A palavra "criatividade", no que diz respeito a futebol, tem frequentemente usos errados. Presume-se que um criativo é um jogador capaz de inventar maneiras requintadas de fintar os adversários, um jogador capaz de fazer passes de ruptura, um jogador, em suma, capaz de coisas que parecem difíceis. Isso não faz qualquer sentido. A criatividade não tem nada a ver com truques, malabarismos, recursos técnicos e artifícios excêntricos. A criatividade é um atributo mental, um atributo que permite solucionar problemas difíceis de maneiras inesperadas. O jogador criativo é aquele que descobre soluções inovadoras, que interpreta os dados de um lance de uma maneira imprevisível e que consegue ser mais espontâneo, mais rápido a pensar e mais eficiente a contornar os problemas que lhe são impostos.
Esse uso errado da palavra "criatividade" ocorre muitas vezes quando se pretende classificar um extremo. Raramente um extremo é um jogador criativo. Por norma, o extremo que as pessoas acham que é criativo é um jogador muito hábil, do ponto de vista técnico, e muito rápido. Só. Por exemplo, a criatividade de Cristiano Ronaldo é, quando comparada com outros jogadores, uma coisa quase ridícula. O mesmo se passa com Di Maria e Hulk, ou, noutra dimensão, com Robinho. São jogadores que, tecnicamente, possuem recursos muito interessantes, mas não são jogadores que, perante dificuldades imprevistas, saibam solucionar os seus problemas. É por isso que, em espaços curtos, não são jogadores extraordinários ou, pelo menos, não conseguem sê-lo de um modo regular. O paradigma do jogador criativo, na acepção de palavra que estou a defender, é o típico jogador espanhol da actualidade: Iniesta, Fabregas, David Silva, Mata, Bojan, etc. Tratam-se de jogadores que interpretam os lances de um modo mais abrangente, que conseguem, perante problemas difíceis, encontrar invariavelmente a melhor solução e que conseguem descobrir soluções inesperadas. São por isso mais imprevisíveis e, por conseguinte, mais difíceis de entender, por parte dos adversários. O jogador criativo é, por isso, aquele que percebe com mais facilidade para onde é que a bola deve seguir, aquele que percebe mais rapidamente se deve fazer um compasso de espera ou se deve jogar de primeira e aquele que, mesmo sem recursos técnicos assinaláveis, é capaz de se livrar individualmente de adversários directos, enganando-os com um drible, com uma simulação de passe, com uma tabela ou uma desmarcação no momento certo.
Uma das razões pelas quais Mesut Özil tem sido amplamente elogiado e Thomas Müller ignorado prende-se precisamente com o facto de as pessoas terem tendência a reter com mais facilidade os atributos técnicos de um atleta do que os seus atributos intelectuais. Özil é tecnicamente mais vistoso que Müller e terá melhores capacidades a esse nível. Mas não é mais criativo que o jogador do Bayern. Isto porque criatividade não tem nada a ver com capacidade técnica. Aliás, uma das razões pelas quais o momento ofensivo da selecção alemã parece tão fluido tem a ver com a liberdade que Müller tem para vir para o meio, permutando com Özil, onde a sua capacidade de decisão e a sua criatividade têm mais influência no desempenho do colectivo. Se Müller ficasse amarrado ao flanco, como do outro lado acontece com Podolski, cujos movimentos são essencialmente verticais, a Alemanha seria muito mais estéril do ponto de vista ofensivo, pois a criatividade de Müller não estaria tanto em jogo. A jogada que - creio - melhor exemplifica as qualidades que estou a querer reconhecer em Müller é a jogada do segundo golo frente à Inglaterra.
