Comecemos com a rudeza e a brutidão de todas as certezas: Emídio Rafael é o melhor lateral esquerdo desta Liga Sagres. Quanto às razões para tal afirmação, já lá irei. Confesso primeiro que não o conhecia antes desta temporada, mas confesso igualmente que só a muito custo percebo o anonimato a que foi votado nos últimos anos. Foi campeão de júniores com Paulo Bento e nunca foi aposta deste, na equipa principal, porquê? Se a lateral esquerda foi sempre um problema com que se debateu Paulo Bento, se se deu tanto dinheiro por Grimi e se deu hipóteses a um jogador como André Marques, por que raio nunca foi dada uma hipótese a Emídio Rafael? A única explicação que encontro prende-se com as características físicas do atleta. Aliás, é essa a mesma explicação que encontro para que André Nogueira, um lateral direito de grande qualidade que apareceu no plantel de júniores no ano imediatamente a seguir, tenha desaparecido do mapa. E essa explicação tornaria também claro por que razão Emídio Rafael nunca foi opção e André Marques sim. Afinal, trata-se de um jogador com uma envergadura invejável, enquanto Emídio Rafael é magro e baixo.
Esta preocupação com o tamanho é algo que me causa alguma repulsa. Não é nada de novo, claro, mas parece-me uma teimosia que demora a ser erradicada do futebol. Aliás, numa altura em que já se devia ter percebido a pouca importância que os factores físicos têm num jogador de futebol, com o Barcelona de Guardiola a estender o dedo do meio a todos os imbecis que pensam o contrário, parece que continua a haver uma tendência incrível para se dar atenção a factores secundários como esses. Nos escalões de formação, continuam a ser dispensados atletas talentosos porque os testes do pulso revelam que não vão ser altos; continuam a ser avaliados atletas pelo tamanho dos pais; continuam a ser contratados africanos poderosos fisicamente para colmatarem a baixa estatura dos atletas portugueses. E se isto é assim na formação, cuja principal obrigação deveria ser promover os mais talentosos e não os mais cabeçudos, nos principais escalões as coisas continuam muito primitivas. De tal modo que, depois, se deixam escapar talentos como o de Emídio Rafael.
Quem o vê jogar com olhos de ver, percebe imediatamente que não se trata de um lateral vulgar. É inteligente, tem um pé esquerdo formidável, posiciona-se invariavelmente bem, lê quase sempre bem os lances e permite à equipa uma qualidade incomparável com bola. Não é tão forte no um para um defensivo quanto poderia ser, mas compensa isso com uma boa leitura dos lances e, sobretudo, com um posicionamento defensivo acima de toda a suspeita. A forma como defende por dentro não tem quase paralelo em Portugal. Mas é a atacar que mais se destaca. Não só porque está incumbido das bolas paradas para o pé esquerdo, mas sobretudo pelo que faz em jogo corrido. Muitos acham que um lateral que ataca bem é um lateral possante, ao estilo de Roberto Carlos, que faz o corredor todo, que é veloz e forte no drible. Emídio Rafael não é nada disto. Não é possante, não é explosivo e raramente dribla. Cruza extraordinariamente bem, mas isso é apenas um pormenor. Aquilo em que é, de facto, muito bom, é nas opções com bola, é na forma como encontra soluções por dentro, permitindo à equipa permanecer com a posse de bola. Raramente estica o passe ao longo do corredor, raramente joga comprido ou tenta virar o flanco de jogo. As suas opções são jogar perto, com o apoio mais próximo, vindo para dentro. Um lateral, numa equipa que queira assumir a iniciativa do jogo através da posse de bola, deve ter como principal característica o jogar para dentro, curto. É por essa característica, tão pouco usual num lateral, que o comparo ao lateral brasileiro do Barcelona, Maxwell.
