Chegou ao fim a primeira volta na Liga Espanhola e o Barcelona de Guardiola bateu o record da equipa com maior número de pontos numa primeira volta do campeonato: 50 pontos. Com um jogo a mais, tem 15 pontos de diferença para o segundo, é o melhor ataque com 59 golos marcados (mais de 3 por jogo, em média) e a melhor defesa, com13 sofridos. Esta noite, esmagou o Deportivo da Corunha de Zé Castro, equipa que ocupa o sétimo lugar e tem ambições europeias, por uns esclarecedores 5-0. Mas, mais do que o resultado, impressiona a facilidade com que a equipa troca a bola, a incapacidade do adversário em ter bola, a asfixiante pressão alta. O Deportivo não criou uma única situação de golo.
Se pensarmos ainda que 5 dos 7 pontos perdidos pelo Barça foram perdidos nas duas primeiras jornadas do campeonato, altura em que os processos colectivos ainda não estariam certamente mecanizados, maior se torna a dimensão deste feito. A equipa de Guardiola não está só a jogar um bom futebol; está a jogar um futebol demolidor. Quando, após aqueles dois maus resultados no início da Liga Espanhola, o Barcelona venceu o Sporting por 3-1, num jogo em que o Sporting pouco atacou, muitos criticaram a equipa lisboeta, afirmando que o Barcelona estava em crise e que não se admitia, por isso, que o Sporting fosse tão humilhado. Na altura, pareceu-me desde logo que esta gente se precipitava. Mais do que demérito do Sporting, era evidente que o Barcelona não era uma equipa qualquer. A facilidade com que saía de zonas de pressão, a capacidade para trocar a bola rapidamente entre três ou quatro adversários, a ocupação perfeita dos espaços e a forma asfixiante como pressionava deixava antever tudo o que se passou a seguir: uma primeira volta praticamente imaculada.
A grande virtude deste Barcelona não está no génio individual dos seus jogadores. É verdade que todos eles são muito talentosos e é verdade que, com Messi, tudo é mais fácil. Mas alguém duvida que este Barça, mesmo sem Messi, estaria em primeiro? O que faz da equipa de Guardiola uma grande equipa é um conjunto de coisas do qual a capacidade individual dos elementos que a compõem é apenas uma pequena parte. O que é, de facto, fundamental, é a filosofia de jogo, a cultura táctica, a organização e a inteligência. O Barcelona é hoje uma equipa dotada de grandes valores, sobretudo, mental e intelectualmente. Não há, praticamente, nenhum jogador que não seja rápido a pensar. O futebol de toque curto constante não é só mais uma característica; é um sintoma - um sintoma de inteligência. Uma equipa que tenha a facilidade de jogar em espaços curtos com a eficácia com que o Barcelona o faz é uma equipa, do ponto de vista ofensivo, saudável. Por menos espaço que haja, a equipa arranja forma de passar por lá. Enquanto outras equipas andam à volta, à procura de espaço, o Barcelona entra pelo buraco da agulha. E desfaz defesas como quem respira.
Uma das coisas mais espantosas é a forma despreocupada com que a equipa joga. Não raro, vemos um jogador a passar a bola a outro que tem um adversário perto, sem medo que o colega a perca. Não são muitas as equipas que têm capacidade de fazer isto, de arriscar isto. Muitas vezes, perante marcações apertadas, a opção é jogar mais comprido, ou atrasar, ou lateralizar. No Barcelona não. O Barcelona é, de certeza, a equipa no mundo que mais passes verticais faz. E isto porque existe uma confiança no colega e na capacidade de decisão do mesmo que normalmente não existe. Quando um médio-ofensivo recua para receber um passe vertical de um defesa, traz consigo uma marcação, mas mesmo assim a bola é-lhe dada. Ao fazê-lo, é-lhe colocada a responsabilidade de decidir bem, de devolver a bola ou de segurá-la, de tocar para o lado para outro colega ou de receber e de se virar para o adversário. Mas esta atribuição de responsabilidade implica igualmente uma coragem inegável em quem faz o passe. O Barcelona troca tão bem a bola porque não há medo de perdê-la, porque se confia na inteligência do colega. E a equipa, assim, progride com segurança no campo, desposicionando o adversário e enervando-o. O carrossel dos catalães é apenas o resultado duma equipa mentalmente forte e de uma equipa inteligente. Depois, na fase defensiva, a capacidade de pressão é igualmente invejável. Mas o segredo está na capacidade criativa de todo o conjunto, desde o guarda-redes ao avançado. O Barcelona é o que é porque todos os seus jogadores pensam de maneira parecida, de uma maneira arrojada, criativa, clara. O Barcelona joga com a cabeça. Não tem jogadores atleticamente fortes, nem velocistas. Tem jogadores dotados tecnicamente e, sobretudo, dotados intelectualmente. Em termos de tomadas de decisão, são a equipa mais formidável de que me lembro. Este Barcelona, por tudo isto, por esta singular capacidade de dominar o jogo com a bola em seu poder, fazendo-a rodar por todos os seus jogadores com uma facilidade ímpar, como se estivesse sem adversário em campo, progredindo quando tem de progredir e reservando-se quando tem de se reservar, é o protótipo de equipa perfeita e joga o futebol que o Entredez, desde sempre, tentou defender.
