Nos últimos dias, tem vindo ao de cima certa indignação sobre o que é escrito aqui. Vozes em coro gritam: "Por que é que dizes coisas tão arrojadas? Contra quem vociferas? Que ganhas em humilhar os outros?" Encontrei uma resposta idónea para esta indignação guardada nos arquivos longínquos da minha memória...
No final do século XIX, um jovem coimbrão e um povoense agitaram o país com uma escrita mordaz, com a qual pretendiam a pedagogia geral de um povo e o ataque severo às mentalidades da época. As Farpas de Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, reunidas vinte anos depois, voltariam a ser publicadas. Às que tinham sido escritas por si deu-lhes Eça de Queirós o nome de Uma Campanha Alegre.
Podemos ler, na Advertência à primeira edição, de 1890, o seguinte:
"As páginas deste livro são aquelas com que outrora concorri para as Farpas, quando Ramalho Ortigão e eu, convencidos, como o Poeta, que a "tolice tem cabeça de touro", decidimos farpear até à morte a alimária pesada e temerosa."
Este espaço, não querendo farpear da mesma forma geral, reconhece contudo a existência de uma "alimária pesada e temerosa" que fala sobre futebol e que, unicamente neste âmbito, necessita de uma ou outra farpada.
Continua Eça de Queirós:
"Quem era eu, que força ou razão superior recebera dos deuses, para assim me estabelecer na minha terra em justiceiro destruidor de monstros?... A mocidade tem destas esplêndidas confianças; só por amar a Verdade imagina que a possui; e, magnificamente certa da sua infalibilidade, anseia por investir contra tudo o que diverge do seu ideal, e que ela portanto considera Erro, irremissível Erro, fadado à exterminação. Assim foi que, chegando da Universidade com o meu Proudhon mal lido debaixo do braço, me apressei a gritar na cidade em que entrava - «Morte à Tolice!»
"Morte à Tolice!" É precisamente este o desígnio último deste espaço.
Diz ainda o escritor:
"E desde então, à ilharga de Ramalho Ortigão, não cessei durante dois anos de arremessar farpas, uma após a outra, para todos os lados onde supunha entrever o escuro cachaço taurino. Não me recordo se acertava; sem dúvida muitos ferros se embotaram nas lajes; mas cada arremesso era governado por um impulso puro da inteligência ou do coração. E assim desses tempos ardentes me ficara a ideia de uma campanha muito alegre, muito elevada, em que a ironia se punha radiantemente ao serviço da justiça, cada rijo golpe fazia brotar uma soberba verdade, da demolição de tudo ressaltava uma educação para todos, e o tumulto do ataque aparentemente desordenado era, como o dos Gregos combatendo em Plateia, dirigido por Minerva armada - quero dizer, pela Razão."
E é "dirigido pela Razão", "governado por um impulso puro da inteligência ou do coração", que cada simpática farpa deste espaço é arremessada.
Encontra mais adiante o seguinte:
"Todo este livro é um riso que peleja. Que peleja por aquilo que eu supunha a Razão. Que peleja contra aquilo que eu supunha a Tolice."
Substituindo "livro" por "blogue" e os tempos verbais que estão no pretérito imperfeito pelo presente, faço minhas (nossas) as palavras do grande Eça.
Datada de Junho de 1871, a primeira das farpas diz assim:
"Leitor de bom-senso, que abres curiosamente a primeira página deste livrinho, sabe, leitor celibatário ou casado, proprietário ou produtor, conservador ou revolucionário, velho patuleia ou legitimista hostil, que foi para ti que ele foi escrito - se tens bom-senso! E a ideia de te dar assim todos os meses, enquanto quiseres, cem páginas irónicas, alegres e justas, nasceu no dia em que pudemos descobrir, através da ilusão das aparências, algumas realidades do nosso tempo."
Não sei se o Eça sublinhou com devido ênfase que o destinatário destas farpas é o leitor de bom-senso. Se não o fez, faço-o eu. E é para este, e não para outro tipo de leitor, que o que é escrito aqui se dirige esperançosamente em busca de compreensão. Não esperamos, de outra espécie de leitor, que nos compreenda a demanda. Desses, esperamos aquilo que tem acontecido: insultos, má-disposição, tentativas de gracejos, promessas de represálias, etc. E aqueles que, com coices e bruscas patadas, tentam ridicularizar estas ideias, não só não compreendem o que é dito como, exactamente por isso, são o próprio "cachaço taurino" a quem as farpas deste espaço se dirigem. Só de uma pequena porção de quem nos lê, e sem qualquer tipo de ilusão quanto a isso, esperamos agradável aceitação. E esses nos bastam, conquanto nem um fossem. Porquê? Porque nos é incomparavelmente menos importante a aceitação do público que a atestação dos "Erros" gerais que grassam entre ele. E, porque nos é mais importante cunhar a estupidez geral e proclamar a "Verdade", estes textos têm o fim em si mesmos e não visam instruir ninguém, modificar mentalidades, ou instituir ingenuamente uma nova maneira de pensar. O futebol deveria estar agradecido por isto, mas é-nos completamente indiferente se o está ou virá a estar verdadeiramente.
Respeitando a devida comparação e as figuras incomparáveis de Ramalho e Eça, este espaço é portanto uma espécie de Farpas segundo as quais se pretende, acima de tudo, denunciar a "tolice" vigente e apresentar ideias tão inovadoras quanto o raciocínio lógico e a inteligência possam permitir...