Como Emídio Rafael, Maxwell não é um jogador com uma envergadura extraordinária. Não é pelos atributos físicos que se destaca. Com bola, porém, permite coisas ao Barcelona que Abidal, por exemplo, não permite. A facilidade que tem em jogar de primeira, curto, para dentro, é notável. Isto permite ao Barcelona ir ao flanco e vir rapidamente, estraçalhando a basculação do adversário; permite ao Barcelona sair de zonas de pressão difíceis e trocar a bola rapidamente. Com Maxwell, o Barcelona não é tão vertical a atacar e não tão agressivo a defender. Mas é posicionalmente mais estável e mais imprevisível com bola; é mais dinâmico a trocar o esférico e mais paciente; mais eficaz em tabelas curtas e mais temível a atacar pelos espaços centrais. Para mim, para quem um lateral, ofensivamente, deve valer essencialmente por esta característica tão pouco usual, Maxwell é melhor que Abidal e um dos melhores laterais do mundo. O seu futebol, enquadrado num colectivo que o valorize, como é o caso do Barcelona, é sempre mais interessante que aquele que qualquer lateral que valha pela capacidade de fazer o flanco todo com rigor e pela intensidade que põe em jogo é capaz de oferecer.
Voltando agora a Emídio Rafael e à afirmação inicial de que era o melhor lateral desta liga. Acho que havia um jogador, no início da temporada, que se poderia ter imposto precisamente por coisas semelhantes e que, caso tivesse sido aposta, talvez rivalizasse agora com o jogador da Académica. Falo de Shaffer. Como o referimos aqui atempadamente, o argentino possuía qualidades invulgares a este nível e, caso melhorasse sobretudo em termos posicionais, seria facilmente o melhor lateral a jogar em Portugal. Jorge Jesus nunca confiou nele, acredito que por nunca o jogador lhe ter merecido a confiança no que diz respeito a aspectos defensivos. É, contudo, pouco interessante analisar aqui as razões pelas quais Shaffer acabou por não vingar, embora me pareça que foi um dos maiores erros da campanha de Jesus. O que é facto é que, sem Shaffer, não há outro lateral esquerdo em Portugal, além de Emídio Rafael, que valorize as coisas que ele valorizava. A capacidade que possui para participar na posse de bola da sua equipa e a qualidade que empresta nesse sentido, com opções invariavelmente correctas, fazem dele o único lateral esquerdo que não se impõe pela agressividade ou pela velocidade que dá ao flanco. Poderíamos referir Álvaro Pereira, Evaldo, Alonso ou Fábio Coentrão. São, todos eles, jogadores muito parecidos: agressivos a defender, rápidos a partir para o ataque, bons individualmente e competentes a fazer a linha. Nenhum deles, porém, valoriza a opção interior como Emídio Rafael. A prioridade do defesa academista não é jogar ao longo da linha, solicitando o extremo ou lançando em profundidade nas costas dos defesas. Essa é a prioridade de um lateral que tem medo de ser apanhado em contrapé, se o passe sair mal. Emídio Rafael dá preferência ao meio, ao apoio lateral e não ao apoio vertical, sobretudo porque percebe que, numa equipa que pretende preservar a posse de bola, uma bola que chega à linha deve voltar ao meio, por ser essa a forma mais eficaz de fugir ao pressing e de evitar o constrangimento do décimo segundo defesa do adversário, a linha lateral. Ao perceber isto, o seu futebol torna-se invulgar. E é tão invulgar que não tem par neste campeonato.
Esta preocupação com o tamanho é algo que me causa alguma repulsa. Não é nada de novo, claro, mas parece-me uma teimosia que demora a ser erradicada do futebol. Aliás, numa altura em que já se devia ter percebido a pouca importância que os factores físicos têm num jogador de futebol, com o Barcelona de Guardiola a estender o dedo do meio a todos os imbecis que pensam o contrário, parece que continua a haver uma tendência incrível para se dar atenção a factores secundários como esses. Nos escalões de formação, continuam a ser dispensados atletas talentosos porque os testes do pulso revelam que não vão ser altos; continuam a ser avaliados atletas pelo tamanho dos pais; continuam a ser contratados africanos poderosos fisicamente para colmatarem a baixa estatura dos atletas portugueses. E se isto é assim na formação, cuja principal obrigação deveria ser promover os mais talentosos e não os mais cabeçudos, nos principais escalões as coisas continuam muito primitivas. De tal modo que, depois, se deixam escapar talentos como o de Emídio Rafael.
