É vulgar que o principal critério usado para justificar o mérito de um resultado sejam as oportunidades de golo criadas por uma equipa, quando cruzadas com as oportunidades de golo criadas pelo adversário. E é comum que se defenda que a equipa que mais justifica a vitória seja a que mais oportunidades de golo consegue criar. Embora concordando que as oportunidades de golo criadas por uma equipa digam algo acerca da sua produção ofensiva, e que as oportunidades de golo concedidas ao adversário digam algo acerca da sua produção defensiva, discordo deste critério. Para além do problema óbvio do critério utilizado para avaliar aquilo em que consiste uma oportunidade de golo, parecendo difícil, em muitas situações, dizer se um determinado lance constitui ou não uma oportunidade, a minha discordância diz respeito sobretudo à quantificação da coisa. O que quero dizer é que as oportunidades de golo não sao todas iguais, que há diversos factores que devem ser pesados, e que me parece perfeitamente defensável que uma equipa que crie uma oportunidade de golo mereça mais a vitória do que outra que consiga criar dez. Deste ponto de vista, o critério que estou a defender é um que substitua a análise quantitativa das oportunidades de golos criadas pelas duas equipas por uma análise qualitativa.
Não é isto, como é fácil de perceber, uma conversa sobre vitórias morais. O argumento consiste essencialmente em defender que há equipas que, por mais perto que andem da baliza adversária, por mais que rematem, por mais que metam a bola na área, não fazem o suficiente para criar verdadeiras oportunidades de golo. Cruzamentos para área, a pedir uma resposta de cabeça, sobretudo quando a densidade populacional na área é grande e sobretudo quando o adversário está de frente para a bola e organizado, raramente são oportunidades de golo claríssimas. Mesmo originando confusão, mesmo causando calafrios, mesmo que um avançado consiga cabecear e levar a bola a passar perto da baliza, mesmo que o guarda-redes a defenda. A menos que o avançado cabeceie em condições favoráveis, com espaço e tempo para escolher o sítio para onde quer enviar a bola, dificilmente concordaria que um desvio de primeira, no meio da confusão, equivalha a uma oportunidade de golo clara. Há equipas que conseguem ter um caudal ofensivo grande, que conseguem passar grande parte do desafio no meio-campo adversário, mas que têm pouca imaginação nas imediações da área e as oportunidades que criam são invariavelmente deste tipo, que dependem mais de um desvio feliz do que do talento finalizador, da frieza, da qualidade do avançado. Quando se diz, portanto, que uma equipa conseguiu criar lances suficientes para vencer um jogo, é preciso primeiro ver que tipo de lances foram esses, de que condições aquele que finaliza dispôs para finalizar, quais as probabilidades de êxito de cada acção, etc..
A meu ver, uma equipa que não seja capaz de deixar aquele que finaliza numa posição frontal para a finalização, com espaço e tempo para poder decidir minimamente para que lado quer enviar a bola, seja através de um passe de ruptura pelo corredor central, com o avançado a desmarcar-se nas costas da defesa, seja através de um cruzamento recuado, junto à linha de fundo, seja através de uma tabela, seja através de um cruzamento para a zona entre o guarda-redes e a defesa, uma equipa que não seja capaz de criar situações de golo deste tipo, que todos os lances de perigo que cria são provenientes de lances de bola parada, de cruzamentos a pedir um desvio no meio da confusão, de remates de meia-distância, de ressaltos, uma equipa que, no fundo, não seja competente a propiciar situações de finalização favoráveis, pode criar dezenas de oportunidades, mas as probabilidades de ser bem sucedida manter-se-ão reduzidas. Fala-se excessivamente de problemas de eficácia, quando uma equipa não marca golos, mas domina os jogos e até consegue fazer com que a bola ronde a baliza adversária. Cada vez mais discordo do tema da conversa. O problema dessas equipas não está na eficácia, não está nos golos que podia marcar mas que não marca; o problema está antes, está no tipo de oportunidades que cria. Quando se diz, por isso, que uma equipa tem tido azar, que os postes ou os guarda-redes adversários têm estado insuperáveis, que os seus finalizadores não andam inspirados, que bastava que uma bola entrasse para que tudo fosse diferente, talvez fosse melhor analisar bem o tipo de