Ao fim de 6 meses, posso dizer que Guardiola me enche as medidas. A partir de hoje, está, para mim, entre aquela pequena elite de treinadores que considero fora do vulgar. Antes de finalizar, gostaria, contudo, de partilhar um raciocínio, na forma de uma pergunta. Alguém acha que o Barcelona conseguiria jogar este tipo de futebol - um futebol de toque curto, um futebol que fornece, regularmente, ao portador da bola, dois ou três apoios, um futebol inteligente, capaz de sair de situações de inferioridade numérica com uma facilidade assombrosa, um futebol que põe o adversário a correr atrás da bola, circulando-a a toda a largura e a todo o comprimento do campo, indo à frente, voltando atrás, indo à esquerda, voltando à direita, um futebol que cansa só de ver, um futebol que é o que de mais parecido com arte este desporto pode oferecer - poderia o Barcelona jogar este tipo de futebol noutro esquema táctico, por exemplo, num 442 clássico?
Se pensarmos ainda que 5 dos 7 pontos perdidos pelo Barça foram perdidos nas duas primeiras jornadas do campeonato, altura em que os processos colectivos ainda não estariam certamente mecanizados, maior se torna a dimensão deste feito. A equipa de Guardiola não está só a jogar um bom futebol; está a jogar um futebol demolidor. Quando, após aqueles dois maus resultados no início da Liga Espanhola, o Barcelona venceu o Sporting por 3-1, num jogo em que o Sporting pouco atacou, muitos criticaram a equipa lisboeta, afirmando que o Barcelona estava em crise e que não se admitia, por isso, que o Sporting fosse tão humilhado. Na altura, pareceu-me desde logo que esta gente se precipitava. Mais do que demérito do Sporting, era evidente que o Barcelona não era uma equipa qualquer. A facilidade com que saía de zonas de pressão, a capacidade para trocar a bola rapidamente entre três ou quatro adversários, a ocupação perfeita dos espaços e a forma asfixiante como pressionava deixava antever tudo o que se passou a seguir: uma primeira volta praticamente imaculada.
A grande virtude deste Barcelona não está no génio individual dos seus jogadores. É verdade que todos eles são muito talentosos e é verdade que, com Messi, tudo é mais fácil. Mas alguém duvida que este Barça, mesmo sem Messi, estaria em primeiro? O que faz da equipa de Guardiola uma grande equipa é um conjunto de coisas do qual a capacidade individual dos elementos que a compõem é apenas uma pequena parte. O que é, de facto, fundamental, é a filosofia de jogo, a cultura táctica, a organização e a inteligência. O Barcelona é hoje uma equipa dotada de grandes valores, sobretudo, mental e intelectualmente. Não há, praticamente, nenhum jogador que não seja rápido a pensar. O futebol de toque curto constante não é só mais uma característica; é um sintoma - um sintoma de inteligência. Uma equipa que tenha a facilidade de jogar em espaços curtos com a eficácia com que o Barcelona o faz é uma equipa, do ponto de vista ofensivo, saudável. Por menos espaço que haja, a equipa arranja forma de passar por lá. Enquanto outras equipas andam à volta, à procura de espaço, o Barcelona entra pelo buraco da agulha. E desfaz defesas como quem respira.