Esse uso errado da palavra "criatividade" ocorre muitas vezes quando se pretende classificar um extremo. Raramente um extremo é um jogador criativo. Por norma, o extremo que as pessoas acham que é criativo é um jogador muito hábil, do ponto de vista técnico, e muito rápido. Só. Por exemplo, a criatividade de Cristiano Ronaldo é, quando comparada com outros jogadores, uma coisa quase ridícula. O mesmo se passa com Di Maria e Hulk, ou, noutra dimensão, com Robinho. São jogadores que, tecnicamente, possuem recursos muito interessantes, mas não são jogadores que, perante dificuldades imprevistas, saibam solucionar os seus problemas. É por isso que, em espaços curtos, não são jogadores extraordinários ou, pelo menos, não conseguem sê-lo de um modo regular. O paradigma do jogador criativo, na acepção de palavra que estou a defender, é o típico jogador espanhol da actualidade: Iniesta, Fabregas, David Silva, Mata, Bojan, etc. Tratam-se de jogadores que interpretam os lances de um modo mais abrangente, que conseguem, perante problemas difíceis, encontrar invariavelmente a melhor solução e que conseguem descobrir soluções inesperadas. São por isso mais imprevisíveis e, por conseguinte, mais difíceis de entender, por parte dos adversários. O jogador criativo é, por isso, aquele que percebe com mais facilidade para onde é que a bola deve seguir, aquele que percebe mais rapidamente se deve fazer um compasso de espera ou se deve jogar de primeira e aquele que, mesmo sem recursos técnicos assinaláveis, é capaz de se livrar individualmente de adversários directos, enganando-os com um drible, com uma simulação de passe, com uma tabela ou uma desmarcação no momento certo.
Uma das razões pelas quais Mesut Özil tem sido amplamente elogiado e Thomas Müller ignorado prende-se precisamente com o facto de as pessoas terem tendência a reter com mais facilidade os atributos técnicos de um atleta do que os seus atributos intelectuais. Özil é tecnicamente mais vistoso que Müller e terá melhores capacidades a esse nível. Mas não é mais criativo que o jogador do Bayern. Isto porque criatividade não tem nada a ver com capacidade técnica. Aliás, uma das razões pelas quais o momento ofensivo da selecção alemã parece tão fluido tem a ver com a liberdade que Müller tem para vir para o meio, permutando com Özil, onde a sua capacidade de decisão e a sua criatividade têm mais influência no desempenho do colectivo. Se Müller ficasse amarrado ao flanco, como do outro lado acontece com Podolski, cujos movimentos são essencialmente verticais, a Alemanha seria muito mais estéril do ponto de vista ofensivo, pois a criatividade de Müller não estaria tanto em jogo. A jogada que - creio - melhor exemplifica as qualidades que estou a querer reconhecer em Müller é a jogada do segundo golo frente à Inglaterra.
Simão | Vídeo do MySpace
O lance começa na direita, com Kedhira a servir Müller, junto à linha, com Ashley Cole atrás dele. Sem preparação, de primeira, de modo a não permitir a aproximação dos defesas ingleses, Müller reenvia a bola para o meio, para o apoio de Mesut Özil ao centro. É nesta opção, invulgar na maior parte dos jogadores que jogam junto às linhas, que está a primeira e a mais decisiva acção do lance. Depois de soltar em Özil, Mülller desmarca-se de imediato. Özil joga de primeira em Klose, que está junto à linha, e este, também de primeira, faz a bola entrar nas costas da defesa inglesa, num espaço que Müller, ao desmarcar-se, atacara. O desequilíbrio está causado e Müller, com espaço para rematar, opta antes por servir Podolski, que fica sozinho porque Müller arrastou todas atenções para si. A capacidade de decisão de Müller, tanto no passe para Podolski, mas sobretudo no primeiro momento, quando joga no apoio e se desmarca de imediato, é que é aqui preciso notar. É que, embora pareça um movimento simples, isto denota uma capacidade criativa invulgar. Em primeiro lugar, Müller percebe a opção que tem ao meio de um modo notável e percebe também que, para fazer uso dessa opção, deve executar de primeira. Qualquer recepção tornaria inválido o apoio de Özil. Müller pôde usar a opção porque pensou rapidamente e a descobriu antes de receber a bola. Pouquíssimos jogadores têm esta capacidade. Depois disto, percebe rapidamente que, com Özil na posição em que estava e Klose à esquerda, o lateral-esquerdo e os dois centrais haviam sido puxados para ali e a defesa inglesa estava, portanto desorganizada. Como tal, imediatamente a seguir ao passe de primeira, desmarca-se e aproveita essa desorganização. Foi a criatividade de Müller, a sua capacidade de visualizar rapidamente o que rodeava e de perceber rapidamente os dividendos que poderia tirar dessa conjuntura, que permitiram que fosse criado tamanho desequílibrio. Depois, porque o seu pensamento exigia o passe de primeira e a desmarcação célere, tratou de pôr em prática aquilo que a sua mente idealizou com facilidade. É esta capacidade intelectual de antecipar com tanta precisão tudo aquilo que uma simples acção ou um simples movimento implica, assim como a capacidade de extrair dessa capacidade primeira todo o lucro possível, que faz de Müller um jogador extraordinariamente criativo. A criatividade é isto, é o atributo que permite ao jogador antecipar mais correctamente o futuro imediato.