oportunidades que se têm criado. É que o problema, na maior parte das vezes, não está na falta de eficácia, mas na falta de imaginação em tudo o que antecede o momento em que é preciso ser eficaz. Se se souberem criar situações mais favoráveis, verdadeiras situações, diria até, depender-se-á menos da eficácia. É evidente que estas equipas podem ganhar muitos jogos sem criar oportunidades de golo em melhores condições. Mas dependerão mais daquilo que não podem controlar, da sorte de um desvio instintivo do avançado não ir direito ao guarda-redes, por exemplo. O que estou a afirmar é que não é o volume do jogo, a capacidade para fazer a bola rondar a baliza adversária, a criação de quaisquer situações de perigo, que reduz a dependência de uma equipa da sua eficácia ofensiva; é, isso sim, a capacidade de criar "certas" oportunidades de golo. E o vocábulo "certas" é aqui - perdoem-me a redundância - o mais acertado: pode ter não só a função de pronome indefinido, significando "determinadas", como de adjectivo, significando "verdadeiras". Na minha opinião, portanto, o melhor remédio para os problemas de eficácia de uma equipa raramente é a substituição de um finalizador por outro ou raramente consiste em qualquer afinação do momento de finalização. Pelo contrário, problemas de eficácia resolvem-se criando condições para que não se dependa tanto de momentos de finalização pouco favoráveis. A menos que se trate de um caso de aselhice colectiva - e tal pode eventualmente acontecer - nenhuma equipa perde sistematicamente pontos por falta de eficácia no momento de atirar à baliza. Jogue-se bem e criem-se oportunidades de golo a sério, que os problemas resolver-se-ão por si mesmos.
Para terminar, o texto tem uma aplicação universal e abstracta, mas há dois bons exemplos recentes com que posso ilustrar o que estou a dizer. O início de época do Sporting trouxe ao de cima, para muita gente, determinados problemas de finalização da equipa. A fraca produção de golos - dizem - sobretudo com tanto volume de jogo ofensivo, só tem justificação pela falta de pontaria dos avançados. Discordo inteiramente disto. O problema do início de época do Sporting, a meu ver, está muito mais relacionado com o que antecede esse momento de finalização. Quantos lances conseguiu o Sporting produzir em que aquele que finaliza o faz em posição frontal, com espaço para escolher o lado para onde enviar a bola? Quantas vezes se isolaram os avançados do Sporting? Quantos cruzamentos rasteiros, a pedir um gesto técnico mais simples que o cabeceamento? Quantas verdadeiras oportunidades de golo teve o Sporting até agora? Domingos, a maior parte dos comentadores futebolísticos e alguns feiticeiros garantem que a equipa tem produzido inúmeras oportunidades evidentes de golo. Eu conto pouquíssimas. Nos dois jogos do campeonato, então, conto apenas duas, uma que deu golo de Postiga, contra o Olhanense, mas que foi anulado, outra em que o defensor do Beira-Mar cortou o remate de Capel em cima da linha de golo. O resto são respostas a cruzamentos ou remates à entrada da área, a maior parte das quais em condições francamente deficientes. O segundo exemplo é o jogo de ontem da Supertaça Europeia. Foi sugerido que o Porto merecia vencer, pois criou mais oportunidades que os catalães. Mesmo em número de ocasiões, duvido que isto seja muito exacto. Mas o que me impressiona é a ausência de espírito crítico da análise. Sejamos honestos: o Porto não criou uma única ocasião de golo flagrante. Fez alguns remates de longe, um ou dois mais promissores, teve um cruzamento em que Valdez falhou o tempo de saída da baliza e Mascherano cortou de cabeça, e pouco mais. O Barcelona, sem ter feito um grande jogo, teve 5 ou 6 oportunidades bem mais significativas, e é inquestionável que tenha merecido vencer o troféu. Nada disto tira mérito ao que o Porto fez, principalmente em termos defensivos. Defensivamente, o comportamento da equipa foi exemplar: controlou a posse catalã recorrendo a uma estratégia de pressão muito bem planeada, manteve os sectores juntos, a resposta colectiva aos momentos de pressão foi incrivelmente boa, e conseguiu mesmo provocar erros na construção do adversário que poderiam ter ocasionado lances de perigo a seu favor. Infelizmente, sobretudo em ataque organizado, a equipa voltou a denotar uma esterilidade preocupante, e foi absolutamente inconsequente. Fica, apesar de tudo, o exemplo a seguir da estratégia sem bola.
