Não consigo perceber a euforia com esta selecção, nem consigo perceber certas declarações acerca da prestação portuguesa neste europeu. Portugal chegou às meias-finais, e os portugueses devem sentir-se orgulhosos disso. Mas também não é mentira que chegou o mais longe que era possível, dada a qualidade do futebol que praticou. Ainda assim, há quem acredite que Portugal jogou melhor, neste campeonato, do que a Espanha, e há até quem tenha a lata de dizer, como o senhor "Penaié", no rescaldo da partida, que a Espanha teve sorte em levar o jogo para a decisão por grandes penalidades. Inacreditável! A única coisa que Portugal fez foi tentar aproveitar erros adversários, e, se isso, contra qualquer selecção, já é pouco, contra uma selecção que sabe como proteger-se o melhor possível desses erros não é quase nada. Apesar de tudo, e também porque os espanhóis não fizeram um bom jogo, os serviços mínimos portugueses permitiram que o jogo fosse mais equilibrado do que poderia ser. Acertou, desta vez, Paulo Bento, ao propor um pressing mais alto, sobretudo porque esta Espanha, não estando organizada como o Barcelona, tem muito mais dificuldades em construir na primeira zona do que na segunda ou na terceira. Tem isto a ver, sobretudo, com o facto de Casillas não ter a qualidade de passe de Valdés, de os laterais não abrirem tanto como o fazem os laterais catalães, e sobretudo com o facto de haver dois médios, e não um, a entrar no meio dos centrais. Aliás, Vicente del Bosque ainda não percebeu que, quer em termos de construção, quer em termos de organização defensiva, o seu duplo pivot é um equívoco enorme. Na primeira fase de construção, permitiu o encaixe dos médios portugueses; na segunda, tirou Xavi do jogo, pois, jogando à frente de dois médios, pega muito menos vezes na bola. Somando a isto a falta de rotinas dos laterais, que percebem mal, ou tarde, quando é que devem dar profundidade, e a opção inexplicável por Negredo, e a insistência ridícula em Jesus Navas, a Espanha acabou por estar colectivamente mal preparada para evitar a pressão portuguesa. O estado do relvado, a desconcentração no momento do passe, a má decisão de alguns jogadores, a agressividade lusa, e talvez o cansaço castelhano, completam o catálogo de justificações para um rendimento bem inferior ao esperado. No entanto, mesmo tendo feito um jogo fraco, a Espanha foi sempre muito superior a Portugal, cujos ataques resultaram invariavelmente (como sempre, desde que começou o euro, aliás) de recuperações em zonas altas. Com bola, Portugal nunca soube criar espaços, nunca soube potenciar as suas mais-valias ofensivas, e foi sempre pela agressividade defensiva, em zonas altas, que quis incomodar os espanhóis. O problema é que a Espanha constrói curto, mantendo a organização, e a perda de bola raramente implica momentos de desorganização que o adversário possa aproveitar. Portugal teve uma única oportunidade de golo, já sobre o minuto 90, num lance em que houve muita ingenuidade espanhola, pois facilmente se interromperia aquele contra-ataque com uma falta. Os espanhóis tiveram algumas, no decorrer da partida, tiveram espaço à entrada da área para rematar ou fazer o último passe, e, mesmo falhando mais do que é habitual, mesmo não tendo conseguido lances de perigo em quantidade e qualidade como costumam conseguir, tiveram sempre o controlo da partida. Sobre o prolongamento, nem vale a pena falar. A Espanha foi superior a todos os níveis, e teve ocasiões de sobra para evitar os penalties. Falar em falta de sorte, no final da partida, em bolas que batem no poste e saem, e em bolas que batem no poste e entram, depois de 120 minutos em que não se fez nada para se evitar o empate, além de morder calcanhares e transpirar um bocado, parece-me pouco sensato. Achar que a sorte protege os audazes, e que o cúmulo da audácia é pressionar os espanhóis o mais alto possível, é não perceber nada de audácia, nem perceber nada de futebol. Olhe-se para a Itália, e para a forma como os italianos, neste europeu, defrontaram selecções teoricamente superiores (Espanha e Alemanha), e talvez se perceba o que é a audácia. Aliás, dizer que Portugal foi a equipa que mais problemas causou à Espanha, depois do que a Itália fez no primeiro jogo da fase de grupos, é no mínimo absurdo.
