sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A Utilidade Invisível de um Avançado

Para muita gente, o papel de um avançado resume-se a fazer golos, e a avaliação do seu rendimento depende exclusivamente desse factor. Para outros, mais moderados, o avançado deve fazer golos, mas deve também ser capaz de oferecer outras coisas à equipa. Para um terceiro grupo de pessoas, nas quais me incluo, um avançado, como aliás qualquer outro jogador, deve essencialmente ser alguém que oferece coisas à equipa, sendo os golos que marca um mau critério para lhe definir o rendimento sobretudo porque, dependendo do modelo de jogo da equipa, dos companheiros, daquilo que lhe é pedido, etc., tal competência pode não ser o que de mais importante tem para dar. No Real Madrid, por exemplo, acredito que Cristiano Ronaldo tem tendência a render mais quando Benzema joga (em vez de Higuain), pois o tipo de movimentos e de preocupações do francês facilitam as características do português. E isto mesmo durante os largos meses em que Benzema não fazia golos. O rendimento de um avançado, portanto, não pode ser avaliado nem pela quantidade de golos que marca, nem pela quantidade de outras coisas que oferece à equipa, mas pela forma como se enquadra nessa equipa, pela forma como, de acordo com o tipo de coisas que oferece, facilita ou dificulta o rendimento colectivo. É por pensar no rendimento colectivo e só nele que, por norma, avalio rendimentos individuais de modo muito diferente da grande maioria das pessoas. E é por essa razão que, uma vez mais, quero falar de Hélder Postiga.

Tal como nunca achei Benzema um mau finalizador, não acho sequer que Postiga o seja, como o sabe quem acompanha este blogue. Falha tantos golos como qualquer outro avançado de renome, e se não marca mais é essencialmente porque não está tantas vezes como outro tipo de avançados em posição privilegiada para o fazer. Sobre golos, aliás, a sua prestação na selecção sempre desmentiu a teoria de que era perdulário. E, aliás, a sua prestação em Espanha, até ao momento, tem sido boa para calar certas vozes. Recentemente, outra crítica lhe tem sido feita: a de que está constantemente fora-de-jogo. O que é curioso é que não me lembro de alguém criticar isto em Liedson, que era apanhado em fora-de-jogo muito mais vezes do que Postiga, e que era apanhado essencialmente por distracção, ao contrário do português. A meu ver, releva esta crítica essencialmente de dois tipos de coisas: um preconceito generalizado contra o jogador, e a incapacidade de analisar ao pormenor os lances em que tem sido apanhado em fora-de-jogo. Sobre a primeira dessas coisas, é pouco interessante falar. Postiga pertence ao tipo de jogadores sobre os quais as opiniões que se formam dependem de uma opinião pública negativa previamente formada. Como tenho pouca paciência para demover multidões, e como já escrevi o suficiente, no passado, acerca dos equívocos generalizados em relação ao jogador, não vou voltar ao assunto. Sobre a questão do fora-de-jogo, é verdade que Postiga, nos últimos tempos, tem sido apanhado muito mais vezes em fora-de-jogo do que antigamente. Mas é preciso analisar as situações e perceber os porquês dos factos. Tal como, na época passada, passou a rematar mais do que rematava porque Paulo Sérgio, inclusive publicamente, lhe ordenou que o fizesse, modificando-se portanto de maneira a tentar responder às críticas, parece-me que esta situação advém precisamente de uma tentativa de se tornar mais próximo dos golos, de procurar mais certos movimentos nas costas dos defesas, de modo a criar melhores condições de finalização para si. E da mesma forma que não se critica que Inzaghi, em 6 lances, tenha de ser apanhado 5 vezes em fora-de-jogo para poder usufruir de um sexto lance em condições de finalização privilegiadas, acredito que é injusto criticar Postiga pelas mesmas razões. Veja-se o quarto golo frente à Bósnia. Postiga tem arriscado mais certos movimentos, e isso tem feito com que esteja a ser apanhado em fora-de-jogo mais vezes. Mas se calhar também tem tido mais rendimento em termos de golos porque tem arriscado mais esse tipo de movimentos. Por isso, convém que as críticas se decidam. Se gostam de um avançado que faz golos, que joga no limite do fora-de-jogo para poder estar mais perto dos golos, então não podem criticá-lo por estar precisamente a fazer isso. Se não se importam com os golos que um avançado faz, então deixam-no em paz quando não faz golos.