Não é isto, como é fácil de perceber, uma conversa sobre vitórias morais. O argumento consiste essencialmente em defender que há equipas que, por mais perto que andem da baliza adversária, por mais que rematem, por mais que metam a bola na área, não fazem o suficiente para criar verdadeiras oportunidades de golo. Cruzamentos para área, a pedir uma resposta de cabeça, sobretudo quando a densidade populacional na área é grande e sobretudo quando o adversário está de frente para a bola e organizado, raramente são oportunidades de golo claríssimas. Mesmo originando confusão, mesmo causando calafrios, mesmo que um avançado consiga cabecear e levar a bola a passar perto da baliza, mesmo que o guarda-redes a defenda. A menos que o avançado cabeceie em condições favoráveis, com espaço e tempo para escolher o sítio para onde quer enviar a bola, dificilmente concordaria que um desvio de primeira, no meio da confusão, equivalha a uma oportunidade de golo clara. Há equipas que conseguem ter um caudal ofensivo grande, que conseguem passar grande parte do desafio no meio-campo adversário, mas que têm pouca imaginação nas imediações da área e as oportunidades que criam são invariavelmente deste tipo, que dependem mais de um desvio feliz do que do talento finalizador, da frieza, da qualidade do avançado. Quando se diz, portanto, que uma equipa conseguiu criar lances suficientes para vencer um jogo, é preciso primeiro ver que tipo de lances foram esses, de que condições aquele que finaliza dispôs para finalizar, quais as probabilidades de êxito de cada acção, etc..
A meu ver, uma equipa que não seja capaz de deixar aquele que finaliza numa posição frontal para a finalização, com espaço e tempo para poder decidir minimamente para que lado quer enviar a bola, seja através de um passe de ruptura pelo corredor central, com o avançado a desmarcar-se nas costas da defesa, seja através de um cruzamento recuado, junto à linha de fundo, seja através de uma tabela, seja através de um cruzamento para a zona entre o guarda-redes e a defesa, uma equipa que não seja capaz de criar situações de golo deste tipo, que todos os lances de perigo que cria são provenientes de lances de bola parada, de cruzamentos a pedir um desvio no meio da confusão, de remates de meia-distância, de ressaltos, uma equipa que, no fundo, não seja competente a propiciar situações de finalização favoráveis, pode criar dezenas de oportunidades, mas as probabilidades de ser bem sucedida manter-se-ão reduzidas. Fala-se excessivamente de problemas de eficácia, quando uma equipa não marca golos, mas domina os jogos e até consegue fazer com que a bola ronde a baliza adversária. Cada vez mais discordo do tema da conversa. O problema dessas equipas não está na eficácia, não está nos golos que podia marcar mas que não marca; o problema está antes, está no tipo de oportunidades que cria. Quando se diz, por isso, que uma equipa tem tido azar, que os postes ou os guarda-redes adversários têm estado insuperáveis, que os seus finalizadores não andam inspirados, que bastava que uma bola entrasse para que tudo fosse diferente, talvez fosse melhor analisar bem o tipo de oportunidades que se têm criado. É que o problema, na maior parte das vezes, não está na falta de eficácia, mas na falta de imaginação em tudo o que antecede o momento em que é preciso ser eficaz. Se se souberem criar situações mais favoráveis, verdadeiras situações, diria até, depender-se-á menos da eficácia. É evidente que estas equipas podem ganhar muitos jogos sem criar oportunidades de golo em melhores condições. Mas dependerão mais daquilo que não podem controlar, da sorte de um desvio instintivo do avançado não ir direito ao guarda-redes, por exemplo. O que estou a afirmar é que não é o volume do jogo, a capacidade para fazer a bola