No final do século XIX, um jovem coimbrão e um povoense agitaram o país com uma escrita mordaz, com a qual pretendiam a pedagogia geral de um povo e o ataque severo às mentalidades da época. As Farpas de Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, reunidas vinte anos depois, voltariam a ser publicadas. Às que tinham sido escritas por si deu-lhes Eça de Queirós o nome de Uma Campanha Alegre.
Podemos ler, na Advertência à primeira edição, de 1890, o seguinte:
"As páginas deste livro são aquelas com que outrora concorri para as Farpas, quando Ramalho Ortigão e eu, convencidos, como o Poeta, que a "tolice tem cabeça de touro", decidimos farpear até à morte a alimária pesada e temerosa."
Este espaço, não querendo farpear da mesma forma geral, reconhece contudo a existência de uma "alimária pesada e temerosa" que fala sobre futebol e que, unicamente neste âmbito, necessita de uma ou outra farpada.
Continua Eça de Queirós:
"Quem era eu, que força ou razão superior recebera dos deuses, para assim me estabelecer na minha terra em justiceiro destruidor de monstros?... A mocidade tem destas esplêndidas confianças; só por amar a Verdade imagina que a possui; e, magnificamente certa da sua infalibilidade, anseia por investir contra tudo o que diverge do seu ideal, e que ela portanto considera Erro, irremissível Erro, fadado à exterminação. Assim foi que, chegando da Universidade com o meu Proudhon mal lido debaixo do braço, me apressei a gritar na cidade em que entrava - «Morte à Tolice!»
"Morte à Tolice!" É precisamente este o desígnio último deste espaço.
Diz ainda o escritor:
"E desde então, à ilharga de Ramalho Ortigão, não cessei durante dois anos de arremessar farpas, uma após a outra, para todos os lados onde supunha entrever o escuro cachaço taurino. Não me recordo se acertava; sem dúvida muitos ferros se embotaram nas lajes; mas cada arremesso era governado por um impulso puro da inteligência ou do coração. E assim desses tempos ardentes me ficara a ideia de uma campanha muito alegre, muito elevada, em que a ironia se punha radiantemente ao serviço da justiça, cada rijo golpe fazia brotar uma soberba verdade, da demolição de tudo ressaltava uma educação para todos, e o tumulto do ataque aparentemente desordenado era, como o dos Gregos combatendo em Plateia, dirigido por Minerva armada - quero dizer, pela Razão."
E é "dirigido pela Razão", "governado por um impulso puro da inteligência ou do coração", que cada simpática farpa deste espaço é arremessada.
Encontra mais adiante o seguinte:
"Todo este livro é um riso que peleja. Que peleja por aquilo que eu supunha a Razão. Que peleja contra aquilo que eu supunha a Tolice."
Substituindo "livro" por "blogue" e os tempos verbais que estão no pretérito imperfeito pelo presente, faço minhas (nossas) as palavras do grande Eça.
Datada de Junho de 1871, a primeira das farpas diz assim:
"Leitor de bom-senso, que abres curiosamente a primeira página deste livrinho, sabe, leitor celibatário ou casado, proprietário ou produtor, conservador ou revolucionário, velho patuleia ou legitimista hostil, que foi para ti que ele foi escrito - se tens bom-senso! E a ideia de te dar assim todos os meses, enquanto quiseres, cem páginas irónicas, alegres e justas, nasceu no dia em que pudemos descobrir, através da ilusão das aparências, algumas realidades do nosso tempo."
Não sei se o Eça sublinhou com devido ênfase que o destinatário destas farpas é o leitor de bom-senso. Se não o fez, faço-o eu. E é para este, e não para outro tipo de leitor, que o que é escrito aqui se dirige esperançosamente em busca de compreensão. Não esperamos, de outra espécie de leitor, que nos compreenda a demanda. Desses, esperamos aquilo que tem acontecido: insultos, má-disposição, tentativas de gracejos, promessas de represálias, etc. E aqueles que, com coices e bruscas patadas, tentam ridicularizar estas ideias, não só não compreendem o que é dito como, exactamente por isso, são o próprio "cachaço taurino" a quem as farpas deste espaço se dirigem. Só de uma pequena porção de quem nos lê, e sem qualquer tipo de ilusão quanto a isso, esperamos agradável aceitação. E esses nos bastam, conquanto nem um fossem. Porquê? Porque nos é incomparavelmente menos importante a aceitação do público que a atestação dos "Erros" gerais que grassam entre ele. E, porque nos é mais importante cunhar a estupidez geral e proclamar a "Verdade", estes textos têm o fim em si mesmos e não visam instruir ninguém, modificar mentalidades, ou instituir ingenuamente uma nova maneira de pensar. O futebol deveria estar agradecido por isto, mas é-nos completamente indiferente se o está ou virá a estar verdadeiramente.
Respeitando a devida comparação e as figuras incomparáveis de Ramalho e Eça, este espaço é portanto uma espécie de Farpas segundo as quais se pretende, acima de tudo, denunciar a "tolice" vigente e apresentar ideias tão inovadoras quanto o raciocínio lógico e a inteligência possam permitir...
1 comentário:
Um dos melhores artigos que li aqui no blogue.
Ando a ler/reler.
Grande Abraço Nuno e obrigado.
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