Referi há dias algo em que acredito há já muito tempo, mas a que só muito recentemente consegui dar uma expressão satisfatória. Sou, como se sabe, defensor da ideia de que a bola é tudo, em futebol. E sempre o fui. Sempre me pareceu, ainda que não o soubesse articular convenientemente, que ter a bola era a mais fundamental das coisas no jogo. Os argumentos que arranjava para defender esta ideia eram os tradicionais: sem a bola a equipa está sempre mais próxima de sofrer; sem a bola a equipa está sempre dependente do que o adversário fizer, etc. Mas houve sempre algo mais, houve sempre uma ideia difícil de explicar por palavras que me fazia acreditar que a bola era, enquanto instrumento, o mais importante de possuir num jogo. O aparecimento do Barcelona de Guardiola veio dar visibilidade a todas (ou quase todas) as ideias acerca do jogo que se defendiam por aqui, veio pôr num campo de futebol a teoria que o Entre Dez formulou em palavras desde que fora criado. E o Barcelona de Guardiola fez e faz com a bola precisamente aquilo que, para mim, faz da bola algo tão precioso. Ainda assim, continuava a ser complicado expressar em argumentos a razão pela qual é tão importante possuir a bola.
Ora bem, a bola é importante se, acima de tudo, for utilizada como engodo. Claro que é importante saber circulá-la, saber preservá-la, mas isso não chega. Sobretudo no último terço do terreno e sobretudo contra adversários que optem por defender com muitos homens atrás da linha da bola e com um bloco baixo, há que saber utilizar a posse da bola para fabricar os espaços necessários para se poder penetrar nessas defesas. Ora, é fazendo da bola um engodo que tal passa a ser possível. Nos dias que correm e, de acordo com as sofisticadíssimas filosofias defensivas dos tempos modernos, há cada vez menos espaços para jogar e, por mais velozes, fortes e hábeis que os jogadores sejam, dificilmente uma defesa concentrada e bem posicionada zonalmente permitirá veleidades aos atacantes adversários. A única coisa que uma defesa bem organizada não pode deixar de perseguir, porque se movimenta e posiciona de acordo com a posição relativa dela, é a bola. Assim, é fazendo com que a bola atraia de certo modo os defensores para onde se pretende que melhor se pode forçar uma defesa a abrir espaços. A bola, quando circulada com critério e imaginação, torna-se por isso o mais eficaz abre-latas no futebol dos tempos que correm.
Quando o adversário activa o seu pressing (e tal, podendo acontecer em qualquer zona do terreno, de acordo com as instruções do treinador, acontece necessariamente junto à grande área defensiva), o portador da bola é sempre alvo de pressão. Se, nestas alturas, a equipa que tem a bola tiver a capacidade para circulá-la rapidamente entre os seus vários jogadores, mudando o portador da bola velozmente, cria necessariamente indecisões e movimentações descoordenadas no adversário que está a pressionar. Se a bola entra num determinado jogador, esse jogador será alvo de pressão por um defesa; se esse jogador soltar a bola e a endossar a um colega, passará a ser esse colega o alvo da pressão. Ora, se isto for feito com velocidade e critério, e sobretudo muito continuamente, a simples alteração naquele que transporta a bola cria problemas na reacção do adversário que pressiona. Assim, trocando rapidamente a bola, troca-se rapidamente de portador da bola e obriga-se o adversário a mudar rapidamente de alvo de pressão. O que isto provoca é a necessária desorganização defensiva de quem está constantemente a reagir a uma nova situação.
Jogando com toques curtos, muitas vezes inconsequentes, forçando até por zonas muito congestionadas, não é por isso necessariamente mal jogado. Muitas vezes, é o modo mais eficaz de desorganizar o adversário, sobretudo se feito com qualidade. Ouve-se vezes sem conta dizer, da boca de sábios que repetem a matemática dos livros, que, por exemplo, a bola deve rodar por toda a equipa e que, se vem de um lado, deve obrigatoriamente ir para o lado contrário, por ser o menos povoado. Isto não tem necessariamente de ser assim e só quem não consegue interpretar com clareza os lances e prefere que as pessoas ajam de um modo geral, sem a análise no terreno, de acordo com o que mandam as boas maneiras e os livros, é que o pode proferir. O jogo deve ser virado quando tiver de ser virado. Muitas vezes, o melhor é insistir pelo mesmo lado, obrigar a que o adversário, com muitos homens naquela zona, se precipite na tentativa de recuperar a bola e abra espaços. Aliás, virar o flanco ao jogo tem apenas o ganho momentâneo de fazer com que a equipa que tem a bola possa respirar, mas não consiste num verdadeiro problema para quem defende, que tem tempo para bascular e para se organizar enquanto percebe onde a bola vai cair. Com vários toques curtos sucessivos, torna-se muito mais difícil ao adversário a capacidade de reorganização. Assim, insistir em toques curtos e em espaços de difícil penetração, se feito com qualidade, é muitas vezes a solução mais indicada para um lance.