Quem o vê jogar com olhos de ver, percebe imediatamente que não se trata de um lateral vulgar. É inteligente, tem um pé esquerdo formidável, posiciona-se invariavelmente bem, lê quase sempre bem os lances e permite à equipa uma qualidade incomparável com bola. Não é tão forte no um para um defensivo quanto poderia ser, mas compensa isso com uma boa leitura dos lances e, sobretudo, com um posicionamento defensivo acima de toda a suspeita. A forma como defende por dentro não tem quase paralelo em Portugal. Mas é a atacar que mais se destaca. Não só porque está incumbido das bolas paradas para o pé esquerdo, mas sobretudo pelo que faz em jogo corrido. Muitos acham que um lateral que ataca bem é um lateral possante, ao estilo de Roberto Carlos, que faz o corredor todo, que é veloz e forte no drible. Emídio Rafael não é nada disto. Não é possante, não é explosivo e raramente dribla. Cruza extraordinariamente bem, mas isso é apenas um pormenor. Aquilo em que é, de facto, muito bom, é nas opções com bola, é na forma como encontra soluções por dentro, permitindo à equipa permanecer com a posse de bola. Raramente estica o passe ao longo do corredor, raramente joga comprido ou tenta virar o flanco de jogo. As suas opções são jogar perto, com o apoio mais próximo, vindo para dentro. Um lateral, numa equipa que queira assumir a iniciativa do jogo através da posse de bola, deve ter como principal característica o jogar para dentro, curto. É por essa característica, tão pouco usual num lateral, que o comparo ao lateral brasileiro do Barcelona, Maxwell.
Como Emídio Rafael, Maxwell não é um jogador com uma envergadura extraordinária. Não é pelos atributos físicos que se destaca. Com bola, porém, permite coisas ao Barcelona que Abidal, por exemplo, não permite. A facilidade que tem em jogar de primeira, curto, para dentro, é notável. Isto permite ao Barcelona ir ao flanco e vir rapidamente, estraçalhando a basculação do adversário; permite ao Barcelona sair de zonas de pressão difíceis e trocar a bola rapidamente. Com Maxwell, o Barcelona não é tão vertical a atacar e não tão agressivo a defender. Mas é posicionalmente mais estável e mais imprevisível com bola; é mais dinâmico a trocar o esférico e mais paciente; mais eficaz em tabelas curtas e mais temível a atacar pelos espaços centrais. Para mim, para quem um lateral, ofensivamente, deve valer essencialmente por esta característica tão pouco usual, Maxwell é melhor que Abidal e um dos melhores laterais do mundo. O seu futebol, enquadrado num colectivo que o valorize, como é o caso do Barcelona, é sempre mais interessante que aquele que qualquer lateral que valha pela capacidade de fazer o flanco todo com rigor e pela intensidade que põe em jogo é capaz de oferecer.
