quinta-feira, 3 de maio de 2007

Diego

Ainda que os separem quase quatro séculos, comunga com o grande pintor o nome próprio e a perfeição de movimentos. Velázquez ficou para a história como um dos pintores mais geniais; o traço, um dos mais perfeitos. Há alguns anos, outro Diego deixou o seu nome gravado nos anais da História. Disseram que foi um dos melhores de sempre, no futebol. Arriscaria a dizer que não houve, não há, nem haverá quem se lhe tenha comparado como futebolista. O terceiro Diego, um que surge agora, no virar do século, e de quem me apraz falar sem moderações, possui o mesmo divino dom para encantar. Joga com paixão, com arte, como se valsasse. Tudo é tão simples, nele. Os movimentos são de uma estrepitosa correcção. Tem com a bola uma relação facílima: ao contrário de muitos, ela é para ele a melhor amiga. Trata-a bem e ela trata-o bem. E de pensar que houve quem o não quisesse...

Diego faz maravilhas. Faz jogar uma equipa inteira e pode desequilibrar individualmente com a facilidade de quem caminha. Há poucos, muito poucos assim. Aliás, hoje em dia a tendência é deixar de existirem jogadores apaixonantes como ele. Talvez por isso, passou pelo futebol português sem que lhe percebessem a excepcionalidade. Correr como correram com ele não é só estupidez; é ingratidão para com o futebol. Ignorar um talento como o dele é de quem percebe pouco, muito pouco, de futebol. Co Adriaanse esqueceu-o no banco, mesmo numa equipa virada para o ataque. Preferiu a correcção de Lucho Gonzaléz e a estabilidade de outros. Foi campeão e, por isso, ninguém o criticou. Ainda que Diego, sempre que tenha jogado, tenha sido dos melhores em campo. O Porto, com ele, era sempre mais equipa; era sempre imprevisível. Antes, marcou golos ao alcance de poucos, como aquele contra o Chelsea, que permitiu aos Dragões permanecer na Liga dos Campeões. Executou passes de 50 metros com precisão de relojoeiro; deixou babados os adeptos de futebol enquanto arte. Lembro com saudades certas exibições inolvidáveis, como uma contra o Belenenses, na qual, depois de jogar mais que toda a equipa adversária junta, isolou Benny McCarthy com um passe de letra. Bailou enquanto jogou e, ainda assim, não convenceu. Sem glória, perdeu o carinho dos adeptos. Pouco apreciado, decidiu partir. E ninguém, por aquela altura, sentiu falta dele. Ninguém, excepto eu. E excepto quem gosta mesmo de futebol.

Os portistas depressa o esqueceram. Diziam que tinham agora outro brasileiro bem melhor. Falavam de Anderson. Tolos. Não sabem o que dizem. Compará-los é ridículo. Diego é, provavelmente o melhor jogador da sua geração, talvez a par de Robinho. Juntos, em precoces idades, ganharam no Santos o campeonato. Ainda não esqueci, também, como Diego conquistou para o Brasil uma Copa América. A perder com a Argentina por 2-1, a "Canarinha" decidiu começar a bombear bolas para a área, na esperança de que Adriano ou Luis Fabiano resolvessem. Sem sucesso algum. Até que entrou Diego. O miúdo, caloiro naquelas andanças, não pediu ordens para mudar tudo. Pegou na bola e não a pontapeou sem nexo como os outros. Os argentinos estranharam. Sairam-lhe ao encalço. Driblou dois, progrediu e, já perto da entrada da área, fez um cruzamento observando a posição dos colegas e colocou a bola, finalmente jogável, nos pés de Adriano. Este, depois, resolveu. E o Brasil acabaria mesmo por vencer a Copa. Anderson até pode chegar ao nível de Diego, um dia. Mas, para já, ainda não provou nada. É igualmente dos mais talentosos da sua geração. Mas - arrisco eu - não tem a classe e a inteligência do primeiro. É mais explosivo, atleticamente superior, rapidíssimo. Mas não possui ideias suficientemente esclarecidas para se tornar um grande jogador. Talvez dê um bom extremo, ou um avançado móvel. Nunca um médio ofensivo. Ao fim de um ano de ausência e também porque agora é imprescindível no Werder Bremen e anda a espalhar talento pela Europa, os portistas começam a sentir saudades. Agora é fácil de reconhecer que ele faz falta - digo eu. E é tarde para se arrependerem...

O futebol português é extraordinariamente contraditório. Por um lado, é reconhecido em todo o mundo como um futebol com apetência para criar jogadores habilidosos. Por outro, nenhum outro futebol desperdiça tantos talentos. Talvez seja da abundância. Não sei. A verdade é que passam por Portugal jogadores fascinantes em quem ninguém pega. E não consigo perceber porquê. Será da estupidez dos dirigentes, da ignorância dos treinadores? Francamente, não se percebe. Quando se tratam de sul-americanos, costumam dar a desculpa esfarrapada de que não se conseguem adaptar ao futebol europeu. Que patetice! Consigo dizer tantos e tantos nomes de jogadores que não vingaram em Portugal e que foram dar espectáculo lá para fora ou que tinham condições para o fazer... Apetece-me lembrar, além de Diego, de Mostovoi, de Roger, de Romagnoli (embora este final de época possa salvar aquilo que a meio da época parecia inevitável) e ainda de dois jogadores que, pelo que fizeram o ano passado no Guimarães, não entendo como não convenceram nenhum dos três grandes: Benachour e Saganowsky.