Compete à equipa que tem a bola fazer dela não apenas a ferramenta do seu ataque, mas um instrumento de desarrumação da defesa contrária. Para que o consiga, precisa de transformá-la num engodo. O adversário, porque tem necessariamente de recuperá-la, persegue-a obsessivamente. Mesmo quando define as zonas onde efectua essa perseguição, não tem como não a perseguir. Se quem tem a bola for capaz de fazer com que o adversário, enquanto a persegue, se desorganize, terá também conseguido com que a necessidade deste em persegui-la passe a possuir uma natureza perniciosa. Assim, é tendo a bola e gerindo-a de um modo particular que se pode fazer com que uma necessidade vital do adversário se transforme no seu próprio cadafalso.
Ter a bola e saber como fazer dela um engodo é, portanto, não apenas um modo de jogar, mas o modo mais eficaz de jogar. É por isto que a bola é tudo em futebol. É que, contra esta estratégia, não há uma que se lhe possa superar. Toda a equipa que não tem a bola tem de persegui-la, quer o faça com um bloco alto, quer o faça com um bloco baixo. Pode desposicionar-se muito ou pouco, mas desposicionar-se-á necessariamente. Trata-se de uma imposição própria do jogo. Como tal, se a equipa que não tem a bola tem de persegui-la e a equipa que a tem souber como fazer da bola um engodo, não há como a equipa que não tem a bola não fique à mercê da equipa que a tem e sabe o que fazer com ela. Essa equipa não terá, por isso, nenhuma estratégia alternativa com que contornar a estratégia de um adversário que tenha e saiba usar a bola, restando-lhe tão-somente confiar na sorte ou na desinspiração desse adversário. Não há assim nenhuma estratégia defensiva que possa contornar ou combater o engodo da bola e, por isso mesmo, não haverá outra competência colectiva que deva ser mais ambicionada que esta. Fazer da bola um engodo, eis a meta de qualquer equipa verdadeiramente ambiciosa.
Ora bem, a bola é importante se, acima de tudo, for utilizada como engodo. Claro que é importante saber circulá-la, saber preservá-la, mas isso não chega. Sobretudo no último terço do terreno e sobretudo contra adversários que optem por defender com muitos homens atrás da linha da bola e com um bloco baixo, há que saber utilizar a posse da bola para fabricar os espaços necessários para se poder penetrar nessas defesas. Ora, é fazendo da bola um engodo que tal passa a ser possível. Nos dias que correm e, de acordo com as sofisticadíssimas filosofias defensivas dos tempos modernos, há cada vez menos espaços para jogar e, por mais velozes, fortes e hábeis que os jogadores sejam, dificilmente uma defesa concentrada e bem posicionada zonalmente permitirá veleidades aos atacantes adversários. A única coisa que uma defesa bem organizada não pode deixar de perseguir, porque se movimenta e posiciona de acordo com a posição relativa dela, é a bola. Assim, é fazendo com que a bola atraia de certo modo os defensores para onde se pretende que melhor se pode forçar uma defesa a abrir espaços. A bola, quando circulada com critério e imaginação, torna-se por isso o mais eficaz abre-latas no futebol dos tempos que correm.
Quando o adversário activa o seu pressing (e tal, podendo acontecer em qualquer zona do terreno, de acordo com as instruções do treinador, acontece necessariamente junto à grande área defensiva), o portador da bola é sempre alvo de pressão. Se, nestas alturas, a equipa que tem a bola tiver a capacidade para circulá-la rapidamente entre os seus vários jogadores, mudando o portador da bola velozmente, cria necessariamente indecisões e movimentações descoordenadas no adversário que está a pressionar. Se a bola entra num determinado jogador, esse jogador será alvo de pressão por um defesa; se esse jogador soltar a bola e a endossar a um colega, passará a ser esse colega o alvo da pressão. Ora, se isto for feito com velocidade e critério, e sobretudo muito continuamente, a simples alteração naquele que transporta a bola cria problemas na reacção do adversário que pressiona. Assim, trocando rapidamente a bola, troca-se rapidamente de portador da bola e obriga-se o adversário a mudar rapidamente de alvo de pressão. O que isto provoca é a necessária desorganização defensiva de quem está constantemente a reagir a uma nova situação.
