domingo, 23 de julho de 2017

Abdelhak Nouri

Há poucos jogadores que me impressionem apenas através de uma antologia de lances, até porque sei que os lances de que essas antologias geralmente se compõem são descontextualizados (carácter oficial ou particular dos jogos, qualidade dos adversários, resultado da partida, etc.) e não permitem uma avaliação rigorosa da qualidade dos mesmos. Há casos excepcionais, contudo. Por vezes, uma antologia de lances mostra um conjunto de acções de tal modo invulgares que leva, de facto, a causar uma impressão muito favorável. Não conhecia Abdelhak Nouri antes do triste incidente de há umas semanas (depois de ter perdido os sentidos em campo, e de ter sido conduzido ao hospital, terá tido uma paragem cardíaca e ficou com danos cerebrais permanentes), e fui tentar perceber o talento que acabava de se perder. O que descobri impressionou-me muitíssimo, sobretudo pela aparente facilidade com que idealizava certas jogadas ou com que executava certas acções nada fáceis de executar. Dizer que Abdelhak Nouri era tecnicamente soberbo não faz justiça à invulgaridade do seu talento. A sua principal virtude, a meu ver, era a imaginação. A visão de jogo; a forma como contemporizava, aguardando o momento certo para soltar a bola; a velocidade a que raciocinava; a facilidade e sobretudo a precisão do passe, com a parte de dentro ou a parte de fora do pé; a preocupação em deixar o receptor em condições ideais, medindo a força e o efeito do passe do melhor modo; o à-vontade com a bola nos pés; a competência no drible, usando-o como recurso e na conta certa; a criatividade com que descobria soluções em espaços curtos; a iniciativa de procurar constantemente os colegas de modo a não se limitar às suas próprias qualidades; o conforto que sentia em complexificar as acções colectivas de modo a criar soluções inovadoras; tudo isto, em suma, advinha de uma imaginação prodigiosa. Nunca se sabe o que poderia ter dado, como é óbvio, mas o potencial parecia ser imenso. Muitas das coisas que se podem ver na antologia que se segue, aliás, são raríssimas, e podemos apenas lamentar que não se venham a repetir.



O tributo acima fala por si, mas vale a pena destacar 1) a velocidade do raciocínio que subjaz ao passe de calcanhar ao minuto 1.16; 2) a dificuldade e a precisão do passe ao minuto 1.36; 3) a qualidade com que faz a bola entrar no sítio certo, no momento certo e com a força certa ao minuto 1.50; 4) a inteligência e a criatividade inerentes ao passe ao minuto 4.18; 5) a visão de jogo, a subtileza e a imaginação que lhe permitem o passe ao minuto 6.23; 6) a forma como se associa aos colegas para se desenvencilhar dos obstáculos ao minuto 7.07; 7) a aparente simplicidade com que, de primeira, numa acção de difícil execução com a parte de fora do pé, devolve a bola a quem lha passara ao minuto 8.35; 8) a preocupação com o efeito a dar à bola, para que ela se aproxime do colega e fuja ao adversário, ao minuto 9.57; e 9) a genialidade com que, não se preocupando em conduzir para fixar, conduz a bola para fora de modo a dar tempo ao colega de entrar, no passe ao minuto 12.13. Resta-nos apreciar.

1 comentário:

Rui Pedro disse...

Uma sucessão de lances incríveis! Que estupidez do Acaso o que lhe aconteceu, nunca se saberá o que podia ter resultado, nunca se saberá quantos outros talentos nunca o foram por uma doença, um acidente, uma lesão.