quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Síndroma de Mourinho

Acontece a quem valoriza menos as convicções do que o treino, a metodologia, a capacidade de agarrar num conjunto de jogadores e de prepará-los de acordo com as competências de cada um, passar por ser um treinador cujas equipas jogam de determinada forma, com um determinado estilo, quando na verdade é um treinador cujas equipas apenas se caracterizam pela competitividade que consegue incutir-lhes. Já aqui escrevi sobre isso, a respeito de Mourinho, mas posso repeti-lo, para que se saiba do que falo. No Porto e nos primeiros anos de Chelsea, Mourinho valorizava coisas que agora já não valoriza. Pode nunca ter abdicado da competitividade, da intensidade, da compenetração táctica do colectivo, mas as suas primeiras equipas eram mais dominadoras com bola do que o são agora. A partir do terceiro ano no Chelsea, tudo mudou. Sempre achei, e continuo a achar, que a principal razão para tal foi a obsessão em conquistar nova Liga dos Campeões, troféu que lhe fugiu nos dois primeiros anos de Chelsea pelos detalhes de uma ou outra eliminatória. A partir desse ano, Mourinho passou a preparar as suas equipas não para o longo prazo, não para serem regulares, exibindo um futebol de posse, mas para serem equipas calculistas, especialmente aptas para os momentos cruciais da época. Custou-lhe isso não só a perda do campeonato inglês, logo nesse ano, mas sobretudo a perda da identidade. O seu Chelsea não voltou a ser o que fora nos anos anteriores (até o 442 clássico experimentou), passou a privilegiar dois médios defensivos, em vez de um, e por onde quer que tenha passado (Inter e Real Madrid), não obstante o que conseguiu, nunca mais foi capaz de montar uma equipa cuja superioridade, em termos de qualidade de jogo, fosse evidente. Obviamente, não deixou de ser um treinador competente, capaz de ter um conjunto de jogadores moralizados e perfeitamente conscientes do seu papel em campo. Deixou foi de ter um modelo de jogo distinto, que se impusesse naturalmente aos dos adversários, que dependesse pouco da capacidade de concentração da equipa nos momentos decisivos da época, assim como da sorte e de todos os outros imponderáveis.

Para efeitos de argumento, chamarei a esta mudança de crenças (a mudança da crença nas convicções para a crença na versatilidade e na adaptabilidade) o síndroma de Mourinho. Nada do que tenho para dizer neste texto diz, no entanto, respeito a Mourinho senão o facto de usar o seu exemplo para diagnosticar noutros o que nele se passou. Há 3 semanas, haveria poucos que hesitariam perante a seguinte pergunta: qual foi o melhor dos quatro anos de Jesus no Benfica? Por essa altura, preparava-me para escrever um texto para defender que, ao contrário do que muito gente com certeza acharia, a melhor época de Jorge Jesus não era a presente, mas a primeira de todas. Independentemente dos resultados malogrados, continuo a achar que esta época do Benfica, em termos de rendimento, foi muito boa e que será difícil o Benfica encontrar um treinador capaz de fazer com que a equipa tenha um rendimento tão alto. Mas, ao contrário do que muita gente acredita, não creio que uma época de rendimento alto implique que a época tenha sido boa. A meu ver, esta foi, aliás, a pior época do Benfica, desde que Jesus chegou. Não porque não tenha ganho nada e não porque tenha prometido e falhado tudo. Foi a pior época simplesmente porque foi a época em que a equipa jogou pior. É verdade que não escrevi muito sobre isso ao longo da época, mas o Benfica de Jesus, este ano, foi sobretudo uma equipa muito competitiva, capaz de manter os índices de concentração elevados, e que se conseguiu transcender num ou noutro jogo importante, sobretudo na Europa. Não foi, porém, uma equipa com um fio de jogo agradável, não defendeu tão bem quanto noutras épocas, não foi minimamente criativa, e acabou por pagar tudo isso da pior maneira possível. O que proponho de seguida é apresentar as razões pelas quais isto foi assim.