Jogando com toques curtos, muitas vezes inconsequentes, forçando até por zonas muito congestionadas, não é por isso necessariamente mal jogado. Muitas vezes, é o modo mais eficaz de desorganizar o adversário, sobretudo se feito com qualidade. Ouve-se vezes sem conta dizer, da boca de sábios que repetem a matemática dos livros, que, por exemplo, a bola deve rodar por toda a equipa e que, se vem de um lado, deve obrigatoriamente ir para o lado contrário, por ser o menos povoado. Isto não tem necessariamente de ser assim e só quem não consegue interpretar com clareza os lances e prefere que as pessoas ajam de um modo geral, sem a análise no terreno, de acordo com o que mandam as boas maneiras e os livros, é que o pode proferir. O jogo deve ser virado quando tiver de ser virado. Muitas vezes, o melhor é insistir pelo mesmo lado, obrigar a que o adversário, com muitos homens naquela zona, se precipite na tentativa de recuperar a bola e abra espaços. Aliás, virar o flanco ao jogo tem apenas o ganho momentâneo de fazer com que a equipa que tem a bola possa respirar, mas não consiste num verdadeiro problema para quem defende, que tem tempo para bascular e para se organizar enquanto percebe onde a bola vai cair. Com vários toques curtos sucessivos, torna-se muito mais difícil ao adversário a capacidade de reorganização. Assim, insistir em toques curtos e em espaços de difícil penetração, se feito com qualidade, é muitas vezes a solução mais indicada para um lance.
Compete à equipa que tem a bola fazer dela não apenas a ferramenta do seu ataque, mas um instrumento de desarrumação da defesa contrária. Para que o consiga, precisa de transformá-la num engodo. O adversário, porque tem necessariamente de recuperá-la, persegue-a obsessivamente. Mesmo quando define as zonas onde efectua essa perseguição, não tem como não a perseguir. Se quem tem a bola for capaz de fazer com que o adversário, enquanto a persegue, se desorganize, terá também conseguido com que a necessidade deste em persegui-la passe a possuir uma natureza perniciosa. Assim, é tendo a bola e gerindo-a de um modo particular que se pode fazer com que uma necessidade vital do adversário se transforme no seu próprio cadafalso.
Ter a bola e saber como fazer dela um engodo é, portanto, não apenas um modo de jogar, mas o modo mais eficaz de jogar. É por isto que a bola é tudo em futebol. É que, contra esta estratégia, não há uma que se lhe possa superar. Toda a equipa que não tem a bola tem de persegui-la, quer o faça com um bloco alto, quer o faça com um bloco baixo. Pode desposicionar-se muito ou pouco, mas desposicionar-se-á necessariamente. Trata-se de uma imposição própria do jogo. Como tal, se a equipa que não tem a bola tem de persegui-la e a equipa que a tem souber como fazer da bola um engodo, não há como a equipa que não tem a bola não fique à mercê da equipa que a tem e sabe o que fazer com ela. Essa equipa não terá, por isso, nenhuma estratégia alternativa com que contornar a estratégia de um adversário que tenha e saiba usar a bola, restando-lhe tão-somente confiar na sorte ou na desinspiração desse adversário. Não há assim nenhuma estratégia defensiva que possa contornar ou combater o engodo da bola e, por isso mesmo, não haverá outra competência colectiva que deva ser mais ambicionada que esta. Fazer da bola um engodo, eis a meta de qualquer equipa verdadeiramente ambiciosa.
9 comentários:
Nuno, há no teu raciocínio um pressuposto que torna óbvia a conclusão, que é o facto de pressupores que uma equipa pode ser óptima a esconder a bola. Da mesma forma, se poderá pressupor, dentro de uma filosofia contrária, que uma equipa óptima a roubar a bola terá a capacidade para não deixar nenhuma outra equipa jogar.
Mas não é isso que me faz comentar o texto, porque redundaria numa discussão demasiado centrada em cenários ideias, pouco reais e, na minha opinião, desinteressantes.