Uma das coisas mais espantosas é a forma despreocupada com que a equipa joga. Não raro, vemos um jogador a passar a bola a outro que tem um adversário perto, sem medo que o colega a perca. Não são muitas as equipas que têm capacidade de fazer isto, de arriscar isto. Muitas vezes, perante marcações apertadas, a opção é jogar mais comprido, ou atrasar, ou lateralizar. No Barcelona não. O Barcelona é, de certeza, a equipa no mundo que mais passes verticais faz. E isto porque existe uma confiança no colega e na capacidade de decisão do mesmo que normalmente não existe. Quando um médio-ofensivo recua para receber um passe vertical de um defesa, traz consigo uma marcação, mas mesmo assim a bola é-lhe dada. Ao fazê-lo, é-lhe colocada a responsabilidade de decidir bem, de devolver a bola ou de segurá-la, de tocar para o lado para outro colega ou de receber e de se virar para o adversário. Mas esta atribuição de responsabilidade implica igualmente uma coragem inegável em quem faz o passe. O Barcelona troca tão bem a bola porque não há medo de perdê-la, porque se confia na inteligência do colega. E a equipa, assim, progride com segurança no campo, desposicionando o adversário e enervando-o. O carrossel dos catalães é apenas o resultado duma equipa mentalmente forte e de uma equipa inteligente. Depois, na fase defensiva, a capacidade de pressão é igualmente invejável. Mas o segredo está na capacidade criativa de todo o conjunto, desde o guarda-redes ao avançado. O Barcelona é o que é porque todos os seus jogadores pensam de maneira parecida, de uma maneira arrojada, criativa, clara. O Barcelona joga com a cabeça. Não tem jogadores atleticamente fortes, nem velocistas. Tem jogadores dotados tecnicamente e, sobretudo, dotados intelectualmente. Em termos de tomadas de decisão, são a equipa mais formidável de que me lembro. Este Barcelona, por tudo isto, por esta singular capacidade de dominar o jogo com a bola em seu poder, fazendo-a rodar por todos os seus jogadores com uma facilidade ímpar, como se estivesse sem adversário em campo, progredindo quando tem de progredir e reservando-se quando tem de se reservar, é o protótipo de equipa perfeita e joga o futebol que o Entredez, desde sempre, tentou defender.
Ao fim de 6 meses, posso dizer que Guardiola me enche as medidas. A partir de hoje, está, para mim, entre aquela pequena elite de treinadores que considero fora do vulgar. Antes de finalizar, gostaria, contudo, de partilhar um raciocínio, na forma de uma pergunta. Alguém acha que o Barcelona conseguiria jogar este tipo de futebol - um futebol de toque curto, um futebol que fornece, regularmente, ao portador da bola, dois ou três apoios, um futebol inteligente, capaz de sair de situações de inferioridade numérica com uma facilidade assombrosa, um futebol que põe o adversário a correr atrás da bola, circulando-a a toda a largura e a todo o comprimento do campo, indo à frente, voltando atrás, indo à esquerda, voltando à direita, um futebol que cansa só de ver, um futebol que é o que de mais parecido com arte este desporto pode oferecer - poderia o Barcelona jogar este tipo de futebol noutro esquema táctico, por exemplo, num 442 clássico?
11 comentários:
Não.
Nuno, bela análise. Concordo em absoluto!
a filosofia de jogo do Barcelona sp foi das coisas q mais me fascinou no futebol.
Guardiola q tantos e tantos anos jogou c aquela camisola, encarna essa filosofia c grande categoria!
É fantastica, tb, a capacidade do Barça para se reinventar. Depois da vitoria na champions (num ano em q tb eram, de longe, a melhor equipa do mundo), seguiram-se alguns anos de menor qualidade, mas voltou, em apenas uma epoca, a surgir como a melhor do mundo? !
é o ciclo do costume. Tem sido assim ha imenso tempo. Dream team. Jogadores ganham mta coisa, perdem ambição, partem para outras paragens...e Barça reinventa-se c outros jogadores! MT BOM!
há muito pouca a dizer deste barça a não ser "bravo". Enche completamente as medidas a qualquer adepto de futebol, e para ser perfeita, só falta de vez enquando ganhar "à rasca" só para as coisas parecerem um bocadinho mais dificeis.