Na minha opinião, aconteceu com Jesus o que aconteceu com Mourinho, ou seja, mudou de crenças. Tal como com Mourinho, este diagnóstico só é possível ao final de algumas épocas. É verdade que já na sua primeira época lhe apontávamos aqui como defeito o excesso de vertigem com que jogara não só no Benfica, mas também no Braga. Embora reconhecêssemos às suas equipas enormes virtudes, agradava-nos mais o seu Belenenses, com um futebol mais pausado, de toque mais curto, em 442 losango, do que o seu Braga ou o seu Benfica. Ao contrário do que seria talvez expectável, os poucos defeitos que identificávamos no modelo (excesso de velocidade e intensidade de jogo, incapacidade de gerir o ritmo da partida, demasiada amplitude e espaço no meio-campo, problemas de transição defensiva e pouca criatividade no último terço do terreno) foram precisamente os aspectos em que Jorge Jesus passou a depositar mais confiança, nas épocas seguintes. Ramires, que não era um extremo e, por isso, jogava mais por dentro, para além de conferir uma qualidade em transição notável, foi substituído por Salvio, e o 4132 passou a ser ainda mais aberto do que era; a dupla Aimar-Saviola, que na primeira época fora o principal motor da criatividade da equipa em espaços muito povoados, foi desfeita e pouquíssimo utilizada a partir de então; a própria pressão alta, uma das maiores bandeiras de Jesus quando chegou ao Benfica, passou a ser feita bem mais atrás. Estes três aspectos, na altura, faziam pouco sentido. Por que razão haveria Jorge Jesus de modificar tais coisas, sendo que algumas delas eram a sua imagem de marca? A resposta a esta pergunta só se tornou clara para mim no decorrer da presente época, e explica-se, como o fiz acima, por uma mudança de crenças.

É claro para mim, agora, que Jesus já não é o mesmo treinador que chegou ao Benfica. Acima de tudo, já não é o treinador convicto que era. Se alguma coisa o caracterizava, era a convicção nele próprio e no futebol em que acreditava. Essa convicção era de tal forma pronunciada que, não raro, descambava em fanfarronice e precipitações. O insucesso europeu da primeira época, com o seu Benfica, avassalador do lado de cá da fronteira, a denotar debilidades tácticas e alguma inexperiência fora de portas, mas também, porventura, as sucessivas derrotas com o Porto de Villas-Boas na época seguinte (entre elas, a perda da Supertaça, uma derrota pesada no Dragão, a derrota em casa que permitiu os festejos do título na Luz, e a derrota em casa na segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal, perdendo a vantagem de 2 golos que trazia da primeira mão), a diferença de 21 pontos para o mesmo Porto, e a saída prematura da Liga dos Campeões num ano em que afirmara ser candidato a vencê-la terão sido machadadas demasiado fortes nas convicções de Jorge Jesus. Se não imediatamente no princípio da segunda época, pelo menos a meio dela já Jesus sentia que o insucesso lhe impunha a necessidade de modificar o seu modelo. Todas as modificações que se verificaram desde essa altura são uma resposta a essa imposição. Jamais, antes desse momento, Jesus pensaria em entrar em partidas a defender atrás da linha de meio-campo e em conceder toda a iniciativa do jogo ao adversário, como o fez variadas vezes esta época; jamais especularia sem bola, encontrando-se a vencer apenas por um golo, como o seu Benfica quase sempre fez ao longo desta temporada. O Benfica da primeira época de Jesus era voraz. Evidentemente, essa voracidade causou, num ou noutro momento de inexperiência, alguns dissabores. Mas, no longo prazo, foi o que garantiu não só o sucesso mas também o espectáculo. Atrevo-me até a dizer que, com o Jorge Jesus dessa primeira época no banco, esta época, o Benfica não teria perdido o título no Dragão, pelo menos não da maneira que perdeu, e não teria perdido a final da taça depois de estar em vantagem.