Voltemos bruscamente ao tema do texto, que tem essencialmente a ver com o tipo de coisas que um avançado pode oferecer a uma equipa, mas das quais as pessoas raramente se apercebem. Diz o Filipe Vieira de Sá, para quem o Postiga, pelas acusações praticamente diárias, deve ser presença assídua nos seus pesadelos, o seguinte acerca do avançado da selecção nacional:

"Os avançados são quem tem menor participação no jogo colectivo, o que é normal, mas na Selecção a sua acção não tem conduzido, nem a qualquer ocasião criada, nem tão pouco a um acréscimo positivo na fluidez de jogo. Ou seja, o contributo positivo do ponta de lança, na Selecção, tem-se resumido à finalização, e apenas à finalização."

Para o Filipe, o avançado, no modelo de jogo da selecção, tem pouca participação no jogo colectivo porque as acções sem bola, as movimentações, as acções com bola longe da baliza, e tantos outros pormenores aparentemente irrelevantes, não entram nas contas que faz para atribuir rendimentos individuais. Como discordo disto, e como acho que Ronaldo e Nani têm tudo a ganhar com a utilização de um ponta-de-lança que se preocupe com movimentos interiores, que sirva de apoio vertical aos médios, e que saia da sua posição, arrastando consigo adversários, é natural que tenha uma opinião diferente. O lance que trago, e a interpretação que vou dar do mesmo, têm por fim, essencialmente, mostrar como há mais do que golos, assistências, e coisas vistosas que devem entrar na análise do rendimento de um avançado, tornando ainda claro por que razão é Postiga útil a esta equipa, como o seria a muitas outras, caso houvesse uma percepção melhor das coisas extraordinárias que tem para oferecer.


szólj hozzá: 3-1

Que eu tenha conhecimento, não se elogiou, no lance do terceiro golo da selecção, senão o passe de Moutinho e a conclusão de Ronaldo. De facto, quem vê o jogo, está atento à bola, e é por esses dois jogadores que ela passa até chegar ao fundo das redes. Evidentemente, tanto um como outro, definiram bem a jogada, e são os principais responsáveis pelo lance. Mas, e agora pergunto eu, não haverá quem tenha facilitado que aquilo acontecesse como aconteceu? Isto é, será o mérito apenas dos dois jogadores, ou terá havido alguém que, muito discretamente, sem tocar nem sequer se ter aproximado da bola, tenha permitido à equipa gozar daquela oportunidade? A meu ver, isso é inequívoco. Estou a falar, naturalmente, de Postiga. Quando a bola está a ser disputada no meio-campo, já Postiga, tendo percebido o espaço que havia entre os médios e os defesas bósnios, se disponibilizara, ocupando esse espaço, para vir receber a bola, na eventualidade de um colega ter tempo e espaço para executar o passe na sua direcção. Ao mesmo tempo, inadvertidamente ou não, o seu posicionamento baixo criou hesitação no defesa central que estava mais perto de si. Foi por isso que Ronaldo, ao receber o passe de Moutinho, se isolou de imediato, porque o defesa, hesitando entre dar um passo à frente para apertar Postiga e ficar recuado, vigiando o posicionamento de Ronaldo, acabou por reagir demasiado tarde. Ao se colocar onde se colocou, ao perceber o espaço que deveria ocupar e ao se disponibilizar para o fazer, muito antes de ser evidente que a equipa ia ficar com a bola, Postiga forçou a indecisão do defesa, o que, por sua vez, facultou a Ronaldo o espaço suficiente para arrancar sozinho para a baliza. Se, por outro lado, Postiga tivesse ficado enfiado entre os centrais, se não estivesse interessado naquele espaço, o defesa, até porque tinha a ajuda do outro central, facilmente se teria concentrado apenas em Cristiano Ronaldo, e nunca ficaria para trás apenas com o passe de Moutinho.

