terça-feira, 10 de julho de 2012

Egoísmo e estética na evolução do jogo.

Na verdade, a essência deste texto louva o estilo. Frivolidade, que para alguns se desmascara no seu significado; porém, não aqui, não no que se procura defender neste texto. Ignoremos o fenómeno Guardiola; tiranizados que estamos sob o jugo desse alto olhar sobre o jogo, não se apresentará fácil o exercício, mas só assim poderemos compreender a extensão do que nestas linhas é proposto. O mais curioso é que, até ao advento “Guardiola”, nenhum dos bastiões deste jogar, que tamanha admiração nos inspira, se podia comparar a qualquer um dos anteriores estetas que, em si mesmos, de forma marginal, inscreviam os valores que agora ressoam na elegância do jogo catalão. Xavi, Busquets e Iniesta, jogadores que encerram em si uma qualidade excepcional, não encontrariam o reconhecimento que os consagra agora, não lhes fosse oferecida a oportunidade de fazerem parte de um ideal que, sendo também o deles, não encontrava neles a sua maior expressão. E é na plasticidade da palavra “expressão” que sustento esta ideia; existe um certo “altruísmo” a que o seu jogo se entrega, empalidecendo-os. A minha atenção vira-se, como facilmente se deduz, para aqueles que, demasiados centrados sobre si, procuram em cada momento não o que é melhor para a equipa, não tomar a mais oportunista das decisões, mas antes ataviar-se de um brilho e romance que, aos seus próprios olhos, os distingam dos demais. Encontrei esta ideia pouco depois de ler um texto do Jorge D., no Centro de Jogo, sobre um jogador que também eu admirei, e admiro, tendo também feito questão de escrever, há uns anos, um texto sobre ele neste blogue: Pedro Barbosa. Na altura, senti que não se explicava todo o seu encanto apenas com aquele estilo blasé com que desfilava no campo, ou com a inteligência com que abordava as situações com que o lado caótico do jogo o brindava. Barbosa era mais como Zidane ou Pirlo. Não reconheço que estes jogadores se tenham destacado “apenas” pelas características acima enumeradas, apesar destas serem inequívocas; acredito, porém, que outra afinidade os transcendia: a necessidade a que se atavam de, independentemente do que o jogo lhes oferecia, se projectarem num patamar superior. Aqui descobrem-se, por certo, algumas resistências: encontramos um rebanho de jogadores que, acima do que podem oferecer à equipa, pensam no que podem oferecer a eles próprios perante o jogo, tão obcecados que estão em alcançar o reconhecimento dos demais. Vou dar um exemplo, que me é tão querido, de imediato saltando à vista: Liedson. Mais do que aquilo que podia oferecer à equipa, este jogador procurava a mais pequena ocasião para se emancipar. Aqui retorno, todavia, às qualidades indissociáveis dos três primeiros (Barbosa, Zidane e Pirlo ) para concluir que os valores sobre os quais se dobra a necessidade de privilegiar a equipa resultam de diferenças abismais - para com jogadores como Liedson, por exemplo - nas suas preocupações durante o jogo. Ao brasileiro pouco lhe diziam os meios com que alcançava a notoriedade no jogo; conquanto no final de contas ele fosse o jogador que mais golos fizesse ou mais quilómetros arasse, pouco lhe importava o carácter das soluções encontradas; não encontrávamos nos outros três a mesma disposição, a mesma ligeireza nos seus processos. A atracção recaía sobretudo na elegância das soluções, cunhando-as de uma graça circunscrita ao seu próprio cânone, imunes a perversões de circunstância ou ambiente. Assisti a todos os jogos da Itália neste europeu, e, mais do que observar em Pirlo a necessidade de ajudar a equipa, encontrei nele o imperativo de jogar bonito, embora não aquele bonito envolto em acrobacias de circo, espalhafatoso no seu grito por atenção; a elegância do seu jogo, fatalidade de um vício do belo, manifestava-se na tranquilidade com que desenhava cada lance; e, no entanto, a grande maioria das suas soluções não se esgotavam no sentido estético do seu jogar, catapultando a Itália para uma qualidade de jogo nunca vista. E aqui, por fim, chega o essencial do meu argumento: não se escondam jogadores como Pirlo em sociedades tacanhas, ainda que democráticas, todos participando com a sua visão na regulação das suas leis e costumes; atribuam-lhe, sim, o título de déspota, e o brilho do seu jogo, libertando-os das suas próprias limitações, a um nível apenas ficcionado os sublimará. Em jogadores como Pirlo, cuja principal preocupação é fornecer elegância ao jogo, a única maneira de o fazer é numa abordagem superior ao mesmo, desprezando os pergaminhos da equipa onde se inserem. Concedam-lhe as rédeas da equipa e talvez encontremos naquele conjunto um vislumbre do que o conjunto blaugrana nos ofereceu constantemente. Acredito que este Europeu a Pirlo deve muito do seu encanto, e talvez este encanto torne merecedor um agradecimento a Prandelli; contudo, é na incapacidade de Pirlo de se furtar aos sacrifícios do Belo que se funda todo o futebol da Itália, e o seu reconhecimento pelo seleccionador italiano no Europeu de 2012. Na final, não escondi a minha predilecção pela Itália. Minto. Não pela Itália, mas por Pirlo, desejoso que o ego de um só jogador se superiorizasse a toda uma ideia de jogo que, afinal de contas, também era a dele, apenas mais simples e humilde. Venceu um conjunto de jogadores, habituados que estavam partilhar entre si um ideal que os elevava, perante um homem só, cujo sentido estético o entrelaça nas raízes de tão avançado conceito.