Essa equipa podia ter, de facto, momentos de ingenuidade, mas era capaz de golear com uma regularidade de que nenhuma outra equipa de Jesus, desde então, foi capaz. Depois desse ano, ou talvez no decorrer da época seguinte, Jorge Jesus sentiu que tinha de ser mais calculista, que tinha de fazer com que a sua equipa aprendesse a gerir vantagens sem bola. Durante muito tempo, Jesus identificou-se com a escola holandesa, e foi assim que foi campeão logo no ano em que chegou à Luz. Depois disso, italianizou-se. Não só nunca mais teve os êxitos desportivos desse ano como, sobretudo, nunca mais soube pôr o Benfica a jogar como nesse ano. Se, no primeiro ano, o seu Benfica pecava por alguma verticalidade, não sabendo identificar com exactidão os momentos do jogo em que se pedia uma gestão da bola e da velocidade mais correcta, o seu Benfica de hoje é uma equipa absolutamente vertical. É absolutamente vertical não no sentido de ser vertiginosa (a esse respeito, não o é tanto, é verdade), mas no sentido de ser muito menos competente a jogar por dentro, a construir horizontalmente, a tabelar, a criar espaços através de movimentações sem bola, etc.. Desde que Aimar e Saviola deixaram de jogar juntos, por exemplo, que não há criatividade, em termos colectivos. Os momentos de criatividade que há são individuais, e tudo o que a equipa consegue consegue-o às custas da intensidade, da competitividade e do talento de cada um dos jogadores. Para combater o insucesso, Jorge Jesus transformou um modelo no qual, apesar de tudo, havia espaço para a imaginação, para a inteligência e para a criatividade num modelo que privilegia unicamente a concentração e a atitude competitiva, a mecanização dos processos de jogo e as faculdades motoras dos jogadores. Está, por essa razão, mais igual que nunca a José Mourinho. Não deixa de ser irónico, por isso mesmo, que, apesar das expectativas que se criaram quer em torno do Benfica, quer em torno do Real Madrid, os dois tenham perdido este ano todas as competições pelas quais pugnaram. Seria bom, portanto, que este insucesso os fizesse reflectir, como outrora o insucesso lhes motivou o abandono das primeiras convicções.

34 comentários:

DC disse...

Acho que o problema de JJ está essencialmente na incapacidade de ensinar a equipa a gerir a posse de bola. O benfica não se sente confortável com bola sem estar a atacar.

Tenho pena é que não te debruces um pouco também sobre o Vítor Pereira.

Já percebi aqui em comentários teus que não gostas muito dele, mas eu acho-o, pelo menos defensivamente, na pressão, na reacção à perda, do melhor que já tivemos em Portugal.

Fenómeno disse...

Não concordando em tudo contigo, há um aspecto fulcral que referes e que tem faltado a jj: a criatividade atacante. E não tanto pela verticalidade, mas pela incapacidade de resolver colectivamente os problemas.

Aliás, pelo que tenho ouvido, acho que é mesmo uma crença de Jesus: cabe ao treinador resolver os problemas defensivos (nisto, para mim, o Jesus é muito bom, só faltando colocar com mais um jogador no meio) e cabe à classe dos jogadores resolver os problemas atacantes. É isto que nos leva à situação que referi.

daniel duarte disse...

E qual o porquê deste texto só surgir agora?...se ja tinhas detectado as fraquezas há tanto tempo atras?...isto em relação à pior época do Jesus a frente do Benfica?...sinceramente tens coragem de continuar a falar em honestidade intelectual depois disto ó visionário?!!!

Pedro disse...

Nuno,

Será que Jesus mudou assim tanto ou foram os jogadores que mudaram?

Ou seja, no primeiro ano o SLB tinha Javi, Ramires, Aimar e Di Maria atrás de Cardozo e Saviola. Como muito bem dizes Ramires fazia tudo e dava uma coesão ao meio campo que no ano seguinte, com Sálvio no seu lugar e Gaitan no lugar de Di Maria não foi possível obter. A táctica era a mesma mas os intervenientes completamente diferentes o que fez o jogo ser totalmente diferente.

No terceiro ano a coisa foi igual mas agora com Witsel e Javi no meio e nas alas Nolito e Gaitan (ou Bruno César). Mudaram jogadores mas o sistema de jogo o mesmo.

Este ano mais do mesmo com a grande diferença que a dupla do meio campo, Enzo e Matic foram excepcionais e levaram a equipa às costas pq os alas mantiveram-se abertos.

A menor pressão resulta de opção do treinador ou de não teres um Ramires? Será que se com Javi e Matic no meio e Enzo na ala não seria o SLB mais pressionante e mais forte no meio mantendo a táctica igual?

PS: Não tenho aqui estatísticas comigo mas acho que no segundo ano, na série de 18 jogos seguidos sempre a vencer, as goleadas foram muitas.

Joel disse...

E Lima sendo muito bom...nao é Saviola

Nuno disse...

Diogo Cruz diz: "Tenho pena é que não te debruces um pouco também sobre o Vítor Pereira.

Já percebi aqui em comentários teus que não gostas muito dele, mas eu acho-o, pelo menos defensivamente, na pressão, na reacção à perda, do melhor que já tivemos em Portugal."