A questão que levanto é sobre o que é necessário para uma equipa ser "óptima" em posse e qual é o preço para lá chegar.
Actualmente vejo muito poucas equipas a fazê-lo e, na verdade, apenas reconheço 1 que o faz de forma absolutamente genuína: o Barcelona.
Ora, se o Barcelona é - e estamos de acordo - de longe a melhor equipa do mundo, há também que reflectir sobre o porquê de mais ninguém conseguir repetir o que eles fazem. Seria óbvio tentar copiar, tal o sucesso que têm.
A questão, a meu ver, tem a ver com o caminho que há a percorrer até lá chegar. Ou seja, se a posse é aparentemente um caminho excelente para se conseguir jogar bem, na prática pode ser também uma fonte de problemas para as equipas que não a sabem fazer com enorme qualidade. É que o momento de maior desorganização de uma equipa é, quase sempre, quando perde a bola. Ora, se uma equipa tenta ter a bola e não o sabe fazer, vai acabar por perde-la mais vezes, e por consequência correr mais riscos.
Em alta competição, o caminho é demasiado custoso para que qualquer treinador se aventure num risco desses.
O segredo, na minha opinião, está na base. Esse parece-me ser o grande segredo do Barcelona e, para já, a única forma que vejo para uma equipa poder assumir uma filosofia tão radical com sucesso a um nível superior.
O problema é que se lê e ouve muita gente falar do modelo de jogo e da sua importância, mas não vejo ninguém dar-lhe a importância e dedicação que ele realmente justifica.
O modelo do Barcelona não serve para qualquer equipa.
É fácil dizer que aquela é a melhor maneira para chegar ao golo, chegar às vitórias. Há um jogador nuclear em todo aquele processo e, desculpem-me lá, mas o Barcelona, a selecção espanhola, não são o mesmo sem Xavi Hernandéz. Jogador único e verdadeiramente imprescindível nas duas equipas. Só é possível chegar àquela posse de bola e circulação com um jogador com as suas características.
Depois há o factor Messi que eleva a equipa a um patamar inatingível, embora a equipa sobreviva, como sobrevive a selecção espanhola sem Messi. Porque o único e verdadeiro imprescindível é Xavi. E escamotear isto é ser lírico.
No entanto, concordo em absoluto que a bola é o mais importante. Gostava, um dia, de ver um jogo entre duas equipas com o mesmo estilo de jogo do Barcelona. provavelmente aí várias teorias cairiam.
Ainda assim gostava de desenvolver mais este tema mas agora não tenho tempo.
Continua o bom trabalho porque este é dos melhores blogues portugueses sobre futebol.
Um bocado "fora-de-jogo", mas... por acaso gostava de saber a tua opinião sobre o que fazer para parar uma equipa como o Barcelona (a defender, ou seja, quando não temos a bola).
Que solução ou soluções te parecem as mais adequadas, para um sucesso mais sólido do que simplesmente "esporádico" (ocorre-me o Barça-Inter, que ditou derrota "por acaso", quase)?
PS: claro que há que ter em conta que não dispomos, para defender, de um Barça (independentemente de ser ou não a equipa que melhor defende). Imagina-te numa equipa do campeonato espanhol que vai visitar o Campo Novo...
Abraços! Espero que aceites o desafio.
Antes de mais, queria pedir desculpas pela demora nas respostas. A discussão é algo que me interessa particularmente, mas nem sempre usufruo do tempo desejável para poder participar nela.
Filipe, percebo o teu ponto de vista, mas não concordo inteiramente com ele. Isto é, reconheço que maior parte das equipas que procuram ter a bola não o sabem fazer e correm muitos riscos ao fazê-lo. Ainda assim, não significa isso que não haja forma de palmilhar esse caminho até à excelência. Um bom exemplo, a meu ver, foi a Académica do Villas-Boas o ano passado. Interessou-se, desde o início, em ser uma equipa com qualidade na posse de bola. Pagou a factura no início, foi goleada na Luz, por exemplo. Mas a médio prazo trouxe óbvios dividendos. Claro que a sua Académica não assentou apenas numa boa qualidade com bola e foi também o haver outras preocupações que possibilitou que a equipa jogasse bem sem correr os riscos que outros correm. Acho que o teu raciocínio comete o erro de presumir que, durante o caminho que leva a transformar uma equipa num colectivo com qualidade com bola, é inevitável que se cometam erros. E não creio que isso seja assim. É possível que esse caminho se faça de forma cautelosa e que, enquanto não haja a qualidade necessária para ter sempre a bola, a equipa esteja a salvo de certos riscos.