Alemanha - Itália
Já não há palavras para descrever o que Andrea Pirlo anda a fazer na Polónia e na Ucrânia. No jogo de ontem, havia 21 jogadores em campo a lutar pela bola, e havia um que parecia intocável, que deslizava sobre o campo, que fintava como se estivesse a tourear TGV's. Pirlo jogava à parte. Os alemães bem o tentavam perturbar, mas parecia um fantasma, a passar entre eles, calmamente, como se não lhe pudessem tocar. Desde 2006, quando Zidane fez aquele mundial assombroso, em que parecia quase divino, que não via alguém jogar sistematicamente com tanta classe. O azar de Pirlo foi ter jogado em Itália numa altura em que o futebol italiano não estava tão forte como noutras eras. Não fosse isso, e teria estado sistematicamente entre os melhores do mundo, nos últimos anos. Ainda assim, e apesar dos dois golos de Balotelli, a UEFA decidiu que Pirlo foi o melhor em campo. Um sinal claro de que as exibições do médio italiano não passam despercebidas, mesmo para um organismo que, normalmente, premeia quem se distingue por marcar ou assistir quem marca. Tendo em conta que os troféus colectivos costumam ter importância na decisão do melhor jogador do ano, parece-me um claro sinal de que Pirlo, ganhando o europeu no próximo Domingo, passa a ser o principal candidato a melhor jogador do mundo de 2011/2012. E com toda a justiça, a meu ver. Aliás, é até engraçado que toda a comunicação social se refira a Cristiano Ronaldo como o melhor do mundo, quando ele não é, actualmente, o detentor do troféu, e quando, pelos critérios habituais da UEFA, Messi (melhor marcador europeu, 4 competições ganhas), Iniesta (4 competições ganhas e a possibilidade de se sagrar campeão europeu) e Pirlo (1 competição ganha e possibilidade de se sagrar campeão europeu) se encontram bem melhor posicionados para ganhar o próximo. Sobre o jogo, há também muitas coisas a dizer. Os elogios que tenho a fazer a esta Itália tenho-os feito desde o primeiro jogo do campeonato, o que é revelador. Ao contrário de muita gente, depois de vários jogos em que a Alemanha não entusiasmou como podia, não acreditava no favoritismo germânico. Quando vi que Müller não ia jogar, então, percebi que a Itália tinha todas as condições para chegar à final. Joachim Löw tem algumas coisas interessantes, como treinador. Mas falha noutras. A aposta em Schweinsteiger é inexplicável, por exemplo. E nem é por estar nitidamente abaixo dos níveis físicos ideais; é mesmo porque Toni Kroos é muitíssimo mais jogador do que ele. Depois, a insistência num modelo rígido (um 4231 que, noutras ocasiões, se transforma em 442 clássico), que o acompanha desde o início, não ajuda. Há pouca instabilidade posicional, a atacar, poucos movimentos entre linhas (normalmente, só as diagonais de Müller, e mesmo essas parece que foram castradas pelo treinador alemão, neste europeu), pouca dinâmica sem bola, e pouca imaginação. A Alemanha seria bem mais forte a jogar em 433, com Kroos ao lado de Ozil, como médios ofensivos, ou em 442 losango, com Khedira a médio defensivo, Schweinsteiger e Kroos como interiores, Müller como médio ofensivo, e Ozil solto na frente, ao lado de Gomez. A Alemanha possui uma geração de jogadores formidável, e estará inevitavelmente entre os favoritos, nas próximas competições, mas precisa de renovar as suas ideias colectivas, sob pena de continuar sem ganhar nada. Quanto à Itália, é o oposto. Trata-se de uma selecção envelhecida, que terá de se renovar nos próximos anos, mas que, colectivamente, é muitíssimo forte. A isso não é alheia a utilização do losango no meio-campo, tão vilipendiado em Portugal. No futebol actual, não consigo conceber equipas verdadeiramente competentes em todos os momentos do jogo que não joguem com três ou quatro médios. Prandelli é um treinador de vocação ofensiva, mas é também um treinador italiano. Sabe que, para atacar, como gosta, sem perder organização defensiva, precisa de fazê-lo com segurança. Para isso, há que povoar o meio-campo, sobretudo com jogadores habilidosos, organizar defensivamente a equipa para que tenha sempre o centro do terreno bem preenchido, e exigir uma construção curta, apoiada, paciente, com os jogadores sempre muito próximos, e com a largura a ser dada pelos laterais e, eventualmente, pelo avançado mais solto, e a profundidade pelo outro avançado. No final da partida, Prandelli fez questão de referir a importância do preenchimento do meio, e mostrou que sabe, como nenhum outro treinador neste europeu, que é no meio que está a virtude. A sua Itália sente-se confortável, como não podia deixar de ser, sem bola, mas sente-se igualmente confortável com ela. E isso é notável! Frente à Alemanha, foi muito superior. Na primeira parte, dividiu a posse, mas a bola, quando em poder dos italianos, percorreu sempre caminhos menos previsíveis do que aqueles que percorria quando em posse dos alemães. Os níveis de criatividade colectiva desta equipa fazem a diferença, e é nisso que se deve pensar quando se procurar justificar o seu percurso. Na segunda parte, a Itália concedeu um pouco mais a iniciativa aos germânicos, mas nunca caiu na tentação de sair em transição à toa. Quando recuperava a bola, fazia uso dela, geria a vantagem, cansava os alemães, jogava um bocadinho à rabia, e dava a sensação de que tudo estava controlado. E estava! Podia ter sentenciado o jogo a qualquer altura, e banalizou por completo uma das selecções mais fortes do torneio. Agora vem o segundo embate com a Espanha, na final merecida. Como não podia deixar de ser, comprovando que o que é normal é as equipas que jogam melhor chegarem mais longe, irão jogar a final as duas equipas que apresentaram o melhor e o mais atractivo futebol desta competição. Quem quer que vença agora, honrará a modalidade! E contribuirá, e muito (ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com o vencedor da Liga dos Campeões deste ano), para a evolução conceptual do jogo.