Messi é absolutamente assombroso, mas concordo com que o Nuno diz quando o Barcelona mesmo sem lionel iria à frente.
tive a felicidade de ver o Barcelona 3 -1 Maiorca ao vivo no camp nou.
foi um ponto de viragem na minha maneira de pensar o futebol. quer dizer, foi o culminar de uma reflexão que tenho feito nos ultimos meses...em que os textos (sobre tactica) neste blog muito ajudaram.
eu era um defensor do 442 clássico. mas aqui admito que estava errado. não se pode aplicar os principios do bom futebol a jogar num sistema que não oferece linhas de passe suficientes para sair a jogar sobre pressão, nem permite ter a bola com tranquilidade quando se está em vantagem...para jogar em 442 clássico só existe uma velocidade: a mais rápida possivel! as transições são quase sempre rápidas...
a minha defesa do 442 clássico estava errada. guardiola e o blog entre dez (em proporções diferentes eheheh) convenceram-me disso.
viva o Barça!
Tenho de vir mais vezes aqui a ver se fico a perceber alguma coisa de bola...se o permitires claro....uma vez que vim aqui parar por mero acaso.....ahahahah
Que as bolas entre mais na baliza e batam menos nos botes....
Até breve e parabens ao Barça.
De facto o Barça é qualquer coisa de impressionante. Esta época também tive o privilégio de ver esta máquina de futebol ao vivo em Alvalade. E aquilo parecia uma autêntica "rabia", o que os "catalães" fizeram aos "leões".
Guardiola está de parabéns, de facto, ainda por cima, tinha sérias dúvidas no início da época devido à "limpeza de balneário" algo que costmo achar que não dá grandes resultados...
Quanto à questão que colocas no final, penso que o que mais se aproxima deste tipo de futebol, e em algo muito próximo de um 4-4-2 clássico é o Arsenal de Wenger...
Abraço
Agora uma provocaçãozita :))) que no entanto não deixa de ser uma realidade.
Acrescentaria a Atalanta que no seu 4-4-2 clássico dominou de forma avassaladora o losango do Inter de Mourinho.
Abraço
Bom tema!
Em resposta à pergunta: "poderia o Barcelona jogar este tipo de futebol noutro esquema táctico, por exemplo, num 442 clássico"?, eu diria que provavelmente sim.
Com um reparo: o sistema teria de ser implementado e treinado desde o início da época, incluindo a selecção dos jogadores que melhor interpretassem o sistema. Não é ético, a meio da temporada, julgar que o percurso poderia ser diferente, pois essa circunstância implica todo um processo de planeamento inicial.
De qualquer modo, da mesma forma que o texto diz que a capacidade individual é, apenas, uma pequena parte do sucesso da equipa, também o sistema táctico (4x4x2 clássico ou outro) é um dos caminhos para atingir essa qualidade exibicional.
Mais uma vez, e concordando com o conteúdo do artigo, o carrossel do Barcelona não é tanto consequência do sistema táctico, mas antes resultado do fundamental: filosofia de jogo, cultura táctica, organização e inteligência.
Em suma, o futebol também pode ser parecido com arte utilizando um 4x4x2 clássico. A própria história do futebol dá-nos imensos exemplos de um futebol belo e, ao mesmo tempo, demolidor, com mais do que um sistema táctico.
Parabéns pela crónica e mantenham a qualidade que têm demonstrado até aqui.
Cumprimentos.
Boas, antes de mais parabens pelo blog.
Gostei da cronica, mas se me permites, não me parece correcto dizer que o barça "Não tem jogadores atleticamente fortes, nem velocistas." o trio da frente mais dani alves são jogadores extremamente rapidos e usam essa velocidade muito bem, sendo que iniesta que esta a regressar agora tambem é muito rapido.
cumprimentos.
E os "porras tontas" dos nossos comentadores,jornalistas e público em geral que acharam que o Sporting podia ter feito mais nos jogos que fez com o Barça!!!??? Acho que o Sporting mesmo assim fez uns bons resultados (8-3)!!!
Enviar um comentário