Enfim, não deixaram Diego brilhar aqui, foi para norte e brilhou lá. Entretanto, já é dos habitualmente convocados para a selecção. Não houvesse Kaká e talvez fosse mesmo titular do Brasil. Não tardará a sê-lo. É demasiado perfeito para não jogar ao mais alto nível. Hoje, dia em que se joga a segunda mão das meias-finais da UEFA, Diego tem a missão quase impossível de fazer com que o Bremen vire uma eliminatória cuja primeira mão deixou os alemães quase eliminados, após uma humilhante derrota por 3-0 ante o Espanyol. Se há equipa capaz de o fazer, é uma que tenha jogadores extraordinários. E Diego é extraordinário. Portanto, talvez seja possível... E ainda que não esteja onde merece este ano, na final, Diego estará onde merece daqui a alguns anos. Estou profundamente convencido disso. E nem a estultícia de quem anda no futebol poderá impedir que ele assim o consiga.

2 comentários:

Rui Cunha disse...

Não, não e não... Concordo com muitos posts. Mas não com este. Enquanto portista tive sempre a esperança que o Diego explodisse... Mas fiquei cansado. Da lentidão que tem em receber e colocar a bola jogável, do ter que rodar com a bola, do fazer que faz que defende, sim porque ele pode ter um adversário a 2 m que o única coisa que faz é seguir o adversário e nunca o ataca. Continuo a achar que não tem grande futuro num campeonato em que saibam defender como Itália ou Espanha. O Diego teve também outro problema. Que foi o de vir substituir o jogador mais completo que vi jogar no Porto. Nos seus melhores tempos, atacava melhor do que alguma vez vi o Diego e nunca deixou de ser um jogador de equipa. Os craques também sabem suar! Só uma outra achega... Prefiro o Albertini ao Redondo... Até porque fazia parte da equipa mais espantosa que vi jogar.

Nuno disse...

Se não bastasse tudo o que o Diego tem feito em Bremen, o que contradiz, em larga medida, todos os defeitos que lhe apontas, permite-me que corrija um erro subtil.

Dizes: "Os craques também sabem suar!" Por suar entendo uma metonímia para esforço. Agora, é na definição de esforço que está o erro. O que significa esforçar-se? Para ti, como para maior parte das pessoas, significa mais ou menos "esfolar-se para defender", o que quer que isso implique. Pois ouso dizer que estás errado. Redondamente errado. Esforçar-se pouco tem a ver com o que faz o Liedson, ao correr desenfreadamente (e apatetadamente, acrescento eu), ou o que faz o Petit, ao disputar todos os lances nas canelas do adversário. Esforçar-se é, em primeiro lugar, um procedimento intelectual. Prezo muito mais um jogador que faz um sprint para se posicionar correctamente do que um que anda perdido posicionalmente no campo, correndo atrás da bola para onde quer que esta vá e disputando, por isso, todos os lances (mas deixando buracos no espaço que desocupou). Se te dissesse que, no Manchester de há uns anos o Beckham era o jogador que mais corria, certamente que te atirarias ao ar. Pois digo-o. Como digo que, numa táctica a sério, o jogador que mais corre é o número 10. Se entendes suar por correr, não tens razão ao apontares o dedo ao Diego. Se entendes suar por disputar aguerridamente todos os lances, não me parece que percebas o que significa, de facto, defender, pois é muito mais relevante o posicionamento que a "pretensa" garra.

Como tal, digo não só que o Diego era óptimo a atacar (não o comparei ao Deco, até porque o Deco estava no auge da sua carreira e o Diego no princípio dela), como digo que o Diego, no aspecto defensivo, não sendo um jogador de luta, é um jogador tacticamente correctíssimo. E é isso que interessa. Só isso. E olha que sua, e muito.

"Da lentidão que tem em receber e colocar a bola jogável, do ter que rodar com a bola."

Lentidão??? Viste mesmo jogos do Diego? É dos jogadores mais rápidos a pensar e a executar. Tecnicamente, é perfeito. E, graças ao seu baixo centro de gravidade, é extremamente ágil. Lentidão?? Pois, o Barbosa também era lento... Lentidão, só se for dos espectadores em entenderem o que ele pretende. Continuo a achar que um jogador, quando é bom, é crucificado se a equipa não tem resultados. E o Diego, ainda que tenha posto o Porto a jogar como ninguém o faz agora e como ninguém o fazia na altura, foi condenado porque, quando os resultados eram maus, como foram na Liga dos Campeões, a culpa era dos "artistas". Isto, além de ser uma perfeita estupidez, é tremendamente injusto...

Quanto ao Albertini, sem dúvida que foi um grande jogador. E ser-lhe-á dedicado, com certeza, um post nos "Seis que mereciam ser dez". Mas não teve nunca a classe do Redondo. Ou do Sousa, ou do Pirlo.