Sim, Diogo, o Vítor Pereira não me encanta particularmente. Reconheço-lhe competências a esse nível. A pressão do Porto sempre foi muito competente, desde os tempos do Villas-Boas. Mas, tirando isso, só a espaços gosto do futebol da equipa, e normalmente só gostava quando o James, pela sua movimentação, vinha para perto do Lucho e os dois faziam estragos. Quando o colombiano faltou, o Porto jogou mal, e foi sempre pouquíssimo criativo, em termos colectivos. A esse respeito, não é muito diferente do Benfica.

Fenómeno diz: "Aliás, pelo que tenho ouvido, acho que é mesmo uma crença de Jesus: cabe ao treinador resolver os problemas defensivos"

Pois, talvez. O que sei é que o Jesus já pareceu confiar mais nessa criatividade.

Daniel Duarte diz: "E qual o porquê deste texto só surgir agora?...se ja tinhas detectado as fraquezas há tanto tempo atras?...isto em relação à pior época do Jesus a frente do Benfica?...sinceramente tens coragem de continuar a falar em honestidade intelectual depois disto ó visionário?!!!"

Daniel, não sei se sabes ler. Posso acrescentar que tenho tido pouco tempo. Mas, mesmo a falta de tempo não o justifica, pois só escreveria o texto no final da época, de qualquer maneira. Estava à espera que o Benfica ganhasse, pelo menos, o campeonato e a taça, e fazia sentido guardar para uma altura em que todos diriam que o Benfica fizera uma grande época um texto em que diria que a melhor época de Jesus foi a primeira. Não sei o que queres provar. Se estás a insinuar que esperei por este momento para dizer isto e parecer visionário, estás errado. Já tinha dito, por exemplo quando falei do jogo com o Sporting, que o Benfica não andava a jogar bem. Estás errado e isso nem faz sentido. É que não estou a criticar o Benfica por ter perdido tudo (coisa que faria sentido só dizer depois de acontecer). Como disse no texto, aquilo que queria dizer teria ainda mais impacto se, precisamente, o Benfica tivesse ganho tudo. Para os meus intentos malévolos, portanto, este desfecho nem sequer foi o melhor. Não percebo, de facto, por que é que achas que isto é desonestidade. Ou não percebeste o texto, ou não percebeste bem aquilo que eu critico, ou simplesmente és idiota.

Nuno disse...
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Nuno disse...

Pedro diz: "Será que Jesus mudou assim tanto ou foram os jogadores que mudaram?"

Pedro, mudaram os jogadores, mas mudou também Jesus.

"A táctica era a mesma mas os intervenientes completamente diferentes o que fez o jogo ser totalmente diferente."

Pedro, a táctica não era a mesma. O Ramires nunca jogou na ala. Era alguém que aparecia lá, mas jogava por dentro. O Salvio era o contrário. A táctica não era a mesma, mas com jogadores com outras características. Era diferente. De resto, não sei se te lembras, mas o Saviola só jogou os primeiros jogos e o Aimar raramente jogou no meio-campo, como no primeiro ano, passando a actuar preferencialmente no lugar do Saviola.

"A menor pressão resulta de opção do treinador ou de não teres um Ramires?"

A pressão começava com o Saviola e o Cardozo, lá bem em cima. Lembro-me de haver discussões acerca do rendimento dos dois, pois nenhum deles é especialmente aguerrido, e era com eles que o Benfica começava a pressão. O Ramires não tinha nada a ver com isso. Podia ter a ver com eficácia, mas não com a definição da zona de pressão. Isso começou a mudar na segunda época, e chegou ao cúmulo este ano, em que a equipa passou a esperar pelo adversário já no seu meio-campo. Foi uma opção do Jesus, provavelmente para que a equipa não tivesse de jogar constantemente tão subida. E essa era uma convicção claríssima do Jesus.

Joel diz: "E Lima sendo muito bom...nao é Saviola"

O Lima é razoável. É bom nos últimos metros, em diagonais ou nas costas dos defesas, e dentro da área. É bom a dar profundidade. Agora, não dá nem metade do que o Saviola dava entre linhas, ou em movimentos de arrastamento. Desde que o Saviola se foi que o único jogador capaz de dar o tipo de soluções que ele dava sem bola foi o Aimar, quando jogou na posição de segundo avançado.

da Costa disse...
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da Costa disse...

O papel do médio direito no modelo de jogo da primeira para a segunda época, verificou-se simplesmente pela mudança de jogador. Que sentido faria Jesus modificar a sua táctica, as suas convicções, quando foi campeão na primeira época?