Acerca de ser o Barcelona a única equipa no mundo a jogar assim, também discordo. Acho que é a melhor e sem dúvida o melhor exemplo. Mas tens o exemplo do Arsenal, que é óptimo em termos ofensivos, quase tão forte como o Barcelona, e que, não fosse os momentos de transição e de organização defensiva estarem precariamente trabalhados, já teria tirado os máximos dividendos dessa forma de jogar. Eu, ao contrário de ti, não creio que a razão pela qual o Barça é diferente seja a base. Isto é, é óbvio que há algo na base do clube que ajuda. Mas esse algo não é coisa que não se possa implementar noutros clubes, a médio prazo. O salto qualitativo da equipa está associado a Guardiola e isso é que é importante. Claro que o Guardiola terá tido mais facilidade em implementar a sua ideologia no Barcelona do que teria noutro sítio qualquer e dificilmente teria os êxitos que teve logo no primeiro ano. Mas, se por acaso, pegasse num projecto a longo prazo, ao fim de alguns anos teria condições para fazer o mesmo que fez logo de início no Barça.
slbcarlitos, na minha opinião, a única coisa verdadeiramente imprescindível no Barcelona é o Guardiola; a estrela máxima é o colectivo. Tanto o Xavi como o Messi, como o Iniesta, como o Piqué, são importantes. Mas o mais importante é o colectivo. Aliás, isto parece uma coisa que todos os treinadores gostam de dizer. Mas a única equipa no mundo em que isto é realmente verdade é o Barcelona.
PAT, depende do adversário. Com uma equipa com qualidade, por exemplo o Real, a minha opção seria um pressing médio-alto, com sectores muito juntos e com zonas de pressão bem definidas e facilmente identificáveis por todos os jogadores. Depois, em termos estratégicos, optaria por facultar a saída de bola do Barça sempre pelo Puyol, forçando o pressing a cair mais no Piqué. O Guardiola responderia, muito certamente, com o abaixamento do Busquets, em 343. Nessa altura, procuraria subir o bloco para inviabilizar o segundo passe, continuando a facultar a saída pelo Puyol, ou seja, pela esquerda. Prepararia ainda a equipa para se precaver contra os passes verticais do Barça, para reagir à posse do Barça com uma ocupação inteligente do espaço entre linhas, por exemplo. Identificaria ainda certas tendências do adversário, como por exemplo, a flexão dos alas para o meio para tabelar com o avançado, e prepararia a equipa para se posicionar, nessas alturas, de modo a cortar essa possibilidade, etc. E gostaria sobretudo de combater a qualidade do Barça procurando ter a bola. Enquanto a tivesse, menos preocupações teria de ter com o que fazer para travá-los quando não a tivesse.
Com outras equipas, dependeria do plantel que conseguisse formar, da resposta dos jogadores, etc. Mas posso lembrar o exemplo do Villareal o ano passado, que adoptou um pressing altíssimo frente ao Barça, com os dois avançados a colar aos dois centrais do Barça aquando do pontapé de baliza do Barça, nunca deixando a equipa jogar e obrigando o Barça a um dos jogos menos conseguidos da época e acabando por ser bem sucedido em termos de resultado.
Nuno,
Não estamos a falar da mesma coisa. Uma coisa é a filosofia e modelo de jogo do Barça, outra é a do Arsenal. Por exemplo, o Arsenal, embora tenha grande qualidade de posse e movimentação, opta muitas vezes por começar as suas jogadas com um pontapé longo e usa sempre um jogador alto como referência ofensiva para as primeiras bolas. No Barcelona, pensei que poderíamos assistir ao mesmo, ainda que episodicamente, com Ibrahimovic, mas isso nunca aconteceu, a equipa nunca utilizou a força dele no jogo aéreo porque isso simplesmente não existe nos seus princípios.