Naquilo que Postiga fez, porém, ninguém reparou. Como não tocou na bola, como Moutinho nem sequer olhou para ele, para a grande maioria das pessoas não teve qualquer acção no lance. Para mim, que não vejo as coisas com a mesma linearidade, teve, e teve muita. Não digo que se tenha posicionado com a intenção de dificultar o comportamento ao defesa. Mas, porque estava preocupado com a equipa, com o dar o apoio certo, com a ocupação do espaço certo, naquele momento, acabou por ajudar a equipa, mesmo que o seu posicionamento entre linhas não tenha sido utilizado para fazer passar a bola. A simples colocação correcta em campo de Postiga, naquele momento, permitiu à equipa (sim, à equipa!), que os dois jogadores que intervieram activamente no lance gozassem das condições ideais para criar uma ocasião de golo. E isto, porque é invisível, é para muitas análises uma acção inútil. É por estas e por outras que as análises que estão preocupadas apenas com acções com bola são redutoras. Neste caso específico, sem ter tocado na bola, sem sequer ter estado perto da zona por onde a bola passou, Postiga foi decisivo para o desfecho do lance. De resto, é este um bom exemplo, a meu ver, de como um avançado não precisa de fazer golos, nem precisa de assistir os colegas para que estes façam golos, nem precisa de ganhar bolas de cabeça, nem precisa de ir ao choque com os defesas, nem precisa sequer, cúmulo dos cúmulos, de tocar na bola para ser útil, enquanto avançado, às necessidades da equipa. A utilidade de um avançado, e aliás de qualquer jogador, nem sempre é visível a olho nu, nem se caracteriza por acções evidentes. E é por isso que o rendimento individual não pode ser condignamente avaliado senão tendo em conta toda a utilidade, visível e invísivel, que esse indivíduo tem na obtenção do rendimento colectivo.

domingo, 13 de novembro de 2011

João Pereira e a Melhor Oportunidade da Bósnia

Há quem ache que João Pereira é isto e aquilo, o melhor lateral-direito de Portugal e arredores, um lateral moderno, veloz, agressivo, intenso, que dá profundidade ao corredor. Não alinho em tais disparates. Reconheço que pode ser uma mais valia colectiva em termos de profundidade, se a equipa o souber potenciar, como por exemplo era Bosingwa no Porto, mas pouco mais. Com bola, raramente decide pelo melhor e só a sua boa capacidade técnica faz com que se safe minimamente. Sem bola, então, é francamente mau. Defensivamente, por exemplo, e apesar de jogar há vários anos em equipas em que se exige dos defesas que saibam ocupar os espaços e relacionar-se com os colegas a cada momento, de ter tido treinadores tão exigentes a esse respeito como são Jorge Jesus e Domingos Paciência, continua muito displicente.

O início de época no Sporting, apesar de pouca gente parecer ter reparado, foi desastroso, com a grande maioria dos golos sofridos pela equipa a resultarem de maus ajustamentos defensivos precisamente de João Pereira, de erros que, a este nível, normalmente se pagam caros. Quis-se justificar o mau início leonino com os bodes expiatórios do costume, a falta de eficácia, a baixa estatura dos centrais, a inexperiência dos jovens, o Carriço, o Postiga, etc., e ignoraram-se todas as asneiras de João Pereira. Não é, contudo, sobre o início de época do Sporting que quero falar. Há dias, referi os erros de principiante de Bosingwa, e muitos podem achar que a minha opinião acerca do melhor lateral direito português coincide com a de Paulo Bento. Não coincide. Acho que, defensivamente, tanto um como outro são jogadores banalíssimos, que cometem erros que ao mais alto nível não se deviam cometer, e que estão sobrevalorizados por isso mesmo. São rápidos, e muitas vezes isso ajuda a compensar o mau posicionamento, os disparates e as distracções. Mas cometem demasiados deslizes para o que se deve exigir em equipas de topo. Aliás, o melhor lateral-direito português, em meu entender, é Sílvio.