Quanto à colocação de mais gente atrás da linha da bola, que só aconteceu esta temporada, a explicação é lógica: o Benfica sofreu, nas duas épocas anteriores a esta, imensos golos. O modelo de jogo era suicida. Concordo quando dizes que a gestão do jogo possa ser feita de outra forma, com mais posse, mas colocar somente 4 jogadores em situação defensiva é morte certa.

No geral, creio que Jesus não mudou assim tanto. É extremamente competente e o que muda de época para época são pormenores, a mudança de um ou outro aspecto, e, sobretudo, os jogadores. Se na próxima temporada, com melhor plantel (gostava de ver Rosado na equipa principal), Jesus continuar, considero que o Benfica tem todas as condições para jogar melhor e, consequentemente, vencer troféus.

Pedro disse...

Ramires não é ala e por isso é que ao jogar naquela posição dava algo que Sálvio a jogar na mesma posição não dá. Tal como quando Amorim jogava naquela posição dava aquilo que Ramires dava e que Sálvio não dava.
Mas a táctica era a mesma: um trinco, um "box to box", dois alas e dois avançados. Os nomes é que mudaram. E com eles as características dos jogadores em causa.
Por isso digo que com Ramires (e Amorim) a médio direito davam muito mais à equipa em termos de coesão defensiva, do que Sálvio que joga, pelas suas características como um ala puro. Tudo isso tem fortes consequências no estilo de jogo. Tal como jogar com Aimar no meio ou com Aimar a segundo avançado. Tudo é diferente.

Jesus só mudou tacticamente quando abdicou de um avançado para colocar mais um homem no meio.

De resto não acho que tenha mudado e terá sido esse o seu grande erro.

Nuno disse...

Pedro M Magalhães diz: "O papel do médio direito no modelo de jogo da primeira para a segunda época, verificou-se simplesmente pela mudança de jogador. Que sentido faria Jesus modificar a sua táctica, as suas convicções, quando foi campeão na primeira época?"

Pedro, quando o Mourinho ganhou tudo, na primeira época no Porto, mudou para um 442 losango, na segunda época, alegando que, dessa forma, obrigava os jogadores a manter os índices de concentração elevados. O Guardiola ganhou tudo no primeiro ano e decidiu trocar o melhor marcador da equipa, o Eto'o. Quando ganhou (quase) tudo na terceira época, decidiu passar a jogar os jogos em casa noutro sistema táctico, o 343 losango. Como vês, há muita coisa a mudar em quem ganha tudo. Essa ideia feita de que não faz sentido mudar quando se ganha não é mais do que isso mesmo, uma ideia feita. É um chavão futebolístico completamente disparatado. De qualquer forma, no texto dou várias hipóteses. E nem sequer estou a defender que o Jesus tenha mudado imediatamente, assim que foi campeão. Agora, é preciso lembrar que o Jesus experimentou sucessivamente o 433 na pré-época, abandonando-o, que o Saviola, um dos jogadores mais importantes na primeira época, foi quase desde o princípio ostracizado, e que o Aimar deixou de ser opção no lugar que ocupou na primeira época. Como vês, houve várias alterações ou tentativas de alterar coisas. E estas são indiscutíveis. Não é sequer importante, para o meu argumento, a questão do modelo ter mudado ou não, embora seja claro para mim, que vi os jogos da primeira época com muita atenção, que nem o Ramires nem o Di Maria jogavam por fora como o Salvio e o Gaitán passaram a jogar. Aliás, o modelo do Jesus, inicialmente, era com médios interiores, e não alas, com o Ruben Amorim e o Zé Pedro no Belenenses. Só no Braga é que passou a jogar com jogadores com características de alas, e no Benfica apanhou o Di Maria.

"Quanto à colocação de mais gente atrás da linha da bola, que só aconteceu esta temporada, a explicação é lógica: o Benfica sofreu, nas duas épocas anteriores a esta, imensos golos."

Na primeira época sofreu apenas 20, e foi a época em que a equipa defendeu mais subida. Até isso deveria ter servido para que o Jesus percebesse que não há relação entre sofrer muitos golos e defender mais subido no campo. De resto, isso não aconteceu apenas esta época. Intensificou-se, sim, e o Benfica passou a fazer coisas que não fazia, mas isto já vem de trás. Tirando a primeira época, o Benfica nunca mais goleou com a regularidade de antes pelo simples facto de que passou a tentar gerir os esforços sem bola. Esta época isso foi apenas mais gritante.