Grande parte dos jogadores, mesmo os muito dotados tecnicamente, agem essencialmente por reacção e não são capazes de antecipar, quais xadrezistas vulgares, senão os milésimos de segundo que se seguem à sua acção. O jogador verdadeiramente criativo é aquele que consegue desenhar na sua cabeça toda a jogada, que consegue perceber, com um grau de precisão muito elevado, tudo o que vai acontecer em seguida. Esse, porque tem essa capacidade, está sempre um passo à frente dos outros, mesmo que não possua argumentos técnicos e físicos tão elevados como os melhores. É por isso que a criatividade, ainda que dependa sempre da acção dos outros para se fazer valer, é um atributo tão importante. Numa equipa que jogue como equipa, que se faça valer mais da relação entre os diferentes elementos da equipa do que das individualidades que a compõem, a criatividade é, portanto, o atributo mais importante num jogador. Müller é mais criativo que Özil porque tem esta capacidade de ler as jogadas muito mais apurada que o jogador do Werder Bremen, ainda que não seja tão evoluído, do ponto de vista técnico, quanto o seu compatriota, nem seja tão competente quando entregue a duelos individuais. Como tal, só quem entende o futebol como um jogo de individualidades é que pode ficar mais entusiasmado com Özil do que com Müller. Estas pessoas acham igualmente que o primeiro é mais criativo porque nem sequer concebem a existência de atributos essencialmente colectivos, que só têm real valor se o jogo for entendido para além desse choque entre onze indivíduos de cada lado. Para esses, Özil é mais influente na equipa porque as qualidades da equipa são apenas a soma das qualidades individuais de cada elemento que forma a equipa. Ignoram, porque incapazes de não ignorar, que as qualidades da equipa são, isso sim, muito mais do que essa soma, a soma das relações que cada individualidade tem com as outras individualidades, e que, portanto, é mais influente aquele cujas capacidades de se relacionar com os outros é melhor. No fundo, Müller é mais influente porque a sua relação com os outros e com o colectivo em geral é mais valiosa, independentemente de, quando entregue a si, não ter tanta facilidade para resolver problemas quanto tem Özil.