O lance que trago ocorre aos 80 minutos do jogo com a Bósnia (aliás, quanto mais perto do final da partida, maior me parece a tendência de João Pereira para errar), aos 9:15 do vídeo, e resulta naquele que foi, talvez, o principal lance de perigo dos bósnios, a par de outro lance pouco tempo depois. A bola vem da esquerda para um jogador bósnio que ocupa um espaço entre linhas, e este, de primeira, isola o avançado. João Pereira está 3 metros atrás da linha defensiva portuguesa, e é ele quem coloca o avançado em jogo, e quem permite que os bósnios transformem um lance aparentemente controlado numa ocasião clara de golo. É verdade que Pepe sai à última da hora (embora Pepe não deva ser exemplo para ninguém), mas, num lance que é conduzido pela esquerda, a responsabilidade do lateral-direito (assim como da linha defensiva), é perceber a referência dada pelo lateral-esquerdo. Se Coentrão e Bruno Alves estão adiantados, e a jogada é conduzida pelo lado deles, Pepe e João Pereira têm de subir para a linha destes. Não o fazendo, permitem que um avançado que se coloque entre Bruno Alves e Pepe adquira uma vantagem decisiva no caso de a bola ser metida pelo meio. João Pereira, provavelmente preocupado com o jogador bósnio que andava ali perto, não percebeu a referência defensiva certa, e ficou 3 metros atrás da linha defensiva. Não subindo no terreno, não só não ajudou a apertar o espaço onde a bola entra em primeiro lugar, permitindo, juntamente com Pepe, que houvesse um espaço entre o meio-campo e a defesa para os bósnios aproveitarem (há também responsabilidades do meio-campo, e nomeadamente de um jogador que não fecha tão dentro quanto devia), como possibilitou que o avançado bósnio escapasse por entre os centrais, pelo simples facto de estar a colocá-lo em jogo.

É por este tipo de lances, frequentíssimo para quem acompanha com atenção os jogos de João Pereira, que não consigo compreender como é que, hoje em dia, havendo tanta informação, havendo tanta preocupação com o detalhe, tanto interesse em questões tácticas, se continua a achar que João Pereira é isto e aquilo, só porque sabe correr, sabe mostrar os dentes, e sabe dar dois toques numa bola. O futebol, pelo menos o futebol moderno, é mais, muito mais, do que velocidade, força de vontade e habilidade. Numa selecção que aspira a pertencer, se não a mais, a um segundo grupo de selecções candidatas a vitórias em certames internacionais, não pode dar-se ao luxo de ter entre os seus titulares indiscutíveis alguém que comete erros sistemáticos deste tipo, erros básicos que podem prejudicar todo o trabalho feito em 90 minutos. E é por ter jogadores como este, jogadores que ombreiam com os melhores do mundo em termos técnicos e em termos atléticos, mas que possuem carências intelectuais relevantes, e por ter não um, mas vários destes jogadores entre os seus titulares, que não me parece que Portugal deva aspirar a tanto quanto tem aspirado nos últimos anos. Sim, em termos atléticos e em termos técnicos, Portugal está entre os melhores do mundo. E, sempre que conseguir levar um jogo para a dimensão física do mesmo, terá possibilidades de vencer qualquer outra selecção. Mas em termos intelectuais está mais perto de uma selecção sul-americana do que do rigor e da eficiência das maiores potências europeias. Temos hoje mais jogadores conceituados do que, por exemplo, há dez anos, mas esquecemo-nos que os jogadores que temos hoje se distinguem por atributos muito diferentes. Apesar, por isso, de mais reputada, de ter mais jogadores espalhados pelos melhores clubes europeus, parece-me esta selecção bem mais pobre do que algumas selecções anteriores. Se continua a ser suficiente para marcar presença nos maiores torneios de selecções, creio que sim. Mas sobre isso tiraremos todas as dúvidas dentro de poucos dias.