Nuno disse...

Pedro diz: "Ramires não é ala e por isso é que ao jogar naquela posição dava algo que Sálvio a jogar na mesma posição não dá."

Mas não jogava naquela posição. Isto é o mesmo que achar que um 10 num 4231 joga na mesma posição que os dois médios ofensivos num 433. Não joga. O Ramires jogava por dentro, junto ao Aimar. Como, de resto, o fazia o Di Maria. Nunca jogou aberto, encostado à linha, como o Salvio. Era médio interior, não era ala. No desenho, tratava-se de um 4132 na mesma, mas era um 4132 sem alas, com os jogadores a jogarem no meio. Isto não tinha apenas a ver com as características dos jogadores. O Ramires, muitas vezes, joga como ala no Chelsea. E aí joga como ala. Tem as suas características, e acaba por vir mais para dentro do que para a linha, mas parte dessa posição, defende nessa posição, e está aberto sem bola nessa posição. No Benfica, isso não era assim. O Ramires jogava por dentro e os seus movimentos, ao contrário dos do Di Maria, que eram sistematicamente para a linha, eram movimentos verticais, quer de aproximação da área, quando a equipa tinha a bola, quer de aproximação da defesa, em transição defensiva. Nunca se movimentava para a linha, e nunca partia da linha para vir para dentro.

"Jesus só mudou tacticamente quando abdicou de um avançado para colocar mais um homem no meio."

Por exemplo, esta é outra falácia. Quando é que o Jesus fez isso? As pessoas vêem o Gaitán e não percebem que, apesar de ser o Gaitán, está a jogar a avançado. Isso é que não é mudar de sistema táctico. Eu não me lembro de o Jesus jogar sem 2 avançados, tirando aquelas alterações esporádicas em final de jogo, desde que experimentou, sem sucesso, o 433, no início da segunda época. Não invalida isto que, muitas vezes, o segundo avançado não tenha sido um jogador com características de médio, como o Aimar, o Carlos Martins, o Gaitán, o Bruno César, etc.. Basta ver como a equipa defende e pressiona para perceber que se tratam de 2 avançados.

zorg disse...

Concordo com a generalidade do post e acho que a comparação com o Mourinho é particularmente feliz. Só não concordo contigo é quando tu defendes que esse não é o caminho que faça mais sentido. Num clube como o Benfica, ou o Real Madrid, o que interessa são os resultados e esses conseguem-se nos jogos decisivos da época, contra as equipas do mesmo nível. Nos outros jogos todos, a diferença de qualidade para as outras equipas é suficiente para se conseguir ganhar na maior parte das vezes. Faz sentido, por isso, montar uma equipa talhada para os grandes momentos, mesmo que à custa da qualidade do jogo jogado.

Também acho importante que as pessoas percebem que a táctica não é aquela imagem que aparece no inicio dos jogos, com as camisolas e os nomes dos jogadores por baixo, mas sim as tarefas que desempenham e os terrenos que percorrem, durante o jogo.

Pedro disse...

"As pessoas vêem o Gaitán e não percebem que, apesar de ser o Gaitán, está a jogar a avançado"

Não não. Gaitan não era avançado. Era médio ofensivo. Gaitan vinha ao meio pegar na bola. Posicionalmente era completamente diferente do que Saviola ou Lima ou Aimar quando jogava como segundo avançado. Gaitan contra o Braga era médio, não avançado, por exemplo.

"sem sucesso, o 433, no início da segunda época."

Outro erro. O 433 de Jesus foi experimentado na pré época com excelentes resultados (relembro o show contra o Arsenal na Eusébio Cup) e depois muda para a estratégia habitual de 4132 com o fcp para a supertaça, inexplicavelmente, com o resultado conhecido.

" Era médio interior, não era ala. No desenho, tratava-se de um 4132 na mesma, mas era um 4132 sem alas"

Exacto. É o que eu digo. :)

Nuno disse...

Zorg diz: "Num clube como o Benfica, ou o Real Madrid, o que interessa são os resultados e esses conseguem-se nos jogos decisivos da época, contra as equipas do mesmo nível. Nos outros jogos todos, a diferença de qualidade para as outras equipas é suficiente para se conseguir ganhar na maior parte das vezes. Faz sentido, por isso, montar uma equipa talhada para os grandes momentos, mesmo que à custa da qualidade do jogo jogado."

