade.
Como treinar para lá chegar? Conheces alguns exercicios base para trabalhar esse aspecto??

MB disse...

A Alemanha é sempre uma candidata a estar presente nas fases mais adiantadas de europeus e mundiais. Afinal o futebol ainda são 11 contra 11.

A razão da maioria das pessoas ter ficado mais agradado com exibição do Ozil deve-se também ao relativo desconhecimento deste futebolista (eu por exemplo não o conhecia). Já o Muller é, nem que seja de nome, mais conhecido.

O Ozil pode não ser tão certinho como o Muller, mas tem aqueles pormenores vistosos que por serem tão atipicos de um alemão (aliás pelo nome deve ser descendente de turcos) ficam ainda mais na retina. Se fosse um brasileiro qualquer semi-desconhecido ninguém ficaria tão supreso, isso é óbvio. E é precisamente por isso (ser um "rebelde" numa máquina tão mecanizada como a alemã) que fiquei fã (veremos até quando).

Nuno disse...

Ricardo, não sou treinador e, confesso, não tenho propriamente exercícios com que recriar as situações preferenciais de jogo. No entanto, e de acordo com aquilo em que acredito, treinaria exaustivamente situações de construção ofensiva, obrigando a equipa a criar rotinas nesse sentido. É uma questão de tornar habitual no treino os jogadores aproximarem-se do portador da bola e não o contrário. Poderia simplesmente criar um exercício de 6 para 5 em que seriam necessários 10 passes entre colegas antes de se poder verticalizar o jogo e procurar a finalização, por exemplo. Isso, porém, é vago, e os jogadores poderia contornar o problema sem aumentar a exigência do exercício. Poderia também criar um exercício em que a bola teria de ir obrigatoriamente a uma das faixas, depois voltar ao meio, verticalizar no espaço entre linhas, devolver ao meio e por aí fora, de modo a criar habituação de passe e movimento e, ao mesmo tempo, tornar a coisa exigente. Mas teria a ver com a capacidade de resposta dos jogadores e com a forma como interiorizariam o que lhes era pedido.

Dejan Savićević disse...

Nuno,
Só agora vi a tua resposta.
Há imensas possibilidades e concordo que os exercicios tenham de reflectir o que queres que apareça no jogo. Quanto mais treinares as rotinas mais elas aparecem e acaba por te dar algum prazer ver o resultado final.
No entanto ressalvo duas coisas muito importantes para que a posse e circulação com apoios curtos seja eficaz: os jogadores e o terreno.
Com jogadores fracos técnicamente e num pelado é muito complicado jogar em apoios curtos e em posse e circulação rápida. Atenção que digo complicado e não impossivel.

Se tiveres interessado numas ideias que tenho, envia-me um mail para ricardogaleiras@hotmail.com.


Abraço

Nuno disse...

Claro que é mais difícil e, obviamente, menos produtivo. Mas ao mesmo tempo quase já não há pelados, nem nas distritais. E falando a um nível mais alto, o terreno de jogo só é problema durante um curto período de tempo no Inverno e há muitos jogadores com o mínimo de técnica. O Villas Boas pôs a Académica a trocar bem a bola sem um material humano de grande qualidade. Já enviei o mail.

Abraço!