Voltando agora a Emídio Rafael e à afirmação inicial de que era o melhor lateral desta liga. Acho que havia um jogador, no início da temporada, que se poderia ter imposto precisamente por coisas semelhantes e que, caso tivesse sido aposta, talvez rivalizasse agora com o jogador da Académica. Falo de Shaffer. Como o referimos aqui atempadamente, o argentino possuía qualidades invulgares a este nível e, caso melhorasse sobretudo em termos posicionais, seria facilmente o melhor lateral a jogar em Portugal. Jorge Jesus nunca confiou nele, acredito que por nunca o jogador lhe ter merecido a confiança no que diz respeito a aspectos defensivos. É, contudo, pouco interessante analisar aqui as razões pelas quais Shaffer acabou por não vingar, embora me pareça que foi um dos maiores erros da campanha de Jesus. O que é facto é que, sem Shaffer, não há outro lateral esquerdo em Portugal, além de Emídio Rafael, que valorize as coisas que ele valorizava. A capacidade que possui para participar na posse de bola da sua equipa e a qualidade que empresta nesse sentido, com opções invariavelmente correctas, fazem dele o único lateral esquerdo que não se impõe pela agressividade ou pela velocidade que dá ao flanco. Poderíamos referir Álvaro Pereira, Evaldo, Alonso ou Fábio Coentrão. São, todos eles, jogadores muito parecidos: agressivos a defender, rápidos a partir para o ataque, bons individualmente e competentes a fazer a linha. Nenhum deles, porém, valoriza a opção interior como Emídio Rafael. A prioridade do defesa academista não é jogar ao longo da linha, solicitando o extremo ou lançando em profundidade nas costas dos defesas. Essa é a prioridade de um lateral que tem medo de ser apanhado em contrapé, se o passe sair mal. Emídio Rafael dá preferência ao meio, ao apoio lateral e não ao apoio vertical, sobretudo porque percebe que, numa equipa que pretende preservar a posse de bola, uma bola que chega à linha deve voltar ao meio, por ser essa a forma mais eficaz de fugir ao pressing e de evitar o constrangimento do décimo segundo defesa do adversário, a linha lateral. Ao perceber isto, o seu futebol torna-se invulgar. E é tão invulgar que não tem par neste campeonato.
13 comentários:
o maxweel foi transformado em lateral no ajax, ele que era um extremo esquerdo ou pelo menos médio esquerdo e passou a lateral ou melhor a ser o jogador que fazia o corredor todo, no esquema do ajax que tinha 3 defesas e com falsos laterais, tanto que no inter acabou por ser mais utilizado a médio esquerdo
é com agrado que constato a volta das boas postas a este espaço
Bela análise. Agora, no que toca ao flanco oposto, qual consideras o melhor lateral direito da liga?
O E. Rafael tem 1.82m para 73kg. Nao sendo um monstro impressionante, é uma altura mto aceitavel.
Na direita, embora tenha feito uma época menos bem conseguida do que as anteriores, continuo a achar que o melhor é o Fucile.
Em Portugal o melhor lateral direito dá pelo nome de Abel, o resto são meninos...
aleluia, bem vindos de volta!
onde é que foste buscar essa do emidio rafael ser baixo?
O Emídio Rafael é da mesma altura que o André Marques...
Palhacito:
O Rafael é da mesma altura que o A. Marques, mas é muito menos impressionante.
Agora não posso concordar totalmente com o que o Nuno diz sobre o físico dos jogadores sobretudo dos laterais defensivos. Um exemplo: o Maicon, lateral do Inter (não sei o que pensas dele Nuno).
O Maicon antes de chegar a Itália era muito franzino. Era muitas vezes batido e quase não aguentava 90 minutos de alta competição, com múltiplos erros. Teve uma verdadeira transformação, como qualquer jogador que chega a liga italiana, e agora é sem duvida um dos melhores laterais. Claro que essa transformação não foi só física, também evolui muito em termos tácticos e técnicos. Mas sem dúvida que a sua subida de rendimento está ligado ao seu substancial aumento de corpulência que permitiu aguentar a carga física e emocional dos jogos.
Boa analise.
Acho que a frase mais importante sera quando equacionas a linha lateral a decimo segundo defesa - concordo absolutamente.
So gostava que Jesualdo Ferreira tivesse essa nocao para que se evitasse os inumeros casos em que 3jogadores do Porto se atropelam em cima da linha lateral onde bastam 2 defesas para os defraudar...
Com o fim de campeonato seria interessante de ver uma analise sobre as equipas de topo e os seus pontos fortes/fracos...
Nuno,
Achas que conseguem recuperá-lo no Braga? Parece-me um contexto bastante interessante para ele.
Abraço
Parece-me estar num sítio óptimo para recomeçar. Vamos ver que tipo de aposta merecerá de Peseiro. Em condições normais, é melhor só com uma perna do que os outros 2 laterais esquerdos que o Braga tem juntos.
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