Zorg, se o Jesus se tivesse preocupado menos com os detalhes, talvez não tivesse claudicado com o Estoril e talvez tivesse chegado ao Dragão e impusesse um estilo. Este ano, o Benfica chegou longe nas competições europeias e perdeu tudo precisamente porque se entregou aos momentos decisivos. O problema de fazê-lo é que fica refém desses momentos. Até perto do final, o Benfica foi sendo bem sucedido nesses momentos. Foi mantendo a vantagem para o Porto no campeonato à custa de detalhes (jogos sofridos contra o Sporting e o Marítimo, por exemplo), foi passando eliminatórias à custa de detalhes (Newcastle e Fenerbahce, por exemplo). E, no final, tanto podia ter ganho tudo, como perder tudo, pois dependia excessivamente dos detalhes. Até acabou por ser irónico perder tudo nos descontos. Apetece dizer que não podia haver maior justiça divina do que esta.

De resto, discordo da premissa toda. É precisamente em equipas grandes, em equipas como o Benfica e o Real Madrid, equipas que têm a responsabilidade de tentar ganhar todos os jogos, que faz sentido construir uma equipa cujo nível exibicional seja o mais regular possível. Só aceito que fazer o que o Jesus ou o Mourinho fez tenha eficácia em competições a eliminar. Em competições de regularidade, e numa época inteira, não faz sentido preparar uma equipa apenas para os jogos decisivos. E, a longo prazo, isso é pernicioso. O ano passado, quando o Real Madrid ganhou o campeonato espanhol, disse que o tinha ganho apenas porque conseguiu manter os índices de motivação muito altos, não porque a equipa tivesse qualidade suficiente para fazer tantos pontos. O que o Mourinho conseguiu foi que os seus jogadores encarassem cada jogo como uma final, e isso é praticamente impossível durante uma época inteira. Só o conseguiram porque tinham a motivação extra de bater a melhor equipa de todos os tempos. Este ano, sem a motivação extra, veio ao de cima, como o esperava, a verdadeira qualidade da equipa, e a irregularidade exibicional que a caracteriza.

As outras duas falácias do teu excerto, zorg, consistem em achar que o que interessa em grandes clubes são os resultados, quando na verdade os resultados deviam ser sempre uma consequência de jogar bom futebol, não o objectivo de uma equipa, e em achar que os campeonatos se ganham nos jogos decisivos, quando está mais do que demonstrado que não é assim. O Porto ganhou o campeonato no jogo decisivo do Dragão ou o Benfica perdeu-o no jogo menos decisivo contra o Estoril?

Nuno disse...

Pedro diz: "Não não. Gaitan não era avançado. Era médio ofensivo. Gaitan vinha ao meio pegar na bola. Posicionalmente era completamente diferente do que Saviola ou Lima ou Aimar quando jogava como segundo avançado. Gaitan contra o Braga era médio, não avançado, por exemplo."

Pedro, o Aimar e o Saviola também baixavam muito, quando jogavam como segundo avançado. Aliás, o Lima ou o Cardozo também o fazem, esporadicamente. Nada disso significa que sejam médios. São avançados. Posicionalmente, o Gaitán nessa posição não joga de perfil com o Enzo. Joga numa linha mais à frente, defende de perfil com o Cardozo, etc. É avançado. Aliás, o próprio Jesus, sempre que fala nisto, diz que substitui jogadores pelas características, não mexe no modelo.

"Outro erro. O 433 de Jesus foi experimentado na pré época com excelentes resultados (relembro o show contra o Arsenal na Eusébio Cup) e depois muda para a estratégia habitual de 4132 com o fcp para a supertaça, inexplicavelmente, com o resultado conhecido."

Sim, é verdade. Quando disse "sem sucesso" queria dizer "sem sucesso, na opinião de Jesus". Embora não tenha sido bem aí que decidiu abdicar do 433, parece-me. Se bem me lembro, ele experimentou o 433 também em alguns dos primeiros jogos do campeonato, perdeu pontos e decidiu voltar ao modelo de antes porque achou que não podia perder mais tempo a aperfeiçoar aquilo. Ou seja, parece-me que ele tentou uma mudança de modelo, agradou-lhe os resultados daquilo na pré-época, mas acabou por ceder aos maus resultados e voltou atrás.

Pedro disse...