rondar a baliza adversária, a criação de quaisquer situações de perigo, que reduz a dependência de uma equipa da sua eficácia ofensiva; é, isso sim, a capacidade de criar "certas" oportunidades de golo. E o vocábulo "certas" é aqui - perdoem-me a redundância - o mais acertado: pode ter não só a função de pronome indefinido, significando "determinadas", como de adjectivo, significando "verdadeiras". Na minha opinião, portanto, o melhor remédio para os problemas de eficácia de uma equipa raramente é a substituição de um finalizador por outro ou raramente consiste em qualquer afinação do momento de finalização. Pelo contrário, problemas de eficácia resolvem-se criando condições para que não se dependa tanto de momentos de finalização pouco favoráveis. A menos que se trate de um caso de aselhice colectiva - e tal pode eventualmente acontecer - nenhuma equipa perde sistematicamente pontos por falta de eficácia no momento de atirar à baliza. Jogue-se bem e criem-se oportunidades de golo a sério, que os problemas resolver-se-ão por si mesmos.
Para terminar, o texto tem uma aplicação universal e abstracta, mas há dois bons exemplos recentes com que posso ilustrar o que estou a dizer. O início de época do Sporting trouxe ao de cima, para muita gente, determinados problemas de finalização da equipa. A fraca produção de golos - dizem - sobretudo com tanto volume de jogo ofensivo, só tem justificação pela falta de pontaria dos avançados. Discordo inteiramente disto. O problema do início de época do Sporting, a meu ver, está muito mais relacionado com o que antecede esse momento de finalização. Quantos lances conseguiu o Sporting produzir em que aquele que finaliza o faz em posição frontal, com espaço para escolher o lado para onde enviar a bola? Quantas vezes se isolaram os avançados do Sporting? Quantos cruzamentos rasteiros, a pedir um gesto técnico mais simples que o cabeceamento? Quantas verdadeiras oportunidades de golo teve o Sporting até agora? Domingos, a maior parte dos comentadores futebolísticos e alguns feiticeiros garantem que a equipa tem produzido inúmeras oportunidades evidentes de golo. Eu conto pouquíssimas. Nos dois jogos do campeonato, então, conto apenas duas, uma que deu golo de Postiga, contra o Olhanense, mas que foi anulado, outra em que o defensor do Beira-Mar cortou o remate de Capel em cima da linha de golo. O resto são respostas a cruzamentos ou remates à entrada da área, a maior parte das quais em condições francamente deficientes. O segundo exemplo é o jogo de ontem da Supertaça Europeia. Foi sugerido que o Porto merecia vencer, pois criou mais oportunidades que os catalães. Mesmo em número de ocasiões, duvido que isto seja muito exacto. Mas o que me impressiona é a ausência de espírito crítico da análise. Sejamos honestos: o Porto não criou uma única ocasião de golo flagrante. Fez alguns remates de longe, um ou dois mais promissores, teve um cruzamento em que Valdez falhou o tempo de saída da baliza e Mascherano cortou de cabeça, e pouco mais. O Barcelona, sem ter feito um grande jogo, teve 5 ou 6 oportunidades bem mais significativas, e é inquestionável que tenha merecido vencer o troféu. Nada disto tira mérito ao que o Porto fez, principalmente em termos defensivos. Defensivamente, o comportamento da equipa foi exemplar: controlou a posse catalã recorrendo a uma estratégia de pressão muito bem planeada, manteve os sectores juntos, a resposta colectiva aos momentos de pressão foi incrivelmente boa, e conseguiu mesmo provocar erros na construção do adversário que poderiam ter ocasionado lances de perigo a seu favor. Infelizmente, sobretudo em ataque organizado, a equipa voltou a denotar uma esterilidade preocupante, e foi absolutamente inconsequente. Fica, apesar de tudo, o exemplo a seguir da estratégia sem bola.