O lance começa na direita, com Kedhira a servir Müller, junto à linha, com Ashley Cole atrás dele. Sem preparação, de primeira, de modo a não permitir a aproximação dos defesas ingleses, Müller reenvia a bola para o meio, para o apoio de Mesut Özil ao centro. É nesta opção, invulgar na maior parte dos jogadores que jogam junto às linhas, que está a primeira e a mais decisiva acção do lance. Depois de soltar em Özil, Mülller desmarca-se de imediato. Özil joga de primeira em Klose, que está junto à linha, e este, também de primeira, faz a bola entrar nas costas da defesa inglesa, num espaço que Müller, ao desmarcar-se, atacara. O desequilíbrio está causado e Müller, com espaço para rematar, opta antes por servir Podolski, que fica sozinho porque Müller arrastou todas atenções para si. A capacidade de decisão de Müller, tanto no passe para Podolski, mas sobretudo no primeiro momento, quando joga no apoio e se desmarca de imediato, é que é aqui preciso notar. É que, embora pareça um movimento simples, isto denota uma capacidade criativa invulgar. Em primeiro lugar, Müller percebe a opção que tem ao meio de um modo notável e percebe também que, para fazer uso dessa opção, deve executar de primeira. Qualquer recepção tornaria inválido o apoio de Özil. Müller pôde usar a opção porque pensou rapidamente e a descobriu antes de receber a bola. Pouquíssimos jogadores têm esta capacidade. Depois disto, percebe rapidamente que, com Özil na posição em que estava e Klose à esquerda, o lateral-esquerdo e os dois centrais haviam sido puxados para ali e a defesa inglesa estava, portanto desorganizada. Como tal, imediatamente a seguir ao passe de primeira, desmarca-se e aproveita essa desorganização. Foi a criatividade de Müller, a sua capacidade de visualizar rapidamente o que rodeava e de perceber rapidamente os dividendos que poderia tirar dessa conjuntura, que permitiram que fosse criado tamanho desequílibrio. Depois, porque o seu pensamento exigia o passe de primeira e a desmarcação célere, tratou de pôr em prática aquilo que a sua mente idealizou com facilidade. É esta capacidade intelectual de antecipar com tanta precisão tudo aquilo que uma simples acção ou um simples movimento implica, assim como a capacidade de extrair dessa capacidade primeira todo o lucro possível, que faz de Müller um jogador extraordinariamente criativo. A criatividade é isto, é o atributo que permite ao jogador antecipar mais correctamente o futuro imediato.
Grande parte dos jogadores, mesmo os muito dotados tecnicamente, agem essencialmente por reacção e não são capazes de antecipar, quais xadrezistas vulgares, senão os milésimos de segundo que se seguem à sua acção. O jogador verdadeiramente criativo é aquele que consegue desenhar na sua cabeça toda a jogada, que consegue perceber, com um grau de precisão muito elevado, tudo o que vai acontecer em seguida. Esse, porque tem essa capacidade, está sempre um passo à frente dos outros, mesmo que não possua argumentos técnicos e físicos tão elevados como os melhores. É por isso que a criatividade, ainda que dependa sempre da acção dos outros para se fazer valer, é um atributo tão importante. Numa equipa que jogue como equipa, que se faça valer mais da relação entre os diferentes elementos da equipa do que das individualidades que a compõem, a criatividade é, portanto, o atributo mais importante num jogador. Müller é mais criativo que Özil porque tem esta capacidade de ler as jogadas muito mais apurada que o jogador do Werder Bremen, ainda que não seja tão evoluído, do ponto de vista técnico, quanto o seu compatriota, nem seja tão competente quando entregue a duelos individuais. Como tal, só quem entende o futebol como um jogo de individualidades é que pode ficar mais entusiasmado com Özil do que com Müller. Estas pessoas acham igualmente que o primeiro é mais criativo porque nem sequer concebem a existência de atributos essencialmente colectivos, que só têm real valor se o jogo for entendido para além desse choque entre onze indivíduos de cada lado. Para esses, Özil é mais influente na equipa porque as qualidades da equipa são apenas a soma das qualidades individuais de cada elemento que forma a equipa. Ignoram, porque incapazes de não ignorar, que as qualidades da equipa são, isso sim, muito mais do que essa soma, a soma das relações que cada individualidade tem com as outras individualidades, e que, portanto, é mais influente aquele cujas capacidades de se relacionar com os outros é melhor. No fundo, Müller é mais influente porque a sua relação com os outros e com o colectivo em geral é mais valiosa, independentemente de, quando entregue a si, não ter tanta facilidade para resolver problemas quanto tem Özil.