Da mesma maneira, nenhuma equipa utiliza a posse como o Barcelona. Há várias - inúmeras - equipas que utilizam a posse como forma de chegar ao golo, mas nenhuma a fazê-lo deliberadamente e de forma sistemática para especular. A Académica de Villas Boas, por exemplo, distinguia-se pela qualidade do seu modelo. Porque gostava de ter a bola, de a utilizar como arma ofensiva, mas sobretudo porque sabia como fazê-lo. É que "gostar", todos gostam ou gostariam de ter mais bola, agora só os melhores têm modelos com qualidade suficiente para o fazer. Mas a Académica também não usava a posse da mesma maneira que o Barcelona. Não com o mesmo grau de fundamentalismo na ideologia. Aliás, nem o Porto o faz agora.
Filipe, tens razão quando dizes que o Barcelona é melhor que qualquer outra equipa a trocar e a gerir a bola e tens razão quando dizes que não há outra equipa que use a bola com um grau de fundamentalismo tão grande. Nada disso é contestável.
Mas o que estava a contestar era a implicação de que, para se usar a bola como o centro do modelo, se correm necessários riscos. O Arsenal, não tendo uma filosofia de jogo tão centrada na bola, utiliza um modelo em que a bola e a sua circulação através de toques curtos é o mais importante. Não o faz tão bem como o Barcelona nem o faz segundo uma ideologia tão radical como os catalães. Mas fá-lo e tem bons resultados com isso. Consegue tirar o melhor de um conjunto de jogadores com características específicas e, além de se manter competitivo apesar de não poder competir financeiramente com outros rivais, tem processos ofensivos ao nível dos melhores. O que digo é que não é preciso ser o Barcelona, que qualquer equipa que opte por ter a bola e por usar a bola com qualidade, tem imediatas vantagens em termos ofensivos. Claro que, se o fizer irresponsavelmente, corre riscos. Mas a minha defesa é a de que há formas de o fazer sem que, necessariamente, se corram riscos. Por isso é que falei na Académica do Villas-Boas.
Existe um entrave sério à aplicação desta forma de jogar noutros clubes.
Os adeptos. Não consigo imaginar esta maneira de jogar a ser tolerada no Estádio da Luz por exemplo. E penso que noutros clubes portugueses, grandes, seria o mesmo. Os adeptos portugueses têm um fair-play e amor pelo jogo muito mais reduzidos do que o amor pelo clube. Esta situação não permite apreciar o jogo pelo jogo.
Mais, qualquer um que já tenho visto um jogo numa "bancada dos sócios" de qualquer grande clube, sabe as barbaridades que se ouvem por ali, a ignorância vem sempre de mão dada com uma enorme arrogância, o que tornaria certos comentários absolutamente cómicos se não fossem tão trágicos.
Acho que nunca vi um atraso para o guarda redes não ser assobiado no estádio da luz.
Esta é uma dimensão que não pode ser ignorada, e penso que era também em relação a isto que o Filipe falava, a cultura do clube. Penso que o Schuster também se referiu a isto quando estava no Real.
Food for thought.
John Wesley Harding, há adeptos e adeptos. Lembro-me de, na época do Peseiro, os adeptos se dividirem. E tratava-se de uma equipa que teve imensos tropeções. Se o Sporting do Peseiro fosse um pouco melhor defensivamente, ou não se tivessem sido cometidos tantos erros individuais na defesa, seria tudo muito mais consensual. De qualquer modo, não creio que o problema esteja a ser bem entendido por ti.
É que - parece-me - estás a falar da reacção a um jogo especulativo, de muitos passes para o lado e para trás. Ora, o Barcelona não é nada disto. A posse de bola do Barcelona raramente é especulativa. É, pelo contrário, muitíssimo concreta. O tiki taka só pode ser minimimamente aborrecido se o adversário estiver enfiadinho lá atrás. Quando não está, a posse do Barça é sempre entre linhas adversárias, o que é muito mais difícil de fazer e causa muito maior prazer. O futebol em Inglaterra é muitíssimo mais animalesco, o público quer muito mais a emoção dos golos e dos lances de perigo e este fim-de-semana, quando o Arsenal estava a dar baile a trocar a bola inconsequentemente, o público estava a delirar. É uma questão de educar o público.
Os adeptos catalães não têm nada de diferente dos restantes adeptos dos outros clubes. Simplesmente já perceberam que aquele modo de jogar não é só para entreter e que conduz a resultados e estão, por isso, mais habituados a isso. Noutro clube qualquer, desde que implementado com sucesso, este modelo ia ter uma boa recepção a médio prazo. Até a labreguice pode ser educada. Aliás, o Aimar e o Saviola, o ano passado, terão contribuído em muito para a redução da taxa de analfabetismo entre os benfiquistas.
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