Zorg, se há coisa que o JJ não fez foi preparar a equipa para os jogos decisivos mas se achas q o fez então com o resultado tão evidente de fracasso não é possível sustentares a opinião favorável à sua renovação.

Nuno, posicionalmente o Gaitan estaria um pouco à frente de Enzo. E um Lima, Saviola ou Aimar estariam um pouco atrás de Cardozo.
:)

zorg disse...

Nuno,

Pelo que eu percebi do teu argumento, foi que construir equipas com base na mentalidade forte e não num sistema de jogo superior tem a desvantagem de ser mais dificil manter a regularidade nos jogos menos entusiasmantes mas a vantagem da equipa ser mais forte nos jogos grandes. Essa seria a razão que teria levado Mourinho e agora JJ a enveredarem gradualmente por esse caminho, por pretenderem conseguir resultaods. Não é isto?

Nuno disse...

Zorg, não é bem isso. Não digo que o Jesus não tenha montado uma equipa com base num sistema. Acho é que esse sistema é mais adequado a competições a eliminar e a momentos decisivos da época do que a uma certa regularidade exibicional. É baseado na concentração defensiva, em transições, e depende excessivamente do comportamento dos adversários, dos imponderáveis externos, da inspiração individual, e da capacidade de motivação constante da equipa. E acho que uma equipa que precisa de ganhar a maioria dos seus jogos não se deve preparar para depender de tudo isto.

zorg disse...

Certo.

Mas então, nas comtetições a eliminar, nos tais momentos decisivos, este modelo permite obter melhores resultados, na tua opinião, ou não?

Joao disse...
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Gonçalo Teixeira disse...

Uma vénia a este post.

Saudações.

Nuno disse...

zorg diz: "Mas então, nas comtetições a eliminar, nos tais momentos decisivos, este modelo permite obter melhores resultados, na tua opinião, ou não?"

Na minha opinião, não. O que digo é que um modelo que depende tanto dessas coisas, a longo prazo, tem maus resultados. Em competições a eliminar importa pouco a regularidade, por isso a debilidade que aponto a estes modelos é menos relevante. Não significa, no entanto, que passem automaticamente a ser melhores, nesses casos.

João, não percebi a associação da notícia a este texto.

Gonçalo, obrigado!

zorg disse...

Ah, ok. Porque eu julgo que essa é a tua discordância de fundo com o Mourinho (e, já agora, com o JJ). É que me parece que eles consideram que este modelo é mais eficaz nos momentos decisivos e isso é que justifica que ambos se tenham gradualmente encaminhado nesta direcção, porque o que lhes é exigido por dirigentes e adeptos são resultados.

Blessing disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme disse...

Boa tarde Nuno,

Gostaria de saber se estariam interessados em efectuar uma troca de links com o site Ronaldo7(.)net. Se assim for, por favor contactem-me para o seguinte endereço: admin@ronaldo7.net

Obrigado e peço desculpa pela via de contacto, mas não encontrei outra forma de o fazer.

Cumprimentos,

Guilherme Neto

Zinedine Zidane disse...

O que acham do Cavani?

Nuno disse...

Não é o meu tipo de avançado. Reconheço-lhe, no entanto, muitas qualidades. É um jogador que se movimenta bem, que sabe interpretar bem o que lhe é exigido, em termos de movimentação ofensiva, que é fortíssimo no último toque, mas não é um avançado para oferecer apoios verticais com regularidade, para vir ao espaço entre linhas tabelar, para construir. Acho que tem qualidade, e uma capacidade de aparecer nas zonas certas fora do comum, mas não é um avançado que me agrade para jogar como acho que uma equipa grande deve jogar.

Unknown disse...

Este texto está Genial. Mesmo muito bom. Parabéns!

Pedro disse...

Nuno, qual é o teu tipo de avançado?

Nuno disse...

Gonçalo, obrigado.

Pedro, não estás farto de saber? Escrevi há tempos um texto chamado "O que é um avançado?" que acho que responde a essa pergunta.

http://entredez.blogspot.pt/2010/02/o-que-e-um-avancado.html

Joel disse...

Pedro, Conheces Geynkrink? do Usbequistão. É o avançado tipo do Nuno

Luis disse...

Caro Nuno,

Fiz referências, devidamente citadas, a este post no meu blog. Apesar de não ter praticamente visibilidade nenhuma, como sei que não gostas que deturpem a tua visão sobre as ideias que defendes, peço se me permites manter a publicação.

Cumprimentos,
Obrigado.